Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2670/05.4TJVNF-C.G1
Relator: FERNANDA PROENÇA FERNANDES
Descritores: SUSPENSÃO DE ENTREGA DE IMÓVEL
LEGISLAÇÃO COVID-19
ARTIGO 6º-E
Nº. 7
B)
DA LEI Nº. 1-A/2020 DE 19/3
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2023
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I.A suspensão das diligências de entrega de casa de morada de família vendida em processo executivo, prevista na alínea b), do nº 7, do art.º 6º-E, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e aditado pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril, não foi revogada pelo DL nº 66-A/2022 de 30 de Setembro, nem a norma em causa caducou.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório.

Na sequência de informação prestada pela Sra. Agente de execução de que tinha requerido o auxílio da força pública de segurança, com vista à entrega do imóvel penhorado e vendido nos presentes autos à aqui apelante, imóvel esse que é a casa de morada de família do executado, diligência esta cuja execução se achava suspensa por efeito da lei nº1-A/2020, de 19 de Março, foi proferido o seguinte despacho:

“Enquanto se mantiver em vigor o regime processual transitório e excepcional previsto na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pela Lei n.º 13-B/2021, de 05/04, que lhe aditou o art.º 6º-E, em cujo n.º n.º7 al. b) prevê:
7 - Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório:
«b) Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;»,
Não poderá, sem mais, ordenar-se a entrega do imóvel requerida, uma vez que se trata da casa de habitação do Executado.
Ora, é verdade que o Decreto-Lei 66-A/2022 datado de 30 de Setembro, veio proceder à revogação de inúmeros diplomas legislativos, publicados no âmbito e por força da Covid-19, mas entre os diplomas revogados não se conta a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março (nem poderia, porquanto, terá de ser revogada também por diploma com mesma força de lei).
Não se desconhece também o entendimento que vem sendo seguido por outros tribunais de que poderá considerar-se que a caducidade da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, pelo facto de ter cessado o estado que lhe esteve subjacente, isto é, dado que o estado de alerta não foi renovado a 01 de Outubro de 2022.
Entendemos, todavia, que se o legislador expressamente revogou outros diplomas publicados no âmbito e por força da Covid-19, também o fará, em tempo, quanto à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.
Assim, não deixando de se revelar a nossa sensibilidade aos argumentos expendidos pelo Exequente, em face da permanência em vigência por um tão longo período de um regime que quer excecpional, entende-se que, por ora, por não haver ainda sido revogado esse regime, é de indeferir o requerido.
Notifique.”.
*
Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a adquirente, que a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):
“Conclusões:

1. Vem a presente apelação interposta do douto despacho de fls., que decidiu, em suma que o DL nº 66-A/2022, datado de 30 de setembro, não procedeu especificamente à revogação da lei nº1-A/2020, de 19 de março.
2. Ora, s.d.r, o tribunal fez uma errada aplicação do direito.
3. Aliás, desde o dia .../.../2022, já não vigora em território nacional qualquer situação de estado de alerta, contingência, calamidade ou emergência relacionado, direta ou indiretamente, com a infeção epidemiológica por SARS-COV-2 e (ou pandemia da doença COVID-19.
4. Pelo que, é nosso entendimento que a resolução do Conselho de Ministros nº73-A/2022, de 26 de agosto (publicada no DR nº165/2022- 1º Suplemento, Serie I de 2022-08-26, pag.4) prorrogou a declaração da situação de alerta, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, até às 23.59h do dia 30 de setembro de 2022, em todo o território nacional continental, sendo certo que, por decisão governamental, este estado de alerta não voltou a ser prorrogado.
5. Neste sentido, consideramos que operou a caducidade, por falta de verificação dos seus pressupostos de aplicação, da lei nº1-A(2020, de 19/03), devendo imediatamente autorizar-se a entrega judicial do imóvel à Recorrente.
6. Entendimento que já tem vindo a ser adotado nos tribunais portugueses, inclusive, no tribunal recorrido.
7. Acresce que, a também alegada “sensibilidade” do executado não advém de agora.
8. Aliás, há anos já vem o mesmo a requerer a suspensão da execução por motivo de doença.
9. O que nunca lhe foi concedido pelo Tribunal.
10. Mostrando-se injustificável manter-se a execução suspensa, quando já não tem sequer lei que permita isso.
11. Tendo-se autorizado a realização do leilão, para venda do imóvel.
12. O mesmo foi vendido livre de pessoas e bens.
13. Tendo sido adjudicado o imóvel ao melhor proponente, aqui recorrente.
14. Jamais tendo o tribunal considerado existirem fundamentos para a referida suspensão da execução.
15. Mesmo o executado requerido por várias vezes.
16. A melhor proponente/aqui recorrente pagou o preço do bem.
17. Foi emitido o respetivo título de transmissão do bem em nome da mesma.
18. Encontrando-se o imóvel registado desde o dia .../.../2021 em nome da recorrente.
19. Contudo, lamentavelmente está impossibilitada de usufruir do seu bem.
20. O executado permanece de forma gratuita no imóvel.
21. Recusando-se a desocupar o mesmo por motivos alheios à doença.
22. Não fazendo qualquer sentido quer legal quer factual o tribunal suspender a entrega do imóvel alegando, apenas agora, a sensibilidade do executado.
23. Não o tendo interpretado anteriormente.
24. Conforme documentalmente evidenciado.
25. Posto isto, impõe-se a entrega judicial do imóvel à aqui recorrente por inexistir fundamento legal para manter a suspensão da presente execução, quer no âmbito medidas COVID, quer no âmbito pessoal do executado.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, que V.Exas doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido, substituindo-o por outro que declare a verificação da caducidade da lei nº1-A/2020, de 19 de março, e se proceda à entrega do imóvel à aqui recorrente,
Assim decidindo, farão V.Exas, Venerandos Desembargadores, a habitual JUSTIÇA.”.
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Não houve contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC) –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste Tribunal, consiste em saber se se deve manter a suspensão da entrega do imóvel.
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III. Fundamentação de facto.

