Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
847/20.T8BCL-C.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
PROVA PERICIAL
RESERVA DA VIDA PRIVADA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Uma diligência de prova, designadamente, a prova pericial, só pode considerar-se impertinente se não for idónea para provar o facto que com ela se pretende provar, se o facto se encontrar já provado por qualquer outro meio de prova ou se carecer de todo de relevância para a decisão da causa.
II- E não pode entender-se que uma diligência de prova, nomeadamente, a prova pericial, é impertinente se o facto que com ela se pretende provar – ou efectuar a respectiva contraprova – pode ser provado por outro meio de prova ou que o meio requerido não a prova de forma plena ou que este iria fazer prolongar a duração do processo.
III- Ao princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva na vertente do direito à produção de prova, contrapõe-se o princípio da reserva da intimidade da vida privada, protegido no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, com a garantia ínsita no n.º 2 de que a lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, de informações relativas às pessoas e famílias.
III- Assim, a admissão de prova pericial que interfira com a reserva de vida privada, sem a existência sequer de um principio de prova da factualidade consubstancidora da situação, pode colocar em causa o principio da proporcionalidade, pois a força jurídica atribuída pelo artigo 18.º da CRP aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias, e às regras ali vertidas quanto à respectiva restrição, directamente aplicáveis e vinculativas para as entidades públicas e privadas, impõe que se sopese, em face de dois direitos constitucionalmente consagrados que colidam, qual dos dois deve prevalecer, à luz do sobredito e devidamente enquadrados pelo princípio da proporcionalidade.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: M. S..
Recorrido: E. C. e Mº Pº.
Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo de Família e Menores de Barcelos - Juiz 1.

M. S., Requerida no presente processo, em que é Requerente E. C., veio interpor apelação do despacho que indeferiu a realização de perícia psicológica ao progenitor, sendo que, das sendo que, das respectivas alegações desse recurso extraiu, em suma, as seguintes conclusões:

a) - Quer na petição inicial da acção de divórcio, quer nas alegações apresentadas nos presentes autos, a Requerida invoca factos concretos quanto aos comportamentos levados a cabo pelo Requerente.
b) - Tais comportamentos, a serem comprovados, são susceptíveis de influir no apuramento das capacidades do Requerente para exercer de forma plena as responsabilidades parentais.
c) - Compete aos pais, nos termos do artigo 1885°, n." 1 do Código Civil, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos.
d) - A prática de comportamentos moralmente reprováveis por parte de um dos progenitores pode, em teoria, afectar a sua capacidade para promover o desenvolvimento moral dos filhos, pelo que, sendo suscitada tal questão, a mesma deve ser devidamente avaliada.
e) - A avaliação psicológica ao Requerente constitui o meio de prova mais adequado para determinar se aquele revela de facto aptidões para exercer as responsabilidades parentais.
f) - Afigura-se absolutamente relevante para a descoberta da verdade e boa discussão da causa a realização da avaliação psicológica requerida pela Recorrente, pelo que a mesma deveria ter sido admitida.
g) - Não o tendo sido, a douta decisão do Tribunal a quo violou o princípio do inquisitório previsto no artigo 4110 do Código Processo Civil.
*
Os Apelados apresentaram contra-alegações pugnado pela improcedência da apelação.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, a questão decidenda é, no caso, a seguinte:
- Analisar se deve ou não ser admitida a prova pericial requerida.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

Além dos factos que constam do relatório que antecede, e com relevância para a decisão do recurso, consta da fundamentação de direito da decisão recorrida o que a seguir se transcreve:
(…)
"Indefiro a realização de avaliação psicológica ao progenitor, já que não se alega que a sua depravação sexual - que, de resto, não se mostra minimamente concretizada - constitua um obstáculo ao exercício pleno das responsabilidades parentais. "
(…)
Fundamentação de direito.

