Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2/16.5GCVLP - G1
Relator: FERNANDO CHAVES
Descritores: SANÇÃO ACESSÓRIA
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO MOTORIZADO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
CUMPRIMENTO REGIME DE DIAS LIVRES
TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
SUBSTITUIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I) A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor é uma sanção de natureza penal sujeita ao regime decorrente do Código Penal, não existindo neste qualquer norma que expressa, ou implicitamente, preveja a possibilidade da suspensão da sua execução, com ou sem caução, ou da sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade, as quais estão apenas previstas para as penas de prisão 8artºs 50º e 58º do Código Penal).
II) Por outro lado, a proibição de conduzir tem um efeito contínuo, como resulta do artº 500º, nº 4 do CPP e do artº 138º, nº 5 do Código de Estrada, e, por isso, a proibição de conduzir não pode ser limitada a certos dias, nem a certos períodos do dia, ou seja, não pode ser cumprida em regime de dias livres.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório
1. No processo comum singular n.º 2/16.5GCVLP, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real – Valpaços – Instância Local – Secção de Competência Genérica – J1, foi proferida sentença que condenou o arguido J. M., com os sinais dos autos, pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), num total de € 480,00 (quatrocentos e oitenta euros), assim como na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, pelo período de 4 (quatro) meses.
2. Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição com renumeração das conclusões):
«1) O arguido, ora recorrente, vinha acusado da prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292º, nº 1 e art.º 69º, nº 1, alínea a) do Código Penal.
2) Nos termos da sentença recorrida, o aqui arguido e ora recorrente, foi condenado:
• Como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. no art.º 292, nº 1 do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis), num total de € 480,00 (quatrocentos e oitenta euros);
• Na pena acessória de inibição de conduzir veículos a motor pelo período de 4 (quatro) meses, nos termos do art.º 69, nº1, alínea a), do Código Penal;
• Nas custas e encargos do processo, fixando-se na taxa de justiça em 2 UC, reduzida a metade atenta a confissão integral e sem reservas.
3) Crime em apreço que o Recorrente confessou de livre vontade, fora de qualquer coacção, integralmente e sem reservas, colaborando assim com o Tribunal a quo para a descoberta da verdade material.
4) O aqui Recorrente não dispõe de situação económico-financeira bastante para cumprimento da pena de multa que foi aplicada.
5) O Recorrente entende e tem plena consciência no que às necessidades de prevenção geral importa e que estão inerentes ao crime que cometeu.
Não obstante,
6) E consciente da ilicitude que cometeu, o Recorrente possui título de condução válido há várias décadas, sem nunca ter condenação averbada no seu registo criminal, bem como rodoviário, não existindo no caso sub judice, efetiva necessidade de prevenção especial.
7) Não se encontram acauteladas as condições indispensáveis ao suporte das suas necessidades básicas de sustento, com a manutenção da pena concreta de multa aplicada.
8) Pelo que, considera-se justo e adequado a revisão da pena de multa aplicada (dias e quantitativo diário) para valores próximos dos mínimos abstratamente aplicáveis, em função dos seus encargos pessoais e demais situação familiar e económico-financeira que se encontra.
9) O recorrente entende ser desproporcional a pena acessória aplicada de proibição de condução de veículos com motor pelo período de 4 (quatro) meses.
Porquanto,
10) Não tem antecedentes pela prática de infrações estradais graves ou muito graves.
11) O Recorrente reside com seus pais, que se encontram fisicamente em situação de invalidez e numa total dependência do seu filho, cfr. já provado em sede de julgamento.
12) Sua Mãe tem 86 anos de idade e o seu padrasto tem as pernas amputadas.
13) O aqui Recorrente tem necessidade de se deslocar várias vezes por semana com os seus pais, ao centro de saúde e aos hospitais, que distam cerca de 10Km do local onde residem.
14) Aqueles necessitam de tratamentos e consultas de rotina para fazer face a vários problemas de saúde de que padecem.
Desta forma,
15) A aplicação da pena acessória ao aqui Recorrente é manifestamente desproporcional e desadequada, bem como promotora de pesados constrangimentos para a saúde e bem-estar de seus pais.

Termos em que e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, o recorrente:
a) Ser condenado a uma pena de multa de montante nunca superior a 40 dias.
b) Ser condenado a uma taxa diária nunca superior ao mínimo legalmente previsto.
c) Ser condenado na pena acessória de inibição de conduzir veículos a motor pelo período mínimo legal, decretando-se a suspensão na sua execução ou, em alternativa, o seu cumprimento em regime de dias livres.
