Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
33/18.0PFGMR.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: DETERMINAÇÃO PENA
REGISTO CRIMINAL ARGUIDO
PROVA PROIBIDA
ARTº 11º DA LEI 37/2015
DE 5/5 E DECISÃO QUADRO 2009/3157JAI
DO CONSELHO
DE 2672/2009
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
Em conformidade com o disposto no art. 11º da Lei 37/2015, de 5/5 – que transpôs para a ordem jurídica interna a Decisão-Quadro 2009/315/JAI, do Conselho, de 26/2/2009, e estabeleceu os princípios gerais que regem a organização e o funcionamento da identificação criminal –, a verificação do decurso de determinados prazos sobre a data da extinção das penas sem que o arguido volte a delinquir impõe o cancelamento dos registos criminais e, por isso, se este não tiver sido efectivado, os mesmos não podem ser considerados contra o arguido, por constituírem meio de prova proibida.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

No âmbito do processo sumário nº 33/18.0PFGMR do Juízo Local Criminal de Guimarães, da Comarca de Braga, o arguido B. F. foi julgado e condenado por sentença proferida e depositada a 18/04/2018, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº. 1, do C. Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 11 (onze) meses, nos termos do disposto no artigo 69º, nº. 1, al. a) e n.º 2, do mesmo Código.

Inconformado com a referida decisão, o arguido interpôs recurso, pugnando pela aplicação de uma pena de multa e pela redução da pena acessória para cinco meses formulando na sua motivação as seguintes conclusões:

«(…) 52. O presente recurso visa a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de direito, nos termos do artº 412º nº 2 do CPPenal, porquanto considera o Rec.te ser a mesma excessiva para a finalidade que com a sua prática o Tribunal a quo visa acautelar.
53. Acontece que a determinação na medida das penas aplicadas ao Rec.te, tiveram por base, no essencial, os seus antecedentes criminais – sentença transcrita supra em III.
54. Desde logo, de acordo com o disposto no art.º 71º do C.P. a determinação da pena far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
55. Quanto à prevenção geral e não obstante o facto de se tratar de um crime praticado com frequência no País, ao qual é associado sinistralidade, facto é que as consequências dos actos do arguido não foram gravosas.
56. Ora, não obstante a culpa do Rec.te, a sua conduta não provocou qualquer dano ou acidente, nem foi observado qualquer perigo iminente, como por exemplo, excesso de velocidade.
57. Dir-se-á, por isso, que no crime de condução em estado de embriaguez, parece haver por parte das pessoas uma certa tolerância quando da prática do mesmo não advém quaisquer consequências, como aconteceu no presente caso.
58. Por esta razão, não poderemos concluir que a prevenção geral neste tipo de conduta vá para além do nível médio.
59. Quanto à prevenção especial, relativamente à prática por parte do aqui Rec.te, dever-se-á atender ao seguinte:
60. Se, por um lado, o Tribunal a quo se confronta com os factos que o Rec.te vem acusado, com a sua ilicitude e com os seus antecedentes criminais, por outro lado, não poderá o mesmo Tribunal ser alheio aos factos que lhe são favoráveis, nomeadamente:

- Se encontrar inserido socialmente na comunidade;
- Não lhe serem conhecidos, pelos documentos juntos aos autos, a prática de quaisquer outros tipos de delitos;
- De relevar que se trata de pessoa reformada, com 64 anos de idade, tendo, assim, pautado uma vida pelo cumprimento da lei;
- O facto de, conscientemente, ter confessado os factos que lhe foram imputados.
61. É certo que o Rec.te que já foi condenado pela prática do mesmo crime, por duas vezes, constando tal informação dos boletins juntos aos autos.
62. Porém, sempre se dirá que as condenações referidas respeitam a factos praticados em 2009 e 2011.
63. Atenta tal informação, considerou o Tribunal a quo que essas anteriores condenações imputadas ao Rec.te, em pena de multa e pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, não foram suficientes para afastar o Rec.te da prática de novos crimes, optando pela pena de prisão, suspensa na sua execução.
64. Sucede que a valoração dos antecedentes criminais do Rec.te, através do Certificado de Registo Criminal, não podia ter tido a relevância jurídica que acabou por ter na condenação ao Rec.te.
65. Efectivamente, o Rec.te sofreu uma primeira condenação pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, praticado em 2009/10/10, com trânsito em julgado aos 2009/11/02, em 90 dias de multa, à taxa diária de €6,00, com data de extinção aos 2011/01/08, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de cinco meses, com data de extinção aos 2010/04/05.
66. E uma segunda condenação pela prática do mesmo crime, aos 2011/04/23, com trânsito em julgado aos 2011/06/06, na pena de multa, à taxa diária de 120 dias, com extinção aos 2012/05/28, e na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 10 meses, com data de extinção de 2012/05/22.
67. Ora, de acordo com a Lei nº 37/2015, de 5 de Maio, é esta manifesta ao determinar o cancelamento dos registos criminais por decurso de certos prazos sobre a data da extinção das penas sem que o arguido volte a delinquir.
68. Atento o artº 11º nº 1 al b), da referida Lei “ As decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal nos seguintes prazos: Decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, (…) decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza; (…)”.
69. Como se constata através dos boletins juntos, ambas as penas aplicadas ao Rec.te em 2009 e 2011, há muito que se encontravam extintas aquando da prática dos presentes factos, ocorridos em 2018/04/07.
70. Desse modo, não podiam aquelas anteriores condenações serem valoradas pelo Tribunal a quo para aplicação da medida da pena, como o fez, violando o disposto no referido artº 11 da referida Lei 37/2015, de 5 de Maio.
71. Foi, assim, computada informação constante do certificado de registo criminal do Rec.te que, indevidamente foi apreciada e valorada pelo Tribunal a quo, pesando no agravamento da aplicação da pena.
72. Na verdade, o cancelamento do registo implica que as sentenças canceladas se considerem extintas juridicamente, não lhes ligando quaisquer efeitos quanto à medida da pena – Ac. Relação Èvora, 10/05/2016, http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/-/D8BB85DBAAA97CB580257FCB004EBBD5
73. Nesse sentido, deixa de poder ser apreciado ou valorado pelo Tribunal contra o arguido, independentemente de se ter ou não procedido à real efectivação do cancelamento – mencionado supra Ac do Tribunal da Relação de Évora, 10/05/2016.
74. No mais, ocorrendo motivo para o cancelamento do último registo, deve proceder-se ao cancelamento dos anteriores que por causa dele se mantinham activos (Almeida Costa, Registo Criminal, 1985, pag. 375).
75. Nesse sentido, a valoração da informação constante no CRC do Rec.te, não devia ter sido atendida/valorada pelo Tribunal a quo para determinação da pena, por absoluta impossibilidade legal de o fazer - no mesmo sentido Ac. Relação Coimbra, de 13/09/2017.
76. Ora, tais condutas, ocorridas há mais de cinco anos, não deveriam ser levadas em conta para a determinação da medida da pena, uma vez que se consideram como não existentes para efeitos de valoração da convicção do Tribunal.
77. Contudo, entendeu o Tribunal a quo, da análise realizada, da qual ressalta a ampla valoração das duas condenações anteriores, que a pena de multa não podia ser aplicada, atento em conta os antecedentes criminais do Rec.te, sendo antes a prisão efectiva, suspensa na sua execução, aquela a aplicar.
78. No entanto, tal como tem sido sobejamente alegado, o Tribunal a quo não podia valorar os antecedentes criminais do Rec.te, pois são factos insusceptíveis de valoração.
79. Por outro lado, o Rec.te confessou integralmente e sem reservas, mostrando-se arrependido, revestindo, desse modo, de forma directa e adequada as exigências da aplicação de outra medida da pena.
80. Por outro lado, a pena de prisão, suspensa na sua execução, acaba por exceder as necessidades de prevenção geral e especial, uma vez que, quanto a estas o Rec.te acabou por confessar os factos e por outro lado da execução de tal crime, não resultaram consequências gravosas.
81. Relativamente à pena acessória aplicada ao Rec.te, da inibição de conduzir veículos a motor pelo período de onze meses, revela-se, igualmente, a mesma excessiva, devendo, antes, ser aplicada tal pena por um período nunca superior a cinco meses, o que corresponde a sensivelmente metade do período ora aplicado.
82. Efectivamente, a relevância ilegal dada ao CRC do Rec.te foi determinante para a determinação da medida da pena, conforme resulta da sentença.
83. Assim, a aplicação ao Rec.te de uma pena de multa e de uma pena acessória de inibição de condução de veículo motorizado, por período não superior a cinco meses, serão aquelas que realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Termina pedindo que, na procedência do recurso, se considere desmesurada a pena aplicada pelo Tribunal a quo, decidindo o Tribunal ad quem pela aplicação de outra medida, nomeadamente pena de multa e pena acessória pelo período não superior a cinco meses.
O recurso foi regularmente admitido por despacho proferido a fls. 54.