Como fundamento da apelação que interpôs, alega o Recorrente, em síntese, que, quer na petição inicial da acção de divórcio, quer nas alegações apresentadas nos presentes autos, a Requerida invoca factos concretos quanto aos comportamentos levados a cabo pelo Requerente, sendo que, tais comportamentos, a serem comprovados, são susceptíveis de influir no apuramento das capacidades do Requerente para exercer de forma plena as responsabilidades parentais.
Ora, em seu entender, a prática de comportamentos moralmente reprováveis por parte de um dos progenitores pode, em teoria, afectar a sua capacidade para promover o desenvolvimento moral dos filhos, pelo que, sendo suscitada tal questão, a mesma deve ser devidamente avaliada através de avaliação psicológica ao Requerente constitui o meio de prova mais adequado para determinar se aquele revela de facto aptidões para exercer as responsabilidades parentais.

Ora, para que melhor se entenda a decisão a proferir afigura-se-nos pertinente começar por tecer algumas considerações sobre os objectivos, amplitude e valor probatório da prova pericial.

De harmonia como o disposto no art. 342ºdo C.C. àquele «que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado» (nº 1), sendo que a «prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita» (nº 2).

Assim, a iniciativa da prova cabe, em princípio, à parte a quem aproveita o facto dela objecto - e não ao tribunal -, sob pena de não vir a obter uma decisão que lhe seja favorável, uma vez que o juiz julga secundum allegata et probata (art. 346º do C.C., e art. 414º do C.P.C.).

«Ora, para cumprir este ónus, reconhece-se o direito à prova, corolário do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art. 20º da C.R.P., sendo que, incumbe ao tribunal remover qualquer obstáculo que as partes aleguem estar a condicionar o seu ónus probatório (art. 7º, nº 4 do C.P.C.), bem como realizar ou ordenar oficiosamente «todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quando aos factos de que é lícito conhecer» (art. 411º do C.P.C.). (1)
Assim, conforme se dispõe no artigo art. 388º do C.C. «a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando seja necessário conhecimentos especiais que os julgadores não possuam».

A prova pericial traduz-se, assim, «na percepção, por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos específicos ou técnicos especiais (…); ou na apreciação de quaisquer factos (na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca de outros factos), caso dependa de conhecimentos daquela ordem, isto é, de regras de experiência que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas» (2).

Logo, a «nota típica, mais destacada, da prova pericial consiste em o perito não trazer ao tribunal apenas a perspectiva de factos, mas poder trazer também a apreciação ou valoração de factos, ou apenas esta». (3)
Compreende-se, por isso, que a «prova pericial tanto pode visar a percepção indiciária de factos por inspecção de pessoas ou de coisas, móveis ou imóveis, como a determinação do valor de coisas ou direitos, ou ainda a revelação do conteúdo de documentos [maxime, os livros e documentos de suporte da escrita comercial e os documentos electrónicos] ou o reconhecimento de assinatura, letra (art. 482), data, alteração ou falta de autenticidade de documento» (4)

O perito é, assim, uma «pessoa qualificada», e exerce a sua actividade «sobre dados técnicos, sobre matéria de índole especial», por isso se afirmando que «o perito maneja uma experiência especializada», dando ao «juiz critérios de valoração ou apreciação dos factos, juízo de valor, derivados da sua cultura especial e da sua experiência técnica». A sua função é a de «mobilizar os seus conhecimentos especiais em ordem à apreciação dos factos observados». (5)

Portanto, o «traço definidor da prova pericial é, de facto, o de se chamar ao processo alguém que tem conhecimentos especializados em determinados aspectos de uma ciência ou arte para auxiliar o julgador, facultando-lhe informações sobre máximas de experiência técnica que o julgador não possui e que são relevantes para a percepção e apreciação dos factos controvertidos. Em regra, além de facultar ao julgador o conhecimento dessas máximas de experiência técnica, o perito veicula a ilação concreta que se justifica no processo, construída partir de tais máximas da experiência». (6)

Concluindo, a prova pericial pode ter por objecto factos, máximas da experiência e prova sob prova», sendo que no primeiro caso [factos] visa «a afirmação de um juízo de certeza sobre os» factos «ou circunstâncias» (v.g. perícia sobre ADN de alguém), no segundo [máximas da experiência] visa «apenas proporcionar ao juiz regras ou princípios técnicos para que este, recorrendo aos mesmos, possa conhecer e apreciar os factos» (v.g. actuando o perito nos «mesmos moldes» que «o técnico que o juiz pode nomear para o elucidar sobre a averiguação e interpretação de factos que o juiz se propõe observar - cfr. Artigo 492º, nº 1 do Código de Processo Civil»), e no terceiro [prova sob prova] visa «conhecer o conteúdo e sentido de outra prova» (v.g. «exame grafológico» ou «tentativa de recuperar o que consta duma gravação sonora imperfeita») (7).