Em alternativa:
d) Ser a pena acessória substituída por medida alternativa, designadamente trabalho a favor da comunidade.
Fazendo-se, assim, a habitual e necessária JUSTIÇA.»
3. O Ministério Público respondeu ao recurso, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões (transcrição):
«1. O crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto no artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, é punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, a que acresce a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, por um período entre três meses e três anos (cfr. artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal).
2. Na sentença recorrida, para determinação concreta das penas a aplicar, fez-se cuidada ponderação das circunstâncias enunciadas no artigo 71.º, do Código Penal que depunham a favor e contra o arguido;
3. O crime de condução de veículo em estado de embriaguez demanda elevadas necessidades de prevenção geral, que deverão ser atendidas na fixação da medida concreta da pena;
4. A pena concretamente aplicada coincide com o exigido pela tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, pelo que a redução dessa pena para 40 dias de multa não é possível;
5. O arguido aufere uma pensão de invalidez de € 734,00, pelo que a fixação do mínimo legal é inconcebível, não havendo reparo a fazer à fixação do quantitativo em € 6,00;
6. A pena acessória não peca por excesso, mas sim por defeito, uma vez que o arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue de 2,26 g/l. Além disso, o arguido foi interveniente em acidente de viação;
7. A hipótese de suspensão só se encontra prevista para as sanções acessórias do Código da Estrada e não se encontra estabelecida na lei penal a possibilidade da sua substituição ou do seu cumprimento em dias determinados ou em períodos intercalados, pelo que bem andou a Mma. Juiz nenhum reparo havendo a fazer.
Termos em que, julgando Vossas Excelências improcedente o recurso, mantendo a douta sentença recorrida, farão a habitual JUSTIÇA»
4. Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal( - Diploma a que se referem os demais preceitos legais citados sem menção de origem. ), perfilhando a posição assumida pelo Ministério Público na 1ª instância, emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
5. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417.º Código de Processo Penal, não houve resposta.
6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.

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II - FUNDAMENTAÇÃO
1. A sentença recorrida
1.1. Na sentença proferida na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):
«1. No dia 17.11.2015, pelas 17h30m, na Rua …, em Carrazedo de Montenegro, o arguido conduzia um quadric(ic)ulo, com a matrícula, ------, apresentando, na circunstância, uma taxa de alcoolemia no sangue de 2,26 g/l, tendo sido interveniente em acidente de viação;
2. O arguido que havia voluntariamente ingerido bebidas alcoólicas, não ignorava que não podia conduzir aquele veículo no estado alcoolizado em que se encontrava;
3. Agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei;
4. Do certificado de registo criminal do arguido não consta qualquer condenação;
5. O arguido encontra-se reformando auferindo pensão de €734,00 mensais;
6. Reside com os seus pais, sendo o seu principal amparo;
7. A sua mãe tem 86 anos de idade, e o seu padrasto tem as pernas amputadas;
8. Os pais do arguido são inteiramente dependentes dele;
9. O arguido tem de se deslocar várias vezes por semana com os seus pais, ao centro de saúde e aos hospital, a cerca de 10 km do local onde residem, para que estes possam realizar tratamentos e consultas de rotina de que necessitam;
10. Tem despesas mensais de cerca de €100,00 e um crédito pelo qual paga a quantia de €350,00 mensais;
11. Tem o 4.º ano de escolaridade.»
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1.2. Quanto a factos não provados consta da sentença recorrida (transcrição):
«Não resultaram como não provados quaisquer factos com relevo para a boa decisão da causa.»
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1.3. O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):
«O Tribunal fundou a sua convicção nas declarações do arguido que confessou os factos integralmente e sem reservas.
Foi igualmente o exame pericial a fls. 18, o auto de notícia a fls. 3, participação de acidente de viação a fls. 5 a 8.
Quanto aos antecedentes criminais foi ponderado o certificado de registo criminal junto aos autos a fls. 73.
No que concerne às condições pessoais do arguido foram valoradas as suas próprias declarações que o tribunal julgou credíveis.»
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2. Apreciando
Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Assim, atenta a conformação das conclusões formuladas, importa conhecer das seguintes questões, organizadas pela ordem lógica das consequências da sua eventual procedência:
- medida da pena principal;
- medida da pena acessória;
- suspensão da execução da pena acessória, ou cumprimento em regime de dias livres, ou substituição por trabalho a favor da comunidade.