O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta à motivação, defendendo a procedência parcial do recurso, na medida em que, segundo aduz, os dados de facto invocados pelo recorrente estão correctos, não podendo as suas anteriores condenações ser sopesadas na aplicação da pena agora imposta, que apenas deve ser de multa. Contudo, defende que deve ser aplicada ao recorrente uma pena acessória de sete meses, atenta a taxa de alcoolemia com que o mesmo conduzia, sendo, elevado o grau de ilicitude. Também neste Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, defendendo, na mesma senda, que, atentas as específicas e concretas circunstâncias do presente caso e os critérios legais, não deve ser mantida a pena de prisão aplicada ao recorrente, bem como reduzido o montante da pena acessória, sustentando, assim, a procedência do recurso.

Foi cumprido o art. 417º, n.º 2, do CPP.

Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, nos termos do art. 419º, n.º 3, al. c), do CPP.
*
II – Fundamentação

Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, n.º 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente por obstarem à apreciação do seu mérito, suscita-se neste recurso a questão de saber se na determinação da medida concreta da pena principal e da pena acessória aplicadas ao arguido/recorrente poderiam ser valoradas as suas anteriores condenações e os reflexos dessa valoração na aplicação de tais penas.

Importa apreciar tal questão e decidir. Para tanto, deve considerar-se como pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso os factos considerados provados na decisão recorrida:

«1. - No dia 07-04-2018, pelas 05:20 horas, na Rua …, no concelho de Guimarães, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula QB, com uma taxa de álcool no sangue de 1,858 gramas por litro de sangue, deduzido o erro máximo admissível de 2,02 gramas por litro registado.
2. O arguido sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas e ainda assim quis conduzir o veículo na via pública.
3. Ao praticar os factos descritos agiu o arguido de modo voluntário, livre e consciente, bem sabendo que praticava factos proibidos e punidos por lei.
4. O arguido confessou de forma integral e sem reservas os factos, encontra-se reformado, auferindo a pensão mensal de € 570 (quinhentos e setenta euros).
5. Vive com uma companheira, também ela reformada e recebe uma pensão mensal de € 355 (trezentos e cinquenta e cinco euros).
6. Vive em casa arrendada, pagando a renda de anual de € 410 (quatrocentos com uma filha que recebe subsídio de desemprego.
7. O arguido foi anteriormente condenado por decisão de 12-10-2009, transitada a 02-11-2009 na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de seis euros, pela prática a 10-10-2009 de um crime de condução em estado de embriaguez, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de cinco meses.
8. Por decisão do 05-11-2011 transitada em julgado a 06-06-2011 na pena de 120 dias de multa à taxa diária de sete euros e cinquenta cêntimos e na pena acessória de inibição de conduzir motorizados pelo período de dez meses pela prática em 23/4/2011 de um crime de condução em estado de embriaguez.».

Motivação

O tribunal valorou, desde logo, a confissão integral e sem reservas do Arguido tendo o mesmo esclarecido a sua situação pessoal e económica, nos precisos termos dados como provados.
Foi ainda valorado um talão do alcoolímetro, constante dos autos, cujo resultado foi deduzido o valor do erro máximo admissível, nos termos legais.
Os antecedentes criminais resultam da análise do CRC junto aos autos.
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III - O Direito

1. A valoração dos antecedentes criminais.

O recorrente, embora mencione que pretende impugnar a matéria de facto nos termos do disposto no art. 412º do CPP, o que verdadeiramente questiona é a escolha da pena principal e a medida concreta da pena acessória que lhe foi imposta, defendendo que lhe deveria ter sido aplicada pena de multa e a pena acessória não deveria ter ultrapassado os cinco meses, não fora o tribunal recorrido na escolha e determinação de tais penas ter sopesado as suas anteriores condenações, quando as mesmas já se encontram extintas há mais de cinco anos pelo respectivo cumprimento, não devendo por isso constar do registo criminal.

Vejamos.

A Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio (1) ao estabelecer os princípios gerais que regem a organização e o funcionamento da identificação criminal, transpondo para a ordem jurídica interna a Decisão-Quadro 2009/315/JAI, do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009, é clara ao determinar o cancelamento dos registos criminais pelo decurso de determinados prazos sobre a data da extinção das penas sem que o arguido volte a delinquir.

