Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
301/12.5TCGMR.G2
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: FUNDAÇÃO
EXTINÇÃO
LIQUIDAÇÃO
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
CESSAÇÃO DO CONTRATO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Em sede de interpretação dos contratos, se a vontade real dos contraentes não for conhecida, a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

2. Neste domínio da interpretação de um contrato surgem como elementos essenciais a que deve recorrer-se para a fixação do sentido das declarações: a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos.

3. A Ré Fundação, não estando impedida de fazer cessar, de uma forma unilateral, a relação jurídica que tinha estabelecido com a Autora, sua Dirigente, antes do respectivo termo, sempre terá de indemnizá-la pela cessação antecipada do seu “mandato”.

4. Se entretanto se verificar a extinção da Fundação, ainda assim deve ser esta a entidade condenada no pagamento da aludida indemnização- e não os liquidatários designados- porque aquela subsiste, em termos jurídicos, para fins de liquidação, mantendo capacidade limitada quanto à prática de actos necessários àquela liquidação do património, de actos que se traduzem na ultimação dos negócios pendentes, de venda do activo para pagar o passivo e, finalmente, na atribuição do restante património.

5. O n.º 3 do artigo 805º do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que o crédito só é ilíquido quando, à data em que deve ser efectuado o pagamento, não for possível proceder à sua liquidação, ou seja, saber qual a quantia em dívida, sendo que para que o crédito se considere ilíquido não basta que o devedor impugne a obrigação de pagar ou alegue que a quantia pedida não é (total ou parcialmente) devida.

6. Um dos casos em que a obrigação deve ser considerada ilíquida surge quando a indefinição do valor da obrigação resulta da circunstância de não terem ainda ocorrido, ou serem desconhecidos de alguma das partes, algum ou alguns dos factos que são necessários para o apuramento e conhecimento desse valor.”.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.
Recorrente(s): - Fundação X;
- Maria;
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A Autora, Maria, intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário pedindo a condenação da Ré, Fundação X, a pagar-lhe a quantia de € 405.395,83 a título de compensação ou indemnização estabelecida no acordo entre ambas celebrado, acrescida de juros vencidos até à data da entrada da petição, contados à taxa legal, no montante de € 17.148,80 e ainda de juros vincendos, à mesma taxa, até efectivo pagamento.

Alega, em síntese, que a Ré foi instituída pelo DL nº 202/2009 de 28 de Agosto; por sua vez, no início de mês de Julho do mesmo ano encontrava-se a exercer funções profissionais na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional, como vogal executiva da Comissão Directiva do Programa Operacional Regional, em regime de comissão de serviço por requisição à EL – Sociedade Gestora de Mercados Regulamentados, S.A. auferindo a retribuição mensal de € 6.645,83, acrescida de subsídios de alimentação no valor diário de € 7,83, bem como subsídios de férias e de Natal; previamente à instituição da Ré, recebeu proposta do Presidente da Câmara Municipal Y no sentido de aceitar exercer o cargo de Presidente da Fundação para o seu primeiro mandato, a terminar em 31 de Dezembro de 2015, que aceitou por se tratar de um projecto novo e apelativo, no âmbito de um mandato que se prolongaria por mais de 5 anos.

No seguimento, em 10 de Julho de 2009, apresentou pedido de exoneração do cargo que desempenhava, com efeitos a 13 desse mês, o que foi aceite e, nesse dia a EL aceitou cedê-la com vista ao exercício das funções de Presidente da Fundação a partir de 14 desse mês, por nomeação da Câmara Municipal, com produção de efeitos em 29 de Agosto de 2009; a partir de Setembro de 2009, passou a auferir uma remuneração mensal fixa de € 14.300, paga 14 vezes durante cada ano, acrescida do direito de usar viatura automóvel e telemóvel, montante aquele que foi reduzido em 30% pela Comissão de Vencimentos da Ré a partir de 1 de Janeiro de 2011.

No dia 22 de Julho de 2011, na reunião do Conselho Geral da Ré, o Presidente da Câmara Municipal Y anunciou o propósito de proceder a uma renovação da equipa dirigente que integrava o Conselho de Administração da demandada, na sequência do qual veio a ser celebrado no mesmo dia entre si, a Ré e o Dr. AS, por si e naquela qualidade, acordo nos termos do qual se comprometeu a aceitar a revogação do seu mandato, caso se efectivasse aquela renovação, como veio a suceder com produção de efeitos em 3 de Agosto seguinte; nessa data a Ré comunicou à EL a entrada de funções do seu novo presidente e procurou regressar ao seu lugar, mas a segunda declarou a impossibilidade de a reintegrar nas funções que desempenhara até Maio de 2000 ou qualquer outra função alternativa, em virtude da profunda modificação, fruto de progressivo pendor tecnológico da actividade e reorganização de funções e áreas resultantes da sua integração no grupo “EL” e posterior fusão deste com o grupo “M.” e eliminação em Portugal das funções de responsabilidade pela actividade de marketing que antes exercia; foi-lhe proposto um acordo de revogação do seu contrato de trabalho em alternativa a um processo conducente ao mesmo resultado de cessação do vínculo laboral.

Após a sua substituição na Ré, passou a não auferir qualquer remuneração mensal na situação a que procurou regressar na EL, pelo que calculou o valor da compensação estipulada na cláusula 2ª do acordo celebrado em 22 de Julho de 2011, em € 405.395,83 correspondente ao valor de € 6.645,83 que auferia na CCDR pelos meses entre Setembro de 2011 e Dezembro de 2015; a Ré não aceitou a liquidação dessa compensação mostrando-se disponível a pagar um valor que considerou irrisório; o valor deveria ter sido pago em 60 dias.

A Ré contestou começando por deduzir incidentes de intervenção acessória de EL – Sociedade Gestora de Mercados Regulamentados, S. A. e do Estado Português, ou caso se entendesse, a intervenção principal, no primeiro caso, para exercer o direito de regresso na hipótese de ter de pagar a indemnização no período em que a Autora deveria estar a trabalhar e a ser remunerada por aquela e, no segundo caso, porque aquele tornou público o propósito de proceder à sua extinção em 2013.

Contrapôs que em 17 de Setembro de 2009 foi fixada a remuneração mensal ilíquida a auferir pela Autora, por despacho do Presidente da Câmara Municipal Y, no pressuposto da situação relevante que esta teria no âmbito da futura actividade da Ré; posteriormente, aquele foi alertado por diversas entidades para o comportamento negligente da Autora no exercício das suas funções, designadamente, a CCDR informou que por inércia da demandante corria o risco de perder a possibilidade de celebrar contratos de financiamento, designadamente, o protocolo de financiamento relativo à candidatura do programa de acção Y 2012 e que apenas a intervenção do Presidente da Câmara levara à conclusão do processo em 30 de Junho de 2011, com perda de um semestre em avanços e recuos que explicava a demissão do Director do Projecto, o qual deixara de acreditar na sua execução; foi com essa convicção que o Presidente da Câmara Municipal pediu ao Conselho Geral a cessação do mandato da Presidente em Julho de 2011 e consequentemente, de toda a restante administração.

Referiu que não foi assumido qualquer compromisso quanto ao período de duração das suas funções, a actividade que a Autora exercia na CCDR, da qual pediu exoneração invocando motivos de ordem pessoal, constituía um interregno na actividade profissional habitual, pois mantinha contrato de trabalho suspenso com a EL, a cujas funções regressou, tendo sido com essa entidade empregadora que celebrou um acordo de cedência dessa sua trabalhadora com o Município de Y, com intervenção da Autora, com duração por tempo indeterminado, mantendo o direito à contagem do tempo de serviço prestado em regime de cedência, prevendo que a cedência podia ser feita cessar a todo o tempo por iniciativa da Câmara ou da Autora com aviso prévio de 30 dias, findo o qual esta retomaria o exercício das suas funções na EL.

Acrescentou que, no decurso do mandato, a Autora foi permanentemente alvo de críticas públicas à administração desenvolvida, chegando ao conhecimento da Câmara Municipal queixas de prestação de informação incompleta nuns casos, pouco rigorosa noutros e sempre insuficiente, funcionamento atrabiliário e incompetente da comunicação da Fundação, frustração das expectativas criadas no tecido empresarial local, descrença junto dos agentes culturais e do movimento associativo, falta de explicação para episódios, contratações nebulosas e estado de conflito com associações vimaranenses, atrasos e hesitações permanentes na montagem do programa da Capital Europeia da Cultura, acompanhados de incompatibilização com elementos humanos relevantes do evento e atraso no processo de apresentação de candidaturas, incumprimento do dever de informar o Conselho Geral da Fundação, do que viria a resultar o esgotamento da confiança na capacidade da Autora de assegurar o cumprimento cabal do mandato.

Não obstante a Autora não tivesse direito a compensação pela cessação da comissão de serviço, foi sensível à necessidade de estabelecer um equilíbrio de interesses pois aquela referia, sem concretizar, uma situação de incerteza quanto ao respectivo destino profissional, o que a leva a supor que a mesma já sabia das dificuldades do seu regresso à EL ou tivesse combinado a desvinculação depois subscrita para criar, falsa e artificialmente uma situação de desemprego que constituísse o sustentáculo do pedido; olhando ao aspecto humano da situação da Autora e por pretender que de futuro não fossem feitos comentários públicos sobre a sua actuação, propôs um conjunto de regras que a mesma aceitou, assim como o Presidente da Câmara, convencionando que ficava obrigada a compensá-la pela diferença entre a remuneração mensal que passasse a auferir na situação profissional a que regressava na EL e a remuneração que auferia aquando da designação para Presidente do seu Conselho de Administração, que seria objecto de liquidação em 30 dias e paga nos 30 dias imediatos; foi com surpresa que recebeu a notícia transmitida pela Autora que a EL não estava em condições de a receber, procedimento que entende ser ilegal por parte da entidade empregadora e que a demandante não estava obrigada a aceitar, defendendo que importava saber o valor da compensação recebida no âmbito do acordo de rescisão do contrato de trabalho pois o valor a pagar por si deveria ser decrescido daquele.

Afirmou ter apurado que o valor da diferença das remunerações ascendia a € 176,09 por mês tendo sido com base nele que propôs à demandante uma solução que a mesma não aceitou.
Terminou pedindo a condenação da Autora como litigante de má fé em multa e indemnização exemplares devido aos cálculos que efectuou invocando o texto do contrato.

A Autora pronunciou-se no sentido do indeferimento dos incidentes de intervenção e replicou argumentando que enquanto Presidente do Conselho de Administração não tinha os pelouros financeiro nem da programação, sendo este a fonte de expectativa; apesar de não ter directamente a matéria de operacionalização dos apoios financeiros, teve papel relevante na sua contratação, quer no que diz respeito ao pacote dos fundos comunitários, cuja cronologia descreveu e que funcionavam em sede de reembolso, mas também no âmbito de meios de financiamento a pronto, provindos do Ministério da Cultura que levaram a que, à data da sua saída, a Ré dispusesse a curto prazo de cerca de 6 milhões de euros; no que diz respeito à demissão do Director do Projecto fora-lhe transmitido pessoalmente ser motivado por pretender avançar com nova fase da sua vida profissional; a administração foi escrutinada pelos órgãos competentes nunca tendo sido objecto de reparo ou reserva quanto à gestão administrativa e financeira, sendo alvo de avaliação externa que levou à recomendação da atribuição de um prémio de 1,5 milhões de euros.

Referiu, ainda, que as condições remuneratórias foram estabelecidas pelo Presidente da Câmara Municipal Y e ratificadas pela Comissão de Vencimentos da Ré, baseadas na análise comparativa de instituições e funções similares e continuaram a ser praticadas.
Terminou pedindo a condenação da Ré como litigante de má fé em multa e indemnização a seu favor pois deduziu oposição cuja falta de fundamento não ignora, alterou a verdade dos factos e fez do processo e dos meios processuais uso manifestamente.
Oficiosamente apreciada a excepção de incompetência material, a Ré foi absolvida de instância, decisão que foi revogada por douto Acórdão do Tribunal da Relação de Y.
Os incidentes de intervenção foram indeferidos, o que deu azo à interposição de recurso que confirmou a decisão quanto ao Estado Português, mas deferiu o pedido de intervenção da chamada EL como auxiliar da defesa da Ré. Contudo, após citação, a mesma não apresentou articulado.
Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, que se pronunciou pela validade e regularidade de todos os pressupostos processuais.

Após, o objecto do litígio foi definido, com enunciação dos temas da prova, sem reclamações.
Comunicada a extinção da Ré, foi requerida a sua substituição pelos membros fundadores -Ministério da Cultura e Câmara Municipal de Y- representados pelos liquidatários, procedendo-se à respectiva habilitação.
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Realizou-se julgamento com observância do legal formalismo.
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De seguida, foi proferida a sentença que constitui o objecto do presente Recurso, onde o Tribunal de 1ª Instância conclui com a seguinte decisão:

“VI. DECISÃO

Em face do exposto, o Tribunal:

I. Julgando a acção parcialmente provada e procedente condena os habilitados liquidatários da Ré Fundação X, Direcção Geral do Tesouro e Finanças, Gabinete de Estratégia Planeamento e Avaliações Culturais e Câmara Municipal de Y a pagar à Autora Maria o seguinte:
a) € 41.557,88 correspondente à liquidação da compensação devida nos termos da cláusula segunda do acordo identificado no ponto da fundamentação de facto;
b) € 1.762,51 de juros vencidos sobre a quantia referida em a) desde 21 de Setembro de 2011 a 11 de Outubro de 2012;
c) juros vincendos à taxa legal de 4% desde 12 de Outubro de 2012 até integral e efectivo cumprimento.
II. Julga improcedentes os incidentes de litigância de má fé suscitados por ambas as partes.
Custas a cargo da Autora e dos Réus habilitados na proporção de 89,75% e 10,25%, respectivamente.
Registe e notifique. “
*
É justamente desta decisão que a Ré/Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“CONCLUSÕES

- A autora pediu a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 405.395,83 a título de compensação estabelecida no Acordo entre ambas celebrado em 22 de Julho de 2011, acrescida de juros vencidos até à data da propositura da acção, 11 de Outubro de 2012, contados á taxa legal e liquidados até então em €17.148,80, e dos juros vincendos à mesma taxa, até efectivo pagamento, alegando que, sendo Presidente da Fundação da Cidade de Y, cargo que exerceu entre 29 de Agosto de 2009 até 22 de Julho de 2011, nesta data celebrou o referido Acordo com essa Fundação, através do qual esta se comprometeu a compensá-la na hipótese de, ao reingressar nos quadros da EL, vir a auferir aí um vencimento inferior ao que auferia antes, aquando da designação para Presidente do Conselho de Administração da Fundação, facto que, a seu ver, ocorrera.
- A Autora fundamentou esse pedido no facto de, tendo aceite a revogação do seu mandato como presidente do conselho de Administração da Ré, com efeitos a partir de 3 de Agosto de 2011, ter procurado então regressar ao seu posto de trabalho na EL (à qual estava vinculada por um contrato de trabalho celebrado em 31/8 de 1989, e que fora suspenso, através de um acordo de cedência de interesse público, para que ficasse a trabalhar na CCDR), no entanto a EL declarou-lhe a impossibilidade de a reintegrar em quaisquer funções, porque extinguira o seu posto de trabalho, propondo-lhe um acordo de revogação do contrato, que ela aceitou, face a um inevitável processo conducente na prática ao mesmo resultado, e tal circunstância justificaria, a seu ver, que, ainda em cumprimento do Acordo, exigisse aquele valor da Ré, em correspondência com o facto de não chegar a receber qualquer vencimento na EL, e ter, em consequência, perdido, entre 3 de Agosto de 2011 e 31 de Dezembro de 2015, a totalidade do vencimento que auferia antes na CCDR (que a Autora afirmava ser de € 6.645,83/mês).
- Do Acordo constam duas cláusulas cuja interpretação interessa à decisão e ao objecto do recurso: cláusula segunda “Tendo em conta os factos referidos no considerando 2), a 1ª outorgante (Fundação X) obriga-se a compensar a 2ª outorgante (Dra. Maria, a autora) pela diferença entre a remuneração mensal que passe a auferir na situação profissional a que regresse após a substituição referida no considerando 1) e a remuneração mensal que auferia aquando da designação para Presidente do Conselho de Administração da 1ª outorgante”; e cláusula quarta “Os outorgantes reconhecem que em caso algum as obrigações decorrentes do presente acordo e postas a cargo da 1a outorgante são transmissíveis ou transferíveis para a Câmara Municipal de Y.”
- Discutida a causa, a sentença atribuiu à A. uma compensação, correspondente ao período iniciado em 22 de Julho de 2011 e findo em 31 de Dezembro de 2015, e à diferença entre o montante de € 5.846,64, que entendeu ser a remuneração da autora na EL e € 6.645,83, que entendeu ser a remuneração da autora na CCDR, de € 41.557,88 acrescida de juros moratórios à taxa legal supletiva de 4%, que considerou vencidos no montante € 1.762,51 até à data da propositura da acção, 11 de Outubro de 2012, e dos posteriores juros vincendos calculados até ao pagamento integral;
- Para assim decidir, a douta sentença recorrida considerou, após fixação dos factos materiais da causa, em termos que à Ré não merecem reparos significativos, que a decisão se fundava nas seguintes considerações:

a) a hipótese de cessação do contrato de trabalho entre a A. e a sua entidade patronal EL não estava contemplada na vontade negocial das partes, vertida no Acordo de 22 de Julho de 2011, pelo que a perda que a Autora invocava seria consequência antes da revogação do contrato de trabalho, por decisão ulterior da entidade patronal, que a Autora aceitou;
b) a compensação, por isso, a que a Autora teria direito seria a que resulta da diferença entre o montante de € 5.846,64, que ela receberia na EL, se chegasse a voltar a exercer funções, e aquela que auferia antes na CCDR, de € 6.645,83, (integrando a remuneração principal de €5722,75, o suplemento de €923,08 e o subsídio de alimentação de € 7,83, mas excluindo os subsídios de férias e de natal);
c) Essa compensação deveria corresponder a 52 meses, contados entre 22 de Julho de 2011 e 31 de Dezembro de 2015, por ser essa a vontade contratual, não obstante a Ré ter sido extinta, por decreto com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 2012 e devia ser acrescido de juros moratórios porque a Ré, conhecendo o valor do salário da A. na EL estava em condições de lhe fazer uma contraproposta de liquidação alternativa, e não a fez.
- A decisão recorrida é inaceitável e não pode manter-se pelas razões que sumariamente se referem:

a) tendo a Ré sido extinta no decurso da acção, pelo Decreto-Lei nº56/2014 de 10 de Abril, com efeitos a 31 de Dezembro de 2013, e passando a ser representada por uma comissão liquidatária constituída pela Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, pelo Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliações Culturais e pela Câmara Municipal de Y, não podia a sentença recorrida condenar, como condenou, os membros da comissão liquidatária, enquanto tais ao pagamento de qualquer compensação, pois esta, se fosse devida, apenas podia sê-lo pela própria Fundação X, representada pela referida comissão liquidatária;
b) De resto, constando do Acordo celebrado entre a Autora e a Ré que “ em caso algum as obrigações decorrentes do presente Acordo e postas a cargo da 1ª outorgante são transmissíveis ou transferíveis para a Câmara Municipal de Y”, nunca a Câmara Municipal de Y poderia ser condenada pelo incumprimento desse Acordo;
c) considerando que a A. foi exonerada da CCDR em 13 de Julho de 2009 e que iniciou funções como Presidente da Fundação em 14 de Julho de 2009, já estava então ao serviço da EL, da qual era trabalhadora, pelo que não era de equacionar, para se cumprir o disposto na cláusula segunda do Acordo, o vencimento da A. na CCDR, a cujos quadros já não pertencia, mas sim o vencimento que ela tinha na EL, e como ambos esses vencimentos, antes e depois da cessação de funções na Fundação, eram idênticos, nenhuma compensação podia ter sido arbitrada (autos a fls. 582 eL587);
d) mas ainda que assim não fosse, a considerar-se o vencimento que a A. tinha na CCDR (autos a fls. 24) este só podia ser considerado quanto à remuneração principal, ou seja € 5.722,75 (sem subsídios de férias e de natal, mas também sem quaisquer outros subsídios – cfr. os vários Pareceres do Conselho Consultivo da PGR, a Orientação Técnica da DGAP nº 01/DGAP/2003, os acórdãos do TCA- Norte de 21/10/2011, do TRP de 26/04/2004 e do STJ e do STA indicados no texto supra), pelo que, ainda que fosse de considerar, como a sentença fez, o vencimento da A. na CCDR, este, porque apenas de € 5.722,75 era inferior ao que lhe era destinado na EL, pois esta seria de € 5.846,64, ou seja, superior àquele, de onde necessariamente resultava que não havia lugar a qualquer compensação;
e) o período a considerar para a fixação da compensação, se a ela houvesse lugar, nunca poderia prolongar-se, como se decidiu, até 31 de Dezembro de 2015, porque a Ré Fundação foi extinta através de Decreto-Lei com efeito a 31 de Dezembro de 2013, de onde decorria impossibilidade de prestação de qualquer trabalho pela A. à Ré a partir desta última data (Decreto-Lei 57/2014 de 10 de Abril);
f) tendo-se a A. deparado, conforme alegava, com a impossibilidade de cumprimento do Acordo celebrado com a Ré, teria, sob pena de incumprimento do Acordo, de subsidiar-se da faculdade outorgada pelo art.º437º do Código Civil, suscitando, antes do mais extrajudicialmente, a questão da modificação do contrato segundo juízos de equidade (cfr. Pessoa Jorge, Ensaio, pág. 113, Vaz Serra, RLJ,111, 347);
g) ao contrário, porém, do que a autora alegou não ocorreu na EL a extinção do seu posto de trabalho, pois esta só poderia ter lugar, considerando que a autora iniciou o seu contrato de trabalho em 16/02/1989, na EL, e findou esse contrato em 31/07/2011, através de qualquer dos mecanismos legais estabelecidos pelo Decreto-Lei 64-A/89 (que vigorou de 16/02/1989 até 01/12/2003), depois de o Código do Trabalho de 2003 (que vigorou entre 01/12/1003 e 17/02/2009) e, depois pelo Código do Trabalho actual, que vigorou a partir de 07/02/2009, e esses mecanismos (prévia comunicação à Comissão de Trabalhadores ou à Comissão Intersindical, Parecer desta, e decisão fundamentada tomada por escrito (cfr. além da lei, o Acórdão da Relação do Porto de 30/09/2013, de que foi Relatora Paula Maria Roberto, in www.dgsi.pt) não foram accionados, nem se verificaram.
h) à Autora só podiam ser atribuídos juros sobre a quantia a que eventualmente tivesse direito a partir da liquidação, e esta só teve lugar com a sentença, nos termos do art.º 805º, nº3 do Código Civil, e nunca em momento anterior;
i) tendo a autora, após a rescisão por si decidida do seu contrato de trabalho com a EL sido por esta indemnizada pela rescisão, em € 218.274,56 (facto 38), e tendo depois trabalhado para terceiros, dos quais recebeu a quantia ilíquida de € 58.214,00 (facto 44), porque essas indemnização e pagamento de actividades nunca poderiam ser compatíveis ou simultâneas com o exercício de funções na Fundação, os respectivos valores teriam sempre de ser considerados, a decrescer a qualquer compensação que à autora pudesse ser arbitrada em consequência do pedido.
Termos em que, na integral procedência do recurso, deve ser revogada a sentença recorrida, e substituída por decisão que julgue a acção inteiramente improcedente e não provada, com as legais consequências.”
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Apresentou também a Autora recurso da sentença proferida, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“C O N C L U S Ô E S :

I - A decisão proferida na sentença quanto à matéria de facto não só não merece, da parte da A., qualquer reparo de maior, como traduz ela ainda, em geral com rigor, a prova efectivamente produzida e carreada para os autos;
II - Onde a A. discorda, de forma radical, com a decisão proferida e, por isso, com ela se não conforma nem pode conformar, é na aplicação do direito aos factos, na interpretação que na sentença se faz do acordo ou contrato celebrado e do sentido das declarações do mesmo constantes e em algumas das conclusões que na mesma sentença se retiram dos factos dados como provados;
III - A interpretação a dar ao acordo celebrado, em função das normas de direito aplicáveis e tendo em conta os factos apurados na sequência dos temas de prova, a letra do acordo, as circunstâncias que precederam a sua celebração ou foram contemporâneas da mesma, o tipo negocial que constitui o objecto do acordo ou subjaz ao mesmo e respectivo enquadramento legal, conduz necessariamente, no entender da A., a uma conclusão e a uma condenação substancialmente distintas daquelas a que se chegou na sentença, nela ficaram plasmadas e dela constam;
IV - O acordo celebrado pelo documento escrito cujo conteúdo se acha transcrito no ponto 29. da matéria de facto dada como provada foi negociado e assinado por pessoas bem mais que medianamente instruídas, diligentes e sagazes, tendo sido negociado e celebrado pelas partes com intervenção ou apoio das respectivas assessorias jurídicas;
V - Um dos elementos mais relevantes para se compreender e interpretar o acordo alcançado e celebrado no caso em apreço é o tipo negocial: o contrato que vinculava a partes, a sua tipificação e o seu enquadramento legal, a licitude ou ilicitude da uma sua eventual rescisão unilateral por parte da Fundação X e respectivas consequências;
VI - Porém, na douta sentença recorrida não se vislumbra uma única palavra a este propósito e a este respeito, não obstante nela se dizer em geral que assim deve ser e nela se citar doutrina e jurisprudência que expressamente referem que assim deve ser;
VII - O contrato que vinculava a A. e a Fundação X, de que a primeira era Presidente e Presidente do respectivo Conselho de Administração, aludido nos pontos 5., 6., 9., 10., 11., 12., 13., 14. e 15. da matéria de facto dada como provada, era um contrato de gestão ou de administração, ao qual, como é jurisprudência pacífica, são aplicáveis as regras gerais do mandato;
VIII - Embora tal mandato pudesse ser unilateralmente revogado ou rescindido pela Fundação antes do respectivo termo, de forma lícita, sempre teria a mesma Fundação de indemnizar a aqui A., sendo essa indemnização calculada de acordo com os lucros cessantes – ou seja, pela diferença entre o que a A. auferiria até termo do contrato ou mandato ao serviço da Fundação e aquilo que viesse a auferir no exercício de outra ou outras actividades profissionais a que viesse a dedicar-se no mesmo período;
IX - Do acordo celebrado consta expressamente que: “Considerando que a efectivação do anúncio, tem como consequência, para a Presidente do Conselho de Administração, segunda outorgante, uma situação de incerteza quanto ao respectivo destino profissional; Entre as partes é celebrado o seguinte acordo (…).”;
X – Uma pessoa medianamente instruída, diligente a sagaz sabe o que significa “uma situação de incerteza quanto ao respectivo destino profissional” e é capaz de discernir o significado de tal expressão;
XI - O destino profissional e a incerteza quanto ao mesmo é uma coisa, e outra bem distinta é a retribuição profissional e a incerteza quanto à mesma;
XII - O significado ou sentido de tal declaração e expressão constante do acordo não é nem pode ser, notoriamente e por qualquer forma, o que se lhe atribuiu ou tentou atribuir na sentença recorrida, ou seja, o de que o significado ou sentido de tal incerteza respeitava afinal ao quantum ou montante da sua retribuição no posto de trabalho e respectivo desconhecimento por parte da A.;
XIII - A A. já não trabalhava para a EL desde Maio de 2000, tendo, devido à evolução dos mercados e a reajustamentos introduzidos na organização e actividades da mesma EL, sofrido ela modificações, designadamente em termos de dimensão do seu quadro de pessoal, de encerramento em 2003/2004 das instalações no Porto onde Autora exercia funções e de eliminação na organização local das funções de responsabilidade pela actividade de marketing, anteriormente desempenhadas pela Autora, as quais haviam sido eliminadas, deixando de existir em Portugal;
XIV - A A., embora não tivesse, na altura, conhecimento destes factos respeitantes à sua entidade patronal EL, tal como vieram a provar-se, na sua verdadeira dimensão e na sua plenitude, tinha conhecimento, embora à distância e como o tem qualquer trabalhador que se encontra afastado da sua entidade patronal há cerca de 17 anos, que aquela tinha sofrido alterações na sua estrutura e na dimensão do seu quadro de pessoal, que poderiam vir a dificultar ou mesmo inviabilizar a sua integração na mesma EL;
XV – E daí a incerteza que manifestou quanto ao seu destino profissional, a qual ficou a constar indubitavelmente do acordo celebrado, por acordo de ambas as partes, que assim desde logo a aceitaram e reconheceram, nos termos constantes do acordo e como base, justificação e fundamento para a celebração do mesmo;
XVI - A A. exercia anteriormente funções de Direcção na CCDR, onde auferia 6.645,83 mensais, a que acresciam subsídios de Natal e de férias de igual montante, para além de subsídio de alimentação;
XVII – O que o acordo celebrado representa e traduz é o pagamento de uma indemnização, embora substancialmente menor do que a que seria devida à A. em caso de rescisão ou revogação unilateral do mandato desta por parte da fundação;
XVIII - Em vez de se tomar como base de cálculo para a indemnização o salário que a A. auferia na Fundação, aceitou a A. que fosse antes considerado o salário mensal que auferia na CCDR, antes de ir para a mesma Fundação – ou seja, 6.645,83 € em vez de 10.010,00 €;
XIX - O que a A. quis salvaguardar foi o rendimento que tinha na CCDR, pelo menos até termo do seu previsto mandato na Fundação, para o qual foi contratada (até 31/12/2015); e não só a A., mas ambas as partes quiseram e aceitaram salvaguardar tal nível de rendimento – como bem se diz na sentença recorrida, a este propósito (fls. 51, linhas 21/22 e 52, linha 17);
XX - Tendo em conta e em consideração a letra do acordo celebrado, as circunstâncias da celebração do mesmo, o tipo de negócio ou contrato antecedente e subjacente à celebração do acordo e respectivo enquadramento jurídico, tudo complementado com os demais elementos e meios de prova, a conclusão tirada na sentença de que a situação de incerteza quanto ao destino profissional da A. referida no acordo celebrado mais não significa do que o mero desconhecimento por parte da A. do quantum da sua retribuição na EL, para, a partir daí, fixar o montante de tal remuneração e utilizá-lo como base de calculo para a liquidação da indemnização e fixação da quantia condenatória, está completamente errada, sendo estas uma conclusão e uma condenação resultantes de uma interpretação do acordo celebrado contrária à lei ao próprio acordo;
XXI - O acordo celebrado representa uma transacção entre as partes, mediante a qual acordaram e se comprometeram ambas a aceitar a rescisão ou revogação do contrato de mandato que entre elas vigorava e cujo termo apenas ocorreria em 30.12.2015, mediante o pagamento à A. de uma indemnização correspondente à diferença entre aquilo que auferiria no exercício de tal mandato até 31.12.2015 e aquilo que viesse a auferir no mesmo período no exercício da sua actividade profissional;
XXII - Tal diferença ou indemnização traduz-se na quantia de 347.181.83 € (6.645,83 € x 61 = 405.395,83 €; 405395,83 € – 58.214,00 € = 347.181.83 €);
XXIII – A sentença recorrida violou o disposto nos arts. 236º e 238º do Código Civil.
Termos em que o presente recurso deverá ser julgado procedente, sendo revogada a douta sentença recorrida e condenados os habilitados liquidatários da Ré Fundação X, Direcção Geral do Tesouro e Finanças, Gabinete de Estratégia Planeamento e Avaliações Culturais e Câmara Municipal de Y a pagar à A. a quantia de 347.181,83 €, acrescida dos respectivos juros de mora vencidos desde 21.09.2011 e vincendos até efectivo pagamento, contados à taxa legal”
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A Autora apresentou ainda contra-alegações, onde pugna pela improcedência do Recurso apresentado pela parte contrária.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, quer a Recorrente/Ré, quer a Recorrente/Autora colocam as seguintes questões que importa apreciar:

- interpretar o acordo celebrado entre a Autora e a Ré em 22 de Julho de 2011, mormente, quanto aos termos da compensação no que diz respeito aos montantes a ter por referência e ao período do seu cálculo.
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A Recorrente/Ré coloca ainda as seguintes questões adicionais:

-Saber se, tendo-se a A. deparado, conforme alegava, com a impossibilidade de cumprimento do Acordo celebrado com a Ré, teria, sob pena de incumprimento do mesmo, de subsidiar-se da faculdade outorgada pelo art.º437º do Código Civil, suscitando, antes do mais extrajudicialmente, a questão da modificação do contrato segundo juízos de equidade;
-Saber se à Autora só podiam ser atribuídos juros sobre a quantia a que eventualmente tivesse direito a partir da liquidação, e esta só teve lugar com a sentença, nos termos do art.º 805º, nº3 do Código Civil, e nunca em momento anterior;
-Saber se, tendo a Autora, após a rescisão por si decidida do seu contrato de trabalho com a EL, sido por esta indemnizada pela rescisão, em € 218.274,56 (facto 38), e tendo depois trabalhado para terceiros, dos quais recebeu a quantia ilíquida de € 58.214,00 (facto 44), porque essas indemnização e pagamento de actividades nunca poderiam ser compatíveis ou simultâneas com o exercício de funções na Fundação, os respectivos valores teriam sempre de ser considerados, a decrescer a qualquer compensação que lhe pudesse ser arbitrada em consequência do pedido.
- saber se, tendo a Ré sido extinta no decurso da acção, pelo Decreto-Lei nº56/2014 de 10 de Abril, com efeitos a 31 de Dezembro de 2013, e passando a ser representada por uma comissão liquidatária constituída pela Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, pelo Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliações Culturais e pela Câmara Municipal de Y, não podia a sentença recorrida condenar, como condenou, os membros da comissão liquidatária, enquanto tais, ao pagamento de qualquer compensação, pois esta, se fosse devida, apenas podia sê-lo pela própria Fundação X, representada pela referida comissão liquidatária;
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

“III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sequência do acordo das partes, da análise dos documentos juntos e da prova produzida na audiência final, resultaram provados os seguintes factos:

1. A Ré foi instituída pelo Decreto-lei nº 202/2009 de 28 de Agosto, sendo uma pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública, com duração indeterminada e dotada de personalidade jurídica [resposta aos artigos 1º da petição inicial, 19º, 20º da contestação].
2. No início do mês de Julho de 2009, a Autora encontrava-se a exercer funções profissionais na CCDR – Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional, como Vogal Executiva da Comissão Directiva do Programa Operacional Regional, cargo para que havia sido nomeada por Resolução do Conselho de Ministros nº 169/2007 de 19 de Outubro [resposta ao artigo 2º da petição inicial].
3. A Autora auferia a remuneração mensal de € 6.645,83, sendo € 5.722,75 de remuneração principal e € 923,08 de suplemento, acrescida de subsídio de alimentação no valor diário de € 7,83 e ainda subsídios de férias e de Natal [resposta aos artigos 3º, 42º da petição inicial].
4. A Autora exercia as funções referidas em 2) em regime de comissão de serviço, por requisição à EL – Sociedade Gestora de Mercados Regulamentados, S.A. à qual estava vinculada por contrato individual de trabalho com efeitos desde 1989 [resposta ao artigo 4º da petição inicial].
5. Previamente à instituição da Ré, a Autora recebeu do senhor Presidente da Câmara Municipal Y proposta no sentido de aceitar exercer o cargo de Presidente da Fundação X para o seu primeiro mandato, a terminar em 31 de Dezembro de 2015 [resposta ao artigo 5º da petição inicial].
6. A Autora aceitou a proposta dadas as condições remuneratórias oferecidas, a circunstância de se tratar de um projecto novo e apelativo e a duração referida em 5) [resposta aos artigos 6º, 7º, 8º, 9º (este no que toca ao segmento “aceitou”) da petição inicial].
7. Na sequência da aceitação aludida em 6), em 10 de Julho de 2009, a Autora apresentou pedido de exoneração do cargo identificado em 2), com efeitos a partir de 13 desse mês, o que foi aceite e concretizado pelo Despacho nº 18520/2009 do Senhor Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Local [resposta aos artigos 11º da petição inicial, 47º da contestação].
8. Por escrito datado de 13 de Julho de 2009, assinado pelo Dr. DB, em representação do Município de Y, pelo Prof. Dr. Miguel Athayde Marques, em representação da Interveniente Acessória EL – Sociedade Gestora de Mercados Regulamentados, S.A. e pela Autora, foi declarado pelos subscritores celebrar acordo de cedência de interesse público, regido pelo disposto no Código de Trabalho e no artigo 58º da Lei nº 12-A/2008 de 27 de Fevereiro, com as seguintes cláusulas:

a) a segunda aceitava ceder a terceira enquanto trabalhadora a si vinculada desde 1989 – com alusão à cessação das funções identificadas em 2) em 13 de Julho de 2009 – com vista ao exercício das funções de Presidente da Fundação X, com efeitos a partir de 14 de Julho de 2009, por nomeação da Câmara Municipal de Y;
b) a duração da cedência mantinha-se enquanto a terceira exercesse as funções referidas em a), por conseguinte, por tempo indeterminado, cessando, como tal, na data em que cessasse o exercício daquelas funções;
c) a cedência sujeitava a terceira às ordens e instruções do primeiro, num primeiro momento, e da Fundação onde ia prestar funções logo após a sua nomeação e tomada de posse, sendo remunerada pela Fundação, assumindo o primeiro o pagamento das remunerações e demais encargos devidos à terceira desde a data de assinatura até à tomada de posse;
d) a celebração do acordo implicava a suspensão do contrato de trabalho celebrado entre a segunda e a terceira;
e) a terceira mantinha o direito à contagem, no posto de trabalho de origem, do tempo de serviço prestado em regime de cedência;
f) o acordo de cedência poderia ser feito cessar a todo o tempo, por iniciativa do primeiro e da terceira, com aviso prévio de 30 dias, caso em que esta retomaria o exercício das suas funções na segunda, com todos os direitos adquiridos e obrigações daí decorrentes [resposta aos artigos 12º, 17º da petição inicial, 50º a 59º da contestação].
9. Em reunião extraordinária realizada em 14 de Julho de 2009, a Câmara Municipal de Y deliberou, por unanimidade, nomear a Autora Presidente da Fundação X [resposta ao artigo 13º da petição inicial].
10. A deliberação referida em 9) foi comunicada à Autora por ofício de 17 de Julho de 2009, assinado pelo Presidente da Câmara Municipal Y, no qual era ainda informada que a nomeação produziria efeitos imediatamente após a publicação, em Diário da República, do Decreto-Lei identificado em 1) [resposta ao artigo 14º da petição inicial].
11. A partir de 29 de Agosto de 2009 a Autora passou a exercer o cargo de Presidente da Ré para um primeiro mandato a terminar em 31 de Dezembro de 2015 e, por inerência, Presidente do seu Conselho de Administração, com a mesma duração [resposta ao artigo 15º da petição inicial].
13. As funções referidas em 11) implicavam o pagamento à Autora da remuneração mensal de € 14.300, paga 12 meses por ano, e subsídios de férias e de Natal de idêntico montante, o que foi fixado por despacho de 17 de Setembro de 2009 proferido pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal Y [resposta aos artigos 19º da petição inicial, 24º da contestação].
14. A Comissão de Vencimentos da Ré estabeleceu que, adicionalmente, estava associado e especialmente afecto ao exercício do cargo pela Autora, o uso de uma viatura e de um telemóvel da Fundação [resposta aos artigos 20º da petição inicial, 42º da contestação].
15. A Autora passou a auferir os montantes aludidos em 12) a partir de Setembro de 2009, inclusive [resposta ao artigo 21º da petição inicial].
16. Invocando o contexto económico que o País atravessava e a mensagem a esse propósito transmitida pelo Presidente do Conselho Geral, em 11 de Novembro de 2010, a Comissão de Vencimentos da Ré deliberou por unanimidade, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2011, reduzir em 30% as remunerações dos membros do Conselho de Administração e as senhas de presença dos membros do Conselho Geral e do Conselho Fiscal, decisão que a Autora aceitou e em consequência da qual passou a auferir o montante ilíquido de € 10.010 [resposta aos artigos 22º da petição inicial, 43º da contestação].
17. No início de 2011 o Presidente da Câmara Municipal Y foi alertado por elementos do CCDR sobre a necessidade de apresentação das candidaturas a fundos comunitários previstos para o evento Capital Europeia da Cultura 2012, o que lhe causou preocupação [resposta aos artigos 25º, 26º da contestação].
18. Em 30 de Junho de 2011 o processo de candidatura referido em 17) foi concluído com a remessa de um documento datado do dia 15 desse mês [resposta aos artigos 27º da contestação e 16º da réplica].
19. O Director de Projecto da CEC, frustrado com a demora da tramitação inerente à contratação de instituição da cidade – OF – com vista à atribuição de execução de parte do programa cultural, que entendia ser lenta e susceptível de comprometer a sua exequibilidade prática e atempada, pediu demissão do cargo [resposta aos artigos 28º da contestação, 25º da réplica].
20. No momento referido em 19) o Presidente da Câmara Municipal Y deixou de acreditar na execução tempestiva dos programas previstos para o evento [resposta ao artigo 29º da contestação].
21. Também chegavam à Câmara Municipal de Y relatos relacionados com:

a) polémicas geradas com a publicidade da Capital Europeia da Cultura 2012 e as unidades hoteleiras algarvias, assim como com a aquisição de brindes publicitários que consistiam em t-shirts confeccionadas no Bangladesh em detrimento da encomenda a empresários locais e, ainda, com a contratação do Dr. RR para captação de mecenas por se perspectivar a sua candidatura às eleições autárquicas para a Câmara Municipal B;
b) a frustração do movimento associativo e agentes culturais que pretendiam maior envolvimento no projecto;
c) a demora na definição do protocolo com OF para a execução de parte considerável do programa, com o impacto referido em 19);
d) atraso na apresentação da candidatura aos fundos comunitários [resposta ao artigo 64º da contestação]
22. A Autora, na qualidade referida em 9) não detinha os pelouros administrativo-financeiro nem o da programação, este então entregue ao actual Presidente do Conselho de Administração [resposta ao artigo 24º da réplica].
23. Apesar do peso significativo dos fundos comunitários, o Conselho de Administração da Ré e a Autora trataram da disponibilização de outros meios de financiamento, aos quais se juntavam em Setembro de 2011, o prémio Melina Mercouri no montante de € 1.500.000 [resposta aos artigos 17º, 18º, 20º da réplica].
24. A Administração da Ré foi escrutinada pelos seus órgãos de fiscalização que nunca formularam qualquer reparo ou reserva [resposta aos artigos 32º, 34º da réplica].
25. Apesar do referido em 22), a Autora acompanhava os procedimentos administrativos e financeiros [resposta ao artigo 33º da réplica].
26. A Capital Europeia da Cultura – Y 2012 foi alvo de avaliação externa a nível de instâncias europeias tendo sido recomendada a atribuição do prémio referido em 23) na sequência de apresentação do programa ao Painel de Acompanhamento e Aconselhamento nomeado para o efeito, em Bruxelas, a 27 de Abril de 2011 [resposta aos artigos 35º a 41º da réplica].
27. Em face do referido em 21), o Presidente da Câmara Municipal Y anunciou a retirada da confiança política à Autora e diligenciou no sentido referido em 28) [resposta ao artigo 65º da contestação].
28. No dia 22 de Julho de 2011 o Presidente da Câmara Municipal Y, Dr. AS, na reunião extraordinária do Conselho Geral da Ré que teve lugar nesse dia, anunciou a sua intenção de proceder a uma renovação da equipa dirigente que integrava o Conselho de Administração desta [resposta ao artigo 23º da petição inicial].
29. Na sequência desse anúncio, no mesmo dia, a Ré, representada pelo Sr. Prof. Dr. BS, na qualidade de gestor de negócios, como primeira outorgante, a Autora, como segunda outorgante e o Sr. Dr. AS, por si e em representação da Câmara Municipal de Y, como terceira outorgante, foi assinado documento com o seguinte conteúdo:
“1) Considerando que, em face das exigências da nova fase da CEC, o Presidente da Câmara Municipal Y, na reunião do Conselho Geral da Fundação X, que teve lugar nesta data, anunciou a sua intenção de proceder a uma renovação da equipa dirigente que integra o Conselho de Administração da Fundação X;
2) Considerando que a efectivação do anúncio, tem como consequência, para a Presidente do Conselho de Administração, segunda outorgante, uma situação de incerteza quanto ao respectivo destino profissional;

Entre as partes é celebrado o seguinte acordo:

Cláusula primeira:
1) A segunda outorgante, caso se efective a renovação referida no Considerando 1), aceita a revogação do seu mandato de Presidente do Conselho de Administração da primeira outorgante que tal substituição comporta;
2) Todos os outorgantes se vinculam a não fazer quaisquer comentários públicos quer sobre a Fundação X, quer sobre a substituição efectivada, quer sobre a prestação da segunda outorgante no quadro da Administração da Fundação, quer sobre as relações entre os diversos intervenientes e aqui outorgantes.

Cláusula segunda:
Tendo em conta os factos referidos no Considerando 2), a primeira outorgante obriga-se a compensar a segunda outorgante pela diferença mensal que passe a auferir na situação profissional a que regresse após a substituição referida no Considerando 1) e a remuneração mensal que auferia aquando da designação para Presidente do Conselho de Administração da primeira outorgante.

Cláusula terceira:
1) A compensação referida na cláusula 2ª será objecto de liquidação entre as partes no prazo de 30 dias contados de hoje e paga nos 30 dias seguintes à mesma liquidação.
2) Extingue-se o direito à compensação devida à segunda outorgante no caso de esta violar a obrigação assumida na cláusula 1ª
3) Por sua vez, caso ocorra a violação do terceiro outorgante do dever consignado na cláusula 1ª, nº 2º, a segunda outorgante terá direito a receber a totalidade das retribuições a que teria direito como Presidente do Conselho de Administração da Fundação X até 31 de Dezembro de 2015.

Cláusula quarta:
Os outorgantes reconhecem que em caso algum as obrigações decorrentes do presente acordo e postas a cargo da primeira outorgante são transmissíveis ou transferíveis para a Câmara Municipal de Y” [resposta aos artigos 24º, 25º da petição inicial, 71º a 73º da contestação].
30. A Ré propôs à Autora as cláusulas identificadas em 29), olhando o aspecto humano da sua situação por referir incerteza em relação ao seu destino profissional e pretender que de futuro não houvesse comentários públicos acerca da sua actuação e comportamento, o que aquela aceitou, o mesmo sucedendo com o Presidente da Câmara Municipal Y [resposta ao artigo 70º da contestação].
31. Por escrito assinado a 22 de Julho de 2011 pelo Sr. Presidente do Conselho Geral da Ré, Dr. JS, e pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal Y, Dr. AS, que constitui um Anexo à Acta da Reunião do Conselho Geral da Ré nº 7/2011, lido aos órgãos de comunicação social, foi emitida a seguinte declaração:
“Com a abertura no passado dia 8 de Julho, pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional Norte, do Convite à participação de candidaturas, concluiu-se um longo e exigente processo de preparação da Y 2012, Capital Europeia da Cultura.
Estão agora reunidas todas as condições para que as três entidades com acessos a Fundos Comunitários possam reembolsar-se das despesas previamente efectuadas.
É sobejamente conhecido que os processos de candidatura a financiamentos com as características dos presentes são complexos, densos na tramitação e no quadro legal e regulamentar que os enforma. Por isso, a Fundação X sempre colocou um extremo rigor no tratamento destas questões, ciente de que tal atitude constitui a única forma de acautelar os superiores interesses da instituição e do projecto que lhe cabe prosseguir.
Um longo e exigente caminho foi trilhado desde que, em 14 de Julho de 2009, se anunciou, em Y, o modelo de governação do Projecto da Capital Europeia da Cultura.
Os estatutos da Fundação X, entidade à qual a Câmara Municipal de Y e o Governo Português confiaram o evento, vieram a ser publicados no final de Agosto, iniciando-se, de imediato, os trabalhos de preparação, sob a responsabilidade dos administradores e da Presidente da Fundação.
Houve que proceder ao recrutamento e formação de um colégio de programadores, houve que garantir e contratualizar as formas de financiamento do evento, houve que conceber, planear e concretizar o programa artístico e cultural da Y 2012. Houve que prestar contas, interna e internacionalmente, aos órgãos da Fundação, à Câmara e ao Ministério da Cultura, às instâncias europeias que acompanham e avaliam os processos das Capitais Europeias.
Todo este enorme esforço foi conduzido, com sucesso, sob a liderança da Dr.ª Maria, que providenciou um acompanhamento regular de todas as obras da Capital Europeia da Cultura, com a cooperação dos sectores municipais interessados.
Este ciclo de desenho e preparação do evento Y 2012, que se cumpriu a 8 de Julho, teve um resultado inquestionável: um programa cultural consistente e validado pela Europa - tendo sido recomendado para o prémio Melina Mercouri -, de par com um modelo de financiamento que permitiu chegar aqui sem roturas e com boas perspectivas para encarar eventuais dificuldades supervenientes.
Os promotores desta iniciativa, designadamente a Câmara Municipal de Y, manifestam o seu reconhecimento ao rigor, equidade, independência e transparência na defesa dos interesses associados à prossecução do seu particular objecto evidenciados pelo Conselho de Administração da Fundação X.
Um novo ciclo agora se abre, para o qual entende a Câmara Municipal de Y que se justificará uma renovação na equipa de responsáveis da Fundação.
Com a produção do programa já contratualizada ou em vias disso, o acento tónico da actividade da Fundação deverá ser agora posto na promoção do evento e na criação de condições para que Y e o País se envolvam com entusiasmo na celebração de 2012 e na fruição do programa cultural que lhes é oferecido.
Essa condição é decisiva para o êxito de Y 2012 Capital Europeia da Cultura, que reúne cidadãos, exalta as cidades a revigora a cultura como elemento aglutinador do destino europeu.” [resposta ao artigo 44º da réplica].
32. O novo Conselho de Administração da Ré ratificou a gestão do Prof. Daniel [resposta ao artigo 71º da contestação].
33. O Conselho de Administração da Fundação X foi renovado, tendo sido nomeado Presidente da Fundação e daquele órgão, o Sr. Professor Daniel [resposta aos artigos 26º, 27º da petição inicial].
34. Por ofício datado de 3 de Agosto de 2011, a Ré comunicou à Interveniente Acessória “ocorreu formalmente, hoje, dia 3 de Agosto, a entrada em funções de um novo Presidente da Fundação X. Em decorrência, cessou funções na mesma Fundação a Exmª Senhora Dr.ª Maria” [resposta aos artigos 26º, 28º, 29º da petição inicial].
35. A Autora diligenciou no sentido de reintegrar os quadros de pessoal da Interveniente Acessória no prazo de 30 dias previsto no acordo identificado em 8) f) [resposta ao artigo 30º da petição inicial]. 36. A Interveniente Acessória comunicou à Autora a impossibilidade dessa reintegração nas funções que desempenhara até Maio de 2000 e não dispor de outra função alternativa que pudesse propor, designadamente, considerando a sua categoria profissional, experiência, qualificações e competências [resposta aos artigos 31º, 32º, 33º da petição inicial].
37. Devido à evolução dos mercados e de reajustamentos introduzidos na organização e actividade da Interveniente Acessória decorrentes daqueles e da integração da estrutura global do Grupo EL (em 2011, “M. EL”), aquela sofreu modificações, designadamente:
- em termos de dimensão do seu quadro de pessoal que passara de 145 colaboradores para 32, dos quais apenas 29 no activo;
- em 2003/2004 encerrara as instalações no Porto onde Autora exercia funções;
- as funções de responsabilidade pela actividade de marketing, anteriormente desempenhadas pela Autora, haviam sido eliminadas na organização local, deixando de existir em Portugal [resposta aos artigos 34º a 38º da petição inicial].
38. Em face do referido em 36) e 37), em 2 de Setembro de 2011, a Interveniente Acessória propôs à Autora um acordo de revogação do contrato de trabalho mediante o pagamento de uma compensação no montante de € 218.274,56 [resposta aos artigos 39º da petição inicial, 76º da contestação].
39. A Autora aceitou a proposta referida em 38) [resposta aos artigos 40º, 41º da petição inicial].
40. A Ré recebeu com surpresa a notícia, transmitida pela Autora, que a EL não estava em condições para a receber pelos motivos referidos em 36) [resposta ao artigo 74º da contestação].
41. A Autora liquidou o valor previsto em 39) cláusula terceira 1) por referência ao montante mensal de € 6.645,83, 14 vezes por ano e ao período entre Setembro de 2011 e Dezembro de 2015 [resposta ao artigos 43º, 44º da petição inicial].
42. A Ré não aceitou a liquidação referida em 41) propondo valor global que não foi possível apurar, tomando por referência o montante mensal de € 5.846,64 que apurou corresponder àquele que a Autora auferia na EL e outro não concretizado por referência à CCDR [resposta aos artigos 45º, 46º da petição inicial, 78º, 80º da contestação]
43. Por sua vez, a Autora não aceitou a contraproposta [resposta ao artigo 81º da contestação].
44. No período compreendido entre Setembro de 2011 e Julho de 2013 a Autora prestou serviços a Televisão, Notícias, Publicações, S.A., EAFF, S.A. e M. – Design e Construção de Espaços, S.A. tendo auferido o valor global ilíquido de € 58.214 [resposta ao artigo 84º da contestação].
45. A Resolução do Conselho de Ministros nº 79-A/2012 de 25 de Setembro previu a extinção da Fundação X, com a reversão do património e atribuições para o Município de Y e/ ou com concessão da exploração dos equipamentos a entidades privadas e ou com alienação de equipamentos e património a entidades privadas, com procedimento a ocorrer em 2013 [resposta ao artigo 32º da contestação].
46. A Fundação X foi extinta pelo DL nº 56/2014 de 10 de Abril com efeitos a 31 de Dezembro de 2013 [resposta ao artigo 34º da contestação].
***
B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Conforme resulta das posições dos Recorrentes, a matéria de facto considerada como provada pelo Tribunal Recorrido não foi impugnada pelo mecanismo processualmente próprio, pelo que o presente Tribunal terá de se pronunciar sobre as questões colocadas pelas partes tendo em consideração apenas aquela factualidade.
Na verdade, os Recorrentes não chegam a deduzir a pertinente Impugnação da matéria de facto, com obediência ao disposto no art. 640º do CPC, conformando-se, assim, com a decisão sobre a matéria de facto produzida pelo Tribunal Recorrido.
Nessa medida, não tendo sido deduzida Impugnação da matéria de facto, e não sendo caso do presente Tribunal proceder à sua alteração oficiosa (cfr. nº 1 do art. 662º do CPC)(1), deverá a factualidade dada como provada manter-se nos exactos termos que se mostram vertidos na Decisão Recorrida.
*
Aqui chegados, e dentro destes pressupostos fácticos, importa, pois, que o presente Tribunal se pronuncie sobre a argumentação que cada um dos Recorrentes apresenta para fundamentar a interposição do Recurso.
Como decorre do exposto, a principal questão que se coloca – e nisso existe concordância mesmo entre os Recorrentes- é a da interpretação do clausulado estabelecido no acordo
Começaremos, pois, por aí a abordagem do presente Recurso, pois que das conclusões a que iremos chegar se poderão retirar, de uma forma mais clara, as razões porque se irá acolher ou refutar a argumentação de cada um dos Recorrentes.

Vejamos então o que ficou estabelecido no acordo.

1) Considerando que, em face das exigências da nova fase da CEC, o Presidente da Câmara Municipal Y, na reunião do Conselho Geral da Fundação X, que teve lugar nesta data, anunciou a sua intenção de proceder a uma renovação da equipa dirigente que integra o Conselho de Administração da Fundação X;
2) Considerando que a efectivação do anúncio, tem como consequência, para a Presidente do Conselho de Administração, segunda outorgante, uma situação de incerteza quanto ao respectivo destino profissional; (sublinhado nosso)

Entre as partes é celebrado o seguinte acordo:

Cláusula primeira:
1) A segunda outorgante, caso se efective a renovação referida no Considerando 1), aceita a revogação do seu mandato de Presidente do Conselho de Administração da primeira outorgante que tal substituição comporta;
2) Todos os outorgantes se vinculam a não fazer quaisquer comentários públicos quer sobre a Fundação X, quer sobre a substituição efectivada, quer sobre a prestação da segunda outorgante no quadro da Administração da Fundação, quer sobre as relações entre os diversos intervenientes e aqui outorgantes.

Cláusula segunda:
Tendo em conta os factos referidos no Considerando 2), a primeira outorgante obriga-se a compensar a segunda outorgante pela diferença mensal que passe a auferir na situação profissional a que regresse após a substituição referida no Considerando 1) e a remuneração mensal que auferia aquando da designação para Presidente do Conselho de Administração da primeira outorgante. (sublinhado nosso)

Cláusula terceira:
1) A compensação referida na cláusula 2ª será objecto de liquidação entre as partes no prazo de 30 dias contados de hoje e paga nos 30 dias seguintes à mesma liquidação.
2) Extingue-se o direito à compensação devida à segunda outorgante no caso de esta violar a obrigação assumida na cláusula 1ª
3) Por sua vez, caso ocorra a violação do terceiro outorgante do dever consignado na cláusula 1ª, nº 2º, a segunda outorgante terá direito a receber a totalidade das retribuições a que teria direito como Presidente do Conselho de Administração da Fundação X até 31 de Dezembro de 2015.

Cláusula quarta:
Os outorgantes reconhecem que em caso algum as obrigações decorrentes do presente acordo e postas a cargo da primeira outorgante são transmissíveis ou transferíveis para a Câmara Municipal de Y”.
*
Ora, é justamente com fundamento na interpretação do clausulado do acordo que se acaba de transcrever que, na decisão aqui posta em crise, após desenvolver pertinentes considerações Doutrinais e Jurisprudenciais no que concerne às regras de interpretação dos contratos, se concluiu, quanto à primeira questão enunciada, que:

“Centrando-nos no documento que Autora e Ré subscreveram em 22 de Julho de 2011, importa chamar à colação o artigo 406º nº 1 do Código Civil segundo o qual o contrato pode extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes. Na medida em que ao convencionarem que, em face das exigências da nova fase da Capital Europeia da Cultura e perante o anúncio do Presidente da Câmara Municipal Y na reunião do Conselho Geral, a ter lugar naquela data, de ser sua intenção proceder a uma renovação da equipa dirigente que integrava o Conselho de Administração da Fundação X, a Autora, na hipótese de efectivação dessa renovação, declarou aceitar a revogação do seu mandato de Presidente naquele órgão e emitiram declarações de vontade convergentes no sentido de pôr termo à relação contratual que as ligava desde 29 de Agosto de 2009.
A cláusula segunda prevê uma compensação financeira da Autora apoiada na circunstância de aquele anúncio ter como consequência uma situação de incerteza quanto ao destino profissional daquela. (sublinhado nosso)
A relação entre o anúncio e a situação de incerteza tem de ser densificada apelando aos antecedentes do percurso profissional da Autora:

- antes de iniciar o exercício de funções de Presidente da Fundação Ré e, por inerência, presidente do seu Conselho de Administração, na data supra referida, a demandante era Vogal Executiva da Comissão Directiva do Programa Operacional Regional, integrada na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional, na sequência de nomeação por Resolução do Conselho de Ministros nº 169/2007 de 19 de Outubro, cargo que exercia em regime de comissão de serviço, por requisição à Interveniente Acessória EL – Sociedade Gestora de Mercados Regulamentados, S.A., sua entidade patronal desde 1989;
- na sequência da aceitação do convite do senhor Presidente da Câmara Municipal Y, formulado no âmbito do artigo 33º nº 1 dos Estatutos da Ré, publicados em anexo ao DL nº 202/2009 de 28 de Agosto, a Autora pediu a exoneração desse cargo com efeitos a 13 de Julho de 2009, o que foi aceite por Despacho nº 18520/2009 do Senhor Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Local;
- em 13 de Julho de 2009, a referida entidade patronal da Autora celebrou com o Município de Y “acordo de cedência de interesse público” para o exercício das funções de Presidente da Ré com efeitos a partir de 14 de Julho de 2009, por tempo indeterminado mas subordinado ao período em que durassem tais funções, a implicar a suspensão do contrato de trabalho, a contagem do tempo de serviço no posto de trabalho de origem, prevendo a cessação do acordo de cedência a todo o tempo, por iniciativa do Município ou da Autora, com aviso prévio de 30 dias para retoma das funções na EL.
Perante este contexto, a Autora sabia que a cessação das suas funções ao serviço da Ré implicaria a cessação da suspensão do seu vínculo laboral e o regresso aos quadros da sua entidade patronal. Não havendo incerteza quanto ao seu destino, devidamente salvaguardado pelo acordo de cedência, a mesma apenas poderia advir da sua ausência durante o período das duas comissões de serviço, designadamente, pela possibilidade de o cargo que exercera poder estar a atribuído a outro trabalhador.
Conciliando essa incerteza com a cláusula segunda nos termos da qual a Ré se obrigou a compensar a Autora pela diferença entre a remuneração mensal que passasse a auferir na situação profissional a que iria regressar e aquela que auferia antes de ser Presidente do Conselho de Administração, podemos perceber que a incerteza assumia um conteúdo pecuniário, ou seja, a demandante desconhecia o quantum da sua retribuição no posto de trabalho, pelo que ao emitir tais declarações de vontade as partes pretenderam salvaguardar o nível de rendimento que aquela tinha antes do convite que aceitara em Julho de 2009 (sublinhado nosso).
A não liquidação imediata e a previsão do ponto 1) da cláusula terceira reforça que essa incerteza implicava o regresso à actividade profissional na sua entidade patronal já que só desse modo conheceria o montante da sua retribuição e se tal implicava uma redução dos rendimentos que auferia na comissão de serviço na CCDR.
No entanto, somos confrontados com a cessação do contrato por mútuo acordo entre a Autora e a Interveniente Acessória, o que coloca a questão de saber se tal hipótese estava contemplada na vontade negocial das partes vertida no documento de 22 de Julho de 2011.
A resposta tem de ser negativa: o acordo de cedência era claro quanto à manutenção do vínculo contratual entre a Autora e a EL Lisboa, dado que não apenas se previa a suspensão do contrato de trabalho, mas também a contagem do tempo de serviço no posto de trabalho de origem e a retoma do exercício das funções com todos os direitos e obrigações daí decorrentes, pelo que a situação de desemprego não estava no horizonte; por outro lado, a extinção das funções de marketing que exercia e a indisponibilidade de outras funções compatíveis pela entidade patronal constitui uma circunstância anormal e imprevista que nada tem a ver com o acordo que a Autora e a Ré celebraram.
Na verdade, a perda de rendimento do trabalho pela Autora não deriva de uma incerteza quanto ao destino profissional que tivesse em vista acautelar quando acordou a compensação com a Ré, mas de uma decisão ulterior da entidade patronal e do seu assentimento em pôr termo ao vínculo laboral.
Ao prever que o montante da compensação seria igual ao valor da diferença entre as remunerações da EL e da CCDR, a cláusula segunda assentava no pressuposto que a primeira seria inferior à segunda, mas não que fosse inexistente, o que significa que a interpretação da Autora não tem cabimento na letra, nas circunstâncias contemporâneas da sua redacção, nem na finalidade tida em vista, que era preservar o nível de rendimento e não substituir a entidade patronal nas suas obrigações, mormente no pagamento da contrapartida pela prestação de trabalho.
Assim, a compensação terá o valor mensal correspondente à diferença entre o montante de € 5.846,64, que era o montante que se apurou relativamente à remuneração na EL e aquele que auferia na CCDR, sendo este de € 6.645,83, com as componentes de € 5.722,75 de remuneração principal, € 923,08 de suplemento, acrescida de subsídio de alimentação no valor diário de € 7,83 e ainda subsídios de férias e de Natal.
Apelando ao conceito de retribuição consagrado nos artigos 258 nºs 1 a 3 e 260º nº 1 e 2 a contrario do Código do Trabalho, a quantia alusiva ao suplemento entrará também no cálculo; no entanto, o termo “remuneração mensal” arreda a possibilidade de contabilizar os subsídios de férias e de Natal, já que a expressão literal do acordo remete para uma realidade correspondente a 12 meses e não a 14.
O montante da diferença corresponde a € 799,19.
Quanto ao período a ter em conta, as partes não deram qualquer indicação, ao contrário do que fizeram na cláusula terceira 3), prevista como sanção do incumprimento da cláusula de silêncio por parte do Dr. AS.
Precisamos de apelar ao contexto: os artigos 27º nº 1 e 33º nº 2 dos Estatutos da Ré previram expressamente que o primeiro mandato do Conselho de Administração e da Presidente da Fundação terminaria em 31 de Dezembro de 2015.
Contrariando a duração indeterminada prevista no artigo 1º nº 2 do DL nº 202/2009 e os fins estabelecidos no artigo 3º alínea b), em consonância da qual as normas citadas no anterior parágrafo estabeleciam que os mandatos seguintes teriam a duração de três anos, a Resolução do Conselho de Ministros nº 79-A/2012 de 25 de Setembro estabeleceu que a Ré seria extinta em 2013, com a concretização desse anúncio a ser levada a cabo pelo DL nº 56/2014 de 10 de Abril, com efeitos retroactivos a 31 de Dezembro de 2013.
Constatamos, pois, que à data do acordo, a previsão do exercício do cargo de Presidente do Conselho de Administração era referida a 31 de Dezembro de 2015, uma vez que o termo associado a uma duração certa só surgiu em 2012.
Ponderando que as partes previam que a liquidação fosse realizada pela Autora até 21 de Agosto e o subsequente pagamento pela Ré até 20 de Setembro de 2011, o período com que podiam contar correspondia a 52 meses.
Á semelhança do que referimos para o montante a ter em consideração, a redução dos meses do cálculo não pode ficar a dever-se a circunstâncias imprevistas, como foi a extinção antecipada e a propositura e pendência da presente acção, já que interferiria com o equilíbrio das prestações que as partes estabeleceram na data em questão.
Assim, o montante a que a Autora tem direito nos termos da cláusula segunda do acordo de 22 de Julho de 2011 ascende a € 41.557,88. “.
*
Discorda a Recorrente/Ré da fundamentação da sentença, considerando que:

c) considerando que a A. foi exonerada da CCDR em 13 de Julho de 2009 e que iniciou funções como Presidente da Fundação em 14 de Julho de 2009, já estava então ao serviço da EL, da qual era trabalhadora, pelo que não era de equacionar, para se cumprir o disposto na cláusula segunda do Acordo, o vencimento da A. na CCDR, a cujos quadros já não pertencia, mas sim o vencimento que ela tinha na EL, e como ambos esses vencimentos, antes e depois da cessação de funções na Fundação, eram idênticos, nenhuma compensação podia ter sido arbitrada (autos a fls. 582 eL587);
d) mas ainda que assim não fosse, a considerar-se o vencimento que a A. tinha na CCDR (autos a fls. 24) este só podia ser considerado quanto à remuneração principal, ou seja € 5.722,75 (sem subsídios de férias e de natal, mas também sem quaisquer outros subsídios – cfr. os vários Pareceres do Conselho Consultivo da PGR, a Orientação Técnica da DGAP nº 01/DGAP/2003, os acórdãos do TCA- Norte de 21/10/2011, do TRP de 26/04/2004 e do STJ e do STA indicados no texto supra), pelo que, ainda que fosse de considerar, como a sentença fez, o vencimento da A. na CCDR, este, porque apenas de € 5.722,75 era inferior ao que lhe era destinado na EL, pois esta seria de € 5.846,64, ou seja, superior àquele, de onde necessariamente resultava que não havia lugar a qualquer compensação;
e) o período a considerar para a fixação da compensação, se a ela houvesse lugar, nunca poderia prolongar-se, como se decidiu, até 31 de Dezembro de 2015, porque a Ré Fundação foi extinta através de Decreto-Lei com efeito a 31 de Dezembro de 2013, de onde decorria impossibilidade de prestação de qualquer trabalho pela A. à Ré a partir desta última data (Decreto-Lei 57/2014 de 10 de Abril);
(…)
g) ao contrário, porém, do que a autora alegou não ocorreu na EL a extinção do seu posto de trabalho, pois esta só poderia ter lugar, considerando que a autora iniciou o seu contrato de trabalho em 16/02/1989, na EL, e findou esse contrato em 31/07/2011, através de qualquer dos mecanismos legais estabelecidos pelo Decreto-Lei 64-A/89 (que vigorou de 16/02/1989 até 01/12/2003), depois de o Código do Trabalho de 2003 (que vigorou entre 01/12/1003 e 17/02/2009) e, depois pelo Código do Trabalho actual, que vigorou a partir de 07/02/2009, e esses mecanismos (prévia comunicação à Comissão de Trabalhadores ou à Comissão Intersindical, Parecer desta, e decisão fundamentada tomada por escrito (cfr. além da lei, o Acórdão da Relação do Porto de 30/09/2013, de que foi Relatora Paula Maria Roberto, in www.dgsi.pt) não foram accionados, nem se verificaram.
(…)
i) tendo a autora, após a rescisão por si decidida do seu contrato de trabalho com a EL sido por esta indemnizada pela rescisão, em € 218.274,56 (facto 38), e tendo depois trabalhado para terceiros, dos quais recebeu a quantia ilíquida de € 58.214,00 (facto 44), porque essas indemnização e pagamento de actividades nunca poderiam ser compatíveis ou simultâneas com o exercício de funções na Fundação, os respectivos valores teriam sempre de ser considerados, a decrescer a qualquer compensação que à autora pudesse ser arbitrada em consequência do pedido.
(sublinhados nossos)

De igual modo, a Recorrente/A. entende que outra deveria ser a interpretação que deve ser dada ao referido clausulado, considerando que:

V - Um dos elementos mais relevantes para se compreender e interpretar o acordo alcançado e celebrado no caso em apreço é o tipo negocial: o contrato que vinculava a partes, a sua tipificação e o seu enquadramento legal, a licitude ou ilicitude da uma sua eventual rescisão unilateral por parte da Fundação X e respectivas consequências;
VI - Porém, na douta sentença recorrida não se vislumbra uma única palavra a este propósito e a este respeito, não obstante nela se dizer em geral que assim deve ser e nela se citar doutrina e jurisprudência que expressamente referem que assim deve ser;
VII - O contrato que vinculava a A. e a Fundação X, de que a primeira era Presidente e Presidente do respectivo Conselho de Administração, aludido nos pontos 5., 6., 9., 10., 11., 12., 13., 14. e 15. da matéria de facto dada como provada, era um contrato de gestão ou de administração, ao qual, como é jurisprudência pacífica, são aplicáveis as regras gerais do mandato;
VIII - Embora tal mandato pudesse ser unilateralmente revogado ou rescindido pela Fundação antes do respectivo termo, de forma lícita, sempre teria a mesma Fundação de indemnizar a aqui A., sendo essa indemnização calculada de acordo com os lucros cessantes – ou seja, pela diferença entre o que a A. auferiria até termo do contrato ou mandato ao serviço da Fundação e aquilo que viesse a auferir no exercício de outra ou outras actividades profissionais a que viesse a dedicar-se no mesmo período;
IX - Do acordo celebrado consta expressamente que: “Considerando que a efectivação do anúncio, tem como consequência, para a Presidente do Conselho de Administração, segunda outorgante, uma situação de incerteza quanto ao respectivo destino profissional; Entre as partes é celebrado o seguinte acordo:”;
X – Uma pessoa medianamente instruída, diligente a sagaz sabe o que significa “uma situação de incerteza quanto ao respectivo destino profissional” e é capaz de discernir o significado de tal expressão;
XI - O destino profissional e a incerteza quanto ao mesmo é uma coisa, e outra bem distinta é a retribuição profissional e a incerteza quanto à mesma;
XII - O significado ou sentido de tal declaração e expressão constante do acordo não é nem pode ser, notoriamente e por qualquer forma, o que se lhe atribuiu ou tentou atribuir na sentença recorrida, ou seja, o de que o significado ou sentido de tal incerteza respeitava afinal ao quantum ou montante da sua retribuição no posto de trabalho e respectivo desconhecimento por parte da A.;
XIII - A A. já não trabalhava para a EL desde Maio de 2000, tendo, devido à evolução dos mercados e a reajustamentos introduzidos na organização e actividades da mesma EL, sofrido ela modificações, designadamente em termos de dimensão do seu quadro de pessoal, de encerramento em 2003/2004 das instalações no Porto onde Autora exercia funções e de eliminação na organização local das funções de responsabilidade pela actividade de marketing, anteriormente desempenhadas pela Autora, as quais haviam sido eliminadas, deixando de existir em Portugal;
(…)
XV – E daí a incerteza que manifestou quanto ao seu destino profissional, a qual ficou a constar indubitavelmente do acordo celebrado, por acordo de ambas as partes, que assim desde logo a aceitaram e reconheceram, nos termos constantes do acordo e como base, justificação e fundamento para a celebração do mesmo;
XVI - A A. exercia anteriormente funções de Direcção na CCDR, onde auferia 6.645,83 mensais, a que acresciam subsídios de Natal e de férias de igual montante, para além de subsídio de alimentação;
XVIIO que o acordo celebrado representa e traduz é o pagamento de uma indemnização, embora substancialmente menor do que a que seria devida à A. em caso de rescisão ou revogação unilateral do mandato desta por parte da fundação;
XVIII - Em vez de se tomar como base de cálculo para a indemnização o salário que a A. auferia na Fundação, aceitou a A. que fosse antes considerado o salário mensal que auferia na CCDR, antes de ir para a mesma Fundação – ou seja, 6.645,83 € em vez de 10.010,00 €;
XIX - O que a A. quis salvaguardar foi o rendimento que tinha na CCDR, pelo menos até termo do seu previsto mandato na Fundação, para o qual foi contratada (até 31/12/2015); e não só a A., mas ambas as partes quiseram e aceitaram salvaguardar tal nível de rendimento – como bem se diz na sentença recorrida, a este propósito (fls. 51, linhas 21/22 e 52, linha 17);
XX - Tendo em conta e em consideração a letra do acordo celebrado, as circunstâncias da celebração do mesmo, o tipo de negócio ou contrato antecedente e subjacente à celebração do acordo e respectivo enquadramento jurídico, tudo complementado com os demais elementos e meios de prova, a conclusão tirada na sentença de que a situação de incerteza quanto ao destino profissional da A. referida no acordo celebrado mais não significa do que o mero desconhecimento por parte da A. do quantum da sua retribuição na EL, para, a partir daí, fixar o montante de tal remuneração e utilizá-lo como base de calculo para a liquidação da indemnização e fixação da quantia condenatória, está completamente errada, sendo estas uma conclusão e uma condenação resultantes de uma interpretação do acordo celebrado contrária à lei ao próprio acordo;
XXI - O acordo celebrado representa uma transacção entre as partes, mediante a qual acordaram e se comprometeram ambas a aceitar a rescisão ou revogação do contrato de mandato que entre elas vigorava e cujo termo apenas ocorreria em 30.12.2015, mediante o pagamento à A. de uma indemnização correspondente à diferença entre aquilo que auferiria no exercício de tal mandato até 31.12.2015 (Nota: julga-se que a Recorrente não expressou bem neste ponto aquilo que traduz a sua conclusão mencionada nos pontos anteriores) e aquilo que viesse a auferir no mesmo período no exercício da sua actividade profissional;
XXII - Tal diferença ou indemnização traduz-se na quantia de 347.181.83 € (6.645,83 € x 61 = 405.395,83 €; 405395,83 € – 58.214,00 € = 347.181.83 €);
(os sublinhados e a nota introduzida são de nossa autoria)
*
Cumpre decidir.

Aqui chegados, importa, então, que o presente Tribunal verifique se o esforço interpretativo realizado pelo Tribunal Recorrido merece aqui acolhimento (ou se antes deve ser outra a interpretação que se pode retirar daquele clausulado).
Ou seja, importa entrar na questão de saber qual era a intenção das partes quando estipularam as referidas cláusulas.
A solução para o presente caso passa, obviamente, pela interpretação do referido clausulado do acordo celebrado entre as partes.
No entanto, antes de entrarmos nessa interpretação do acordo, importa esclarecer o estatuto jurídico dos dirigentes das Fundações que assumam a natureza jurídica que a aqui “Fundação Cidade Y” detinha (pessoa colectiva de direito privado com utilidade pública- arts. 1º, nº 2 e 2º, nº1 do DL 202/2009 e art. 1º dos seus Estatutos) (2), pois que se julga que desse esclarecimento poderão resultar alguns contributos particularmente relevantes em sede interpretativa- como, aliás, bem nota a Recorrente/Autora.
A questão que se coloca é a de saber porque é que as partes celebraram o acordo aqui em discussão.
Como decorre da matéria de facto (do próprio teor do acordo que veio a ser celebrado), “em face das exigências da nova fase da Capital Europeia da Cultura e perante o anúncio do Presidente da Câmara Municipal Y, na reunião do Conselho Geral, de ser sua intenção proceder a uma renovação da equipa dirigente que integrava o Conselho de Administração da Fundação X”, a Autora, na hipótese de efectivação dessa renovação, declarou aceitar a revogação do seu mandato de Presidente, e, nessa sequência, foi celebrado um acordo no sentido de pôr termo à relação contratual que a ligava à Fundação desde 29 de Agosto de 2009.
Ora, a verdade é que subjacente a esse acordo não podia deixar de estar presente a atribuição à Autora de um montante indemnizatório, pela cessação antecipada das funções para que tinha sido investida, e que segundo o Estatuto da própria Fundação se prolongariam até 31 de Dezembro de 2015 (art. 27º e 33º, nº2).
Julga-se que este facto teve que estar bem presente durante as negociações que certamente foram estabelecidas entre as partes, tanto mais que, como decorre do art. 20º dos Estatutos da Fundação (garantias profissionais), “nenhum indivíduo pode ser lesado nos seus direitos profissionais em consequência do desempenho de cargos nos órgãos da Fundação”.
Ora, como decorre do respectivo Estatuto e do regime jurídico aplicável, a Ré podia, licitamente, revogar ou rescindir unilateralmente a relação jurídica que havia estabelecido com a Autora, desde que o efectuasse com adequado aviso prévio- situação que, obviamente, encontrava igual direito do lado da Autora (cfr. art. 30º, nº 4 do Estatuto da Ré).
Sucede que, sendo lícita essa rescisão do contrato, a verdade é que, até por força do citado art. 20º dos Estatutos, a situação profissional da Autora teria que ficar salvaguardada, pois que, como se referiu, a mesma “não podia ser lesada nos seus direitos profissionais em consequência do desempenho de cargos nos órgãos da Fundação.”
Nesta conformidade, não estando a Ré impedida de fazer cessar, de uma forma unilateral, a relação jurídica que tinha estabelecido com a Autora, antes do respectivo termo, sempre teria de indemnizar a aqui A. pela cessação antecipada do seu “mandato” (expressão utilizada no Estatuto) que devia prolongar-se, pelo menos, até 31.12.2015.
A questão que certamente se colocava era a de saber qual seria o montante indemnizatório que devia ser atribuído à Autora.

Uma das hipóteses a explorar seria aquela que a Autora indica nas suas alegações:

“a indemnização devia ser calculada de acordo com os lucros cessantes – ou seja, pela diferença entre o que a A. auferiria até termo do contrato ou mandato ao serviço da Fundação e aquilo que viesse a auferir no exercício de outra ou outras actividades profissionais a que viesse a dedicar-se no mesmo período;”
No entanto, como admite a própria Autora, tratando-se de um Acordo (transacção) não foi esse o critério seguido pelas partes (na versão do Sr. Presidente da Câmara, proposto pela Autora e aceite por aquele).

Na verdade, o que ficou plasmado no Acordo foi que:

-a indemnização devia ser calculada de acordo com os lucros cessantes, mas esses lucros cessantes deviam ser aferidos:

“pela diferença mensal entre:

o que passe a auferir na situação profissional a que regresse após a cessação de funções
e
a remuneração mensal que auferia aquando da designação para Presidente do Conselho de Administração da primeira outorgante (remuneração do CCRD).”