Os factos relevantes para a questão a decidir são os que resultam do relatório supra.
*
IV. Fundamentação de direito.

Delimitada que está, sob o n.º II, a questão essencial a decidir, é o momento de a apreciar.
Assim, importa decidir se ocorreu a caducidade do artigo art.º 6.º-E, da Lei 1-A/2020, ou se tal norma ainda se mantém em vigor.

Dispõe tal artigo 6.º-E, o seguinte:
“Regime processual excepcional e transitório
1 - No decurso da situação excepcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, as diligências a realizar no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal regem-se pelo regime excepcional e transitório previsto no presente artigo.
2 - As audiências de discussão e julgamento, bem como outras diligências que importem inquirição de testemunhas, realizam-se:
(...)
7 - Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excepcional e transitório previsto no presente artigo:
a) O prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março;
b) Os actos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;
c) Os actos de execução da entrega do local arrendado, no âmbito das acções de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa;
(...)
8 - Nos casos em que os actos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam susceptíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou dos credores do insolvente, ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvida a parte contrária.
(...)”.
  A mera leitura destas normas revela que a suspensão prevista na al. b), do n.º 7, opera ope legis, ou seja, automaticamente, por força da lei, sempre que esteja em causa a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família no âmbito de processos executivos ou de insolvência, ao passo que a suspensão prevista na al. c), do mesmo n.º 7, assim como a suspensão prevista no n.º 8, operam ope judicis, ou seja, depois de confirmada por decisão judicial a verificação dos respectivos requisitos legais (cfr. Ac. Relação Porto de 20.10.2022, relator Artur Dionísio Oliveira, in www.dgsi.pt).
Este tem sido o entendimento maioritário da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, bem como da doutrina (cfr. entre outros Higina Castelo in “O arrendamento urbano nas leis temporárias de 2020”, RMP, Número Especial COVID-19 / 2020, págs. 336/337 e Oliveira Martins in (De novo a) Lei n.º 1-A/2020 – uma terceira leitura (talvez final?), JULGAR Online, Maio de 2020, p. 20).
A situação dos autos é assim subsumível à previsão da al. b) do n.º 7, do artigo 6.º-E, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março.
Consta do preâmbulo do DL 66-A/2022, de 30 de Setembro, que:
“Desde o início da pandemia da doença COVID -19, o Governo tem vindo a adotar uma série de medidas de combate à pandemia, seja numa perspetiva sanitária, seja nas vertentes de apoio social e económico às famílias e às empresas, com o intuito de mitigar os respetivos efeitos adversos. Face ao desenvolvimento da situação epidemiológica num sentido positivo, observado nos últimos meses, assistiu-se à redução da necessidade de aprovação de novas medidas e de renovação das já aprovadas. Concomitantemente, importa ter presente que a legislação relativa à pandemia da doença COVID -19 consubstanciou-se num número significativo de decretos-leis com medidas aprovadas com o objetivo de vigorar durante um período justificado. Neste contexto, através do presente decreto-lei, procede-se à clarificação dos decretos-leis que ainda se encontram em vigor, bem como à eliminação das medidas que atualmente já não se revelam necessárias, através da determinação expressa de cessação de vigência de decretos-leis já caducos, anacrónicos ou ultrapassados pelo evoluir da pandemia. Importa, contudo, garantir que as alterações promovidas a legislação anterior à pandemia pelos decretos-leis agora revogados não são afetadas. Assim, clarifica-se que a revogação promovida pelo presente decreto-lei tem os seus efeitos limitados aos decretos-leis aqui previstos, não afetando alterações a outros diplomas introduzidas por estes que agora se revogam. Desta forma, ganha-se em clareza e certeza jurídica, permitindo aos cidadãos saber — sem qualquer margem para dúvidas — qual a legislação relativa à pandemia da doença COVID-19 que se mantém aplicável. (…)”.
Prevê o artº 1º deste diploma o seguinte:

“O presente decreto-lei:
a)-Considera revogados diversos decretos-leis aprovados no âmbito da pandemia da doença COVID-19, determinando expressamente que os mesmos não se encontram em vigor, em razão de caducidade, revogação tácita anterior ou revogação pelo presente decreto-lei;
(…)”.

Seguidamente são elencados os diplomas que são revogados pelo aludido decreto-lei, não estando ali referido o referido artº 6º-E, nº 7.
Sobre a cessação da vigência da lei, preceitua o art.º 7.º do Código Civil:
  “1. Quando se não destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei.
2. A revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior.
3. A lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador.
4. A revogação da lei revogatória não importa o renascimento da lei que esta revogara.”
Ensina Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 25ª reimpressão, págs 165, 166:
«Como modo de cessação da vigência da lei o artº 7º apenas prevê a caducidade e a revogação. Outras formas possíveis seriam o desuso e o costume contrário. Já sabemos, porém, que o nosso legislador não quis reconhecer ao costume o valor de fonte de direito.
A caducidade strito sensu dá-se por superveniência de um facto (previsto pela própria lei que se destina a vigência temporária) ou pelo desaparecimento, em termos definitivos, daquela realidade que a lei se destina a regular. É frequente estabelecer-se numa lei que o regime nela estabelecido será revisto dentro de certo prazo. Passado o prazo sem que se verifique revisão, não cessa a vigência de tal lei por caducidade: ela continua em vigor até à sua substituição.
A revogação, essa pressupõe a entrada em vigor de uma nova lei (segundo o nosso legislador). A revogação pode ser expressa ou tácita, total (ab-rogação) ou parcial (derrogação). É expressa quando consta de declaração feita na lei posterior (fica revogado…), e tácita quando resulta da incompatibilidade entre as disposições novas e antigas, ou ainda quando a nova lei regula toda a matéria da lei anterior – substituição global (artº 7º, 2). Porém, nos termos do artº 7º, 3, a lei geral posterior não revoga a lei a lei especial anterior, salvo se “outra for a intenção inequívoca do legislador”.
Ora, não parece que o citado n.º 7 do art.º 6.º-E da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03 possa ser qualificado como lei temporária (isto é, limitada a um determinado período de vigência, por estar na mesma prevista a sua vigência durante um período temporal fixado ou enquanto durar um certo acontecimento aí indicado) antes melhor corresponde a uma lei de emergência, porque prima facie destinada a vigorar enquanto se mantiverem as circunstâncias extraordinárias ou excepcionais e de interesse público que determinaram a sua aprovação, circunstâncias de resto de duração indefinida, mais ou menos longa – neste sentido, vejam-se os Acórdãos da Relação de Lisboa de 13.10.2022, relator António Santos; de13.10.2022 e 22.03.2023, relator Eduardo Peterson e de 09.02.2023, relatora Laurinda Gemas, todos in www.dgsi.pt.
Por outro lado, sendo certo que refere o nº 7 do art.º 6.º-E referido, que “Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo”, a verdade é que o período de vigência do regime excepcional e transitório visado é o que indica o nº 1 do mesmo art.º 6º-E, ou seja, aquele em que permanecer a “situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19”.
E, como se afirma no Ac. da Relação de Lisboa de 23.02.2023, acima citado: “…nada permite concluir que a “situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19”, deixou já de existir [antes tudo obriga a considerar que continuamos ainda hoje a viver em estado de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica, ainda que, é verdade, já não em período de estado de emergência - a qual se iniciou em Portugal ao abrigo do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, tendo sido objecto de diversas renovações, v.g. operadas pelo Decreto n.º 17-A/2020, de 2 de abril, pelo Decreto n.º 20-A/2020, de 17 de abril e pelo Decreto do Presidente da República n.º 41-A/2021, de 14 de abril, mas já cessado - , de calamidade - estado que foi decretado pelo Governo através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-A/2020, de 30 de abril, aprovada ao abrigo do artigo 19.º da Lei de Bases da Proteção Civil, aprovada pela Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, prorrogada por diversas vezes também, mas já cessado - , ou sequer de alerta - estado v.g. decretado e regulamentado através de Resolução do Conselho de Ministros n.º 73-A/2022, de 30 de Agosto e para vigorar até às 23:59 h do dia 30 de Setembro de 2022.”.
