Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
578/14.1.TBEPS.G1
Relator: JOSÉ FLORES
Descritores: CASO JULGADO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Enquanto que o caso julgado, excepção peremptória, prevista nos arts. 580º e 581º, do Código de Processo Civil, exige a tríplice identidade requisitada por esta última norma, a sua autoridade estende-se aos casos em que a solução neste compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais, ainda que não haja completa identidade objectiva e subjectiva da lide;

A simples inexistência de oposição ao pedido de declaração de um direito de crédito sobre terceiro não pode constituir, por si só, motivo da sua improcedência.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES NA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

I – Relatório

A Recorrente instaurou a presente Acção de Processo Comum contra os Recorridos, pedindo a condenação destes a reconhecer:

- que é neste momento credora da sociedade P. & Filho Transportes, Lda. da quantia de €41.807,46 (quarenta e um mil e oitocentos e sete euros e quarenta e seis cêntimos), proveniente de fornecimentos que fez à sociedade, a que acrescem os juros de mora à taxa anual de 10%, acrescidos de 4% em caso de mora;
- que os Réus Carlos e mulher Maria, devidamente representados pela ré M. C. constituíram a favor da G. – Distribuidora de Gas, Ldª, aqui A., hipoteca sobre o prédio urbano, composto por casa de habitação e andar, com dependência e logradouro, situado no lugar de ..., da freguesia de ..., do concelho de Esposende, com a área coberta de 183 m2 dependência com 18 m2 e logradouro com 58 m2, inscrito na matriz sob o artigo ..., o qual foi implantado num terreno para construção, lote 16, com a área de 159 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., da freguesia de ..., Esposende, encontrando-se registado a favor dos representados réus pela inscrição G-um,, inscrito na matriz sob o artigo ...;
- que a hipoteca foi constituída para garantia e integral pagamento da quantia de que é credora a G. – Distribuidora de Gás, Ldª, até ao montante de €44.616,48, bem como para garantia dos juros os juros, à taxa nominal anual de dez por cento ao ano, devidos a partir de 01 de Dezembro de 2006, acrescidos da sobretaxa de quatro por cento, correspondente ao tempo da mora, que neste momento, bem como para garantia de todas as despesas judiciais e extrajudiciais que a “G. – Distribuidora de Gás, Ldª” tenha que suportar para conseguir a cobrança da quantia em dívida, designadamente honorários de advogados e solicitadores, que, nos não serem computadas neste momento, devem ser relegadas para a execução, bem como as emergentes do contrato e respectiva inscrição hipotecária no registo predial;
- e que assiste à G. – Distribuidora de Gás, Ldª o direito de ser paga pelo produto da venda do bem dado de hipoteca para garantia do cumprimento das obrigações da devedora inicial, bem assim o direito de instaurar execução contra os réus Carlos e mulher Maria e exigir o pagamento do seu crédito à custa do produto da venda do bem dado de hipoteca.

As Rés M. C. e E. P. não contestaram, e o Réu Fernando foi citado editalmente não tendo o D. M. do M.º P.º apresentado articulado de contestação em sua representação.
Os Réus Carlos e mulher Maria contestaram e excepcionaram o caso julgado alegando em síntese que a Autora intentou já no Tribunal de Esposende execução contra os Réus utilizando como título executivo a Hipoteca, a qual correu termos com o nº 419/12.4TBEPS.
Que a essa execução os aqui Réus deduziram, oposição tendo sido proferida sentença que absolveu os Réus do pedido e julgou extinta a execução.
A Autora veio pronunciar-se no sentido da improcedência da excepção desde logo por se não verificar identidade dos pedidos, não implicando a decisão a proferir nos presentes autos qualquer risco de o tribunal contradizer ou reproduzir decisão anterior.

Em audiência prévia, a Mmª. Juíza titular do processo colocou à discussão das partes a possibilidade de se estar perante caso julgado na vertente de autoridade de caso julgado.
A Autora nada disse além do que já antes tinha afirmado e os Réus/Alegantes invocaram subsidiariamente essa última excepção.

Após audiência prévia, foi proferida a seguinte sentença:

a) Absolver os Réus do pedido formulado pela Autora em a);
b) Julgar verificada a excepção de caso julgado relativamente aos pedidos formulados pela Autora em b), c) e d) e absolver os Réus da instância relativamente aos mesmos.

Inconformada com tal decisão, dela interpôs a referida Autora o presente recurso de apelação, em cujas alegações formulam as seguintes conclusões:

1. A função primacial dos embargos de executado – tal como a da oposição à execução, que lhes sucedeu - não é a de dirimir um litígio entre as partes, em aspectos que possam extravasar o andamento e tramitação da acção executiva, mas apenas, como decorre do seu carácter incidental, resolver uma questão, substantiva ou adjectiva, na estrita medida em que esta se projecta no destino do processo de que os embargos são dependência: na verdade, embora os embargos constituam um procedimento estruturalmente autónomo, estão funcionalmente ligados ao processo executivo, visando a pronúncia que neles é feita, quer sobre o mérito, quer sobre matéria processual, servir exclusivamente as finalidades e os fins da execução.
2. Tendo sido invocada pelo embargante, como fundamento da alegada inexistência do título executivo e com vista a obter a extinção da execução, a inexistência da dívida, por falta de concessão de poderes de confissão de dívida, a nulidade da procuração e da hipoteca voluntária unilateral, pelo facto da procuração conferir poderes para doar e não estar identificado o donatário, não cabe à sentença que dirime os embargos declarar a nulidade, em termos de tal pronúncia passar a constituir caso julgado material, invocável fora do âmbito da instância executiva em que o procedimento de embargos se enxerta.
3. Aliás, o processo de oposição á execução / embargos de executado não é o adequado à declaração de nulidade de procuração nem de hipoteca.
4. Removida do título a declaração de confissão de dívida, que seria fator da sua exequibilidade intrínseca, torna-se necessário o recurso à ação declarativa / Processo comum como condição para obtenção de título executivo – sentença – ou de confirmação da validade de um título executivo extrajudicial anterior – escritura de hipoteca unilateral voluntária.
5. O caso julgado – a existir – produz-se unicamente quanto ao reconhecimento da não existência de poderes para confessar dívidas, sendo essa a única questão que verdadeiramente foi suscitada nos embargos, como meio de oposição à execução.
6. Independentemente dos executados / embargantes se confessarem devedores e/ou assumirem a dívida de outros, independentemente dos executados / embargantes não serem eles os devedores, sempre poderiam / podem dar de hipoteca o seu imóvel para garantir o pagamento da dívida de terceiro, podendo a constituição de hipoteca ficar a cargo de um terceiro – art. 686º, nº 1, do Cód. Civil.
7. Quer a procuração outorgada pelos embargantes Carlos e Maria à M. C., quer a escritura de hipoteca voluntária unilateral revelam a firme existência do direito real de garantia sobre o bem dado de hipoteca.
8. Encontrando-se a hipoteca válida e legalmente constituída, manter-se- á, por via disso, a garantia hipotecária subjacente ao contrato, pelo que assiste ao credor(a) hipotecário / Autora o direito de agir contra todos os Réus, quer contra aqueles que foram parte na execução e invocaram não se terem confessado devedores de nada, nomeadamente o Carlos e a Maria, quer contra aqueles que por eles foram constituídos procuradores e que não foram parte na execução ou oposição apensa, os Réus Fernando e M. C., esta última que, no uso da procuração outorgada, constituiu hipoteca voluntária unilateral de bem imóvel pertencente aos embargantes.
9. Parte na ação, que não o foi também nem na execução nem na oposição à execução é igualmente a Ré E. P., conforme teor da petição inicial.
10. Se bem que haja uma certa identidade das partes, o certo é que as mesmas não atuam, nas ações (execução, oposição à execução e ação declarativa de processo comum) como titulares da mesma relação substancial, nem coincidem subjetivamente nos citados processos.
11. Não integrando o thema decidendum no âmbito da execução e/ou dos embargos / oposição à execução, nem a vontade real dos RR. / embargantes, nem a vontade real ínsita na procuração pelos mandantes / embargantes emitida para constituir hipoteca, nem os concretos poderes conferidos através da procuração e titulados na escritura de hipoteca voluntária unilateral, nem ainda apurar se o património / prédio dado de hipoteca fica(ou) ou não afeto à satisfação dos direitos de crédito do credor garantido, não sendo / nem podendo, também, ser discutida na oposição á execução a validade da constituição da hipoteca ou a relação jurídica que serve de base à procuração, tais factualidades não integraram a causa de pedir, pelo que nenhum impedimento existe para que as mesmas sejam objeto de nova ação, constituindo causa de pedir diferente.
12. Além disso, também não há identidade de pedidos, porque nos embargos de executado / oposição à execução não foi – nem poderia ser formulado contra a embargada qualquer pedido de condenação, limitando-se os embargantes a pedir a extinção da execução apensa.
13. Sendo que o único fundamento lógico para a decisão proferida nos embargos seria apenas a que resulta unicamente dada posta em crise falta de poderes para os mandantes confessarem dívidas.
14. Com efeito, a sentença proferida no processo de embargos / oposição à execução, donde pode ler-se “pela análise da oposição e considerando a factualidade aduzida, a fundamentação dos oponentes não nos merece qualquer objeção. Pelo exposto decide-se julgar a presente oposição à execução totalmente procedente e em consequência absolver os executados do pedido na ação executiva em apenso que por via da presente decisão julgo extinta” terá que ficar circunscrita à legalidade e ao que foi alegado pelos embargantes, não sendo dotada de eficácia de caso julgado material, nem inviabilizando a instauração pela Autora / recorrente contra os Réus de ação declarativa de condenação – processo comum, com os seguintes pedidos, nunca antes formulados, em concreto que: a) Os Réus sejam condenados a reconhecer que é … credora da sociedade P. & Filho Transportes, Ldª da quantia de € 41.807,46 (quarenta e um mil e oitocentos e sete euros e quarenta e seis cêntimos), proveniente de fornecimentos que fez à sociedade “P. & Filho Transportes, Ldª”, a que acrescem os juros de mora à taxa anual de 10%, acrescidos de 4% em caso de mora, os quais, calculados nos termos do disposto no nº 2 do art. 693º do Cód. Civil se cifram em € 17.574,98 (dezassete mil e quinhentos e setenta e quatro euros e noventa e oito cêntimos). b) Que os réus Carlos e mulher Maria, devidamente representados pela ré M. C. constituíram a favor da G. –Distribuidora de Gas, Ldª, aqui A., hipoteca sobre o prédio urbano, composto por casa de habitação e andar, com dependência e logradouro, situado no lugar de ..., da freguesia de ..., do concelho de Esposende, com a área coberta de 183 m2 dependência com 18 m2 e logradouro com 58 m2, inscrito na matriz sob o artigo ..., o qual foi implantado num terreno para construção, lote 16, com a área de 159 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., da freguesia de ..., Esposende, encontrando-se registado a favor dos representados réus pela inscrição G-um,, inscrito na matriz sob o artigo ...; c) Que a hipoteca foi constituída para garantia e integral pagamento da quantia de que é credora a G. – Distribuira de Gás, Ldª, até ao montante de € 44.616,48, bem como para garantia dos juros os juros, à taxa nominal anual de dez por cento ao ano, devidos a partir de 01 de Dezembro de 2006, acrescidos da sobretaxa de quatro por cento, correspondente ao tempo da mora, que neste momento e calculados com respeito pelo preceituado no nº 2 do art. 693º do Cód. Civil se cifram em € 17.574,98 (dezassete mil e quinhentos e setenta e quatro euros e noventa e oito cêntimos), bem como para garantia de todas as despesas judiciais e extrajudiciais que a “G. – Distribuidora de Gás, Ldª” tenha que suportar para conseguir a cobrança da quantia em dívida, designadamente honorários de advogados e solicitadores, que, nos não serem computadas neste momento, devem ser relegadas para a execução, bem como as emergentes do contrato e respetiva inscrição hipotecária no registo predial, que se fixaram em € 1.784,66; d) Que assiste à G. – Distribuidora de Gás, Ldª o direito de ser paga pelo produto da venda do bem dado de hipoteca para garantia do cumprimento das obrigações da devedora inicial, bem assim o direito de instaurar execução contra os réus Carlos e mulher Maria e exigir o pagamento do seu crédito à custa do produto da venda do bem dado de hipoteca,
15. Sendo que, relativamente ao pedido formulado / identificado em a), jamais o Tribunal poderia absolver os Réus do mesmo, com o fundamento que alguma vez tenham questionado o crédito da Autora sobre a sociedade ou praticado qualquer ato nesse sentido que possa fundamentar a sua condenação.
16. Na verdade, para além de terem dito na contestação nada terem a opor quanto à procedência de tal pedido, a verdade é que o reconhecimento do mesmo torna-se necessário e obrigatória para que a obrigação se torne certa, liquida e exigível e a Autora, enquanto credora hipotecária, possa agir contra os mandantes, Carlos e Maria, executando a garantia hipotecária constituída, encontrando-se a hipoteca válida e legalmente constituída.
17. Sendo certo que, mo caso em apreciação, a procuração conferida pelos réus Carlos e mulher aos co-réus M. C. e Fernando admite a prática, pela mandatária, de poderes especiais que especificamente estão identificados na procuração, encontrando-se estes mandatados, nomeadamente, e no que aqui interessa, para constituir hipotecas unilaterais, para hipotecar os referidos lote e casa de habitação.
18. E se nenhuma dúvida subsistirá quanto à detenção, por parte dos réus M. C. e Fernando, dos necessários poderes de representação para outorgar a escritura de hipoteca voluntária unilateral, procuração essa que até foi outorgada / feita no próprio interesse dos constituídos procuradores, sendo irrevogável pelos mandantes, podendo os procuradores fazer negócio consigo mesmo, com dispensa de prestação de quaisquer constas, a falta de poderes de representação não é oponível à terceira / Autora.
19. De resto, o facto de uma escritura de hipoteca voluntária unilateral haver sido apresentado numa ação executiva, não obsta à sua apresentação em ulterior ação declarativa como meio de prova.
20. Foram, entre outros, violados os artigos 732º, nº 4, do CPC, a que corresponde o atual 817º, nº 4, do NCPC, bem como os artigos 268º, nº 1, e 686º, nº 1, do Código Civil.