O cancelamento dos registos é, assim, uma imposição legal. Desde que verificada a hipótese contemplada na previsão da norma que determina o cancelamento, o registo da condenação deixa de poder ser considerado contra o arguido.

Realmente, rege o art. 11º:

“ 1 - As decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal nos seguintes prazos:
(…) b) Decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
g) Decisões que tenham aplicado pena acessória, após o decurso do prazo para esta fixado na respetiva sentença condenatória ou, tratando-se de pena acessória sem prazo, após a decisão de reabilitação.
2 - Quando a decisão tenha aplicado pena principal e pena acessória, os prazos previstos no número anterior contam-se a partir da extinção da pena de maior duração.

Como decorre do CRC junto aos autos a fls. 10 e seguintes o recorrente foi condenado:

a) por decisão proferida em 12/10/2009, transitada em 2/11/2009, na pena de 90 dias de multa e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo prazo de 5 meses, como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez praticado em 10/10/2009, entretanto declaradas extintas pelo respectivo cumprimento em 5/4/2010 e 8/01/2011, respectivamente.
b) por decisão proferida em 5/05/2011, transitada em 6/06/2011, na pena de 120 dias de multa e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo prazo de 10 meses, como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez praticado em 23/04/2011, entretanto declaradas extintas pelo respectivo cumprimento em 28/5/2012 e 22/05/2012, respectivamente.

Ora, nos termos da norma anteriormente citada, considerando que as penas aplicadas são penas de multa cumuladas com pena acessória de proibição de conduzir, o prazo de cancelamento definitivo dos respectivos registos é de 5 anos “sobre a extinção da pena de maior duração”, desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza.

Assim, extrai-se linearmente do que se deixou consignado na anterior alínea b) que desde a data da extinção da pena acessória até à data da prática dos factos em discussão nestes autos (07/04/2018), decorreram mais de cinco anos, pelo que, na sequência do que temos vindo a referir os registos constantes do CRC do recorrente, nos termos legais, já deveriam ter sido objecto de cancelamento. Na verdade, ocorrendo, motivo (legal) para o cancelamento do último destes dois registos (o da alínea b)), deve proceder-se igualmente ao cancelamento do da alínea anterior que por causa dele se mantinha activo. Neste sentido Almeida Costa (2), onde, após proceder a análise de três diferentes sistemas de resolução do problema, afirma ser este o regime a seguir, pois «através dele se consagra um prazo de reabilitação suficientemente amplo para satisfazer as exigências politico-criminais que se levantam na medida da pena, sem todavia se ultrapassarem, ao invés do que sucedia no primeiro dos sistemas descritos, os limites considerados necessários à reabilitação para fins processuais».

Mas não tendo assim sucedido, e não dispondo o Sr. Juiz desses elementos, coloca-se a questão de saber se os poderia valorar na determinação da medida da pena.
Dito por outras palavras, se deveria desconsiderá-los independentemente da circunstância de se ter ou não procedido prontamente à real efectivação do cancelamento.

Apesar de a questão não ser pacífica na jurisprudência (3), entendemos que tais elementos não podem ser valorados na determinação da medida da pena, não só, porque a lei é expressa ao estipular limites temporais inultrapassáveis (prazos peremptórios) em função da natureza e da medida das respectivas penas, findos os quais, os efeitos do cancelamento se impõem, independentemente do respectivo averbamento, bem como de tal aproveitamento violar o princípio constitucional da igualdade, permitindo distinguir arguidos que se encontram nas mesmas condições, deixando nas mãos dos serviços administrativos essa aleatoriedade.

Temos assim como certo que está vedado ao Julgador ter em linha de conta condenações que, por força do decurso do prazo, já não deveriam constar do certificado de registo criminal do infractor, implicando a sua valoração uma verdadeira proibição de valoração de prova.

Neste sentido Almeida Costa (4) quando afirma: «Quanto ao acesso para fins processuais, afigura-se de consagrar uma “reabilitação definitiva” ab initio, irrevogável desde a respectiva concessão. O decurso de um prazo de cinco anos ou de dez anos (consoante os casos) sem que o delinquente pratique novos crimes parece afastar qualquer conexão com posteriores infracções que venha a cometer. Tal circunstância exclui a necessidade da sua ponderação em futuros processos.