Do facto de já haver cessado o estado de emergência, de calamidade, bem como o período de estado de alerta, não resulta automaticamente a aludida caducidade.
Da lei não resulta que o regime do artº 6º-E, nº 7, als. b) e c) da Lei nº 1-A/2020, de 19/03, se destinasse a vigorar apenas enquanto vigorasse quaisquer dos aludidos estados e também não se pode dizer que a situação pandémica e os efeitos que da mesma resultaram e que estiveram subjacentes ao estabelecimento deste regime excepcional e temporário de tutela do direito à habitação tenham desaparecido totalmente.
É certo que, como o legislador expressamente declarou, as normas deste artigo consubstanciam um regime excepcional e temporário, mas, salvo o devido respeito por opinião contrária, não é possível afirmar que a “situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19”, já tenha deixado de existir de modo a que se conclua pela caducidade das aludidas normas(cfr. Ac. Relação de Lisboa, de 21.03.2023, relatora Manuela Espadaneira Lopes, disponível in www.dgsi.pt.).
É que, como se afirma no acima citado Ac. da Relação de Lisboa de 09.02.2023, relatora Laurinda Gemas, in www.dgsi.pt,  “apesar de o legislador ter já vindo reconhecer - no Decreto-Lei n.º 66-A/2022, de 30 de setembro (que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação) - a cessação de vigência de diversos artigos de decretos-leis publicados, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, tal ainda não sucedeu com a referida Lei n.º 1-A/2020.
Nessa medida há que verificar se, à data da prolação do despacho recorrido já não era aplicável o regime legal em causa, o que pressupõe a demonstração, posto que não se está perante facto notório [cf. artigos 5.º, n.º 2, al. c), e 412.º, n.º 1, do CPC] da cessação da “situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19”.
Importa ter presente que o n.º 2 do art.º 7.º da referida Lei n.º 1-A/2020, de 19-03 (cuja epígrafe era “Prazos e diligências”) dispunha na sua redacção primitiva (não tendo sido alterado pela Lei n.º 4-A/2020, de 06-04), que “(O) regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional.”. Este artigo foi expressamente revogado pelo art.º 8.º da Lei n.º 16/2020, de 29-05, tendo essa mesma lei, no seu art.º 2.º, logo aditado à Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, o art.º 6.º-A acima citado, com a epígrafe “Regime processual transitório e excecional”, o qual já não aludia à definição de data para cessação a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excepcional. Deixou então de estar previsto que o Governo poderia, mediante decreto-lei, vir declarar o termo da situação excepcional prevista naquela.
Por outro lado, embora tecnicamente não se confundam tais situações, não há dúvida que o legislador, ao aludir à “situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19” estava a considerar a situação epidemiológica vivida em Portugal na sequência da pandemia da doença COVID-19 que motivou as sucessivas declarações do Estado de Emergência e das Situações de Calamidade e Alerta.
…..
Foram igualmente declaradas as situações de calamidade, contingência e alerta, em moldes que seria fastidioso enumerar, com âmbito territorial diversificado (municipal, nacional, continental nacional), pelo que destacamos a Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-C/2020, de 30-04 - que estabeleceu “uma estratégia de levantamento de medidas de confinamento no âmbito do combate à pandemia da doença COVID 19” -, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 51-A/2020, de 26-06 - que declarou “a situação de calamidade, contingência e alerta, no âmbito da pandemia da doença COVID-19” tendo em consideração o território, nos termos da Lei de Bases da Proteção Civil, aprovada pela Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, na sua redação atual - e a Resolução do Conselho de Ministros n.º 51-A/2022, de 30-06 - que veio prorrogar a declaração da Situação de Alerta, no âmbito da pandemia da doença COVID-19 até 31 de julho de 2022, em todo o território nacional continental.
De referir que esta última Resolução veio a ser considerada expressamente revogada, a partir de 25-10-2022, conforme Resolução do Conselho de Ministros n.º 96/2022, de 24-10-2022, que determina a cessação de vigência de resoluções do Conselho de Ministros publicadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, tendo o respetivo sumário o seguinte teor (sublinhado nosso):