Ou seja, o que ficou estipulado foi o regresso da Autora aos direitos profissionais que a mesma tinha antes de assumir funções de Presidente da Ré, em coerência, aliás, com o que se prevê no art. 20º do Estatuto.
Independentemente destas considerações, a que regressaremos mais à frente, julga-se, pois, que as partes (nomeadamente, a Autora), quando celebraram o acordo, poderão ter partido destes pressupostos.
E a verdade é que os mesmos acabaram por ser acolhidos, em parte, no ac. da RG de 30.1.2014 (3) que, confirmando o enquadramento jurídico da Primeira Instância (4), concluiu que:

“I - A revogação de mandato de membro de órgão de Fundação de direito privado e de utilidade pública, não se mostrando estar alicerçada em Justa Causa, sendo embora e em rigor um acto lícito, obriga porém o mandante/Fundação a pagar ao referido membro do órgão e/ou mandatário uma indemnização;
II - A indemnização referida em I será então equivalente ao quantum que o membro do órgão deixou de auferir até o termo normal do mandato, deduzido do que vier ele a auferir até a mesma data e pelo facto de ter deixado de o ter de cumprir até o seu final.”.
Como resulta da fundamentação do Acórdão, considerou-se, assim, que a relação jurídica que se estabelece entre uma Fundação e um seu Dirigente, deve ser enquadrada no âmbito da celebração de um contrato de mandato (citando-se os arts. 170º, nº 2 e 1157º e ss. do CC, em especial, o art. 1172º do CC onde se prevê que no caso da revogação unilateral do mandato, a parte que o revogar deve indemnizar a outra do prejuízo que sofrer).
“E, no que à indemnização propriamente dita concerne, e estando em causa um mandato conferido por certo tempo, então - no entender do tribunal a quo (5) (nota 6- Citando-se v.g. Pires de Lima e Antunes Varela, in CC anotado, vol. II, Pág. 651/652) - o prejuízo da revogação calcular-se-á em função da compensação que o mandato devia proporcionar normalmente ao mandatário, ou seja, a indemnização pelos prejuízos causados consistirá por regra na retribuição que o mandatário perdeu, o que, aduz-se na sentença apelada, tem sido de resto o entendimento já sufragado pela jurisprudência conhecida (nota 7- Cfr. designadamente os Acs. do STJ de 20/11/1989 (in BMJ, nº 391, Dezembro, 1989, págs. 595 a 605) e de 5/5/2005, e o Ac. do TRL de 17/11/2005, os dois últimos acessíveis in www.dgsi.pt).”
Aqui chegados, e se se admitisse como fundamentada esta posição, ficaria, como é óbvio, sustentado (e explicado) o critério de indemnização estabelecido pelas partes no Acordo aqui em discussão.
Como se disse, embora as partes tivessem partido do critério indemnizatório decorrente da aplicação das regras do contrato de mandato (lucros cessantes), a verdade é que transigiram (fizeram cedências de parte a parte), e definiram um critério indemnizatório aferido em função, não dos lucros cessantes gerais, mas sim de um critério específico de lucros cessantes, tendo por referência a remuneração correspondente à última situação profissional que a Autora havia tido (e de que teve de abdicar quando aceitou assumir as funções de Presidente da Ré) - o que significa que a Autora prescindia de parte das remunerações que poderia vir a obter se se tivesse mantido nas funções que aceitava cessar.
Sucede que importa dizer que o enquadramento jurídico (pré-) assumido pelas partes (e acolhido no citado ac. da RG) poderá não corresponder ao melhor entendimento, pois que é duvidoso que a relação jurídica estabelecida entre a Fundação e os seus Dirigentes deva ser enquadrado no contrato de mandato.
Trata-se de aspecto que aqui se aborda apenas por uma questão de rigor conceitual, e porque poderá reforçar algum dos argumentos que mais à frente se avançarão quanto às parcelas remuneratórias que deverão ser integradas no montante indemnizatório a atribuir à Autora.
Na verdade, julga-se efectivamente que as partes celebraram o acordo tendo subjacente as considerações jurídicas atrás salientadas, estando convencidas que a indemnização, a ser devida -e a não ser celebrado o acordo- ter-se-ia fixado de acordo com o aludido critério de lucros cessantes gerais.
Dito isto, importa, pois, procurar precisar qual deverá ser o estatuto jurídico dos Dirigentes de uma Fundação que assuma a mesma natureza jurídica da Ré (6).

Tem-se entendido que “os dirigentes das fundações não se encontram abrangidos pelo diploma que regula o exercício de cargos dirigentes na Administração Pública, porquanto este alcança somente os titulares de cargos de direcção na administração central, regional e local, para além dos institutos públicos (cfr. art.º 1.º, nºs 1 e 2, da Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro, com a redacção introduzida pela Lei n.º 51/2005, de 30 de Agosto).
Também o estatuto do gestor público não contempla os membros dos órgãos de administração das fundações privadas ou de direito privado e utilidade pública, uma vez que tal diploma abrange apenas, para além do sector empresarial público, os institutos públicos (e unicamente nos casos expressamente determinados nos respectivos estatutos) e as entidades reguladoras independentes – cfr. art.ºs 1.º e 2.º, n.º 3 do Estatuto do Gestor Público, aprovado pelo Decreto‐Lei n.º 71/2007, de 27 de Março” (7).
O que significa que, em princípio, não seria, também, aplicável aos Dirigentes de uma Fundação de direito privado, o disposto no art.º 26.º da Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro (na sua actual redacção), onde se prevê justamente a indemnização devida pela cessação da comissão de serviço do Dirigente da Administração Pública por extinção ou reorganização da unidade orgânica (ou por necessidade de imprimir nova orientação à gestão).
Ora, não deixa de ser interessante verificar que, para essas situações, o legislador prevê que, quando a comissão de serviço cesse por aqueles motivos, o Dirigente terá direito, a título de indemnização, a receber o montante que resultar da diferença entre a remuneração base do cargo dirigente cessante e a remuneração da respectiva categoria de origem, em função do tempo que faltar para o termo da comissão de serviço (cfr. art.º 26.º, n.ºs 1 e 2) (8).
Como esclarece o Autor citado, a ratio do preceito é “… não prejudicar os dirigentes cuja comissão de serviço tenha terminado por facto que não lhes é imputável”.
Aqui chegados, concluindo-se que os aludidos regimes dos Dirigentes da Administração Pública não são aplicáveis ao caso concreto, restaria, pois, ao Tribunal socorrer-se do que se mostra previsto no Estatuto da Fundação, e no caso de aí não se mostrar previsto qualquer regime, suprir essa lacuna através do recurso às normas de direito privado que mais se aproximem da situação jurídica em que se encontrem os Dirigentes da Fundação.
Assim, “atenta a exiguidade de disposições dos Estatutos acerca do exercício dos cargos dirigentes nas fundações privadas ou de direito privado, (9) importa compreender de que forma se poderá superar tal escassez.
Perante este cenário e face à impossibilidade de aplicação do regime do pessoal dirigente da Administração Pública e do Estatuto do Gestor Público, resta aplicar o regime vertido no Código do Trabalho para o desempenho de tais cargos (10), ou seja, o regime da comissão de serviço (cfr. arts. 161º a 164º), em consonância, aliás, com o princípio delineado no início do presente parecer, de acordo com o qual as lacunas do estatuto destas pessoas colectivas deverão ser preenchidas, em regra, através do recurso a normas de direito privado”.
Nesta conformidade, o exercício dos cargos reger‐se‐á pelo disposto na lei laboral, em tudo o que não contenda com as disposições do Estatuto que versam sobre a mesma matéria.

Segundo este Autor (11), esta aplicação subsidiária do Código do Trabalho “…determinaria, salvo melhor juízo, a sujeição da comissão de serviço às seguintes regras:

a) possibilidade de os cargos de administração das fundações privadas ou de direito privado serem ocupados por pessoas não previamente vinculadas à instituição (art. 162.º, n.º 1);
b) admissibilidade de, em caso de admissão de trabalhador para exercer cargo ou funções em comissão de serviço, ser acordada a sua permanência após o termo da comissão (art.º 162.º, n.º 2);
c) redução a escrito do contrato do contrato para exercício de funções em regime de comissão de serviço, com a obrigatória menção de diversos elementos (art.º 162.º, n.º 3, alíneas a) a d) 63);
d) contagem, para efeitos de antiguidade, do tempo de serviço prestado em regime de comissão de serviço, como se tivesse sido prestado na categoria de que este o trabalhador eventualmente seja titular (art.º 162.º, n.º 5);
e) a possibilidade de qualquer das partes fazer cessar a comissão de serviço, sem necessidade de indicação do motivo, desde que o comunique à contraparte por escrito, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, consoante aquela tenha durado, respectivamente, até dois anos ou período superior (art.º 163.º, n.º 1);
f) o direito a indemnização, por parte do dirigente, sempre que a sua comissão de serviço cesse por motivo alheio à prática de infracções disciplinares graves, indemnização essa que corresponde a um mês de retribuição de base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, sendo que, em caso de fracção de ano, a compensação é calculada proporcionalmente (art.ºs 164.º, n.º 1, alínea c) e 366.º, n.ºs 1 e 2)”.
*
Aqui chegados, e revertendo para o caso concreto, pode-se constatar que as partes, na fixação do critério indemnizatório, apontaram para outros critérios.
Na verdade, embora tivessem partido do critério indemnizatório decorrente da aplicação das regras do contrato de mandato (lucros cessantes), as partes, como já se referiu, transigiram, quanto a esse critério, e definiram um outro critério indemnizatório, aferido em função, não dos lucros cessantes gerais, mas sim de um critério específico de lucros cessantes, tendo por referência a remuneração correspondente à última situação profissional que a Autora havia tido (e de que teve de abdicar quando aceitou assumir as funções de Presidente da Ré) - o que significa que a Autora prescindia de parte das remunerações que poderia vir a obter se se tivesse mantido nas funções que aceitava cessar (já que estas atingiam um montante superior).
Já fomos avançando alguns argumentos nesse sentido, mas agora importa entrar, de uma forma mais directa, na questão da interpretação do acordo aqui em discussão.
Para efectuar tal interpretação não se pode, no entanto, deixar de relevar tudo o que se acaba de dizer.
Assim, é dentro destas balizas estatutárias (e legais) que a interpretação do acordo celebrado entre as partes deve ser averiguada.
A tarefa, pois, que incumbe aqui realizar é a de interpretação do contrato (acordo), tendo em conta as cláusulas contratuais já atrás mencionadas, e todas as circunstâncias que o legislador manda atender nesta sede interpretativa.
Vejamos quais são essas circunstâncias (já também mencionadas na decisão).
É conhecida a regra legal essencial na interpretação dos contratos: a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (art. 236º, nº 1, do CC).
É generalizadamente aceite que o legislador consagrou a doutrina da impressão do destinatário, de cariz objectivista, valendo a declaração com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

Assim, do citado preceito legal resulta que, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, se dá prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário, mas a lei, no entanto, não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário (entendimento subjectivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário depreenderia.

“Há que imaginar uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição do real declaratário, ….e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo” (12), sendo que o declaratário normal corresponde ao "bonus pater familias" equilibrado e de bom senso, pessoa de qualidades médias, de instrução, inteligência e diligência normais.
Por outro lado, no domínio da interpretação de um contrato podem surgir como elementos essenciais a que deve recorrer-se para a fixação do sentido das declarações: "a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos" (13); ou, dito de outra maneira, “… os termos do negócio, os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento), a finalidade prosseguida, etc…” (14).
Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações (art. 237º do CC).
Nos negócios formais acresce que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (art. 238º, nº 1, do CC) (15).

Estas considerações podem aqui ser resumidas nos seguintes pontos (16):

1. Em geral, se se conhecer a vontade real dos declarantes, a declaração vale de acordo com a mesma (art. 236º, nº 2 do CC);
2. Se tal vontade real não for conhecida, a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
3. no domínio da interpretação de um contrato surgem como elementos essenciais a que deve recorrer-se para a fixação do sentido das declarações: a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos;
4. nos negócios formais a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso- não se aplicando, no entanto, tal exigência se for conhecida a vontade real dos declarantes e as razões determinantes da forma do negócio não se opuserem a tal validade (art. 238º, nº 2 do CC).

Ora, no caso concreto, não consta da matéria de facto nenhuma indicação sobre a vontade real dos declarantes, para além daquilo que se infere do clausulado do contrato.
Tratando-se de um documento escrito, a interpretação deve, pois, começar com a interpretação do texto do acordo que foi subscrito pelas partes.
Ora, dessa análise interpretativa é fácil constatar que a interpretação que a Recorrente/Ré pretende dar ao acordo não tem o “mínimo de correspondência com o texto” do clausulado do acordo.
Na verdade, procurando no texto do acordo, não se logra encontrar nele qualquer elemento interpretativo textual que permita acolher, no seu âmbito, a interpretação defendida pela Recorrente.
Com efeito, do texto das cláusulas contratuais o que decorre é justamente que as partes estabeleceram como critério indemnizatório, o aludido critério especial de lucros cessantes aferido:

“pela diferença mensal entre:

o que que a Autora passe a auferir na situação profissional a que regresse após a cessação de funções
e
a remuneração mensal que auferia aquando da designação para Presidente do Conselho de Administração da primeira outorgante (remuneração do CCDR).”
Ou seja, o que ficou estipulado foi o regresso da Autora aos direitos profissionais que a mesma tinha antes de assumir funções de Presidente da Ré, em coerência com o que se prevê no art. 20º do Estatuto.

Nessa medida, decorre da letra do texto do acordo, de uma forma clara, que as partes acordaram que um dos critérios de aferição dos lucros cessantes -que elegeram como critério indemnizatório- foi a remuneração mensal que a Autora auferia antes de ser designada para Presidente do Conselho de Administração da Ré.
Ora, essa remuneração mensal era aquela que a Autora auferia no CCDR.
Por contraponto, as partes elegeram como outra parcela do cálculo indemnizatório, a remuneração que a Autora viesse auferir na situação profissional a que regressasse após a cessação de funções (que, no momento da celebração do acordo, se julgaria ser, a que viesse a auferir na EL).

Aqui chegados, pela simples leitura do texto do acordo- e se não tivesse ocorrido a circunstância de a Autora não ter podido regressar à sua antiga entidade empregadora- não poderia haver dúvidas que a indemnização se fixaria pela diferença entre:

- a remuneração que a Autora auferia na CCDR;
e
- a remuneração que viesse a ser atribuída na EL.
(multiplicada pelo número de meses em que a cessação da comissão de serviço foi antecipada)

Na verdade, além do próprio texto da cláusula 2ª - de onde resulta isso de uma forma expressa – também tal resulta dos considerandos gerais, onde se refere a preocupação com o “destino profissional” da Autora.
Assim, resulta destes elementos interpretativos textuais que o que no acordo se tentou estabelecer, no fundo, é que, independentemente da nova situação profissional que a Autora viesse a assumir, após a cessação das suas funções, esta sempre teria direito a regressar à situação profissional (remuneratória) que tinha antes de assumir as funções de Presidente do Conselho de Administração da Ré (assumindo esta a eventual diferença que viesse a existir).

É esse o sentido da cláusula 2ª.
Como se disse, o próprio Estatuto da Ré apontava um critério indemnizatório que se julga que terá estado também subjacente ao que ficou estabelecido no acordo: “ninguém pode ser lesado nos seus direitos profissionais em consequência do desempenho de cargos nos órgãos da Fundação…” (art. 20º).
Ora, julga-se que foi exactamente essa a preocupação que esteve presente na elaboração do acordo, seja quando aí se refere expressamente á necessidade de atender ao futuro “destino profissional” da Autora, seja quando na sua cláusula 2ª se estabeleceu, no fundo, que, independentemente da nova situação profissional que a Autora viesse a assumir, após a cessação das suas funções, esta nunca poderia ser lesada nos direitos profissionais que detinha antes de ter sido investida nas funções de Presidente do Conselho de Administração da Ré (que eram os inerentes ao exercício de funções na CCDR).
Neste sentido, pode-se, assim, concluir que, em termos de correspondência com o texto do contrato, a interpretação propugnada pela Recorrente/Ré não encontra apoio mínimo naquele texto.

Na verdade, de nenhuma forma se pode alcançar do texto do acordo que um dos critérios da indemnização coincidisse com o “vencimento que ela tinha na EL”- al. c) das conclusões.
Tal critério mostra-se frontalmente contrariado pela expressão utilizada pelas partes que expressamente consagraram que um dos elementos da indemnização era a situação profissional (remuneratória) que a Autora tinha antes de assumir as funções de Presidente do Conselho de Administração da Ré (assumindo esta a eventual diferença que viesse a existir), ou seja, a remuneração que a Autora auferia na CCDR.

Como já se referiu, o que as partes (em especial, a Autora) visaram salvaguardar foi o regresso aos direitos profissionais que a mesma tinha antes de assumir funções de Presidente da Ré, em coerência com o que se prevê no art. 20º do Estatuto.
E esses direitos profissionais eram os que a mesma beneficiava na CCDR (e não os da EL).
Independentemente destas considerações relativas à “letra” do acordo, sempre se terá que dizer que, mesmo atendendo ao entendimento de um “homem médio” tal interpretação é a única que merece acolhimento.
Como se referiu, desconhecendo-se a vontade real dos declarantes, devem os termos do contrato ser interpretados no sentido de apurar o sentido da declaração que um declaratário normal, medianamente instruído, colocado na posição do real declaratário, pudesse deduzir do comportamento do declarante.
Ora, tendo em conta estas considerações, afigura-se-nos que, mesmo atendendo ao que já ficou dito quanto ao clausulado do contrato, aquele homem médio interpretaria o âmbito do acordo no sentido de que as partes se estariam a referir ao último rendimento auferido pela Autora antes de assumir as funções de Presidente, pois que foi esse que a Autora abdicou de auferir quando optou por aceitar o convite para presidir à Fundação Ré.
Conclui-se, assim, que bem andou a sentença de Primeira Instância em considerar que “…ao emitir tais declarações de vontade as partes pretenderam salvaguardar o nível de rendimento que aquela tinha antes do convite que aceitara em Julho de 2009…”.
Improcede, pois, o Recurso da Ré com este fundamento (conclusão c)).
*
Antes de entrar na apreciação dos fundamentos do Recurso que contendem com o preenchimento dos critérios indemnizatórios fixados, importa que o presente Tribunal se pronuncie sobre uma outra questão levantada agora pela Autora no seu Recurso.
Entende a Autora que “…a conclusão tirada na sentença de que a situação de incerteza quanto ao destino profissional da A. referida no acordo celebrado mais não significa do que o mero desconhecimento por parte da A. do quantum da sua retribuição na EL, para, a partir daí, fixar o montante de tal remuneração e utilizá-lo como base de calculo para a liquidação da indemnização e fixação da quantia condenatória, está completamente errada, sendo estas uma conclusão e uma condenação resultantes de uma interpretação do acordo celebrado contrária à lei ao próprio acordo”
Nessa sequência, defende que “… o acordo celebrado representa uma transacção entre as partes, mediante a qual acordaram e se comprometeram ambas a aceitar a rescisão ou revogação do contrato de mandato que entre elas vigorava e cujo termo apenas ocorreria em 30.12.2015, mediante o pagamento à A. de uma indemnização correspondente à diferença entre aquilo que auferiria no exercício de tal mandato até 31.12.2015 e aquilo que viesse a auferir no mesmo período no exercício da sua actividade profissional.”

Na verdade, entendeu-se na decisão recorrida que:

“… somos confrontados com a cessação do contrato por mútuo acordo entre a Autora e a Interveniente Acessória, o que coloca a questão de saber se tal hipótese estava contemplada na vontade negocial das partes vertida no documento de 22 de Julho de 2011.
A resposta tem de ser negativa: o acordo de cedência era claro quanto à manutenção do vínculo contratual entre a Autora e a EL, dado que não apenas se previa a suspensão do contrato de trabalho, mas também a contagem do tempo de serviço no posto de trabalho de origem e a retoma do exercício das funções com todos os direitos e obrigações daí decorrentes, pelo que a situação de desemprego não estava no horizonte; por outro lado, a extinção das funções de marketing que exercia e a indisponibilidade de outras funções compatíveis pela entidade patronal constitui uma circunstância anormal e imprevista que nada tem a ver com o acordo que a Autora e a Ré celebraram.
Na verdade, a perda de rendimento do trabalho pela Autora não deriva de uma incerteza quanto ao destino profissional que tivesse em vista acautelar quando acordou a compensação com a Ré, mas de uma decisão ulterior da entidade patronal e do seu assentimento em pôr termo ao vínculo laboral.