Ora, de harmonia com o disposto no art. 341º do C.C. as «provas têm por objecto a demonstração da realidade dos factos», precisando de forma conforme o art. 410º do C.P.C. que «a instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova» (alterando-se a redacção do art. 513º do revogado C.P.C. - onde se lia que «a instrução tem por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova» -, mas não o seu sentido último).

Mais se prescreve no art. 475ºdo C.P.C. que, ao «requerer a perícia, a parte indica logo, sob pena de rejeição, o respectivo objecto, enunciando as questões que pretende ver esclarecidas através da diligência» (nº 1), podendo a perícia «reportar-se, quer aos factos articulados pelo requerente, quer aos alegados pela parte contrária» (nº 2), estipulando-se no art. 476º, do mesmo diploma legal, que se «entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objecto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição» (nº 1), e incumbindo ainda àquele, «no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respectivo objecto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade» (nº2).

E assim sendo, poderá dizer-se que nos pressupostos de deferimento da perícia se contam a sua pertinência para o objecto da prova a produzir («os temas da prova enunciados», ou os factos necessários «ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio» que seja lícito ao Tribunal conhecer, nos termos do art. 5º do C.P.C.), e o seu carácter não dilatório.

Assim e melhor explicitando, a «pertinência» para o objecto do processo, dir-se-á que, na sua decisão de admissão, ou de não admissão, deste meio de prova (como de qualquer outro), «o Tribunal (…) deve ter sempre presente a ideia de que, na admissão dos meios de prova, não pode rejeitar um qualquer dos meios indicados pelas partes, com base na convicção pré-formada da sua relevância/eficácia para prova de determinado facto em concreto».

Como se refere no Ac. da RG, de 16.02.2017, “Uma diligência de prova só pode considerar-se impertinente se não for idónea para provar o facto que com ela se pretende provar, se o facto se encontrar já provado por qualquer outro meio de prova, ou se carecer de todo de relevância para a decisão da causa”. (8)

Deste modo, impõe-se que apenas recuse a diligência probatória em causa se entender que a mesma é impertinente (art. 6º, nº 1 do C.P.C.), deferindo-a se entender que não é impertinente (art. 476º, nº 1 do C.P.C.), sendo que, o juízo de certeza, para a rejeição, terá de ser o da impertinência, bastando porém para a admissão que aquele não se verifique, isto é, que seja apenas verosímil a pertinência da diligência probatória requerida.

Destarte, e como se refere no Ac. da RG, de 20.10.2011, «não pode entender-se que uma diligência de prova é impertinente se o facto que com ela se pretende provar – ou efectuar a respectiva contra prova – pode ser provado por outro meio de prova ou que o meio requerido não o prova de forma plena ou que este iria fazer prolongar a duração do processo: no nosso entender, uma diligência de prova só pode considerar-se impertinente se não for idónea para provar o facto que com ela se pretende provar, se o facto se encontrar já provado por qualquer outra forma ou se carecer de todo de relevância para a decisão da causa». (9)

Por outro lado, e ponderando agora a natureza «não dilatória», sempre diremos que, necessariamente, qualquer diligência de prova implica a dilação do subsequente fim do processo, pelo que não pode a lei ter aqui querido impedir esse natural protelamento, mas sim querido impedir o deferimento de diligência prova que apenas tivesse esse propósito, pois que, não só o Tribunal está proibido de «realizar no processo actos inúteis» (art. 130º do C.P.C.), como deve «dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, (…) recusando o que for (…) meramente dilatório» (art. 6º, nº 1 do C.P.C.), desse modo actuando o seu dever de gestão processual, aqui claramente em nome do princípio da economia processual.