NESTES TERMOS, NOS MELHORES DE DIREITO DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E PROVADO E, POR CONSEQUÊNCIA, REVOGAR-SE A DECISÃO RECORRIDA, PARA SER SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE DETERMINE O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS.

Os Recorridos Carlos e mulher MARIA apresentaram contra-alegações onde concluem que deve o presente recurso ser rejeitado e mantida, na íntegra, a douta decisão de primeira instância.

II – Delimitação do objeto do recurso a apreciar:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos do artº. 639º, do Código de Processo Civil (doravante C.P.C.).
A questão enunciada pode ser sintetizada da seguinte forma: se existe caso julgado no processo de execução comum que correu termos com o nº 419/12.4TBES, mais precisamente na decisão proferida em oposição, deduzida pelos aqui Recorridos/Alegantes, que seja invocável nesta acção declarativa.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – FUNDAMENTOS
1. Factos (1)

1. A Autora G. – DISTRIBUIDORA DE GÁS, LDA,. com sede na Avenida do …, Lugar do ..., freguesia de …, concelho de Braga instaurou a presente acção de processo comum contra CARLOS, casado, residente na Rua …, freguesia de …, concelho de Viana do Castelo, Castelo do Neiva, MARIA casada, residente na Rua de …, freguesia de …, concelho de Viana do Castelo, Castelo do Neiva, FERNANDO, casado, residente na Urbanização de ..., freguesia de ..., do concelho de Esposende, Esposende, M. C., casada, residente na Urbanização de ..., freguesia de ..., do concelho de Esposende, Esposende e E. P., residente no Lugar …., Rua ..., Esposende.
2. Na presente acção a Autora pede a condenação dos Réus a reconhecer: que é neste momento credora da sociedade P. & Filho Transportes, Lda. da quantia de €41.807,46 (quarenta e um mil e oitocentos e sete euros e quarenta e seis cêntimos), proveniente de fornecimentos que fez à sociedade, a que acrescem os juros de mora à taxa anual de 10%, acrescidos de 4% em caso de mora; que os réus Carlos e mulher Maria, devidamente representados pela ré M. C. constituíram a favor da G. – Distribuidora de Gas, Ldª, aqui A., hipoteca sobre o prédio urbano, composto por casa de habitação e andar, com dependência e logradouro, situado no lugar de ..., da freguesia de ..., do concelho de Esposende, com a área coberta de 183 m2 dependência com 18 m2 e logradouro com 58 m2, inscrito na matriz sob o artigo ..., o qual foi implantado num terreno para construção, lote 16, com a área de 159 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., da freguesia de ..., Esposende, encontrando-se registado a favor dos representados réus pela inscrição G-um, inscrito na matriz sob o artigo ...; que a hipoteca foi constituída para garantia e integral pagamento da quantia de que é credora a G. – Distribuidora de Gás, Ldª, até ao montante de €44.616,48, bem como para garantia dos juros os juros, à taxa nominal anual de dez por cento ao ano, devidos a partir de 01 de Dezembro de 2006, acrescidos da sobretaxa de quatro por cento, correspondente ao tempo da mora, que neste momento, bem como para garantia de todas as despesas judiciais e extrajudiciais que a “G. – Distribuidora de Gás, Ldª” tenha que suportar para conseguir a cobrança da quantia em dívida, designadamente honorários de advogados e solicitadores, que, nos não serem computadas neste momento, devem ser relegadas para a execução, bem como as emergentes do contrato e respectiva inscrição hipotecária no registo predial e que assiste à G. – Distribuidora de Gás, Ldª o direito de ser paga pelo produto da venda do bem dado de hipoteca para garantia do cumprimento das obrigações da devedora inicial, bem assim o direito de instaurar execução contra os réus Carlos e mulher Maria e exigir o pagamento do seu crédito à custa do produto da venda do bem dado de hipoteca.
3. A Autora instaurou, em 26 de Julho de 2002, no Tribunal Judicial de Esposende, contra a sociedade P. & Filho Transportes Lda, procedimento cautelar especificado, pedindo que fosse decretado o arresto de viaturas automóveis (ligeiros, pesados de mercadorias e tractores) ali identificados, para garantia de um crédito, no valor de €32.174,99, que corria o risco de não ser satisfeito, parte do qual estava titulado por letra de câmbio e a outra parte por facturas, resultante de fornecimentos de combustíveis que a aqui Autora fez à sociedade P. & Filho, Ldª, tendo sido proferida decisão a decretar o arresto dos veículos automóveis identificados nos autos, tendo sido solicitado às autoridades policiais a necessária colaboração.
4. Eram sócios e gerentes da P. & Filho, Ldª os réus Fernando, casado com M. C., e a mãe daquele, E. P..
