Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1813/12.6TBBRG-D.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
IMPUGNAÇÃO
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1) O direito de impugnar a resolução de atos em benefício da massa insolvente caduca no prazo de três meses, correndo a ação correspondente, proposta contra a massa insolvente, como dependência do processo de insolvência;
2) O devedor (Insolvente) tem legitimidade para impugnar a resolução de atos em benefício da massa insolvente, operada pelo administrador da insolvência, face ao seu interesse em demonstrar a inexistência de prejuízo para a massa insolvente.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A) M… veio intentar ação de impugnação de resolução em benefício da massa insolvente contra a Massa Insolvente de M…, onde conclui pedindo que a impugnação seja julgada totalmente procedente por provada e, assim, decretada a validade e eficácia jurídica da partilha conjugal celebrada entre a insolvente e D…, revogando-se a resolução do negócio operada pelo Exº Administrador da Insolvência.
A Massa Insolvente de M… apresentou contestação onde entende dever ser absolvida da instância ou, se assim não se entender, ser a ação julgada improcedente, mantendo-se válida – como ainda é – a resolução feita pelo Administrador da Insolvência, por se verificarem os pressupostos de que a mesma depende.
A autora M… veio apresentar resposta onde conclui entendendo dever a exceção alegada ser julgada improcedente por não provada, com as devidas e legais consequências devendo a impugnação da resolução em benefício da massa insolvente ser julgada procedente em consonância com os termos primitivamente requeridos.
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B) Foi dispensada a realização de audiência preliminar e elaborado despacho saneador, onde se julgou a autora parte ilegítima para impugnar a resolução da partilha extrajudicial que celebrou com D…, pelo que foi a ré, Massa Insolvente, absolvida da instância.
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C) A autora M…, não se conformando com a decisão, veio interpor recurso, que foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 82).
Nas suas alegações, a apelante M…, formula as seguintes conclusões:
I. Não veda o artigo 125º do CIRE a que seja o próprio insolvente a impugnar a resolução de ato jurídico em benefício da massa insolvente levado a cabo pelo Administrador de Insolvência.
II. Nas palavras do Acórdão da Relação de Lisboa 1610/2008-8 de 06-03-2008 que categoricamente defendem a legitimidade do insolvente para impugnar a resolução de negócios jurídicos operada por Administrador de Insolvência: “se o devedor tem compreensível e justificado interesse em que a administração da massa insolvente não lhe seja prejudicial, não se vê que a lei retire ao devedor - bem pelo contrário, veja-se o nº 1 do artigo 56º do C.I.R.E. - a possibilidade de requerer a destituição com justa causa do administrador da insolvência; de igual modo, na impugnação da resolução, está em causa um conjunto de atos praticados pelo devedor antes da declaração de insolvência cuja validade e não prejudicialidade para a massa insolvente ele tem todo o interesse em ver reconhecida.”
III. A resolução da partilha extrajudicial operada pelo Administrador de Insolvência baseia-se em fundamentos falsos e presunções abusivas destituídas de qualquer fundamento factual e probatório.
IV. Perante tal resolução tem a insolvente toda a legitimidade requerer a apreciação judicial de tal ato praticado pelo Administrador de Insolvência.
V. Miguel Teixeira de Sousa refere: “ A legitimidade tem de ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que a procedência (ou improcedência) da ação possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como a apresenta o autor.” (In A Legitimidade Singular, BMJ 292º, 105).
VI. Parece inequívoco que a insolvente é parte legitima conforme estatui o artigo 26º do Código de Processo Civil que refere que o autor é parte legitima quando tem interesse direto em demandar.
VII. Também o número 2 do mesmo artigo 26º do Código de Processo Civil dita:” O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação…”
VIII. Também à insolvente cabe o direito de demonstrar a veracidade, legitimidade e transparência do negócio que o Sr. Administrador de Insolvência ensaia resolver.
IX. Por forma a demonstrar não só a falsidade dos pressupostos arguidos na resolução em benefício da massa insolvente como demonstrar que tal não negocio não teve o indispensável caracter de prejudicialidade para a massa insolvente que, poderia, em abstrato, legitimar a resolução.
X. Como tal, pode e deve a insolvente, aqui recorrente, ser sujeito ativo de uma ação de impugnação de resolução de ato jurídico levado a cabo por Administrador de Insolvência, pois tal resolução a confirmar-se, comprovaria tudo quanto é referido na comunicação de resolução e que contende de forma frontal com direitos pessoais da insolvente ao seu bom nome, honradez e dignidade que o estado de insolvência da recorrente jamais poderá beliscar e cuja impugnação e alegação consta da petição inicial desse incidente.
XI. Paralelamente, existe todo o interesse da insolvente em demonstrar a legitimidade e transparência do negócio, algo que só com a ação de impugnação da resolução de ato jurídico poderá lograr fazer.