Por último, e como é consabido, no que concerne ao valor probatório da prova pericial, dispõe art. 389º d C.C. que a «força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal».

Todavia, sendo certo que «o juiz, colocado, como está, num posto superior de observação, tendo em volta de si todo o material de instrução, todas as prova produzida, pode e deve exercer sobre elas as suas faculdades de análise crítica; e bem pode suceder que as razões invocada pelos peritos para justificar o seu laudo não sejam convincentes ou sejam até contrariadas e desmentidas por outras provas constantes dos autos ou adquiridas pelo tribunal» (10)

No entanto, se por força desse princípio da livre convicção, o juiz não está obrigado a acatar as conclusões retiradas da perícia, também não pode deixar de entender-se que terá de justificar tal entendimento, rebatendo os argumentos nela expostos.

Com efeito:
- Uma coisa será uma perícia para constatação de factos, os quais podem eventualmente ser confirmados e/ou refutados por outros elementos de prova;
- E outra, bem diferente, será o caso de uma perícia destinada a exprimir um juízo técnico, científico ou artístico, o qual, pela sua própria natureza, só poderá ser infirmado ou rebatido com argumentos de igual natureza, ou seja, de ordem técnica, científica ou artística; e com sujeição aos mesmos métodos. (11)

Contudo, e convirá mais uma vez realçar que para admissão da prova pericial não se exige que a mesma seja o único meio disponível para a demonstração de determinado facto, ou seja, que deva ser rejeitada desde que a prova do mesmo possa ser feita por outros meios alternativos.

Ora, à luz de tudo o exposto, passemos então à análise da argumentação aduzida pela Recorrente em sustentação da sua pretensão de admissibilidade da prova pericial que por si requerida, em ordem a aquilatar da sua consistência e relevância enquanto suporte dos efeitos jurídicos que dela pretende ver extraídos.

Como supra se referiu, alega o Recorrente, em síntese, que, quer na petição inicial da acção de divórcio, quer nas alegações apresentadas nos presentes autos, a Requerida invoca factos concretos quanto aos comportamentos levados a cabo pelo Requerente, sendo que, tais comportamentos, a serem comprovados, são susceptíveis de influir no apuramento das capacidades do Requerente para exercer de forma plena as responsabilidades parentais.

Analisado o articulado inicial constata-se que a Recorrente alega que “o Requerente não dispõe de condições mentais ou psicológicas para ter a guarda do filho”, pois, “conforme já reportado nos autos, o Requerente frequenta plataformas digitais (v.g. redes sociais e sites de encontros), nas quais adopta para o efeito nomes/nick names falsos”, e “tudo com um registo e requinte de sordidez, de depravação sexual, de desprezo absoluto pela dignidade mínima da Requerida e sobretudo do menor”.

Perguntada pelo Juiz sobre se tem conhecimento de algum facto desses comportamentos que possa ter posto em causa a segurança do filho, a mesma respondeu que não.

Ora, mesmo sem se admitir que esta alegação possa ter intuitos vexatórios, por se carecer de elementos que o permitam afirmar, o certo é que se não for verdadeiro consumará, designadamente, em termos públicos, uma vexação, independentemente de qualquer intenção, sendo que, e por outro lado, assenta inequivocamente em juízos valorativos, inexistindo, ainda, qualquer prova com o mínimo de consistência sobre a sua eventual verificação, como, e desde logo se menciona no despacho recorrido, que expressamente refere “que não se alega que a sua depravação sexual - que, de resto, não se mostra minimamente concretizada - constitua um obstáculo ao exercício pleno das responsabilidades parentais".

Acresce que, como e em nosso entender, pertinentemente, salienta o ilustre Magistrado do Mº Pº, “Do que se cuida nestes autos é de regular o exercício das responsabilidades parentais do Duarte e não de emitir juízos de moralidade sobre a conduta sexual dos respectivos progenitores”, sendo que, “A idiossincrasia sexual do progenitor só teria relevância se, de alguma forma, interferisse no exercício sadio da parentalidade relativamente ao filho menor, o que não é alegado – e muito menos comprovado – pela recorrente”, ou, e dito de outro modo, “O que o progenitor faz na intimidade só a ele diz respeito, posto que tais opções sexuais não interfiram na educação do filho e no desenvolvimento harmónico da sua personalidade”.