5. No dia 28 de Outubro de 2002 Carlos e mulher Maria outorgaram, “Procuração” no Cartório Notarial de Esposende declarando que constituíam seus procuradores Fernando e mulher M. C. a quem, concediam poderes para, em conjunto ou separadamente, com livre e geral administração civil e sem quaisquer limitações ou restrições, administrar o lote de terreno destinado a construção urbana, sito no lugar de ..., freguesia de ..., do concelho de Esposende, designado pelo número 16, do Lote da Habitação Social de ..., inscrito na matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ..., de ..., bem como qualquer benfeitoria ou construção urbana ali implantada, nomeadamente o prédio urbano composto de casa de habitação, com rés-do-chão e andar, dependência e logradouro, inscrito na matriz sob o artigo ..., de que são proprietários, para contrair empréstimos até qualquer valor, constituir hipotecas unilaterais, para vender, permutar, hipotecar aqueles referidos lote e casa de habitação, pelo preço, valor e demais condições que entender convenientes, outorgar e assinar as respectivas escrituras, autos, termos, requerimentos e documentos públicos e particulares próprios aos actos a praticar. Mais declararam que a procuração era feita no próprio interesse dos procuradores, sendo irrevogável pelos mandantes, não caducando por morte destes, podendo aqueles celebrar todos os actos e contratos para os quais lhe foram conferidos poderes pelo instrumento da procuração, mesmo consigo próprios, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do artigo 261 do Código Civil, dispensando os procuradores da prestação de quaisquer contas relativamente ao mandato que tinha carácter gratuito.
6. Por escritura pública de Hipoteca Voluntária Unilateral outorgada no Notário do Primeiro Cartório J. J. em 30 de Outubro de 2002, junta a fls. 22 a 24 dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a aqui Ré M. C., outorgando na qualidade de procuradora dos réus Carlos e Maria, utilizando para o efeito a procuração referida no número anterior, declarou que os seus representados eram donos e legítimos possuidores de um prédio urbano, composto por rés-do-chão e andar, com dependência e logradouro, situado no lugar de ..., lote 16, da freguesia de ..., do concelho de Esposende, com a área coberta de 83 m2, dependência com 18 m2 e logradouro com 58 m2, inscrito na matriz sob o artigo ...; que esse prédio foi implantado num terreno para construção, lote 16, com a área de 159 m2, situado naquele lugar de ... e freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., da freguesia de ..., Esposende, encontrando-se registado a favor dos representados réus pela inscrição G-um, e inscrito na matriz sob o artigo ... e que sobre esse prédio, em nome dos seus representados e no uso dos poderes conferidos na procuração, constituía hipoteca a favor da aqui Autora “G. – Distribuidora de Gás Lda” para garantia do integral pagamento da quantia de que a sociedade é credora nos termos das seguintes cláusulas: “1ª a) A hipoteca garante o montante de quarenta e quatro mil e seiscentos e dezasseis euros e quarenta e oito cêntimos, da qual a outorgante confessou os seus representados devedores; b) Juros à taxa nominal anual de dez por cento ao ano, que incidem sobre o montante em dívida à dita sociedade “G. – Distribuidora de Gás, Ldª”, devidos a partir de um de Dezembro de 2006, e em caso de mora, acrescidos da sobretaxa de quatro por cento, correspondente ao tempo da mora; c) Todas as despesas judiciais e extrajudiciais que a aludida sociedade “G. – Distribuidora de Gás, Ldª” tenha que suportar para conseguir a cobrança da quantia em dívida, designadamente honorários de advogados e solicitadores, bem como as emergentes do contrato e respectiva inscrição hipotecária no registo predial, que se fixou em €1.784,66; 2ª A presente hipoteca é feita com a máxima amplitude e subsistirá enquanto a “G. – Distribuidora de Gás, Ldª” não estiver integralmente paga, abrangendo todas as construções, benfeitorias e acessões presentes e futuras e as indemnizações devidas por sinistro, expropriação e quaisquer outras que a indicada sociedade poderá receber de quem competir, até à liquidação das responsabilidades pela hipoteca garantidas; 3ª (…) d) Reembolsar o montante em dívida em 48 prestações mensais e sucessivas de €929,51, vencendo-se a primeira prestação no próximo dia 01 de Dezembro de 2002 e as restantes em igual dias dos meses e anos seguintes (…).”
7. Do teor da escritura referida no número anterior consta ainda que foi arquivada cópia da procuração e que foi feita à outorgante a leitura da escritura e a explicação do seu conteúdo.
8. A aqui Autora “G. – Distribuidora de Gás, Ldª” instaurou contra os aqui Réus Carlos e Maria execução comum que correu termos com o nº 419/12.4TBES na qual indicou como título executivo a escritura de constituição de hipoteca referida em 6) e como quantia exequenda €82.325,48, acrescida de juros vincendos à taxa contratual de 10%, com sobretaxa de 4%, requerendo a execução da hipoteca.
9. Por apenso à execução referida no número anterior os aqui Réus Carlos e Maria deduziram Oposição à Execução, que correu termos com o nº 419/12.4TBES – A, a qual consta da certidão de fls. 119 e seguintes dos presentes autos (concretamente a fls. 129 a 145) cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, baseando em síntese a sua oposição em três questões essenciais: a inexistência de divida, a representação sem poderes e a nulidade da procuração e da escritura.
10. A exequente “G. – Distribuidora de Gás, Ldª” não apresentou contestação na Oposição à Execução referida no número anterior tendo sido proferida decisão, transitada em julgado em 01/10/2012, a qual consta da certidão de fls. 119 e seguintes dos presentes autos (concretamente a fls. 146) cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e da qual consta designadamente: “pela análise da oposição e considerando a factualidade aduzida, a fundamentação dos oponentes não nos merece qualquer objecção. Pelo exposto decide-se julgar a presente oposição à execução totalmente procedente e em consequência absolver os executados do pedido na acção executiva em apenso que por via da presente decisão julgo extinta”.