XII. Assim, é bem evidente que mal andou o Tribunal recorrido ao julgar a impugnante parte ilegítima, pois, sem grande esforço, atendendo às disposições legais vigentes acerca da legitimidade das partes se vislumbra que a é de manifesto interesse daquela a procedência ou improcedência da ação de impugnação, a causa de pedir e assim como a sua posição da jurídica material controvertida.
XIII. E com tal sentença que ora se recorre violou de forma flagrante de inaceitável os artigos 26º, número 1, 2 e 3 e 288º, número 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
Termina entendendo dever a sentença recorrida ser revogada, com as devidas consequência legais e assim determinar-se a normal prossecução dos autos.
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Não foi apresentada resposta.
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D) Foram colhidos os vistos legais.
E) A questão a decidir na apelação é a de saber se a apelante tem legitimidade para impugnar a resolução decretada, pelo Administrador da Insolvência, a favor da Massa Insolvente, da partilha levada a cabo pelo dissolvido casal constituído pela apelante e pelo seu ex-marido.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A) Consideram-se provados os seguintes factos:
1) Através do Procedimento de Partilha de Património Conjugal com o nº 335/2011, lavrado na Conservatória do Registo Civil de Vila Verde, celebrado entre D… e M…, datado de 25/01/2011, na sequência do seu divórcio decretado por sentença de 04/04/2006, transitada em julgado, foi apresentada a seguinte relação de bens a partilhar:
ACTIVO
MÓVEIS
Verba nº 1: Fração autónoma designada pela letra "R" localizada no 3º andar esquerdo do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em Rua…, concelho de Braga, destinado a Habitação, descrito sob o nº 174, da Conservatória do Registo Predial de Braga, inscrito na matriz sob o artigo 2191, com o valor patrimonial de €26.401,09 e valor atribuído de €22.500,00.
Valor patrimonial: €26.401,09
Valor atribuído: €22.500,00.
Verba nº 2: Fração autónoma designada pela letra "B", localizada na cave do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em Rua…, concelho de Braga, destinado a dependência, descrito sob o nº 174, da Conservatória do Registo Predial de Braga, inscrito na matriz sob o artigo 2191, com o valor patrimonial de €3.833,97 e valor atribuído de €2500,00.
Valor patrimonial: €3.833,97
Valor atribuído: €2.500,00
MÓVEIS SUJEITOS A REGISTO
Verba nº 3: Veículo automóvel, com a marca Citroën, modelo Break 14 TGE, matrícula …-DA.
Valor atribuído: €300,00
OUTROS BENS
Verba nº 4: Recheio da Habitação, composto por mobílias, eletrodomésticos, livros, artigos de decoração e diversos.
Valor atribuído: €7.000,00
Verba nº 5: Dívida hipotecária ao Banco… a onerar os prédios acima identificado sob as verbas nºs 1 A 2.
Valor: €8.450,00
PARTILHA
Conferidos e aceites os valores do ativo e passivo constantes da relação de bens apresentada supra, os partilhantes acordaram na partilha pela forma seguinte:
Bens comuns do casal dissolvido:
Valor dos bens comuns: €32.300,00
Valor do passivo a cargo do casal: €8.450.00
Valor líquido dos bens comuns do casal dissolvido: €23.850,00
Valor da meação: €11.925,00
Apuramento:
Valor líquido: €11.925.00
ADJUDICAÇÕES
Apurados os valores, acordam fazer a partilha da forma seguinte:
D…:
Verba nº 2
Verba nº 4
Verba nº 3
Verba nº 1
Verba nº 5
Valor ativo adjudicado: €32.300,00
Valor passivo adjudicado: €8.450,00
Valor líquido adjudicado: €23.850,00
Valor a que tinha direito: €11.925,00
Tornas a receber: €0,00
Tornas a devolver: €11.925,00
M…:
Valor ativo adjudicado: €0,00
Valor passivo adjudicado: €0,00
Valor líquido adjudicado: €0,00
Valor a que tinha direito: €11.925,00
Tornas a receber: €11.925,00
Tornas a devolver: €0,00.
2) Em 19/10/2012, o Exº Administrador da Insolvência, por carta registada com aviso de receção, declarou resolvida, em benefício da massa insolvente, a partilha levada a cabo pelo dissolvido casal.
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
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C) Trata-se de saber, na presente apelação, se deverá ser alterada a decisão que julgou a autora parte ilegítima para impugnar a decisão do Administrador da Insolvência que resolveu, em benefício da Massa Insolvente, a partilha levada a cabo pelo dissolvido casal constituído pela autora e apelante e pelo seu ex-marido.
Relativamente ao princípio geral em matéria de resolução em benefício da massa insolvente, diz-se no nº 1 do artigo 120º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) que podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os atos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
Pressupõe-se, assim, que os atos em questão sejam prejudiciais à massa insolvente e que tenham sido praticados (ou omitidos) nos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
No que se refere à prejudicialidade, o nº 2 do artigo em questão refere que se consideram prejudiciais à massa os atos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.