Ao prever que o montante da compensação seria igual ao valor da diferença entre as remunerações da EL e da CCDR, a cláusula segunda assentava no pressuposto que a primeira seria inferior à segunda, mas não que fosse inexistente, o que significa que a interpretação da Autora não tem cabimento na letra, nas circunstâncias contemporâneas da sua redacção, nem na finalidade tida em vista, que era preservar o nível de rendimento e não substituir a entidade patronal nas suas obrigações, mormente no pagamento da contrapartida pela prestação de trabalho.
Assim, a compensação terá o valor mensal correspondente à diferença entre o montante de € 5.846,64, que era o montante que se apurou relativamente à remuneração na EL e aquele que auferia na CCDR, sendo este de € 6.645,83, com as componentes de € 5.722,75 de remuneração principal, € 923,08 de suplemento, acrescida de subsídio de alimentação no valor diário de € 7,83 e ainda subsídios de férias e de Natal.”
Vejamos, então, se se pode dar razão à Recorrente/Autora.
A questão que é colocada continua a contender com a interpretação das cláusulas do acordo celebrado e com o objectivo que as mesmas visavam salvaguardar.
Já ficou dito qual é, no nosso entendimento, a melhor interpretação que deve ser atribuída às referidas cláusulas e quais foram os interesses que as partes visaram salvaguardar.
O Tribunal Recorrido (e a Recorrente/Autora) não diverge(m) dessa interpretação.
No entanto, impressionado pela cessação do contrato por mútuo acordo entre a Autora e a EL, concluiu que se tratava de situação que as partes não tinham previsto poder acontecer.
E nessa medida resolveu, certamente apelando a critérios de equidade, “ficcionar” que a Autora efectivamente tinha voltado a ser remunerada pela EL.
Julga-se, no entanto, que tal solução não deve aqui ser acolhida.
Como se referiu, decorre do acordo estabelecido na sua globalidade que existia uma preocupação com o destino profissional da Autora (ver considerando 1)).
Assim, um dos aspectos que as partes pretendiam salvaguardar com a celebração do acordo era que a Autora regressaria à situação profissional anterior àquela que antecedeu a posse como Presidente da Fundação Ré.
Por outro lado, conforme decorre da cláusula 2ª, não ficou expressamente previsto que o diferencial de remunerações tivesse que ser efectuada em função do eventual regresso da Autora à EL.
Na verdade, o que ficou expressamente previsto foi que tal diferencial se estabeleceria em função do que que a Autora passasse a auferir na situação profissional a que regresse após a cessação de funções (e da remuneração da CCDR).
Numa outra perspectiva, pode-se até dizer que a Ré ficou bem ciente, quando subscreveu o acordo, que sempre estaria obrigada a compensar, em termos indemnizatórios, a Autora até ao montante correspondente aos valores referentes à anterior situação profissional da Autora (podendo essa compensação variar em função da aludida situação profissional que viesse a assumir, enquanto durasse o período de cumprimento da obrigação de indemnização).
Nessa medida, a Ré estava bem ciente que tanto poderia não ter que pagar qualquer compensação, se a situação profissional da Autora fosse superior àquela que a mesma detinha no último cargo que tinha ocupado antes de assumir a Presidência da Fundação, como poderia suceder o contrário, e ter que pagar uma compensação superior àquela que resultaria do reassumir do contrato junto da EL, caso a Autora mudasse de empregador, ou este, como sucedeu, prescindisse dos seus serviços (ainda que com o acordo final da Autora).
Nessa medida, se, como o próprio Tribunal Recorrido admite, o escopo do acordo “era preservar o nível de rendimento”, julga-se que não existe fundamento para ficcionar que a Autora auferiu determinado rendimento- quando o não auferiu- raciocínio que, em última análise, põe directamente em causa o que ambas as partes visavam atingir com o acordo celebrado, que era a manutenção da situação profissional que a Autora detinha no momento imediatamente anterior ao convite formulado pela Ré.
Na verdade, ao ficcionar-se que a Autora auferiu o rendimento de € 5.846,64 da EL, quando a mesma não auferiu esse rendimento, essa interpretação põe em causa justamente aquilo que se pretendia salvaguardar com o acordo celebrado: a manutenção do rendimento profissional da Autora.
Não pode, pois, esta posição ser acolhida.
No entanto, e conforme decorre do exposto, o que importa ponderar, no âmbito do quantum indemnizatório, é o diferencial que se estabelece entre a situação profissional que a Autora detinha na CCDR e a situação profissional que a Autora passou a ter após a cessação das funções de Presidente da Fundação Ré.
Ora, como bem entende a Ré, nesta ponderação não se pode deixar de atender aos montantes entretanto recebidos pela Autora, seja a título de remunerações por serviços prestados, seja a título de indemnização pela cessação do contrato com a EL.
Na verdade, mais uma vez se refere, o que se pretendia com o acordo era salvaguardar que, enquanto durasse o período de cumprimento da obrigação de indemnização, a Autora mantinha o nível de rendimentos que detinha com anterioridade à assunção da Presidência da Ré.
Com efeito, da mesma forma que a Ré, a Autora também tinha que estar bem ciente que, na sequência do acordo celebrado, tanto poderia receber uma compensação, se a sua situação profissional fosse inferior àquela que detinha no último cargo que tinha ocupado antes de assumir a Presidência da Fundação, como poderia suceder o contrário, e não receber qualquer compensação, caso viesse auferir rendimentos superiores à sua anterior situação profissional- o que, atenta a experiência e qualificação profissional da Autora, nem sequer se poderá dizer ser uma hipótese a desconsiderar.
Aqui chegados, importa concluir no sentido de se afirmar que, atento o teor do acordo celebrado e os interesses que com ele se visavam salvaguardar, a indemnização que aqui deve atribuída deverá ter como critério da manutenção da situação profissional que a Autora detinha no momento imediatamente anterior ao convite formulado pela Ré.
Assim, o que importa ponderar, no âmbito do quantum indemnizatório, é o diferencial que se estabelece entre a situação profissional que a Autora detinha na CCDR e a situação profissional que a Autora passou a ter após a cessação das funções de Presidente da Fundação Ré.
Nessa ponderação, não se pode deixar de atender aos montantes entretanto recebidos pela Autora, seja a título de remunerações por serviços prestados, seja a título de indemnização pela cessação do contrato com a EL, pois que, independentemente da sua natureza jurídica, o seu recebimento, até sob pena de se verificar um duplo enriquecimento (17), deverá ser contabilizado para o apuramento do critério da manutenção do nível de rendimentos (globais) da Autora, por contraponto àqueles que a mesma tinha imediatamente antes de assumir a Presidência da Ré.
Procedem, pois, parcialmente ambos os argumentos das Recorrentes (conclusões 6, al. i) da Ré/Recorrente e Recurso da Autora).
*
Entremos, agora, nas seguintes questões que contendem com o apuramento do quantum indemnizatório.
Já se explicitou o critério indemnizatório que, na nossa interpretação, as partes estipularam no Acordo celebrado.
Nessa medida, importa, pois, proceder ao cálculo do diferencial existente entre:

- a situação profissional da Autora aquando da designação para Presidente do Conselho de Administração da primeira outorgante (remuneração do CCDR)
e
- a situação profissional da Autora após a cessação a cessação das funções de Presidente da Fundação Ré.
Neste ponto, no entanto, a Ré levanta ainda duas questões.
A primeira, diz respeito ao apuramento de quais as componentes do rendimento mensal da Autora que deverão ser tidas em consideração para realizar o cálculo da situação profissional da Autora, antes de assumir a presidência da Fundação Ré.

Entendeu-se na sentença recorrida que:

“… apelando ao conceito de retribuição consagrado nos artigos 258 nºs 1 a 3 e 260º nº 1 e 2 a contrario do Código do Trabalho, a quantia alusiva ao suplemento entrará também no cálculo; no entanto, o termo “remuneração mensal” arreda a possibilidade de contabilizar os subsídios de férias e de Natal, já que a expressão literal do acordo remete para uma realidade correspondente a 12 meses e não a 14.”
Insiste a Recorrente/Ré que apenas deve ser atendida a remuneração principal.
Julga-se, no entanto, que não tem razão.
Na verdade, e conforme decorre do exposto, bem andou o Tribunal Recorrido em fazer apelo às regras laborais.
Com efeito, como se referiu, perante o cenário da exiguidade de disposições dos Estatutos acerca do exercício dos cargos dirigentes no que concerne a este ponto, e face à impossibilidade de aplicação do regime do pessoal dirigente da Administração Pública e do Estatuto do Gestor Público, restará aplicar a estas situações o aludido princípio de que “as lacunas do estatuto destas pessoas colectivas deverão ser preenchidas, em regra, através do recurso a normas de direito privado”, sendo que as normas que mais se aproximam da relação jurídica que se visa enquadrar são as previstas no Código do Trabalho.
Ora, não há dúvidas que, em termos laborais (art. 258º do Código do Trabalho), a remuneração mensal abrange o valor correspondente aos suplementos atribuídos pela entidade patronal, como bem entendeu o Tribunal Recorrido (18).
Nessa medida, julga-se que o cálculo a efectuar deverá contabilizar esses valores no diferencial que se pretende apurar (ou seja, € 6.645,83, com as componentes de € 5.722,75 de remuneração principal, € 923,08 de suplemento, acrescida de subsídio de alimentação no valor diário de € 7,83).
Improcede a conclusão 6ª, al. d) da Recorrente/Ré.
Entremos agora na segunda questão.
Entende a Ré que “o período a considerar para a fixação da compensação, se a ela houvesse lugar, nunca poderia prolongar-se, como se decidiu, até 31 de Dezembro de 2015, porque a Ré Fundação foi extinta através de Decreto-Lei com efeito a 31 de Dezembro de 2013, de onde decorria impossibilidade de prestação de qualquer trabalho pela A. à Ré a partir desta última data (Decreto-Lei 57/2014 de 10 de Abril)”.
Trata-se de questão que já se mostra abordada no Acórdão da Relação de Y citado e que aqui merece a nossa integral concordância.
“Restando de seguida abordar (com referência ao sustentado afastamento /exclusão da obrigação de indemnização a cargo da apelante Fundação e em razão da revogação do “mandato”) a questão da pretensa inexistência do direito da Autora ao exercício de funções na Ré até ao termo final do ano de 2015, afigura-se-nos que não é a decisão apelada susceptível outrossim de qualquer reparo.
Na verdade, certo é que a Autora/apelada foi designada como membro de um órgão da Ré/Fundação, o respectivo Conselho de administração, mais exactamente como vogal executiva, estipulando o art.º 27.º, n.º 1 dos Estatutos da Fundação que o primeiro mandato do conselho de administração termina em 31 de Dezembro de 2015 (devendo aqui adaptar-se a argumentação ao cargo da Autora).
Por outro lado, inequívoco é que, quer no âmbito do despacho da respectiva nomeação (de 1/9/2009, a fls. 85), quer no respectivo auto de Posse (a fls. 86), alude-se à nomeação e Posse da Autora, como vogal executiva, para o Conselho de Administração da Ré cujo mandato termina a 31/12/2015.
Finalmente, do disposto no Artº 15º, nº2, dos Estatutos da Ré, resulta que o primeiro mandato (o da Autora) dos membros dos órgãos da Fundação ( v.g. os vogais do Conselho de administração - cfr. artºs 14º,alínea b) e 26º,nº1, dos estatutos ) termina em 31 de Dezembro de 2015.
Em face do acabado de expor, inequívoco se nos afigura que, ao tomar Posse como vogal executiva do Conselho de administração da Ré em 1/9/2009, e no âmbito do primeiro mandato, fê-lo com segurança para exercer as respectivas funções e como membro de órgão da Fundação até pelo menos 31/12/2015, ou seja, passou doravante a beneficiar de uma expectativa juridicamente tutelada de exercer as respectivas funções até ao final do prazo do mandato” (considerações que aqui importa transpor para a Autora, sendo que as normas estatutárias do Presidente do Conselho de Administração coincidem com as do vogal executivo do Conselho de Administração quanto à duração do mandato inicial- até Dezembro de 2015).

Mais à frente, o referido Acórdão concretiza, então, a sua argumentação:

“Vimos já, supra (em 5.1.), que a quebra - por iniciativa da Ré - da expectativa legítima da autora de chegar ao termo do mandato (que terminava a 31/12/2015 - cfr. artº 15º,nº2, dos Estatutos da Ré ) para o qual foi nomeada - e sem que para tanto se tenha provado ter sido agente de um qualquer comportamento que para a quebra do vínculo tenha contribuído - importava/obrigava a Ré a indemnizar a autora, sendo o quantum desta última correspondente à compensação que o mandato devia proporcionar-lhe normalmente, ou seja, o prejuízo a reparar é ressarcido pela atribuição das prestações que o mandatário deixou de receber, procurando-se fixar o lucro cessante do mandatário. (30)
Vimos já também que (em 5.1. in fine), in casu, o mandato da autora, porque o primeiro de membro de órgão da Fundação ( cfr. artº 15º,nº2, dos Estatutos) cessava a 31/12/2015, e , assim sendo, e partindo o lucro cessante do pressuposto que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se lhe daria direito a esse ganho (31), manifesto é que a indemnização à autora devida será a equivalente ao que deixou de auferir pelo facto de o mandato não ter chegado ao seu termo normal , deduzido do que ganhou pelo facto de não ter tido de cumprir integralmente o mandato que a vinculava à Ré.
A referida indemnização, recorda-se, à autora seria devida pela revogação lícita do mandato pela Ré, sendo ela, e só ela, a causa real, efectiva, do dano da autora apelante.
O tribunal a quo, porém, acaba em última análise por atribuir à anunciada ( através de Resolução do Conselho de Ministros) extinção da Ré ( a concretizar em 2013 ), e ainda que não expressamente, o efeito de causa virtual do dano, ao permitir a redução da obrigação de indemnização que sobre a Ré Fundação impende (atribuindo-lhe “relevância negativa”), e isto porque, ocorrendo a extinção da Ré em momento anterior ao termo normal do mandato, já as prestações/remunerações devidas seriam/são apenas e tão só as vencidas até à concretização da referida extinção ( qual causa virtual, porque sempre operaria mais tarde a caducidade "ope legis" do mandato , e pela morte do mandante ).
Ora, abordando tal temática, ensina Antunes Varela (32) que “o critério que o artigo 566º, 2, utiliza para a solução do problema do cálculo da indemnização, recorrendo à diferença entre a situação real presente do lesado e a situação hipotética actual, levanta imediatamente, com grande acuidade, a questão da relevância da chamada causa virtual ou hipotética do dano. Deve ou não deve incluir-se nessa situação hipotética, para que a lei apela como um dos termos da diferença que o responsável há-de cobrir, a causa virtual do dano?”.
E, mais adiante, ainda o referido e emérito Prof., explicando que a questão coloca-se nas situações em que “ há uma causa real, efectiva, do dano; e há, ao lado dela, um facto que teria produzido o mesmo dano, se não operasse a causa real”, podendo relevar este último – a causa virtual – em termos de levar à exoneração ou redução da responsabilidade do autor da causa real (é a chamada relevância negativa da causa virtual), conclui ( págs 595/805) que “a sede própria do problema da relevância negativa da causa virtual se situa, não no domínio do nexo causal, mas no capítulo da extensão do dano a indemnizar”, sendo que, por regra a “causa virtual não exonera o lesante da obrigação de indemnizar, salvo disposição legal em contrário, o que não impede porém que seja tomada na devida conta, quer no cálculo do lucro cessante, quer na adaptação da indemnização fixada sob a forma de renda às circunstâncias que vão sendo conhecidas pelos interessados.
Também para Mário Júlio de Almeida Costa (33), se no domínio da causalidade, a causa virtual não possui relevância negativa ( a ponto de o autor da causa real poder exonerar-se, no todo ou em parte, da obrigação de indemnização ) , já em sede de fixação da indemnização pode ela, excepcionalmente ( artºs 491º, 492º,nº1, 493º,nº1, 807º,nº2, e 1136º, nº2, do CC ) ter relevância - negativa.
Já para Inocêncio Galvão Telles (34), não sendo de aceitar a relevância positiva da causa virtual ( no sentido de responsabilizar o seu autor) e que pode ser um facto imputável a terceiro ou um facto casual, não se justifica conferir outrossim relevância negativa em todos os casos em que esta se apresenta como reflexo daquela, a não ser em casos excepcionais, e por razão especial de justiça e de equidade, como o são as situações contempladas nos artºs 491º, 492º,nº1, 493º,nº1, 807º,nº2, e 1136º,nº2, todos do CC.
Isto dito, e para além do acabado de expor no tocante à indiferença da causa virtual em termos de conduzir à redução da responsabilidade do autor da causa real, certo é que também não se descobre no acto normativo do Governo (a Resolução nº 13-A/2013), ou em qualquer diploma legal com o referido acto do Governo relacionado, um qualquer dispositivo que exclua especificamente o direito à indemnização de membros de órgãos de pessoa colectiva de direito privado aquando da quebra da relação jurídico-contratual em razão da respectiva extinção “ope legis”.
De resto, e socorrendo-se agora das considerações [ que in casu se aplicam mutatis mutandis ] tecidas no Parecer do Conselho Consultivo da PGR de 20-05-2004 (34), a verdade é que não podia o Governo deixar de conhecer a extensão das consequências do seu acto/Resolução, a saber, a cessação do mandato dos membros dos órgãos das Fundações extintas, mas, apesar disso, avançou com a medida em causa porque assim o exigia v.g. a premência da redução da despesa pública.
Tudo ponderado, estando a obrigação de indemnização que impende sobre a Ré ancorada em facto - ainda que lícito - do qual é a única responsável ( que não em facto jurídico superveniente - de terceiro - com efeitos “ope legis” ) e que conduziu à revogação do mandato da autora , sendo ele a causa real do dano sofrido por esta última, não vigorando norma excepcional a coberto da qual possa a Ré atenuar/limitar o âmbito da sua responsabilidade, não se descortina existir fundamento legal pertinente que obrigue à confirmação do comando decisório da sentença apelada e ora em análise.
Concluindo, o recurso subordinado da Autora/apelante procede parcialmente, impondo-se a revogação do comando decisório da sentença apelada no segmento em que condenou a Ré Fundação a pagar à Autora “ a quantia pecuniária que vier a ser liquidada ulteriormente, também a título de indemnização do mesmo dano a que se alude em a), referente ao valor do vencimento que a Autora receberia da Ré, descontado do valor da efectiva retribuição por si auferida ao serviço do IGFCSS, no período compreendido entre abril de 2013 e a data efectiva da extinção da Ré, no caso de tal extinção se concretizar em momento anterior a 31 de dezembro de 2015, sendo que, no caso de ocorrer posteriormente a esta data, o valor da indemnização aqui em causa a atribuir à Autora será o contabilizado até essa data de 31 de dezembro de 2015”.
E, ao invés de tal decisão, antes se impõe a condenação da Ré Fundação a pagar à Autora todas as remunerações vincendas até ao termo do respectivo mandato ( 31/12/2015) , quantum que todavia deve ser reduzido das quantias que a Autora passou a auferir e auferirá até 31/12/2015 em razão da criação de novas relações de conteúdo económico.
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Nesse sentido, concorda-se também com o que, de uma forma clara, ficou dito na sentença recorrida:
“Quanto ao período a ter em conta, as partes não deram qualquer indicação, ao contrário do que fizeram na cláusula terceira 3), prevista como sanção do incumprimento da cláusula de silêncio por parte do Dr. AS.
Precisamos de apelar ao contexto: os artigos 27º nº 1 e 33º nº 2 dos Estatutos da Ré previram expressamente que o primeiro mandato do Conselho de Administração e da Presidente da Fundação terminaria em 31 de Dezembro de 2015.
Contrariando a duração indeterminada prevista no artigo 1º nº 2 do DL nº 202/2009 e os fins estabelecidos no artigo 3º alínea b), em consonância da qual as normas citadas no anterior parágrafo estabeleciam que os mandatos seguintes teriam a duração de três anos, a Resolução do Conselho de Ministros nº 79-A/2012 de 25 de Setembro estabeleceu que a Ré seria extinta em 2013, com a concretização desse anúncio a ser levada a cabo pelo DL nº 56/2014 de 10 de Abril, com efeitos retroactivos a 31 de Dezembro de 2013.
Constatamos, pois, que à data do acordo, a previsão do exercício do cargo de Presidente do Conselho de Administração era referida a 31 de Dezembro de 2015, uma vez que o termo associado a uma duração certa só surgiu em 2012.
Ponderando que as partes previam que a liquidação fosse realizada pela Autora até 21 de Agosto e o subsequente pagamento pela Ré até 20 de Setembro de 2011, o período com que podiam contar correspondia a 52 meses.
Á semelhança do que referimos para o montante a ter em consideração, a redução dos meses do cálculo não pode ficar a dever-se a circunstâncias imprevistas, como foi a extinção antecipada e a propositura e pendência da presente acção, já que interferiria com o equilíbrio das prestações que as partes estabeleceram na data em questão.”