“Desde o início da pandemia da doença COVID-19, o Governo tem vindo a adotar uma série de medidas de combate à pandemia, seja numa perspetiva sanitária, seja nas vertentes de apoio social e económico às famílias e às empresas, com o intuito de mitigar os respetivos efeitos adversos.
Face ao desenvolvimento da situação epidemiológica num sentido positivo, observado nos últimos meses, assistiu-se à redução da necessidade de aprovação de novas medidas e de renovação das já aprovadas.
Concomitantemente, importa ter presente que a legislação relativa à pandemia da doença COVID-19 consubstanciou-se num número significativo de resoluções do Conselho de Ministros com medidas aprovadas com o desidrato de vigorar durante um período justificado de tempo.
Neste contexto, através da presente resolução do Conselho de Ministros, procede-se à clarificação das resoluções do Conselho de Ministros que ainda se encontram em vigor, bem como à eliminação das medidas que atualmente já não se revelam necessárias, através da determinação expressa de cessação de vigência de resoluções do Conselho de Ministros já caducas, anacrónicas ou ultrapassadas pelo evoluir da pandemia.
Desta forma, ganha-se em clareza e certeza jurídica, permitindo aos cidadãos saber - sem qualquer margem para dúvidas - quais as normas relativas à pandemia da doença COVID-19 que se mantêm aplicáveis.”
Em comunicado oficial, disponível em https://www.portugal.gov.pt, o Governo veio, aliás, informar o seguinte (sublinhado nosso):
“Fim do estado de alerta
Atenta a atual situação da pandemia pela Covid-19, o Governo decidiu não prorrogar a situação de alerta no território continental, bem como a cessação de vigência de diversos decretos-leis e resoluções aprovados no âmbito da pandemia.
A não prorrogação do estado de alerta visa adequar a legislação ao estado epidemiológico atual, equiparando, em termos legais e procedimentos daí decorrentes, a infeção Covid-19 às outras doenças.
Ao longo do tempo, para orientar e proteger a população portuguesa perante uma situação de excecional imprevisibilidade e gravidade, foi sendo criado um conjunto de diplomas legais e normas que acompanharam os estados de exceção que o país foi vivendo, nomeadamente o estado de alerta.
Agora, são eliminados do ordenamento jurídico os atos legislativos cuja vigência se mostrou desnecessária ou ultrapassada, mantendo-se em vigor disposições dirigidas à proteção das pessoas mais vulneráveis à Covid-19, bem como salvaguardando-se os efeitos futuros de factos ocorridos durante a vigência das respetivas disposições.”
Mas, como é evidente, a Resolução falha no seu propósito de permitir aos cidadãos saber, sem qualquer margem para dúvidas, quais as normas relativas à pandemia da doença COVID-19 que se mantêm aplicáveis, sendo certo que não poderia ter o alcance, até pelo princípio da hierarquia das leis, de “eliminar do ordenamento jurídico” leis da Assembleia da República, que nem sequer foram contempladas pelo referido Decreto-Lei n.º 66-A/2022, de 30 de setembro.
A Resolução veio, é certo, evidenciar que o território continental de Portugal já não se encontra em situação de alerta no âmbito da pandemia da doença COVID-19.
No entanto, não podemos olvidar que, além de se manterem em vigor no território nacional continental algumas medidas de prevenção, contenção e mitigação como a obrigatoriedade do uso da máscara nas unidades de saúde e nas unidades residenciais para pessoas idosas, o território nacional também abrange as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, tendo aí sido aprovadas ao longo do tempo um vasto leque de medidas no âmbito da pandemia de COVID-19, destacando-se a Resolução do Conselho do Governo (Regional dos Açores) n.º 173/2022 de 18-10-2022, que “declara que todas as ilhas do arquipélago dos Açores se encontram em situação de alerta - COVID 19”, sendo-lhes aplicáveis as medidas de cumprimento obrigatório previstas no anexo à referida resolução.
Nesta senda, apenas nos parece possível afirmar que, com o fim do estado de alerta em território continental nacional, a partir das 23h59 de 30 de setembro, foi pelo Governo dado um sinal claro de que já seria oportuno que a Assembleia República legislasse sobre a cessação de vigência de leis publicadas no âmbito da pandemia, incluindo naturalmente as citadas normas legais previstas para vigoraram no decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.