2.1. Da medida da pena principal
Sabido que o recorrente se constituiu autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez pelo qual foi condenado, o que incontroversamente decorre do factualismo apurado em julgamento, importa apreciar se a pena principal que lhe foi concretamente aplicada se mostra, ou não, ajustada quanto à sua medida posto que não vem questionada a sua natureza.
A escolha e a determinação da medida da pena envolve diversos tipos de operações.
Na parte que agora importa, o julgador, perante um tipo legal que admite, em alternativa, a aplicação das penas principais de prisão ou de multa, deve ter em conta o disposto no artigo 70.º do Código Penal que consagra o princípio da preferência pela pena não privativa de liberdade sempre que esta realizar de forma adequada e suficientes as finalidades da punição.
Tais finalidades, nos termos do artigo 40.º do mesmo diploma, reconduzem-se à protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).
Na determinação da pena, o juiz começa por determinar a moldura penal abstracta e, dentro dessa moldura, determina, em seguida, a medida concreta da pena que vai aplicar, para depois escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida.
Assim, perante a previsão abstracta de uma pena compósita alternativa, o tribunal deve dar preferência à multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação e suficiência face às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial de socialização, preterindo-a a favor da prisão na hipótese inversa.
Neste momento do procedimento de determinação da pena, o único critério a atender é o da prevenção( - A escolha entre a pena de prisão e a alternativa ou de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial – Maia Gonçalves, em anotação ao artigo 70.º do Código Penal.) ( - A escolha das penas é determinada apenas por considerações de natureza preventiva, uma vez que as “finalidades da punição” são exclusivamente preventivas – Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código Penal, 2ª edição actualizada, pág. 266.).
O artigo 70.º do Código Penal opera, precisamente, como regra de escolha da pena principal nos casos em que se prevê pena de prisão ou multa.
No caso em apreço, a moldura abstracta da pena do crime de condução de veículo em estado de embriaguez é a de prisão de 1 (um) mês a 1 (um) ano ou a de multa de 10 (dez) a 120 (cento e vinte) dias – artigos 292.º, n.º 1, 41.º, n.º 1 e 47.º, n.º 1 do Código Penal –, tendo o tribunal recorrido optado – e bem – pela aplicação de pena não privativa de liberdade, o que não integra o objecto do recurso.
A pena a aplicar ao arguido será a que resultar da concretização dos critérios consignados no artigo 71.º do Código Penal, ou seja, num primeiro momento apura-se a moldura abstracta da pena e num segundo momento a medida concreta da mesma.
Assim, dentro da moldura penal abstracta de 10 (dez) a 120 (cento e vinte) dias, há que atender à culpa do arguido e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo depuserem a favor ou contra ele.
Nesta conformidade, há que ter em consideração que a culpa (enquanto censura dirigida ao agente em virtude da sua atitude desvaliosa e avaliada na dupla vertente de culpa pelo facto criminoso e de culpa pela personalidade), para além de constituir o suporte axiológico-normativo da pena, estabelece o limite máximo da pena concreta dado que sem ela não há pena e que esta não pode ultrapassar a sua medida (retribuição justa).
Por outro lado, ainda numa primeira linha, relevam as necessidades de prevenção (com um fim preventivo geral ligado à contenção da criminalidade e defesa da sociedade - e cuja justificação assenta na ideia de sociedade considerada como o sujeito activo que sente e padece o conflito e que viu violado o seu sentimento de segurança com a violação da norma, tendo, portanto, direito a participar e ser levada em conta na solução do conflito - e com um fim preventivo especial ligado à reinserção social do agente).
Deste modo, em termos de prevenção geral, a medida da pena é dada pela necessidade de tutela dos bens jurídicos concretos pelo que o limite inferior da mesma resultará de considerações ligadas à prevenção geral positiva ou reintegração, contraposta à prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente.
Para além de constituir um elemento dissuasor da prática de novos crimes por parte de terceiros, a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas.
No que toca à prevenção especial há a ponderar a vertente necessidade de ressocialização do arguido e a vertente necessidade de advertência individual para que não volte a delinquir (devendo ser especialmente considerado um factor que, de certo modo, também toca a culpa: a susceptibilidade de o agente ser influenciado pela pena).
Conforme se sublinha em aresto do Supremo Tribunal de Justiça «se, por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que – dentro, claro está, da moldura legal –, a moldura da pena aplicável ao caso concreto (“moldura de prevenção”) há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente: entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social»( - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/1/2000, Processo n.º 1193/99.).