(…) O cancelamento dos cadastros parece implicar uma proibição de prova quanto aos factos por ele abrangidos. A ser de outro modo, não se compreenderia o fundamento da sua consagração. Ao incidir sobre o mecanismo em que, por definição, assenta a informação dos tribunais, o legislador só pode ter querido significar que, doravante, as sentenças canceladas se consideram extintas no plano jurídico, não se lhes ligando quaisquer efeitos de tal natureza (v.g. quanto à medida da pena)».

Donde, o desrespeito da proibição de valoração da prova por violação de regras processuais, que sempre aqui estaria em causa, não implicando, inevitavelmente, a inutilização total e definitiva da prova contaminada, imporia que se decidisse em cada situação concreta quais os efeitos ou consequências processuais daquela violação «na decisão proferida sobre a matéria de facto e, concomitantemente, qual a via processual adequada a essas mesmas consequências ou efeitos, de modo a definir-se os termos a seguir no processo em resultado da procedência do recurso e que tanto podem consistir na modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do artigo 431º do CPP, como no reenvio do processo para repetição total ou parcial do julgamento ou na repetição da sentença pelo tribunal recorrido, sem a ponderação da prova proibida, dependendo da situação processual concretamente verificada» (5).

Na medida do exposto, assiste, pois razão ao recorrente e, em conclusão, verifica-se a nulidade da decisão acarretada pela consideração dos antecedentes criminais do recorrente, impondo, em princípio, a simples expurgação destes e a prolação de uma nova decisão que não ponderasse tais elementos. Como observa o Conselheiro Pereira Madeira (6), «Convém notar que o reenvio e as anulações e ou repetições de julgamento devem ser tidos como uma espécie de extrema unção da decisão recorrida que só devem ser prescritos em caso de necessidade absoluta, e, assim, com muita parcimónia (…)».

Assim, sendo possível a este Tribunal de recurso “expurgar” o vício, ou seja, desconsiderar os factos relativos às condenações do recorrente e dispondo de todos os elementos para determinar a medida da pena passasse de imediato a conhecer desta questão.

2. A determinação da sanção, a escolha e a medida das penas.

Resulta da matéria de facto apurada que o arguido no dia no dia 07/04/2018, pelas 05:20 horas, na Rua …, no concelho de Guimarães, conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula QB, com uma taxa de álcool no sangue de 1,858 gramas por litro de sangue, fazendo-o com pleno conhecimento de que tinha ingerido bebidas alcoólicas, aliás, em quantidade que ultrapassava, largamente, o limite legal de 1,2 g/l, de forma deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

O crime de condução de veículo em estado de embriaguez pelo qual o arguido foi condenado, é abstractamente punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, nos termos do disposto no artigo 292º, do C. Penal.

A determinação da pena entendida em sentido amplo, nos casos em que o crime é punível, em alternativa, com pena privativa e pena não privativa da liberdade, como acontece no caso vertente, passa, em primeiro lugar, pela operação da sua escolha.

O critério de escolha da pena encontra-se fixado no art. 70º do C. Penal nos termos do qual, «se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».

Tais finalidades são as previstas no artigo 40º do C. Penal, que estabelece que a aplicação de penas ou medidas de segurança tem como finalidade a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Este preceito indica-nos que o escopo que subjaz à aplicação da pena se reconduz, por um lado, a reforçar a confiança da comunidade na norma violada e, por outro lado, à ressocialização do delinquente.

Em consonância no nº 1 do art. 71º, do C. Penal, preceitua-se que a medida da pena é determinada, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o artigo 40º, nº 2, do mesmo Código.

Acresce que os bens jurídicos que se visam proteger com esta incriminação são a vida, a integridade física e o património de outrem a par da segurança da circulação rodoviária, estabelecendo o legislador uma presunção fundada na observação empírica de que o exercício da condução em estado de embriaguez é perigoso em si mesmo, tendo em vista os bens jurídicos penalmente tutelados (7).

O Sr. Juiz, fazendo, indevidamente, uma ponderação dos antecedentes criminais do arguido que deveriam ter sido apagadas do seu registo criminal, mas que impropriamente ali continuavam, optou, pela pena de prisão, por ter considerado que aquele já tinha sido condenado em duas penas de multa por crimes de condução em estado de embriaguez, aliado ao elevado grau de ilicitude, ao dolo directo com que actuou e às suas condições pessoais, tendo concluído que o arguido tem uma propensão para ofender os bens jurídicos protegidos pelo tipo legal em causa.