Aliás, que assim é resulta inequívoco da circunstância de ter sido pelo Governo apresentada na Assembleia da República, em 11-11-2022, a Proposta de Lei n.º 45/XV, aprovada em Conselho de Ministros de 29 de setembro de 2022, em que, além do mais, está previsto o seguinte:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei considera revogadas diversas leis aprovadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, determinando expressamente que as mesmas não se encontram em vigor, em razão de caducidade, revogação tácita anterior ou revogação pela presente lei.

Artigo 2.º
Norma revogatória
Nos termos do artigo anterior consideram-se revogadas:
a) A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na sua redação atual, que estabelece medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, com exceção do artigo 5.º;
(…)

Artigo 3.º
Efeitos
1 - Quando incida sobre normas cuja vigência já tenha cessado, a determinação expressa de não vigência de atos legislativos efetuada pela presente lei não altera o momento ou os efeitos daquela cessação de vigência.
2 - A revogação operada pelo artigo anterior não prejudica a produção de efeitos no futuro de factos ocorridos durante o período de vigência dos respetivos atos legislativos.”
O processo legislativo está em curso, conforme pode ser verificado em www.parlamento.pt, merecendo-nos destaque o parecer do conselho Superior da Magistratura que aí se encontra publicado, de que citamos, pelo seu interesse, a seguinte passagem (acrescentando o sublinhado):
4.1| Pela sua relevância concreta para a presente situação, importa recordar, quanto à cessação da vigência da lei, o que estatui o artigo 7.º do Código Civil.
Assim, nos termos do n.º 1, quando não se destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei, podendo a revogação resultar, conforme prescrito no n.º 2, de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras procedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior.
Como se vê, o artigo 7.º apenas prevê a caducidade e a revogação como formas de cessação da vigência da lei.
A caducidade ocorre por superveniência de um facto (previsto pela própria lei que se destina a ter vigência temporária) ou pelo desaparecimento, em termos definitivos, da realidade que a lei se destinava regular. Já a revogação pressupõe a entrada em vigor de uma nova lei e pode ser expressa ou tácita, total (ab-rogação) ou parcial (derrogação). A revogação é expressa quando consta de declaração feita na lei posterior e tácita quando resulta da incompatibilidade entre as disposições novas e as antigas ou quando a nova lei regula toda a matéria da lei anterior.
4.2| No preâmbulo da presente proposta de lei, são feitas referências a diversas realidades, nem todas elas coincidentes, nem todas elas formas de cessação da vigência da lei, atento o antes exposto. E, no artigo 1.º de tal documento, que define o seu objecto, pode resultar de difícil apreensão a real mens legis. Com efeito, de tal artigo decorre que “a presente lei considera revogadas diversas leis aprovadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, determinando expressamente que as mesmas não se encontram em vigor, em razão da caducidade, revogação tácita anterior ou revogação pela presente lei” (sublinhados nossos). Recorde-se que a revogação e a caducidade apenas têm em comum o facto de serem ambas formas de cessação da vigência de diplomas legais, sendo, pois, de questionável acerto técnico a opção consagrada de dizer que se considera um diploma legal revogado em razão da sua caducidade, como é sugerido no artigo 1.º.
Importaria, pois, ter aferido se, e na afirmativa, quais dos vários diplomas legais enunciados no artigo 2.º já se encontram revogados expressa ou tacitamente, total ou parcialmente, quais aqueles que, atenta a sua natureza temporária e face ao evoluir da situação pandémica, já terão cessado a sua vigência por caducidade e quais os outros que, não sendo subsumíveis a nenhuma das referidas situações concretas, ainda mantêm vigência, carecendo, por isso, de uma declaração expressa de revogação como forma de cessação da produção dos seus efeitos na esfera jurídica. Com efeito, apenas uma declaração de revogação será adequada a produzir tal cessação de efeitos e tal declaração, salvo o devido respeito, não é confundível com a expressão “consideram-se revogadas”, lida esta, em termos sistemáticos, como estando inserida num diploma onde o artigo 1.º tem o conteúdo já enunciado e com o preâmbulo também já referenciado. Veja-se que uma “declaração expressa de não vigência” – cf. artigo 3.º da presente proposta de lei - não é, à face do disposto no artigo 7.º, do Código Civil e novamente ressalvado o devido respeito, forma de cessação da vigência da lei.
Tanto assim a presente proposta de lei o reconhece que, no artigo 3.º, n.º 1, salvaguarda – relativamente aos diplomas legais que já tenham cessado efectivamente a sua vigência pelas razões acima referenciadas – que os efeitos daquela cessação de vigência fiquem salvaguardados.
Pese embora, pelas razões que se enunciaram, a formulação do artigo 2.º possa suscitar as dúvidas interpretativas descritas, a verdade é que o n.º 2 do artigo 3.º da presente proposta de lei assume explicitamente que, através do disposto no artigo 2.º, o que se pretende é revogar tais diplomas (ainda que os mesmos já estivessem revogados expressa ou tacitamente ou tivessem caducado). De outro modo, não teria sido utilizada a expressão: “a revogação operada pelo artigo anterior”.”