Dito de outro modo, face ao disposto nos artigos 71.º, n.º 1 e 40.º, nºs 1 e 2 do Código Penal, «logo se vê que o modelo de determinação da medida a pena é aquele que comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de estabelecer o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos – dentro do que é consentido pela culpa – e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida “moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente.
Por conseguinte, constituem a culpa e a prevenção os dois termos do binómio com que importa contar para delineamento da medida da pena»( - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/3/2001, CJ, ACSTJ, Ano IX, Tomo I, pág. 245.).
Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa( - O mínimo da pena, como já ficou dito, é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, ou seja, nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados.), elegendo em cada caso aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das penas com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto, tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; neste sentido sendo uma razoável forma de expressão afirmar-se como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção geral de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena que o artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República consagra( - Cfr. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal - 3º Tema - Fundamento, Sentido e Finalidade da Pena Criminal, 2001, págs. 105 a 106.).
A sentença recorrida aplicou ao arguido a pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), num total de € 480,00 (quatrocentos e oitenta euros).
Na determinação da medida concreta da pena aplicada, o tribunal a quo teve em conta, nos termos da sentença recorrida, as exigências de prevenção geral e especial, o grau de ilicitude do facto, a culpa do arguido e as suas condições pessoais.
Sabendo-se a moldura penal abstracta aplicável, importa decidir da medida concreta da pena, recorrendo aos critérios e factores a que aludem os artigos 40.º e 71.º do Código Penal.
Assim, tem o tribunal de considerar a finalidade da punição (a protecção de bens jurídicos, por um lado, e a reintegração do agente na sociedade, por outro), as exigências de prevenção e a culpa do agente, devendo ainda ser consideradas todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente – além de outras – o grau de ilicitude do facto, a gravidade das suas consequências e modo de execução do crime, a culpa, mormente a intensidade do dolo, os fins ou motivos do crime e as condições pessoais do agente, a sua personalidade, o comportamento anterior e posterior à prática do crime – n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal.
Considerando os apontados critérios há que considerar, desde logo, a circunstância de a conduta do arguido ter atentado contra um bem que, em face dos elevados índices de sinistralidade que marcam as nossas estradas, se revela cada vez mais importante do ponto de vista social (segurança rodoviária), o que eleva a medida de pena imposta pelas exigências de prevenção geral, ditadas pela necessidade de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida.
De igual modo, haverá que considerar a elevada intensidade da culpa na forma de dolo directo, o elevado grau de ilicitude emergente do facto tendo em conta a taxa de alcoolemia apresentada pelo arguido, muito superior ao limiar da tipicidade, assim como as exigências de prevenção especial que, no caso, não se afiguram particularmente relevantes já que o arguido não tem antecedentes criminais e encontra-se social e profissionalmente integrado.
Por outro lado, a favor do arguido, milita a sua situação pessoal e económica, assim como a confissão integral e sem reservas dos factos, a qual tem valor diminuto pois, dada a situação de flagrante delito, em nada contribuiu para a descoberta da verdade.
Assim, sopesando todas as circunstâncias, sendo o seu pendor claramente agravativo e elevadas as exigências de prevenção geral e não despiciendas as necessidades de prevenção especial, a pena de 80 dias de multa aplicada ao arguido, situada um pouco acima do ponto médio da moldura penal, é de manter posto que plenamente suportada pela medida da culpa do arguido.
No que concerne ao montante diário da multa estabelece o artigo 47.º, n.º 2 do Código Penal que «cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais».
A este respeito importa ter em conta que a multa é uma pena pelo que o montante diário da mesma deve ser fixado em termos de tal sanção representar um real sacrifício para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar( - Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 6/3/2002, in www.dgsi.pt/jtrp. ).
Como salienta Taipa de Carvalho «a multa enquanto sanção penal, não pode deixar de ter um efeito preventivo e, portanto, não pode deixar de ter uma natureza de pena ou sofrimento, isto é e por outras palavras, não pode o condenado na multa deixar de a “sentir na pele”»( - As Penas no Direito Português após a Revisão de 1995, in Jornadas de Direito Criminal-Revisão do Código Penal, edição do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1998, vol. II, pág. 24; No mesmo sentido, Acórdão do STJ de 3/6/2004, in www.dgsi.pt/jstj.).
Na aferição do quantitativo diário o julgador deve não só ter em conta os rendimentos mensais do arguido, sejam próprios ou do que o mesmo beneficie, mas toda a situação económica e financeira de que o mesmo disponha, designadamente o património que se lhe apresente disponível e os seus encargos.