Os antecedentes criminais do arguido foram, pois, sopesados e valorados contra ele, funcionando, como circunstância agravante geral, quando por imposição legal, já não deveriam constar do registo e como tal o arguido não apresenta qualquer condenação.

Neste contexto, tendo em conta as considerações já efectuadas, ressalvando-se a (“subtracção”) dos antecedentes criminais, a opção tem que ser necessariamente a da pena de multa.

Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente ao grau de ilicitude e a outros factores ligados à execução do crime, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins e motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime (art. 71º, nº 2, do C. Penal).

Dito por outras palavras, na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção, quer de ordem geral – com o objectivo de confirmar os bens jurídicos violados –, quer de ordem especial – tendo em vista gerar condições para a readaptação do agente do crime, de modo a evitar que este volte a violar tais bens –, mas sem se perder de vista a culpa do agente – com atendimento das circunstâncias estranhas à tipicidade –, que a medida da pena tem como base e limite.

No caso vertente, importa, desde logo, referir, que o arguido, com a sua conduta, atingiu valores fundamentais e imprescindíveis à vida em comunidade, como é a segurança da circulação rodoviária, a segurança das pessoas face ao trânsito de veículos, como a vida, ou a integridade física. Realmente, não pode o Tribunal descurar as elevadas exigências de prevenção geral, na medida em que esta incriminação carece de um maior enraizamento na consciência comunitária – o que surge espelhado nas estatísticas da sinistralidade rodoviária – sendo premente a protecção do bem jurídico em causa, através da revalidação e consolidação desta norma incriminadora. Existe cada vez mais a necessidade de consciencializar a sociedade para a relevância que assume o respeito pelas normas que tutelam a segurança rodoviária, assumindo as condutas da natureza da adoptada pelo arguido uma muito relevante danosidade social, para mais quando, entre nós, atingem elevadas proporções, como é sabido, sendo, uma parte significativa dos acidentes de viação provocada por condutores em estado de embriaguez.

Assim, depõe contra o arguido a gravidade do seu comportamento, atendendo aos valores jurídicos atingidos, a par das particulares garantias de que o Estado procura fazer revestir a circulação rodoviária. Com efeito, não pode ser desvalorizado o grau de perigo criado com essa conduta, atento o interesse tutelado (a segurança da circulação rodoviária). Sendo a condução de veículos automóveis, em si, já uma actividade perigosa, sê-lo-á muito mais quando exercida por quem, por ter ingerido bebidas alcoólicas em excesso, não está em condições de o fazer.

Também é elevado o grau de ilicitude, tendo em atenção o nível de desconformidade com o direito revelado pela conduta do arguido, ao conduzir um veículo em estado de embriaguez, sendo também acentuada a taxa de álcool no sangue de que o mesmo era portador, embora tenha sido submetido ao teste de pesquisa de álcool no ar expirado na sequência de uma mera operação de rotina.

Apesar de o arguido ter representado os factos integradores do tipo de ilícito, não se absteve de os praticar, não sendo elevadas as exigências de prevenção especial, desde logo porque se encontra inserido socialmente e confessou os factos, embora com reduzidíssimo relevo atenuativo, no apontado contexto.

Ora, perante o conjunto dos factos apurados quanto à pessoa do arguido, considerando que não se mostra exacerbada a necessidade da pena a aplicar, a pena de 120 dias de multa é a ajustada às particularidades do caso concreto.

Partilhamos o entendimento de que, quando aplicada a pena de multa, o quantitativo fixado deve constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar. É esta a jurisprudência corrente. E isto para que a aplicação concreta da pena de multa não represente «uma forma disfarçada de absolvição ou o Ersatz de uma dispensa de pena ou isenção de pena que se não tem coragem de proferir» (8).

Também Taipa de Carvalho assevera que «a multa enquanto sanção penal não pode deixar de ter um efeito preventivo e, portanto, não pode deixar de ter uma natureza de pena ou sofrimento, isto é, por outras palavras, não pode o condenado a multa deixar de a “sentir na pele”» (9).

De acordo com os factos provados, o arguido encontra-se reformado, auferindo a pensão mensal de € 570 (quinhentos e setenta euros),vive com uma companheira, também ela reformada que aufere uma pensão mensal de € 355 (trezentos e cinquenta e cinco euros) e pagam uma renda anual de anual de € 410.