Concordamos em absoluto com tal posição, entendendo assim que ainda não foi revogado, nem se pode considerar que tenha caducado, o disposto no art.º 6.º-E, n.º 7, da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, que, corresponde ao anterior art.º 6.º-A, n.º 6, perspectivando-se, tão-só, que a sua revogação poderá vir a ocorrer a breve trecho, se vier a ser aprovada pela Assembleia da República a Proposta de Lei n.º 45/XV.
Neste mesmo sentido, o acórdão da Relação de Coimbra de 28.03.2023, relatora Maria João Areias, disponível in www.dgsi.pt e em cujo sumário se afirmou:
“I – Não se tem por demonstrado que a situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-COV-e e da doença Covid-19, tenha deixado de existir, incumbindo ao legislador, a determinação de quais as medidas de combate à pandemia – adotadas numa perspetiva sanitária ou nas vertentes de apoio social e económico às famílias e às empresas – que, face à evolução da doença, já não se revelam necessárias, sendo que, tal juízo assentará não só em razões sanitárias, mas na sua perceção dos efeitos da pandemia nos aspetos sociais e económicos que podem perdurar muito para além dos decretados estados de emergência, de calamidade ou de alerta.
II – Como tal, não se reconhece a invocada caducidade do art.º 6.º-E, n.º 7, da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, embora perspetivando que a sua revogação poderá vir a ocorrer em breve, com a aprovação pela Assembleia da República a Proposta de Lei n.º 45/XV/1, que prevê a ressalva dos factos ocorridos na sua vigência e os efeitos que deles possam ocorrer no futuro.”.
Não somos desconhecedores da existência de jurisprudência de Tribunais da Relação, que consideram que a norma em causa caducou, nomeadamente os Acs. da Relação do Porto de 07.02.2023, relator Rodrigues Pires, da Relação de Évora de 02.03.2023, relator Tomé de Carvalho e desta Relação de Guimarães de 16.03.2023, relatora Maria Amália Santos.
Entendemos contudo que os argumentos acima adiantados, refutam os fundamentos subjacentes a tais decisões.
A tal acresce que, as dúvidas que se suscitam acerca da eventual caducidade do referido artigo 6º-E, nº 7, al. b) da Lei nº 1-A/2020 suscitar-se-ão de igual modo em relação ao disposto na alínea a) do mesmo normativo, o qual consagrou a suspensão do prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no nº1 do artigo 18º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, situação em que a necessidade de segurança jurídica assume também enorme relevância, considerando as consequências que podem resultar para o devedor da não apresentação atempada à insolvência.
Contudo, a Exposição de Motivos que consta da Proposta de Lei nº 45/XV, aprovada em Conselho de Ministros de 29/09/2022 e relativamente à qual já foi emitido Parecer pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias – cfr https://www.parlamento.pt/ - é clara no sentido do supra exposto e que defendemos:
“Face ao desenvolvimento da situação epidemiológica num sentido positivo, observado nos últimos meses, assistiu-se à redução da necessidade de aprovação de novas medidas e de renovação das já aprovadas. Concomitantemente, importa ter presente que a legislação relativa à pandemia da doença COVID-19 consubstanciou-se num número significativo de leis com medidas aprovadas com o desidrato de vigorar durante um período justificado de tempo. Neste contexto, através da presente proposta de lei, procede-se à clarificação das leis que ainda se encontram em vigor, bem como à eliminação das medidas que atualmente já não se revelam necessárias, através da determinação expressa de cessação de vigência de leis já caducas, anacrónicas ou ultrapassadas pelo evoluir da pandemia. Desta forma, ganha-se em clareza e certeza jurídica, permitindo aos cidadãos saber - sem qualquer margem para dúvidas - qual a legislação relativa à pandemia da doença COVID-19 que se mantém aplicável. Adicionalmente, na sequência da revogação da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, determina-se que os prazos para apresentação à insolvência apenas iniciam a respetiva contagem com a entrada em vigor da presente lei.”
Entendendo o próprio Governo a necessidade de afirmar de forma peremptória que, “na sequência da revogação da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, determina-se que os prazos para apresentação à insolvência apenas iniciam a respetiva contagem com a entrada em vigor da presente lei”, ou seja, tomando posição clara quanto à não caducidade anterior da a) do nº 7 do artº 6º-E da Lei nº 1-A/2020, não se vê como se poderá sustentar tal caducidade relativamente à alínea b) do mesmo normativo (cfr. Ac. Relação de Lisboa de 21.03.2023, relatora Manuela Espadaneira Lopes, já acima citado).
Face ao exposto, não tendo o artigo 6º-E, nº7, al. b) da Lei nº 1-A/2020 sido revogado e nem se podendo concluir pela respectiva caducidade, há que confirmar a decisão apelada, tornando-se inútil o conhecimento dos restantes argumentos adiantados pela apelante
Improcede, pois, a apelação.
*
Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I.A suspensão das diligências de entrega de casa de morada de família vendida em processo executivo, prevista na alínea b), do nº 7, do art.º 6º-E, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e aditado pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril, não foi revogada pelo DL nº 66-A/2022 de 30 de Setembro, nem a norma em causa caducou.
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V. Decisão.