Assim, pode servir como factor de ponderação o facto de o arguido viver em casa própria, assim como se deverá fazer uma consideração diferenciada dos encargos, distinguindo aqueles que revelam custos indispensáveis para a sustentação do condenado e dos seus familiares dependentes, os quais devem ser deduzidos no rendimento, daqueles que revelam alguma prodigalidade ou luxúria e que não devem beneficiar da mesma ponderação dedutiva, antes pelo contrário, o que tudo aconselha a que os quantitativos mínimos sejam reservados para aquelas pessoas que vivem abaixo ou no limiar da subsistência, escalonando-se a partir daí todos os demais.
No caso concreto, vem provado que o arguido encontra-se reformado, aufere uma pensão de € 734,00 mensais, reside com os pais, tem despesas mensais de cerca de € 100,00 e um crédito pelo qual paga a quantia de € 350,00 mensais.
A situação económica e financeira do arguido revela assim, alguma debilidade, mas a verdade é que ainda está, felizmente, longe da indigência e só para esta situação ou para situações dela muito próximas, deve ser reservada a fixação da taxa diária no limite mínimo.
Em todo o caso, o tribunal a quo não deixou de ponderar a fragilidade económica e financeira do arguido e, por isso mesmo, fixou a taxa diária em € 6,00, portanto, bem próxima do limite mínimo legal.
Deste modo, também aqui não merece censura a sentença recorrida pelo que deve manter-se a taxa diária nela fixada para a pena de multa.
Improcede, portanto, esta questão.

2.2. Da medida da pena acessória
Insurge-se o recorrente também contra a pena acessória aplicada pelo tribunal recorrido, sustentando que deve ser reduzida para o mínimo legal de 3 meses.
Segundo o disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, além do mais, é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
A proibição de conduzir veículos motorizados como pena acessória que é deve ser graduada, tal como a pena principal, segundo os critérios gerais de determinação das penas que decorrem dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, já referenciados.
No entanto, apesar da identidade de critérios, tratando-se de realidades complementares e distintas, não pode deixar de se ter conta a natureza e finalidades próprias da pena acessória de modo a que a pena acessória aplicada em concreto se mostre ajustada às suas finalidades específicas dentro do programa político-criminal em matéria dos fins das penas enunciado pelo artigo 40.º do Código Penal.
Sendo certo que a pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, cuja finalidade não se esgota na intimidação da generalidade, mas dirige-se também, ao menos em alguma medida, à perigosidade do agente, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação( - Cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 88 e 232.).
Daí que a determinação da pena acessória deva operar-se mediante recurso aos critérios gerais consignados no artigo 71º do Código Penal com a ressalva de que a finalidade a atingir pela pena acessória é mais restrita na medida em que a sanção acessória tem em vista sobretudo prevenir a perigosidade do agente, ainda que se lhe assinale também um efeito de prevenção geral( - Cfr. Acórdãos da Relação de Coimbra de 7/11/1996, 18/12/1996 e de 17/1/2001, publicados na Colectânea de Jurisprudência, Anos XXI, tomo V, págs. 47 e 62 e XXVI, Tomo I, pág. 51, respectivamente; Acórdãos da Relação de Coimbra de 3/12/008 e de 25/3/2009, disponíveis em www.dgsi.pt/trc.).
A pena acessória a aplicar ao arguido será a que resultar da concretização dos critérios enunciados no artigo 71.º do Código Penal, ou seja, num primeiro momento apura-se a moldura abstracta da pena e num segundo momento a medida concreta da mesma.
Ainda na vigência da versão originária do Código Penal, ensinava o Prof. Figueiredo Dias, no plano de lege ferenda, que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados tem como pressuposto material «a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável», circunstância essa que «vai elevar o limite da culpa do (ou pelo) facto. Por isso, à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa» pelo que deve esperar-se desta pena acessória «que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano», desempenhando, assim, uma função adjuvante da pena principal, reforçando e diversificando o conteúdo sancionatório da condenação( - Cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 205 e 232. ).
E porque existe uma manifesta conexão entre o facto ilícito gerador da responsabilidade criminal – condução de veículo em estado de embriaguez – e a proibição de conduzir veículos motorizados, compreende-se a aplicação daquela pena acessória em crimes da natureza do perpetrado pelo arguido, bastando a prova da prática do facto ilícito e da específica culpa do arguido que suporte (e exija) a aplicação daquela pena acessória, sem necessidade de fazer a demonstração de factos adicionais( - Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 143/95, de 15/3/1995, in www.tribunalconstitucional.pt.).