Improcede, pois, a conclusão 6ª, al. e) da Recorrente/Ré.
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Ainda nesta sede, e antes de se proceder ao cálculo do montante indemnizatório de acordo com os critérios atrás apontados, importa que o Tribunal se pronuncie sobre a argumentação aduzida nas conclusões 6ª, als. g) e f).
Quanto à primeira argumentação, importa dizer que a Recorrente parte de um pressuposto errado, qual seja a de que o contrato de trabalho da Autora celebrado com a EL cessou por extinção do posto de trabalho.
Na verdade, conforme resulta da matéria de facto provada, a causa da cessação do contrato de trabalho foi antes “um acordo de revogação do contrato de trabalho”.
Nesse sentido, veja-se o que ficou provado nos pontos 38 e 39 da matéria de facto.
38. Em face do referido em 36) e 37), em 2 de Setembro de 2011, a Interveniente Acessória propôs à Autora um acordo de revogação do contrato de trabalho mediante o pagamento de uma compensação no montante de € 218.274,56 [resposta aos artigos 39º da petição inicial, 76º da contestação].
39. A Autora aceitou a proposta referida em 38) [resposta aos artigos 40º, 41º da petição inicial].
Nesta conformidade, as considerações apresentadas pela Recorrente relacionadas com regime legal da cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho não têm qualquer aplicação ao caso concreto.
Improcede a conclusão 6ª, al. g).
Quanto à segunda argumentação, contende ela com a questão de saber se a Autora, tendo-se deparado com a impossibilidade de cumprimento do Acordo celebrado com a Ré, teria, sob pena de incumprimento do mesmo, de subsidiar-se da faculdade outorgada pelo art.º437º do Código Civil, suscitando, antes do mais extrajudicialmente, a questão da modificação do contrato segundo juízos de equidade.
Mais uma vez importa dizer que a Recorrente parte de um pressuposto errado: o de que o acordo era impossível de cumprir pelo facto de a Autora ter celebrado o acordo de rescisão do contrato com a EL (que, segundo, a Ré constituiria o fundamento para se entender existir uma situação de alteração anormal das circunstâncias (art. 437º do CC)).
Conforme resulta do exposto, nunca a Autora entendeu que tal factualidade impediria o exercício dos direitos estabelecidos no Acordo celebrado com a Ré- antes até apresentou uma proposta indemnizatória fundada nesse acordo e nessas circunstâncias.
De resto, e salvo o devido respeito pela opinião contrária, nunca a Ré poderia impor à Autora a resolução (ou modificação) do acordo, fundada em alegadas alterações anormais das circunstâncias, porque justamente se trata de uma faculdade, que, como decorre da sua própria natureza, podia ou não ser exercida pela sua titular (e se a Autora não se considerava “lesada”- para usar a expressão do art. 437º, nº1 do CC- por aquela factualidade, obviamente não exerceu essa faculdade).
Nessa medida, não só a Autora não se encontrava obrigada a exercer essa faculdade, como as aludidas circunstâncias não impossibilitavam – como se constata pelo que já ficou dito no presente Acórdão (e na decisão recorrida) – o “funcionamento” do Acordo celebrado.
Aliás, mesmo que assim não fosse, nunca se poderia verificar existir aqui uma situação de alteração anormal de circunstâncias nos termos previstos no art. 437º do CC, pois que não se mostram verificados os requisitos aí previstos (19).
Finalmente, não se pode deixar de referir que não se compreende porque é que a própria Ré não exerceu essa faculdade, se entendia estarem verificados os respectivos requisitos (ou não invocou um qualquer outro vício de vontade). (20)
Tanto basta para julgar improcedente esta argumentação da Recorrente/Ré- conclusão 6ª, al f).
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Aqui chegados, importa, então, proceder ao cálculo do montante indemnizatório, tendo em conta os pressupostos já amplamente explanados.
Como se referiu, para efectuar este cálculo, importa atender ao diferencial que se estabelece entre a situação profissional que a Autora detinha na CCDR e a situação profissional que a Autora passou a ter após a cessação das funções de Presidente da Fundação Ré (incluindo nesta ponderação os montantes, entretanto recebidos pela Autora, seja a título de remunerações por serviços prestados, seja a título de indemnização pela cessação do contrato com a EL) - (multiplicada pelo número de meses em que a cessação da comissão de serviço foi antecipada- 52 meses).
Ora, efectuando os respectivos cálculos, conclui-se que a indemnização que deve ser atribuída à Autora atinge o montante de 69.094, 60 € (sessenta e nove mil e noventa quatro euros e sessenta cêntimos) - resultante dos seguintes cálculos matemáticos [(€ 6.645,83 x 52 meses= 345.583,16 €) - (58.214 € + 218.274, 56 € =276.488, 56 €) = 69.094, 60 €].
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Levanta ainda a Recorrente mais duas questões que deixámos para o fim, por razões de ordem lógica.
Comecemos por apreciar a questão relacionada com a alegada iliquidez do pedido formulado.
Entende a Recorrente/Ré que “à Autora só podiam ser atribuídos juros sobre a quantia a que eventualmente tivesse direito a partir da liquidação, e esta só teve lugar com a sentença, nos termos do art.º 805º, nº3 do Código Civil, e nunca em momento anterior…”

Efectivamente, na sentença proferiu-se quanto aos juros de mora a seguinte decisão:

I. Julgando a acção parcialmente provada e procedente condena os habilitados liquidatários da Ré Fundação X, Direcção Geral do Tesouro e Finanças, Gabinete de Estratégia Planeamento e Avaliações Culturais e Câmara Municipal de Y a pagar à Autora Maria o seguinte:
a) € 41.557,88 correspondente à liquidação da compensação devida nos termos da cláusula segunda do acordo identificado no ponto da fundamentação de facto;
b) € 1.762,51 de juros vencidos sobre a quantia referida em a) desde 21 de Setembro de 2011 a 11 de Outubro de 2012;
c) juros vincendos à taxa legal de 4% desde 12 de Outubro de 2012 até integral e efectivo cumprimento.”

Entendeu a sentença que:
“Considerando que a Ré conhecia o valor auferido pela Autora na EL, pois usou-o no cálculo para apresentar contraproposta e que aceitou no artigo 37º da contestação as componentes do vencimento na CCDR, estava habilitada a realizar liquidação alternativa, cabendo-lhe o ónus de demonstrar que a proposta efectuada coincidia com a operação realizada na presente decisão, como pressuposto de afastar culpa no incumprimento. Não o tendo realizado, subsiste o princípio que que decorre do artigo 799º nº 1 do Código Civil. Na obrigação pecuniária a indemnização moratória corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora…”.
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Cumpre decidir.

Como é sabido, a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor (art. 804º, nº 1, do CC).
O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (art. 805º, nº 1, do CC), mas, ao abrigo do nº 3 do mesmo preceito legal, “…se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tomar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor…”.
Como se trata de uma obrigação pecuniária, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (art. 806º, nº 1, do CC).
Para efeito da aplicação do princípio “in illiquidis non fit mora” constante da 1ª parte do citado nº 3 do art. 805º, tem-se entendido que é necessário, em primeiro lugar, que o obrigado saiba quanto deve.
Na verdade, como referem A. Varela/ P. Lima (21) a razão de ser desta regra legal resulta do facto de “...o devedor não poder cumprir enquanto não se apura o objecto da prestação... “.
Ora, como refere o ac. da RP de 3.5.01 (22), deve-se entender que a quantia peticionada não é líquida nas situações em que “… quer a lei, quer as partes, não fixaram antecipadamente o seu montante ou o critério da sua determinação, como ocorre v. g. no caso do incumprimento de contrato-promessa - art. 442º, n.º 4 do CC -, no caso de existência de cláusula penal - art. 811º, n.º 2 do CC -, no caso de mora do locatário - art. 1041º, n.º 1 do CC -, quer urbano - art. 64º, n.º 1, al. a) do RAU -, quer rural - art. 12º, n.º 1 do DL n.º 385/88, de 25/10 -, ou no caso de falta de aviso da tosquia por parte do parceiro pensador - art. 1127º do CC -, entre outros, não bastando, em tal situação (de iliquidez), para haver mora, que o respectivo devedor seja interpelado para o cumprimento da obrigação a seu cargo-RLJ 102º/87 e 88”.
Todavia, mesmo nestas situações, se a iliquidez for imputável ao credor, designadamente por protelar a liquidação, deve considerar-se em mora, apesar daquela situação (23).
Aliás, tem-se considerado que aquele princípio não tem cabimento quando, dispondo o devedor dos elementos necessários para saber o montante do seu débito, ocorra, afinal, iliquidez tão só aparente ou subjectiva (24).
Tem-se entendido que, para se afirmar que o valor da obrigação não está fixado ou apurado --- sendo, por isso, uma obrigação ilíquida ---, não basta que as partes estejam em desacordo acerca desse valor.
O que releva para esse efeito é a circunstância de as partes --- ou pelo menos o devedor --- desconhecerem esse valor por não disporem ainda de todos os elementos que são necessários ao seu apuramento. Se o valor da obrigação é determinado em função de critérios, factos ou circunstâncias previamente definidos, que são do conhecimento das partes, não existirá qualquer obrigação ilíquida e a mera circunstância de as partes não estarem de acordo acerca desse valor --- porque não estão de acordo quanto à verificação (ou não) dos factos (pré-existentes) que servem de base ao seu apuramento --- não é idónea para transformar em ilíquida uma obrigação cujo valor não depende de quaisquer outros factos (que ainda não tenham ocorrido ou não sejam do conhecimento de alguma ou de ambas as partes) ou de operações que ainda não tenham sido efectuadas.
Esclarece o ac. da RC de 23.10.2012 (25) “Se a indefinição do valor da obrigação apenas resultar de uma divergência ou desacordo das partes relativamente à verificação ou interpretação dos factos ou circunstâncias que, alegadamente, teriam sido previamente estabelecidos, não estamos perante uma obrigação ilíquida; tal indefinição resolver-se-á apenas através da prova (ou não) desses factos ou pressupostos pré-existentes, sem necessidade de apurar quaisquer outros factos adicionais ou de proceder a qualquer outra operação. Estaremos, de facto, perante uma obrigação ilíquida quando a indefinição do valor da obrigação resulta da circunstância de não terem ainda ocorrido ou serem desconhecidos de alguma das partes algum ou alguns dos factos que são necessários para o apuramento e conhecimento desse valor”.
No acórdão da Relação de Lisboa de 6.12.2011 (26) refere-se que “o n.º 3 do artigo 805º do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que o crédito só é ilíquido quando, à data em que deve ser efectuado o pagamento, não for possível proceder à sua liquidação, ou seja, saber qual a quantia em dívida” sendo que “…para que o crédito se considere ilíquido não basta que o devedor impugne a obrigação de pagar ou alegue que a quantia pedida não é (total ou parcialmente) devida”.
Ora, revertendo para o caso concreto, pode-se concluir que, tendo em conta a matéria de facto provada, pode-se facilmente concluir que o critério de determinação da quantia indemnizatória estava previamente estabelecido, não sendo a mera circunstância de a Ré pôr em causa o direito da Autora, -ou não estar de acordo acerca do valor proposto (em fase pré-judicial) ou peticionado- que, como se referiu, transforma a obrigação que recaía sobre a Ré em ilíquida.
Assim, dentro destas circunstâncias, sabendo o devedor – a aqui Ré - os critérios de determinação do montante correspondente ao direito à indemnização que aqui se reconhece ser devido à Autora, nada justifica que aquela seja premiada pelo atraso no cumprimento da sua obrigação.
A ser assim, para que o crédito se considerasse ilíquido bastaria contestar a existência do direito, ainda que sem qualquer fundamento.
Nesse sentido, o facto de existir controvérsia sobre se era devida a quantia pedida não pode beneficiar o devedor relativamente ao pagamento de juros, quando se conclui que efectivamente deve.
Insiste-se nesta ideia de que o crédito só pode ser considerado ilíquido quando os critérios do seu cálculo não estiverem previamente fixados.
Deve, pois, interpretar-se a 1ª parte do nº 3 do art. 805º do CC no sentido de que o crédito só é ilíquido quando, à data em que deve ser efectuado o pagamento, não é possível proceder à sua liquidação, ou seja, saber qual a quantia em dívida, por ausência de definição dos critérios que deverão presidir à sua liquidação. Mas tal não se verifica só pelo facto de o devedor impugnar a obrigação de pagar ou alegar que a quantia pedida não é (total ou parcialmente) devida.
Aliás, nestas situações o devedor, que actue de boa-fé, deveria oferecer o pagamento que entendesse ser devido de uma forma condicional.
Independentemente destas considerações, no caso concreto, acresce que, mesmo que se considerasse que o crédito da Autora assumia a natureza de ilíquido, sempre ter-se-ia de considerar que essa falta de liquidez era imputável à Ré (cfr. nº 3 do art. 805º, 1ª parte).
Com efeito, esta situação ocorre quando a ignorância ou a falta de conhecimento do montante do seu débito pode ser atribuída a culpa do devedor.
Assim, se o devedor está em condições de saber o que deve e quanto deve, porque os critérios da determinação do seu débito estão previamente definidos, não há motivos juridicamente relevantes para o considerar isento de culpa, sendo, então, a iliquidez meramente subjectiva ou aparente, e como tal não coberta pelo princípio “in illiquidis non fit mora”, que é apenas invocável em situações em que a iliquidez é real e objectiva.
É o que sucede, no caso concreto, com a Ré, uma vez que, bem sabendo dos critérios pré-definidos que presidiam à operação de liquidação- que constavam expressamente do Acordo celebrado- não promoveu essa liquidação que implicava um simples cálculo matemático, susceptível se se tornar operativo com a mera recolha dos seus elementos constituintes, elementos esses que se mostravam acessíveis à Ré (directa ou indirectamente, solicitando a informação à Autora).
Improcede, pois, a argumentação da Recorrente- conclusão 6ª, al. h).
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Entremos, finalmente, na questão de saber se, tendo a Ré sido extinta no decurso da acção, pelo Decreto-Lei nº56/2014 de 10 de Abril, com efeitos a 31 de Dezembro de 2013, e passando a ser representada por uma comissão liquidatária constituída pela Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, pelo Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliações Culturais e pela Câmara Municipal de Y, não podia a sentença recorrida condenar, como condenou, os membros da comissão liquidatária, enquanto tais ao pagamento de qualquer compensação, pois esta, se fosse devida, apenas podia sê-lo pela própria Fundação X, representada pela referida comissão liquidatária.
A Autora, por sua vez, entende que é de manter a decisão porque, por decisão já transitada em julgado proferida, em sede incidente de habilitação, já foi decidido que “se julgam habilitados, como sucessores da Ré Fundação Cidade Y, os respectivos liquidatários supra identificados…”.
“Assim, a Ré não passou a ser representada no processo por uma comissão liquidatária, e antes… os liquidatários … foram julgados habilitados como sucessores da Fundação- pelo que carece de qualquer fundamento ou sentido o alegado a este propósito na al. a) da conclusão 6ª do Recurso a que se responde…”.
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Resulta efectivamente decisão proferida que a sentença recorrida proferiu a seguinte decisão:
“condena(r) os habilitados liquidatários da Ré Fundação X, Direcção Geral do Tesouro e Finanças, Gabinete de Estratégia Planeamento e Avaliações Culturais e Câmara Municipal de Y a pagar à Autora…”.
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Vejamos se esta decisão se deve manter, ou se não deve ser antes a Ré Fundação Cidade Y a ser condenada, como defende a Ré/Recorrente.
Como decorre da matéria de facto, a Ré Fundação da Cidade de Y foi instituída pelo Decreto-lei nº 202/2009 de 28 de Agosto, sendo uma pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública, com duração indeterminada e dotada de personalidade jurídica.
Sucede que, apesar daquela duração indeterminada (e se prever que os mandatos dos corpos gerentes se prolongariam, pelo menos, até 31.12.2015), a verdade é que, através da Resolução do Conselho de Ministros nº 79-A/2012 de 25 de Setembro se veio a prever “… a extinção da Fundação X, com a reversão do património e atribuições para o Município de Y e/ ou com concessão da exploração dos equipamentos a entidades privadas e ou com alienação de equipamentos e património a entidades privadas, com procedimento a ocorrer em 2013” [resposta ao artigo 32º da contestação].
E, de facto, por via do disposto no DL nº 56/2014, de 10 de Abril, a Fundação X veio a ser extinta, com efeitos a 31 de Dezembro de 2013.
Importa, dentro destas circunstâncias, verificar quais os efeitos que tal extinção da Fundação poderá ter sobre a pretensão da Autora (nomeadamente, quanto à decisão condenatória).
Em termos processuais, já se sabe que tal extinção da Fundação significou que se julgaram habilitados como sucessores da Ré Fundação Cidade Y, os respectivos liquidatários, ou seja, aquelas entidades que se mostravam mencionadas no art. 3º do citado DL (Direcção Geral do Tesouro e Finanças, o Gabinete de Estratégia. Planeamento e Avaliação Culturais e a Câmara Municipal de Y).
Mas o que nos interessa aqui é apurar os efeitos substantivos daquela extinção da Fundação.
Como é sabido, as regras gerais nesta matéria encontram-se nos artigos 192º, 193º e 194º, do CC, nos artigos 3º, 4º e 5º, da Portaria n.º 69/2008 e no artigo 12.º, da Lei-Quadro das Fundações (Lei 24/2012 de 9 de Julho).
Em relação às fundações privadas, regem quanto estas, ainda, e em especial, os artigos 35º, 36º, 37º e 38º, da Lei-Quadro das Fundações.
O artigo 35º, da Lei-Quadro das Fundações, apresenta-nos três grupos de fundamentos de extinção de uma fundação (27).
No n.º 1, temos fundamentos que decorrem da autonomia privada e que implicam a extinção automática da fundação: decurso do prazo, se a fundação tiver sido constituída temporariamente; verificação de uma causa extintiva prevista no acto de instituição e encerramento do processo de insolvência.
No n.º 2, encontramos fundamentos relacionados com o seu substrato: esgotamento do fim, ou impossibilidade do mesmo; “o fim real não coincide com o fim previsto no ato de instituição e o não tiverem qualquer actividade relevante três anos”
Por último, no n.º 3, encontramos dois fundamentos de extinção que se relacionam com os princípios geral de Direito: extinção devido à prossecução do fim por meios ilícitos ou imorais e por a existência da fundação se ter tornado contrária à ordem pública.
Enquanto no n.º 1 a extinção surge de uma proposta da administração da fundação – artigo 36º, da Lei-Quadro das Fundações,- no n.º 2 a extinção é desencadeada pela entidade competente para o reconhecimento. Já no n.º 3, a extinção ocorre “por decisão judicial em acção intentada pelo Ministério Público ou pela entidade competente para o reconhecimento” (28).
Após a extinção da fundação será necessário proceder-se à liquidação do seu património, sendo que cabe à entidade competente para o reconhecimento tomar as providências necessárias para o efeito – artigo 36º, da Lei-Quadro das Fundações e artigo 194º, n.º 1, do CC.
É nesse momento que surge a questão de saber qual o destino a dar aos bens que integravam o património da fundação extinta.
Esses bens podem ter o destino que estiver previsto no acto de instituição ou nos estatutos, se não estiver em causa a reversão desses bens para o património do fundador ou para o seu património hereditário e desde que esse destino implique a reafectação dos bens a fins de interesse social. Os bens doados à fundação com algum encargo ou condição de afectação a uma causa terão o seu destino determinado pelo tribunal.
Por outro lado, é fundamental distinguir entre os bens afectos a determinado fim (bens vinculados) e os bens que não estão afectos a qualquer fim determinado (bens livres). Os primeiros são entregues a outra pessoa colectiva com um fim compatível.
Os segundos terão o destino determinado nos estatutos, na deliberação de extinção, ou, em último recurso, em decisão de tribunal.

Ora, no caso concreto, no DL que determinou a extinção da Fundação Ré ficou previsto no art. 3º (liquidação) o seguinte:

“1 - Para efeitos da liquidação da FCG são designados liquidatários a Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, o Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Culturais e a Câmara Municipal de Y, competindo ao GEPAC desencadear o respectivo processo.
2 - O relatório e contas da liquidação e o mapa de distribuição do património remanescente são aprovados pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da cultura e pela assembleia municipal do município de Y, após a sua revisão e certificação nos termos da lei e do n.º 2 do artigo 36.º do Decreto-Lei 202/2009, de 28 de agosto.
3 - O património remanescente e respectivos direitos e obrigações após liquidação revertem para os fundadores na medida do respectivo contributo para o património inicial da FCG, nos termos do n.º 1 do artigo 61.º da Lei-Quadro das Fundações, aprovada pela Lei 24/2012, de 9 de Julho. 4 - O presente decreto-lei, o relatório e contas da liquidação e o mapa de distribuição do património remanescente aprovados nos termos do n.º 2 constituem título bastante para a transferência dos bens e direitos que integram o património da fundação.
Ora, conforme resulta do teor deste preceito legal, nesta “deliberação” de extinção não se prevê expressamente de que forma o processo de liquidação da Ré se deveria efectuar.