Perante o exposto, acordam os Juízes desta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
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Guimarães, 27 de Abril de 2023

Assinado electronicamente por:
Fernanda Proença Fernandes
Jorge dos Santos
Anizabel Sousa Pereira, com o seguinte voto vencido:

Discordo da decisão que julgou o recurso improcedente e julgaria o recurso procedente, em síntese, pelas razões aduzidas no recente acórdão desta 3ª secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães de 16-03-2023 ( proferido no âmbito do processo nº 1840/22.5T8VNF, publicado in dgsi), no qual fui adjunta, subscrevendo, assim, todas as razões ali invocadas e que levam à conclusão plasmada no sumário do mesmo e que se transcreve:
“ I- O art.º 7º nº1 do Código Civil, intitulado “Cessação da vigência da lei” contém uma exceção à regra de que a revogação de uma lei deve ser revogada por outra, prevendo-se nele a existência de leis destinadas a ter uma vigência temporária, o que é manifestamente o caso das leis publicadas em tempo de Pandemia, e que se destinaram a regular matérias relacionadas com a situação pandémica vivida no nosso país desde 19 de março de 2020, as denominadas pela doutrina “Leis temporárias ou excecionais”.
II- O fundamento principal para a caducidade da Lei nº1-A/2020, de 19 de Março (ou melhor, do art.º 6º-E nº 7, alínea b), daquela Lei - com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 13-B/2021, de 5.4), é o desaparecimento da situação que esteve na sua origem ou que lhe deu razão de ser, por se tratar de uma Lei de natureza temporária ou excecional, que não carece de qualquer outra Lei para a sua revogação.
III - A resolução do Conselho de Ministros n.º 73-A/2022, de 26 de Agosto prorrogou a declaração da situação de alerta, no âmbito da pandemia da doença Covid-19, até às 23.59h do dia 30 de Setembro de 2022, em todo o território nacional continental, pelo que desde as 00.00h do dia 01 de Outubro de 2022, não vigora em território nacional qualquer situação de estado de alerta, contingência, calamidade ou emergência decorrente ou relacionado, direta ou indiretamente, com a infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e/ou pandemia da doença COVID-19.”



(O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico, com excepção das citações/transcrições efectuadas que o sigam)