Deste modo, considerando as elevadas necessidades de prevenção geral, o elevado grau de culpa do arguido na forma de dolo directo, assim como o elevado grau de ilicitude emergente do facto na medida em que o arguido conduzia com uma taxa de alcoolemia de 2,26 g/l, o que corresponde a 1,06 g/l acima do valor que confere significado criminal à conduta, a que acrescem as exigências de prevenção especial que, no caso concreto, não se afiguram particularmente significativas já que o arguido não tem antecedentes criminais, entende-se ser de manter a pena acessória aplicada ao arguido pelo tribunal a quo.
A confissão integral e sem reservas do arguido, para efeitos de determinação da pena acessória, tem valor residual pois, dada a situação de flagrante delito, em nada contribuiu para a descoberta da verdade, assim como a sua situação económica, que é modesta, também não tem influência na quantificação da pena acessória, uma vez que esta não tem natureza pecuniária.
A circunstância de o arguido necessitar de conduzir veículos automóveis para se deslocar com os seus pais ao centro de saúde e aos hospitais não constitui critério para a determinação da medida da pena acessória.
Não há norma ou princípio da ordem jurídica que autorize ou torne menos censurável a condução em estado de embriaguez por parte de quem necessita de conduzir veículos automóveis seja nas suas deslocações profissionais, seja nos seus compromissos familiares, o que, aliás, sucede com a generalidade das pessoas.
Aliás, não fica afastada a possibilidade de o transporte ser assegurado por terceiros e, ainda que assim não fosse, sempre o arguido deveria equacionar o ‘dano’ que a proibição de conduzir veículos com motor acarretaria para os seus pais, antes de se dispor a conduzir influenciado pelo álcool.
Assim, ponderando as circunstâncias já mencionadas, observados que foram os critérios legais no que respeita aos factores relevantes para a determinação da medida da pena acessória, é de manter o período de proibição de conduzir veículos com motor fixado pelo tribunal a quo.
Improcede, portanto, esta questão.

2.3. Da suspensão da execução da pena acessória, ou o seu cumprimento em regime de dias livres, ou a sua substituição por trabalho a favor da comunidade
Para além de impetrar a sua redução ao mínimo legal, o recorrente pretende a suspensão da execução da pena acessória, ainda que sujeita a prestação de boa conduta, ou o seu cumprimento em regime de dias livres, ou a sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade.
A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor constitui uma verdadeira pena, indissoluvelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente que, como a generalidade das penas acessórias no nosso ordenamento jurídico-penal, constitui uma sanção adjuvante ou acessória da função da pena principal, que permite o reforço e diversificação do conteúdo penal da condenação( - Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 181, § 232.).
Como ensina o Prof. Figueiredo Dias, com a pena acessória de proibição de conduzir pretendeu-se dotar o sistema sancionatório português de uma verdadeira pena acessória capaz de dar satisfação a razões político-criminais, por demais óbvias entre nós, assinalando-se-lhe e pedindo-se-lhe [para além do mais] um efeito de prevenção geral negativa, de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa, podendo contribuir, assim, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano( - Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 165, § 205.).
A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor é uma sanção de natureza penal sujeita ao regime decorrente do Código Penal, não existindo neste qualquer norma que expressa, ou implicitamente, preveja a possibilidade da suspensão da sua execução, com ou sem caução, ou da sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade, as quais estão apenas previstas para as penas de prisão – cfr. artigos 50.º e 58.º do Código Penal.
Por outro lado, a proibição de conduzir tem um efeito contínuo, como resulta do artigo 500.º, n.º 4 do CPP e do artigo 138.º, n.º 5 do Código da Estrada, e, por isso, a proibição de conduzir não pode ser limitada a certos dias, nem a certos períodos do dia, ou seja, não pode ser cumprida em regime de dias livres, como pretende o recorrente( Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2ª edição, anotação ao artigo 69.º; Acórdão da Relação de Guimarães de 15/4/2008, Proc.º n.º 589/08-1, in www.dgsi.pt/jtrg.; Acórdão da Relação do Porto de 17/12/2008, Proc.º n.º 6482/08, e Acórdão da Relação de Lisboa de 17/12/2013, Proc.º n.º 5644/09.2TDLSB.L1, estes in www.colectaneadejurisprudencia.com. ).
Improcede, portanto, também esta questão.

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III – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido J. M. e, consequentemente, manter a decisão recorrida.
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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC. *
(O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.º 2 do CPP)
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Guimarães, 20 de Março de 2017