Ora, nestes casos importa atender ao que dispõe o citado Artigo 12.º da Lei-Quadro (Destino dos bens em caso de extinção):

“1 - Na ausência de disposição expressa do instituidor sobre o destino dos bens em caso de extinção, no acto de instituição, o património remanescente após liquidação é entregue a uma associação ou fundação de fins análogos, designada de acordo com um critério de precedência fixado pelos órgãos da fundação ou pela entidade competente para o reconhecimento, por esta ordem.
2 - Caso a entidade designada não aceite a doação, é designada uma outra de fins análogos, segundo o mesmo critério de precedência.
3 - Esgotados os meios de atribuição do património remanescente previstos nos números anteriores sem que tenha havido aceitação, os bens revertem a favor do Estado.”.

Além disso, importa atender ao que, de uma forma especial, se estabelece para as Fundações que assumam a natureza jurídica da Ré no art. 37º da referida Lei-Quadro (Efeitos da extinção); cfr. art. 194º do CC:

“1 - A extinção da fundação desencadeia a abertura do processo de liquidação do seu património, competindo à entidade competente para o reconhecimento tomar as providências que julgue convenientes.
2 - Na falta de providências especiais em contrário, é aplicável o disposto no artigo 184.º do Código Civil.”
No caso concreto, a entidade competente não tomou quaisquer providências quanto à forma de proceder durante a liquidação.
Limitou-se a designar os seus executores/liquidatários.
E a estabelecer o destino do património remanescente que permaneça após a liquidação (reverte para os fundadores na medida do respectivo contributo para o património inicial da FCG, nos termos do n.º 1 do artigo 61.º da Lei-Quadro das Fundações, aprovada pela Lei 24/2012, de 9 de Julho).

Nesta conformidade, e nos termos no citado nº 2, somos, assim, remetidos para o art. 184º do CC (Efeitos da extinção- Associações) onde se estipula que:

“1. Extinta a associação, os poderes dos seus órgãos ficam limitados à prática dos actos meramente conservatórios e dos necessários, quer à liquidação do património social, quer à ultimação dos negócios pendentes; pelos actos restantes e pelos danos que deles advenham à associação respondem solidariamente os administradores que os praticarem.
2. Pelas obrigações que os administradores contraírem, a associação só responde perante terceiros se estes estavam de boa fé e à extinção não tiver sido dada a devida publicidade.”.
Assim, “na ausência de uma decisão diversa da entidade competente para o reconhecimento, têm legitimidade os órgãos da Fundação, porém, restringida, à prática de actos meramente conservatórios e dos actos que se revelem necessários, seja à liquidação do património, seja à ultimação dos negócios pendentes (art. 184º, nº1 do CC)…” (29).
O que significa que “… a ocorrência da causa de extinção não mata a pessoa colectiva, apenas a torna moribunda, passando a ter capacidade limitada aos actos necessários à liquidação do património, que se traduz na ultimação dos negócios pendentes, venda do activo para pagar o passivo e, finalmente, na atribuição do restante património, de acordo com o disposto no art. 166º (30), conjugado com o art. 12º da LQF…” (31).

Assim, “o regime estatuído neste artigo tem de ser entendido à luz da ideia segundo a qual, verificada a dissolução, a pessoa colectiva subsiste para fins de liquidação.

A liquidação importa a redução do património a um valor líquido e a ultimação dos negócios pendentes. O primeiro aspecto envolve o apuramento do activo e, em geral, a sua realização em dinheiro, ao menos quanto ao valor necessário para pagamento dos credores sociais.

Quanto à ultimação dos negócios pendentes, trata-se, como a expressão legal significa, de dar execução final aos negócios que estejam em curso no momento da liquidação…”.
Importa, aqui, esclarecer que o processo de extinção da Fundação, contrariamente ao que parece pensar a Autora, “é um processo complexo onde se pode descortinar três fases, a dissolução, a liquidação e a partilha ou sucessão” (32).
A dissolução é o efeito de uma causa de extinção prevista no art. 192º do CC.
Uma vez dissolvida, a Fundação entra em liquidação para os fins assinalados.
A partilha ou sucessão é uma fase eventual que apenas tem lugar se houver património líquido positivo (33).
Revertendo para o caso concreto importa, pois, concluir o seguinte:
Como decorre do exposto, apesar da extinção da Fundação, operada pelo DL nº 56/2014, a Fundação Ré manteve a capacidade limitada quanto à prática de actos necessários à liquidação do património, actos que se traduzem na ultimação dos negócios pendentes, venda do activo para pagar o passivo e, finalmente, na atribuição do restante património.
Como ficou estabelecido no art. 3º do referido DL tal competência limitada foi atribuída aos liquidatários aí designados (e não aos órgãos da Fundação) (34).
Nessa medida, enquanto a Ré Fundação se mantiver na fase de liquidação é ela que deve responder pelas obrigações passivas que para o seu património resultem dos “negócios pendentes”.
Finalmente, quando os liquidatários terminarem o processo de liquidação -com a apresentação do relatório e contas da liquidação e o mapa de distribuição do património remanescente (art. 3º nº 2 do DL 56/2014) - o património remanescente, neste se incluindo os direitos e obrigações que subsistam após a liquidação revertem para os fundadores na medida do respectivo contributo para o património inicial da FCG, nos termos do n.º 1 do artigo 61.º da Lei-Quadro das Fundações, aprovada pela Lei 24/2012, de 9 de Julho.
Destas considerações, resulta que a Autora nunca ficará prejudicada se a condenação que aqui se irá proferir “eleger”, como resulta do exposto (e da lei), como condenada a Ré Fundação.
Na verdade, no caso de não lograr executar a presente decisão por referência à Ré Fundação (ao património em liquidação desta), sempre o seu direito de indemnização integrará o património remanescente que permaneça após a liquidação, o qual como decorre do citado art. 3º reverterá (o que no caso significa “responsabilizará”) os fundadores da Ré na medida do respectivo contributo para o património inicial da FCG, nos termos do n.º 1 do artigo 61.º da Lei-Quadro das Fundações, aprovada pela Lei 24/2012, de 9 de Julho.
Nesta conformidade, e por todo o exposto, julga-se, pois, que a condenação que aqui se impõe deve ser efectivada em função da Ré Fundação (e não como ficou determinado na sentença recorrida em função dos seus Liquidatários) - o que se decide.
Uma última nota para referir que o que ficou estabelecido na cláusula 4ª quanto à irresponsabilidade da Câmara Municipal por qualquer eventual quantia indemnizatória que venha a resultar do Acordo celebrado, sempre seria de considerar uma disposição contratual ilícita na medida em que contrariava a lei imperativa (o citado art. 3º) que poderá vir a impor essa obrigação à referida autarquia, enquanto Fundador da Ré.
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Sumário (elaborado pelo Relator- art. 663º, nº 7 do CPC):

I. Em sede de interpretação dos contratos, se a vontade real dos contraentes não for conhecida, a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Neste domínio da interpretação de um contrato surgem como elementos essenciais a que deve recorrer-se para a fixação do sentido das declarações: a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos.
3. A Ré Fundação, não estando impedida de fazer cessar, de uma forma unilateral, a relação jurídica que tinha estabelecido com a Autora, sua Dirigente, antes do respectivo termo, sempre terá de indemnizá-la pela cessação antecipada do seu “mandato”.
4. Se entretanto se verificar a extinção da Fundação, ainda assim deve ser esta a entidade condenada no pagamento da aludida indemnização- e não os liquidatários designados- porque aquela subsiste, em termos jurídicos, para fins de liquidação, mantendo capacidade limitada quanto à prática de actos necessários àquela liquidação do património, de actos que se traduzem na ultimação dos negócios pendentes, de venda do activo para pagar o passivo e, finalmente, na atribuição do restante património.
5. O n.º 3 do artigo 805º do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que o crédito só é ilíquido quando, à data em que deve ser efectuado o pagamento, não for possível proceder à sua liquidação, ou seja, saber qual a quantia em dívida, sendo que para que o crédito se considere ilíquido não basta que o devedor impugne a obrigação de pagar ou alegue que a quantia pedida não é (total ou parcialmente) devida.
6. Um dos casos em que a obrigação deve ser considerada ilíquida surge quando a indefinição do valor da obrigação resulta da circunstância de não terem ainda ocorrido, ou serem desconhecidos de alguma das partes, algum ou alguns dos factos que são necessários para o apuramento e conhecimento desse valor.”.
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III- DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:

-o Recurso interposto pela Autora/Recorrente parcialmente procedente;
-o Recurso interposto pela Ré/Recorrente parcialmente procedente;
e, em consequência, revogando-se parcialmente a sentença recorrida, decide-se:

I. condenar a Ré Fundação X, a pagar à Autora Maria as seguintes quantias:
a) 69.094, 60 € (sessenta e nove mil noventa quatro euros e sessenta cêntimos), correspondente à liquidação da compensação devida nos termos da cláusula segunda do acordo identificado na matéria de facto;
b) quantia a que acrescem os juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, sobre aquela quantia, desde 21 de Setembro de 2011 e até integral e efectivo cumprimento.
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Custas pelos Recorrentes, na proporção dos respectivos decaimentos (artigo 527.º, nº 1 do CPC).
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Guimarães, 18 de Janeiro de 2018

(Dr. Pedro Alexandre Damião e Cunha)
(Dra. Maria João Marques Pinto de Matos)
(Dr. José Alberto Moreira Dias)


1. Sobre os casos em que tal alteração oficiosa pode ocorrer, v. Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo CPC”, págs. 241 e ss., explicitando o Autor os seguintes exemplos: “… quando o Tribunal recorrido tenha desrespeitado a força plena de determinado meio de prova…” (por ex. um documento com valor probatório pleno); “quando tenha sido desatendida determinada declaração confessória constante de documento ou resultante do processo (art. 358º do CC e arts. 484º, nº1 e 463º do CPC) ou tenha sido desconsiderado algum acordo estabelecido entre as partes nos articulados quanto a determinado facto (art. 574º, nº 2 do CPC)”; “ou ainda nos casos em que tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente” (por ex. presunção judicial ou depoimento testemunhal nos termos dos arts. 351 e 393º do CC); “Em qualquer destes casos, a Relação, limitando-se a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material deve integrar na decisão o facto que a primeira instância considerou provado ou retirar dela o facto que ilegitimamente foi considerado provado (sem prejuízo da sustentação noutros meios de prova), alteração que nem sequer depende da iniciativa da parte… “; finalmente, acrescenta este autor que “também não oferece dúvidas a possibilidade… de se modificar a decisão sobre a matéria de facto quando for apresentada pelo Recorrente documento superveniente que imponha decisão diversa”- tudo situações que não se verificam no caso concreto.
2. As pessoas colectivas de direito privado e utilidade pública, nos termos da definição da lei, são aquelas associações ou fundações que prossigam fins de interesse geral, ou da comunidade nacional ou de qualquer região ou circunscrição, cooperando com a administração central ou a administração local, em termos de merecerem da parte desta administração a declaração de utilidade pública” – cfr. art.º 1.º, n.º 1, do Decreto‐Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro, com a redacção introduzida pelo Decreto‐Lei n.º 391/2007, de 13 de Dezembro. Como salienta Freitas do Amaral, in “Curso de Direito Administrativo”, Vol. I, pág. 566:“ as pessoas colectivas de utilidade pública são entidades privadas, às quais a Administração, tendo em conta a natureza das respectivas actividades, concede as vantagens decorrentes do reconhecimento da utilidade pública”. Dentro da categoria das pessoas colectivas de utilidade pública, encontramos, entre outras, as associações e as fundações de direito privado, às quais seja reconhecido aquele estatuto de utilidade pública, categoria a que pertencem, nomeadamente, as associações e fundações particulares de solidariedade social e as instituições religiosas eclesiásticas. Ora, no âmbito específico das fundações privadas de utilidade pública, estas surgem tradicionalmente da iniciativa particular. Contudo, assistimos no panorama jurídico nacional recente à constituição de fundações submetidas ao direito privado, mas criadas por iniciativa pública- como sucede com a aqui Ré Fundação- e, por outro lado, de instituição conjunta entre entidades públicas e privadas, igualmente submetidas a um regime jurídico privatístico.”- v., por todos, quanto a estas distinções, Miguel Lucas Pires, in “Regime jurídico aplicável às Fundações de Direito Privado e utilidade pública" – Publicação CEDIPRE Online-7; www.Cedipre.fd.uc.pt.
3. (relator: António Santos), in dgsi.pt (onde se discutiu idêntica situação jurídica relativa à Ré e a aí Autora, cujas funções de Vogal Executiva do Conselho de Administração foram também cessadas nas mesmas circunstâncias que a aqui Autora)
4. Cuja decisão mostra-se parcialmente transcrita nas alegações da Recorrente/A;
5. Que mereceu a integral concordância do Tribunal da Relação de Guimarães.
6. Seguindo a lição de Miguel Lucas Pires, in “Regime jurídico aplicável às Fundações de Direito Privado e utilidade pública", disponível no local indicado na internet.
7. Miguel Lucas Pires, in “Regime jurídico aplicável às Fundações de Direito Privado e utilidade pública", pág. 26.
8. Tendo, nestes casos, como limite máximo o montante correspondente à diferença anual das remunerações, incluindo os subsídios de Natal e de férias (n.º 3 do art.º 26.º) e podendo apenas ser atribuída caso o dirigente tenha exercido as suas funções durante 12 meses seguidos (n.º 1 do art.º 26.º).
9. Por exemplo, no caso da Fundação Cidade Guimarães, os estatutos limitam‐se, no art. 29.º, a estabelecer o regime remuneratório dos membros do Conselho de Administração (nº 1), bem como uma tendencial proibição de exercício de qualquer outra actividade (n.ºs 2 e 3), elencando o art. 30º as causas e efeitos para a demissão daqueles (n.ºs 1 a 3), assim como para a renúncia ao cargo por parte dos mesmos (n.º 4)- além do também já citado art. 20º prescrever que o dirigente da Fundação que, nestas circunstâncias, veja cessada a sua função “não pode ser lesado nos seus direitos profissionais em consequência do desempenho de cargos nos órgãos da Fundação.”.
10. Dispõe o art. º161.º do Código do Trabalho que “Pode ser exercido em comissão de serviço cargo de administração ou equivalente, de direcção ou chefia directamente dependente da administração ou de director‐geral ou equivalente, funções de secretariado pessoal de titular de qualquer desses cargos, ou ainda, desde que instrumento de regulamentação colectiva de trabalho o preveja, funções cuja natureza também suponha especial relação de confiança em relação a titular daqueles cargos.”
11. Miguel Lucas Pires, in “Regime jurídico aplicável às Fundações de Direito Privado e utilidade pública", págs. 29 e 30.
12. Paulo Mota Pinto, in “Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico”, pág. 208.
13. Luís Carvalho Fernandes, in “Teoria Geral do Direito Civil, II, Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, pág. 416/417.
14. Cfr., a este propósito, Prof. Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, Vol. II, pág. 213.
15. V. A. Varela/ P. Lima, in CC anotado, vol. I, pág. 225 que defendem, como aqui também se defende, que o art. 238º do CC visa resolver um problema de interpretação; existem, no entanto, outras interpretações doutrinárias que assim não o entendem e que se mostram elencadas por Evaristo Mendes/Fernando Sá, no “Comentário ao CC anotado- parte geral”, págs. 546 e 547;
16. Para uma síntese destas regras, v. Rui Pinto Duarte, in “ A interpretação dos contratos”, págs. 54 a 58; com interesse, ver, também as anotações de Evaristo Mendes/Fernando Sá, no “Comentário ao CC anotado- parte geral”, págs. 532 e ss..
17. Ou também porque, como diz a Ré/Recorrente, “essas indemnização e pagamento de actividades nunca poderiam ser compatíveis ou simultâneas com o exercício de funções na Fundação, os respectivos valores teriam sempre de ser considerados, a decrescer a qualquer compensação que à Autora pudesse ser arbitrada em consequência do pedido.”
18. V. por ex. o ac. da RG de 3.2.2017 (relator: Alda Martins), in Dgsi.pt: “é de considerar retribuição a prestação a que o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho, compreendendo a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie, presumindo-se, até prova em contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador. Deste modo, toda e qualquer prestação da entidade empregadora ao trabalhador deve ser considerada parte integrante da retribuição, independentemente da designação que lhe seja atribuída no contrato ou no recibo, excepto se se provar: - que tem uma causa específica e individualizável, diversa da contrapartida da prestação do trabalho;- ou que não reveste a característica de regularidade e periodicidade, nos termos explicitados.”.
19. O normativo citado reconhece à parte lesada, pela ocorrência de alterações anormais das circunstâncias em que fundou a sua vontade de contratar, o direito à resolução ou à modificação do contrato. De acordo com Almeida e Costa, in “Direito das Obrigações”, págs. 271 a 285, para que o lesado possa valer-se de algum dos direitos previstos no citado artigo, é necessário: a) – Que a alteração a ter por relevante diga respeito a circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar. b) – É necessário que essas circunstâncias fundamentais hajam sofrido uma alteração anormal. c) – Torna-se indispensável, além disso, que a estabilidade do contrato envolva lesão para uma das partes. d) – Mostra-se ainda forçoso que tal manutenção do contrato ou dos seus termos afecte gravemente os princípios da boa - fé. e) – Também é necessário que a situação não se encontre abrangida pelos riscos próprios do contrato. f) – Exige-se, por último, a inexistência de mora do lesado.
20. Segundo Galvão Telles, in Manual dos Contratos em geral”, págs. 237-238: as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar são as que “… determinaram as partes a contratar, de tal modo que, se fossem outras, não teriam contratado ou tê-lo-iam feito ou pretendido fazer, em termos diferentes. Trata-se de realidades concretas de que as partes não tiveram consciência, pois nem sequer pensaram nelas, dando-as como pressupostas; ou de realidades concretas de que tiveram consciência, mas convencendo-se de que não sofreriam alteração significativa, frustradora do seu intento negocial. Ou não passou sequer pela cabeça dos interessados que o status quo se modificaria: ou admitiram que tal ocorresse, mas em medida irrelevante. Aquela pressuposição ou esta convicção inexacta tem de ser comum às duas partes, porque, se não se deu em relação a uma e ela se calou, deixa de merecer protecção”. (e mais à frente) A base do negócio no erro é unilateral: respeita exclusivamente ao errante. A base do negócio na alteração das circunstâncias é bilateral: respeita simultaneamente aos dois contraentes. A lei (artigo 437º, n.º 1) fala, acentuadamente, das circunstâncias em que as partes (plural) fundaram a decisão de contratar; não refere as circunstâncias em que o lesado com a superveniente modificação teria fundado a sua decisão de contratar, proposição destituída de todo o sentido”.
21. In “CC anotado”, Vol. II, pág. 65.
22. (relator: Sousa Leite), in Dgsi.pt.
23. Menezes Leitão, in “Direito das obrigações”, Vol. II, pág. 237.
24. Ac. do STJ de 29.11.2005, in Dgsi.pt
25. (relator: Catarina Gonçalves), in Dgsi.pt.
26. (relator: Pimentel Marcos), in Dgsi.pt.
27. Coerentemente com o que se dispõe no art. 192º do CC.
28. No mesmo sentido, pronunciando-se sobre o art. 192º do CC, Henrique Sousa Antunes, in “Comentário ao CCivil -parte geral“, pág. 432 refere que : “O preceito estabelece, pois, três situações distintas de extinção: automática, por decisão administrativa e por decisão judicial. Em qualquer dos casos, pressupõe factos supervenientes à constituição…”.
29. Henrique Sousa Antunes, in “Comentário ao CC -parte geral“, pág. 436.
30. Cumpre aqui referir que, apesar do autor citado, remeter para o art. 166, tal remissão será efectuada para uma redacção anterior do preceito legal (anterior à versão introduzida pela Lei nº24/2012).
31. Manuel Pita, in “CC anotado” (Coord. Ana Prata), Vol. I, pág. 329.
32. V. Pedro Pais Vasconcelos, in “Teoria Geral do Direito Civil”, Vol. I, pág. 580/1 que distingue claramente estas três fases na exposição que faz sobre esta matéria.
33. Diz Pedro Pais Vasconcelos, in “Teoria Geral do Direito Civil”, Vol. I, pág. 573: “ Ultimada a liquidação, resta dar destino ao remanescente do património apurado, se houver. Nisto consiste a fase da sucessão”.
34. Como esclarece o Autor citado, pág. 573 “A liquidação é levada a cabo por determinadas pessoas, os chamados liquidatários. Em regra, as funções de liquidatário cabem aos titulares dos órgãos da associação (Fundação), em particular à Administração, salvo se no estatuto se estipular outro regime (nº 2 do art. 167º). Neste caso, torna-se necessária a indicação de outras entidades para o exercício do cargo de liquidatário…”.