Perante este quadro, é manifesto que a taxa diária de € 6 não se mostra excessiva, revelando-se a adequada e proporcional à situação económica do arguido.

Relativamente à medida da pena acessória, o crime de condução de veículo em estado de embriaguez pelo qual o arguido foi condenado é abstractamente punível pelo período de três meses a três anos, nos termos do disposto no artigo 69º, n.º 1, al. a), do C. Penal, e como é reconhecido, ela tem, ainda que não principalmente, uma função preventiva adjuvante da pena principal e tal como acontece em relação a esta, subjaz-lhe um juízo de censura global pelo crime praticado, daí que para a sua concreta determinação se imponha também o recurso aos critérios estabelecidos no art.º 71º do C. Penal, sendo que a prevenção geral a acautelar com a aplicação da pena acessória terá de ser uma prevenção negativa ou de intimidação.

Conforme vem sendo salientado pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, na esteira do entendimento do Prof. Figueiredo Dias, a pena acessória visa prevenir a perigosidade do agente, sem se poder descurar as exigências de prevenção geral que se fazem sentir, correspondentes a uma necessidade de política criminal que se prende com a elevada taxa de sinistralidade que se regista em Portugal, sendo, uma parte significativa dos acidentes de viação provocada por condutores em estado de embriaguez, susceptível de traduzir carácter particularmente perigoso do comportamento para a segurança do tráfego e para os bens jurídicos pessoais.

Trata-se de uma censura adicional pelo facto que o agente pratica (cfr. acta nº 8 da Comissão de Revisão do Código Penal) (10).

Devendo, desde logo, ponderar-se que a sanção em causa é o mais eficaz instrumento da restauração da confiança comunitária na validade das normas violadas com a actuação do recorrente, tendo presente o nível das exigências de prevenção já ressaltadas, face à natureza dos valores imprescindíveis à vida em comunidade atingidos, entende-se que a proibição de conduzir veículos se deve manter pelo período de sete meses.
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IV - Decisão:

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso e, consequentemente:

a) revoga-se a decisão recorrida quanto às penas aplicadas, por se reputar como não escritas as anteriores condenações do arguido/recorrente, e condena-se este na pena de cento e vinte dias de multa à taxa diária de € 6 (seis euros), bem como na pena acessória de sete meses de proibição de conduzir veículos motorizados;
b) confirma-se a sentença no demais.
Sem tributação (este recurso).
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Remetidos os autos à primeira instância, aí se deverá ordenar a notificação do recorrente para proceder à entrega da carta de condução de que é titular na secretaria do tribunal ou em qualquer posto policial, no prazo de dez dias, sob pena de ser determinada a sua apreensão (art. 500º nº 3 do CPP), com as advertências de que: não o fazendo, poderá incorrer no crime de desobediência (art. 348º nº1 alínea b) do C. Penal - cfr. AUJ do STJ n.º 2/2013, DR n.º 5, I-S, de 08.01.2013); caso infrinja a ordem de proibição de conduzir durante o período determinado, poderá incorrer no crime de violação de proibições ou interdições (art. 353º C. Penal).
Guimarães, 5/11/2018

Ausenda Gonçalves
Fátima Furtado
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1 Que revogou a Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto.
2Almeida Costa, “O Registo Criminal – História, Direito comparado, Análise político-criminal do instituto”, 1985, p. 375.
3Veja-se, entre outros: o acórdão da RE de 14/07/2015, p. nº 208/14.1GBDM, relatado por Clemente Lima; acórdão da mesma Relação de 10/05/2016, p. nº 216/14.2GBODM; acórdão da Relação de Lisboa, de 28/01/2016, p. nº 14/14.3JBLSB.L1-9R e acórdão da RP, de 29-2-2012, p. nº 123/10.8GAVLP.
4In ob. cit..
5Ac. da RE 02-02-2016 (135/14.2GBABF.E2 - João Latas).
6In Código de Processo Penal, Comentado, 2014, Almedina, pág. 1484.
7Cfr. Paula Ribeiro de Faria, “Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II”, 1999, p. 1093.
8Cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, “As Consequências Jurídicas do Crime”, p. 119.
9As Penas no Direito Português após a Revisão de 1995”, in, Jornadas de Direito Criminal-Revisão do Código Penal, ed. Do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1998, vol.II, pág. 24).
10Paula Ribeiro de Faria, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, II, págs. 1066 e 1082.