2. Direito

Como já dizia o Código Civil de Seabra de 1867, no seu art. 2502º (Do Caso Julgado), caso julgado é o facto ou o direito, tornado certo por sentença de que não há recurso.
O actual Código de Processo Civil, dita nessa linha, no seu art. 619º, que (1) Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º..
Esse art. 580º, esclarece que (1) as excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado. (2) Tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
Concretiza-se nesse art. 581º (1) repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. (2) Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. (3) - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. (4) Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.
Por sua vez, o seu artigo 621.º, reportando-se ao seu alcance, estipula que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.

Em especial, sobre a questão que aqui nos traz, dita o actual art. 732º, nº 5, do Código de Processo Civil (2), que (5) para além dos efeitos sobre a instância executiva, a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.

Estamos assim, apesar de o legislador qualificar o caso julgado como excepção peremptória, de alguma forma no âmbito dos pressupostos processuais que, como refere Miguel Teixeira de Sousa (3), definem as condições nas quais o direito subjectivo alegado pelo autor pode obter a tutela jurisdicional concedida através de uma decisão de procedência. Nesta perspectiva, os pressupostos processuais constituem limites intrínsecos à concessão da tutela jurisdicional e realizam uma função reguladora ou ordinatória, pois que determinam os condicionalismos processuais nos quais essa tutela pode ser concedida à parte requerente. (…) A consagração legal deste pressupostos visa acautelar determinados interesses que devem ser observados na concessão da tutela judiciária. (…) No direito positivo, que qualifica como peremptória a excepção de caso julgado (496º, al. a)), parece restar apenas a competência absoluta (quer a interna, quer a tendencialmente internacional) como exemplo dos pressupostos que acautelam interesses da titularidade do Estado e relativamente aos quais se justifica a precedência da sua apreciação, como, de algum modo (…). Em contrapartida, a generalidade dos pressupostos processuais visa salvaguardar os interesses das partes garantindo um equilíbrio de forças e de oportunidades entre os litigantes. (…) Mas a grande maioria dos pressupostos processuais tem por função preservar o réu de sacrifícios inúteis ou desnecessários, dado que a concessão de tutela judiciária à situação subjectiva alegada pelo autor não pode postergar todos os interesses desta parte passiva: assim, o réu não pode ser obrigado a discutir um certo objecto quando está pendente um outra causa sobre o mesmo objecto ou quando esse objecto já foi decidido noutra acção (o que justifica a previsão das excepções de litispendência e de caso julgado), quando a concessão da tutela judiciária em nada aproveita ao autor ou pode ser obtida através de outro meio processual menos oneroso para o réu (o que fundamento a exigência do interesse processual) do autor (…).

Trata-se de um instituto com raízes no direito fundamental, constitucional. O caso julgado está intimamente ligado ao princípio do Estado de Direito Democrático e uma garantia basilar dos cidadãos onde deve imperar a segurança e a certeza. Não obstante, o respeito pelas decisões no poder judicial, já anteriores à república, e que se encontram presentes na actualidade consubstanciam ao valor máximo de justiça aliado ao princípio da separação de poderes (4).

O fundamento do caso julgado reside, por um lado, no prestígio dos tribunais, o qual «seria comprometido em alto grau se a mesma situação concreta uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente» e, por outro lado, numa razão de certeza ou segurança jurídica, pois «sem o caso julgado estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica verdadeiramente desastrosa. (…) Seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu.“. (5)

“Se assim não fosse, os tribunais falhariam clamorosamente na sua função de órgãos de pacificação jurídica, de instrumentos de paz social”. (6)

Dito isto, há que salientar que a abrangência do instituto do caso julgado tem sofrido evoluções jurisprudenciais e doutrinais relevantes para o caso que aqui nos traz a Apelante.