Por outro lado, o nº 3 estabelece uma presunção inilidível (juris et de jure) de atos prejudiciais em relação à massa insolvente, nas situações previstas no artigo 121º.
Exige-se ainda que exista má-fé por parte do terceiro, entendendo-se como tal o conhecimento, à data do ato, de qualquer das seguintes circunstâncias:
a) De que o devedor se encontrava em situação de insolvência;
b) Do carácter prejudicial do ato e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;
c) Do início do processo de insolvência.
O artigo 125º do CIRE estabelece que o direito de impugnar a resolução caduca no prazo de três meses, correndo a ação correspondente, proposta contra a massa insolvente, como dependência do processo de insolvência.
Da qui resulta que o artigo estabelece a legitimidade passiva apara a ação, mas nem refere quem a pode propor.
E, a este propósito, referem, efetivamente, os Drs. Carvalho Fernandes e João Labareda no seu Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, em anotação ao artigo 125º que no referido artigo não se estabelece a quem é reconhecida legitimidade ativa para a impugnação.
E referem que “em termos gerais, ela tem de caber a quem é afetado pela resolução; assim, desde logo, à outra parte no ato resolvido, mas também a terceiros a quem a resolução seja oponível.
Pense-se, por exemplo, no promitente adquirente de um bem transmitido pelo ato resolvido para o destinatário da declaração de resolução.
Finalmente, não é de excluir que o próprio insolvente tenha interesse em atacar a resolução.
Será o caso de o ato resolvido ter envolvido a produção de efeitos pessoais ou patrimoniais que não interessam à insolvência e que possam cessar em consequência da resolução.
Está em causa, em qualquer das hipóteses, a inexistência de fundamento da resolução operada.”
Afigura-se-nos que, inexistindo uma definição específica sobre a questão da legitimidade ativa quanto à impugnação da resolução de atos em benefício da massa insolvente, não pode deixar de se recorrer ao regime geral previsto no Novo Código de Processo Civil (NCPC).
O conceito de legitimidade acha-se previsto no artigo 30º do NCPC que corresponde ao que constava do artigo 26º do anterior Código de Processo Civil, pelo que o regime é o mesmo, nos dois diplomas.
Refere-se no artigo 30º do NCPC que:
1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.
2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
Tendo em conta a formulação que é tecida quanto ao conceito de legitimidade, no referido artigo, afigura-se-nos que a limitação da legitimidade ativa, quanto ao próprio insolvente, ao caso de o ato resolvido ter envolvido a produção de efeitos pessoais ou patrimoniais que não interessam à insolvência e que possam cessar em consequência da resolução, como o fazem os autores citados, é redutor e não respeita o princípio geral em matéria de legitimidade uma vez que, como se referiu, o CIRE não cuidou de fixar o conceito de legitimidade ativa para este tipo de ações e, no entanto, não deixou de o fazer, para o caso da legitimidade passiva, no artigo 125º do CIRE.
Conforme refere o Dr. Teixeira de Sousa, A Legitimidade Singular em Processo Declarativo, BMJ 292º/105, “a legitimidade tem de ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da ação possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como a apresenta o autor.”
Afigura-se-nos, em face do exposto, que é manifesto que a autora e apelante tem interesse em demandar a ré, Massa Insolvente, uma vez que estão em causa atos praticados pela mesma, anteriores à insolvência, que foram resolvidos pelo Administrador da Insolvência e que a apelante tem interesse em demonstrar que não prejudicaram a ré.
A questão de saber se tais atos foram ou não prejudiciais para a Massa é questão que não contende com a legitimidade, mas antes com o mérito da causa.
Entendemos, assim, na sequência, aliás da doutrina do Acórdão da Relação de Lisboa de 03/06/2008, proferido no agravo nº 1610/2008-8, disponível em www.dgsi.pt, que o devedor (Insolvente) tem legitimidade para impugnar a resolução de atos em benefício da massa insolvente (artigo 125.º do C.I.R.E.), motivo pelo qual, a apelação terá de proceder, por serem as partes legítimas e, em consequência, prosseguir a tramitação dos autos, caso não existam outros elementos que impeçam a apreciação do mérito da causa.
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D) Em conclusão:
1) O direito de impugnar a resolução de atos em benefício da massa insolvente caduca no prazo de três meses, correndo a ação correspondente, proposta contra a massa insolvente, como dependência do processo de insolvência;
2) O devedor (Insolvente) tem legitimidade para impugnar a resolução de atos em benefício da massa insolvente, operada pelo administrador da insolvência, face ao seu interesse em demonstrar a inexistência de prejuízo para a massa insolvente.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, tendo em conta o que antecede, acorda-se em julgar a apelação procedente, por serem as partes legítimas e, em consequência, revogando a decisão recorrida, determinar o prosseguimento da tramitação dos autos, caso não existam outros elementos que impeçam a apreciação do mérito da causa.
Custas pela massa insolvente.
Notifique.
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Guimarães, 13/03/2014
Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Duarte
Fernando F. Freitas