Por último, nestas circunstâncias, sem a existência sequer de um principio de prova da “factualidade” alegada, o deferimento da prova pericial requerida poderia, efectivamente, colocar em causa o principio da proporcionalidade, pois ao “(…) princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva na vertente do direito à produção de prova, contrapõe-se o princípio da reserva da intimidade da vida privada, protegido no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, com a garantia ínsita no n.º 2 de que a lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, de informações relativas às pessoas e famílias”, importando “ainda ter presente a força jurídica atribuída pelo artigo 18.º da CRP aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias, e às regras ali vertidas quanto à respectiva restrição, directamente aplicáveis e vinculativas para as entidades públicas e privadas, havendo consequentemente que sopesar, em face de dois direitos constitucionalmente consagrados que colidam, qual dos dois deve prevalecer, à luz do sobredito e devidamente enquadrados pelo princípio da proporcionalidade”.

Destarte, pelo exposto e sem necessidade de mais considerações, na improcedência da apelação, decide-se pela inadmissibilidade da prova pericial requerida, com a consequente manutenção da decisão recorrida.

Sumário – Artigo 663, nº 7, do C.P.C.

I- Uma diligência de prova, designadamente, a prova pericial, só pode considerar-se impertinente se não for idónea para provar o facto que com ela se pretende provar, se o facto se encontrar já provado por qualquer outro meio de prova ou se carecer de todo de relevância para a decisão da causa.
II- E não pode entender-se que uma diligência de prova, nomeadamente, a prova pericial, é impertinente se o facto que com ela se pretende provar – ou efectuar a respectiva contraprova – pode ser provado por outro meio de prova ou que o meio requerido não a prova de forma plena ou que este iria fazer prolongar a duração do processo.
III- Ao princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva na vertente do direito à produção de prova, contrapõe-se o princípio da reserva da intimidade da vida privada, protegido no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, com a garantia ínsita no n.º 2 de que a lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, de informações relativas às pessoas e famílias.
III- Assim, a admissão de prova pericial que interfira com a reserva de vida privada, sem a existência sequer de um principio de prova da factualidade consubstancidora da situação, pode colocar em causa o principio da proporcionalidade, pois a força jurídica atribuída pelo artigo 18.º da CRP aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias, e às regras ali vertidas quanto à respectiva restrição, directamente aplicáveis e vinculativas para as entidades públicas e privadas, impõe que se sopese, em face de dois direitos constitucionalmente consagrados que colidam, qual dos dois deve prevalecer, à luz do sobredito e devidamente enquadrados pelo princípio da proporcionalidade.

IV- DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, decide-se pela inadmissibilidade da prova pericial requerida, com a consequente manutenção da decisão recorrida.

Custas pelo apelante.
Guimarães, 21/ 01/ 2021.
Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.

Relator: Jorge Alberto Martins Teixeira.
Adjuntos: Desembargador José Fernando Cardoso Amaral.
Desembargadora Helena Gomes de Melo.


1. Cfr » (J. P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2ª edição, Coimbra Editora, 2009, p. 207.
2. Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, p. 262-263.
3. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Limitada,1985, p. 576.
4. Cfr. José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, p. 294).
5. Cfr. Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, p. 168, 169 e 181).
6. Cfr.Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, 2014, Almedina, Agosto de 2014, p. 175 e 176.
7. Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, ibidem.
8. Cfr, Acórdão da Relação de Guimarães. Proferido no Processo nº 4716/15.9T8VCT-A.G1, in www.dgsi.pt
9. Cfr. Ac. da RG, de 20.10.2011, Processo nº 3361.0TBBCL-B.G1 e no mesmo sentido Ac. da RG, de 16.02.2017, Pedro Alexandre Damião e Cunha, Processo nº 4716/15.9T8VCT-A.G1,
10. Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, p. 183 e 184.
11. Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, p. 262-263, com bold apócrifo).