Como salienta o Conselheiro Tomé Gomes, relator do recente Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.6.2017 (7), desde há muito que tanto a doutrina (8) como a jurisprudência têm distinguido duas vertentes:

a) – uma função negativa, reconduzida a excepção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em acção futura;
b) – uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução neste compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais.

Quanto à função negativa ou excepção de caso julgado, é unânime o entendimento de que, para tanto, tem de se verificar a tríplice identidade estabelecida no artigo 581.º do CPC: a identidade de sujeitos; a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir.

Já quanto à autoridade do caso julgado, existem divergências. Para alguns, entre os quais Alberto dos Reis, a função negativa (excepção de caso julgado) e a função positiva (autoridade de caso julgado) são duas faces da mesma moeda, estando uma e outra sujeitas àquela tríplice identidade (9). Segundo outra linha de entendimento, incluindo a maioria da jurisprudência, a autoridade do caso julgado não requer aquela tríplice identidade, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado (10).
No que respeita à tríplice identidade mencionada no citado art. 581º, menciona o mesmo texto que quanto à identidade de sujeitos, o que é essencial não é a sua identidade física, mas a mesmidade da posição ou da qualidade jurídica na titularidade direitos e obrigações contemplados pelo julgado (11). Todavia, a relatividade subjectiva do caso julgado não obsta a que este se possa estender a terceiros, mormente nos casos em que da lei resulte tal extensão (12).
Também, no que respeita à identidade do pedido e da causa de pedir, importa aferi-la não de um modo global, mas sim em função de cada pretensão parcelar em que se possa decompor o objecto das causas em confronto e dos correspectivos segmentos decisórios.(…)

Vejamos então o que nos permitem concluir a esse respeito as acções que estão aqui em confronto (cf. art. 662º, nº 1, do Código de Processo Civil).

No que concerne à acção que consubstanciará o caso julgado, estamos perante uma decisão proferida numa oposição, deduzida ainda ao abrigo do anterior Código de Processo Civil, no âmbito de uma demanda executiva em que figuram como exequente e parte passiva (na referida o oposição), a aqui Recorrente e como executados/oponentes apenas os aqui Recorridos/contra-alegantes.

Existe, portanto, apenas uma aparente parcial identidade subjectiva, se atendermos a uma visão global da configuração desta demanda, já que além destes últimos, nesta acção declarativa onde foi invocada a excepção em causa, a Autora optou por demandar ainda Fernando, M. C. e E. P. identificados na p.i. nos termos acima expostos em III.1.4., sendo que os dois primeiros figuram como representantes de Carlos e Maria na procuração acima mencionada e, note-se, numa altura em que a P. & Filhos estaria falida, apenas esta última interveio, no negócio que envolveu a constituição das alegadas hipoteca e assunção de dívida acima enunciadas (III.) e invocadas na p.i..

No que se reporta à causa de pedir, naquela execução, a aí Exequente invocava apenas a constituição de hipoteca em que alegadamente os aí Executados se teriam comprometido (“confessaram”) com as mesmas obrigações pecuniárias que figuram nos pedidos b) a d) desta acção declarativa, sem qualquer referência à dívida da sociedade P. & Filho.
Já nesta acção declarativa, a Autora invoca como causa de pedir, por um lado, os fornecimentos que alegadamente fez à dita sociedade P. & Filho, no valor original de 32174,99 euros (v.g., itens 2º e 3º da p.i.) e, por outro, o mesmo negócio que subjaz àquela execução – “hipoteca voluntária unilateral(13) (no qual não se faz qualquer referência a esse fornecimentos ou a essa sociedade), alegadamente outorgado por M. C. em representação daqueles Carlos e Maria, acrescentando-lhe apenas uma defesa antecipada dos vícios que que foram articulados por estes últimos naquela oposição.

Em face do exposto, a primeira observação que nos permite este cotejo das duas instâncias analisadas é a de que, nesta acção declarativa, existe um uma alteração da sua configuração subjectiva e substancial que é meramente artificial e, senão contraditória, pelo menos inútil.
Com efeito, começando pela mais evidente, é para nós óbvio que a demanda nesta acção dos Réus Fernando, esposa Maria e mãe E. P., é desinteressante para o efeito útil que a Autora não esconde pretender com os pedidos que formula em b) a d), que é tão-somente ressuscitar a discussão das obrigações que executou em 2012. E tanto assim é que não se vislumbra qualquer efeito prático da sua condenação no reconhecimento pedido em a), de uma sociedade de que são meros gerentes e ou, no caso da Ré M. C., mera esposa do gerente. Estando aliás aquela pessoa colectiva, de acordo com os dados anunciados no processo, insolvente, num processo que é 2003.

Por isso, julgamos estar aqui perante uma operação que visa apenas, artificialmente, alterar o âmbito subjectivo desta última instância.

E o mesmo sucede com a causa de pedir adicional articulada (os ditos fornecimentos) e o pedido extra (da al. a)) que a Autora aqui formula, para compor uma aparência de substancia diversa da acção de onde emerge o alegado caso julgado.
Com efeito, repete-se, a hipoteca e a assunção de dívida, tituladas pelo documento público emitido em 2002, não têm sequer nenhuma relação aparente ou expressa com esse crédito, se lermos o seu texto constitutivo.
Sem prejuízo dessa análise, julgamos que, quanto às pretensões formuladas pela Autora/Recorrente em b) a d) do seu petitório, existe, em relação aos Réus/Apelados Carlos e Maria, e aos Réus, Fernando e M. C., que agiram na mesma qualidade, como representantes daqueles, uma coincidência subjectiva e de substância, neste caso quer quanto aos pedidos, quer quanto à causa de pedir, subjacentes à execução e à oposição decidida em 11.7.2012 (cf. Certidão de fls. 119 a 146 v.), o que fundamenta, quanto a estas partes e pedidos, a opção seguida pela decisão impugnada, já que se verificam, ainda que parcelarmente, os requisitos dos citados arts. 580º e 581º, do C.P.C..
E não se diga que essa solução é afastada pela natureza "incidental" da oposição deduzida pelos Apelados.
Com o devido respeito pela interpretação seguida pelo citado Ac. do S.T.J., de 12.11.2009, que seguiu a corrente que, na altura, obstava ao caso julgado actualmente previsto no art. 732º, nº 5, do C.P.C., entendemos mais acertada a posição que vingou nesta norma e que, em consonância com a natureza desta verdadeira ação declarativa enxertada no processo executivo, admitia essa eficácia extra-execução, da sentença nele proferida.
É que, relembremos, também aqui são prementes os fins e os princípios, acima salientados, prosseguidos por esse instituto, e o amplo contraditório admitido já no anterior C.P.C., que segue a tramitação do processo declarativo, admite essa solução. De outro modo, atente-se, neste caso concreto, estaria aberta a hipótese de, contra os Apelantes, ser deduzida uma nova execução, com a mesma obrigação como causa de pedir, possibilitando-se ainda que as partes voltassem a discutir aquilo que já ficou assente em 2012 entre as mesmas, ou seja, com prejuízo para paz e a segurança jurídica, o Estado de direito e a eficácia das decisões judiciais v. a satisfação em tempo útil das pretensões dos litigantes (cf. Art. 2º, nº 1, do Código de Processo Civil) (14).

Com referia J. Lebre de Freitas (15), ainda no âmbito do C.P.C. anterior, (...) ao estatuir que a oposição do executado dê lugar a uma acção declarativa, que, a partir dos articulados, siga a forma do processo ordinário, a nossa lei processual estabeleceu para os embargos de executado uma forma quase tão solene como a do processo ordinário. (...) Uma vez que o princípio do contraditório é, nos embargos de executado, plenamente assegurado, não se justificaria admitir posteriormente outra acção com a mesma causa de pedir em que se pudesse voltar a pôr em causa a existência da obrigação exequenda. Assim, no caso da oposição de mérito, a procedência dos embargos não se limita a ilidir a presunção estabelecida a partir do título e, embora sempre nos limites objetivos definidos pelo pedido executivo, goza de eficácia extraprocessual nos termos gerais, como definidora da situação jurídica de direito substantivo reinantes entre as partes (...). A sentença proferida sobre uma oposição de mérito é assim dotada da força geral do caso julgado (…).
No caso, como realçou a decisão recorrida, a sentença decidiu o mérito daquela oposição, perante a total falta de contestação da Exequente, nos termos do então vigente art. 784º, do C.P.C.. Julgou-a procedente, aderindo sem qualquer reparo à factualidade e argumentação aduzida pelos Apelados: inexistência de dívida, representação sem poderes, nulidade da procuração e escritura em causa.
Qualquer um destes vícios importa a inconsistência absoluta das obrigações então exequendas, agora peticionadas em b) e d) desta acção, tornando inadmissível não só a discussão da existência desses créditos como também a dos vícios então considerados, com os efeitos previstos no art. 576º, nº 3, do C.P.C., sendo operação impertinente a discussão antecipada destes pelo articulado inicial da Autora ou a insistência na alegada factualidade subjacente, ainda agora em sede de recurso, precludida que está a sua discussão. Discordamos, por isso, da decisão da primeira instância, mas apenas na parte em que decide absolver estes quatro Réus da instância, quando, segundo o silogismo que seguimos, a excepção em causa é peremptória e importa antes a absolvição desses concretos pedidos, relativamente a essas específicas partes, o que se ditará ao abrigo do disposto no art. 579º, do Código de Processo Civil.
Já no que respeita à Demandada E. P., em relação a esse objecto parcelar do processo, cremos estar perante o efeito positivo desse caso julgado, que obsta à discussão desse mesmo negócio.
É que, como acima se salientou, o alcance da autoridade do referido caso julgado tem efeito extra-partes, vai onde este não pode ir, impedindo a discussão da mesma matéria perante terceiros ou prejudicando o conhecimento de questões conexas com a que foi anteriormente apreciada, independentemente da tríplice identidade exigida pelo art. 581º, do C.P.C..
No caso, por maioria de razão, esse efeito impede que perante esta Ré se volte a discutir a essa mesma obrigação, o que constitui excepção dilatória inominada, que obsta ao conhecimento dessa matéria dos pedidos b) a d), com esta parte, tal como resulta do disposto nos arts. 278º, nº 1, al. e), 576º, nºs 1 e 2, 577º, nº 1, 619º e 621º, do Código de Processo Civil (16), pelo que divergimos, nesta parte, da solução encontrada pela sentença em crise, seguindo antes o rumo anunciado pela discussão desta outra excepção, desta feita dilatória, em sede de audiência prévia.

Resta, portanto, apreciar a decisão impugnada quanto ao pedido formulado em a) da p.i., a simples apreciação ou declaração de um direito de crédito sobre uma pessoa colectiva, que não é parte nesta acção.
Sobre esta questão a sentença impugnada sustentou o seguinte…
Os Réus Carlos e mulher Maria vieram expressamente dizer nada ter a opor à procedência de tal pedido e os demais Réus (designadamente o Réu citado editalmente) não apresentaram articulado de contestação.
No entanto, e da análise dos factos alegados pela própria Autora, nada resulta no sentido de que os Réus alguma vez tenham questionado o crédito da Autora sobre a sociedade ou praticado qualquer acto nesse sentido que possa fundamentar a sua condenação.
De facto, do que resulta dos autos é que os Réus Carlos e mulher Maria colocaram e colocam em causa é que sejam devedores em nome pessoal da Autora relativamente a tal crédito, designadamente por força da confissão da divida constante da escritura de constituição de hipoteca.
Assim, e quanto a tal pedido deverá o mesmo improceder.
A Apelante (15. e 16. das suas conclusões), diz que a absolvição dos Réus não pode ser fundada na alegada falta de litígio sobre a existência do seu crédito, o seu reconhecimento pelos contestantes deve ser atendido e a sua discussão é fundamental para a execução das restantes obrigações cuja declaração/condenação se pede.
Os Apelados que alegaram, sustentam a solução da decisão.

Uma vez que foi decidido que o restante objecto da acção não deve ser apreciado, fica prejudicada a argumentação da Recorrente (aliás despicienda) que respeita a essa suposta ligação com o mesmo, que se fosse inversa (a prejudicialidade) importaria antes a extensão a este primeiro pedido da autoridade do referido caso julgado.

Deste modo, fica apenas por saber se a questionada fundamentação da primeira instância tem viabilidade.
Julgamos que aqui assiste parcial razão à Apelante. O argumento de que os Demandados nada questionaram sobre a existência do crédito a que alegadamente serão alheios não colhe e, como é sabido, não é obstáculo à interposição da grande maioria das acções de simples apreciação, como a que consubstancia tal pedido visto isoladamente. Pode tal argumentação estar próxima da inerente a alguma excepção dilatória que obste ao conhecimento do mérito desta particular lide (v.g., a inominada de falta de interesse em agir, que no entanto não foi discutida), no entanto tal não pode pura e simplesmente fundar a decidida absolvição do pedido.
Aliás, este argumento e as alegações da Apelante esquecem ainda que a instância envolve mais três Réus, um dos quais foi citado editalmente e, por isso, nunca a sua falta de oposição resultaria na confissão desse pedido indiscriminadamente deduzido (art. 568º, al. b), do Código de Processo Civil), nem o inverso se pode presumir.
Em face do exposto, sem prejuízo do que venha a considerar a primeira instância, julgamos que a impugnada decisão desse pedido carece de sustento e, por isso, deve ser revogada, para que a instância prossiga, após o pertinente saneamento.
*

IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar parcialmente procedente a apelação, decidindo, em conformidade:

a) Revogar a decisão relativa ao pedido formulado pela Autora em a), devendo os autos prosseguir os trâmites normais, conducentes à melhor análise dessa parte da lide;
b) Confirmar a sentença recorrida quanto à existência de excepção de caso julgado relativamente aos pedidos formulados pela Autora em b) a d), no que respeita a todos os Réus, excepto relativamente à Ré E. P., em relação à qual se julga existir sim reflexa autoridade desse mesmo caso julgado;
c) Absolver, por isso, os Réus Carlos, Maria, Fernando e M. C. dos pedidos formulados em b) a d) e, no caso da Ré E. P., absolve-la da instância respeitantes a esses mesmos pedidos.

Custas da apelação pela Apelante e pelos Apelados que alegaram (estes em partes iguais), na proporção de, respectivamente, ¾ e ¼ (cf. art. 527º, do Código de Processo Civil).
Guimarães, 15.3.2018

Relator – Des. José Flores
1º - Des. Sandra Melo
2º - Des. Heitor Gonçalves


1. Os considerados pela primeira instância, que não foram objecto de impugnação (cf. art. 663º, nº 6, do Código de Processo Civil).
2. Que entrou em vigor em 1.9.2013 e nesta parte é aplicável apenas aos embargos deduzidos após essa data (cf. art. 6º, nº 4, da Lei nº 41/2013).
3. In Sobre o Sentido e a Função dos Pressupostos Processuais (Algumas Reflexões Sobre o Dogma da Apreciação Prévia dos Pressupostos Processuais Na Acção Declarativa), p. 102 e ss.
4. MIGUEL PIMENTA DE ALMEIDA, in A INTANGIBILIDADE DO CASO JULGADO NA CONSTITUIÇÃO (BREVÍSSIMA ANÁLISE), p. 18
5. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, p. 306.
6. Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, 2ª Ed., p. 75
7. in http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/538df581632b09588025814c0049be53?OpenDocument
8. Vide, entre outros, Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, pp. 38-39; Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 572; Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2008, p. 354.
9. In Código de Processo Civil anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 3.ª Edição, 1981, pp. 92-93.
10. Vide, entre outros, os seguintes acórdãos do STJ: de 13/12/2007, relatado pelo Juiz Cons. Nuno Cameira no processo n.º 07A3739; de 06/3/2008, relatado pelo Juiz Cons. Oliveira Rocha, no processo n.º 08B402; de 23/11/2011, relatado pelo Juiz Cons. Pereira da Silva no processo n.º 644/08.2TBVFR.P1.S1, acessíveis na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
11. Neste sentido, vide, entre outros, Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 1981, pp. 97-99.
12. Vide Alberto dos Reis, ob. cit. p. 99.
13. Cf. doc. a fls. 22 e ss.
14. Cf. nesse sentido o Ac. de 10.6.2016, deste Tribunal da Relação de Guimarães - Tendo sido deduzidos embargos à execução nos quais se suscitou a questão da validade ou invalidade do negócio jurídico formalizado no escrito e relativo ao contrato de locação de estabelecimento, que constitui o título executivo, sendo esta uma questão relativa ao mérito (validade ou nulidade do contrato), discutida e decidida na sentença que julgou improcedentes os embargos, tal constitui força ou autoridade de caso julgado relativamente a acção declarativa em que mais uma vez se pretende invocar a nulidade do contrato (mais propriamente de uma das suas cláusulas)., in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/10f9ee52270f840280258066005b2934?OpenDocument
15. in Acção Executiva e Caso Julgado, p. 8, publicado em http://www.oa.pt/upl/%7Bd7d8c8e7-0470-4607-9c33-4fea041db89f%7D.pdf 16. Cf. nesse sentido Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães, de. 5.1.2017, in www.dgsi.pt