Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
52095/19.7YIPRT-B.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
RECONVENÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/23/2020
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- A interpretação do art. 266º, n.º 2, al. c) do CPC, segundo a qual nas ações para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato (AECOP) de valor inferior a quinze mil euros, não é possível ao réu deduzir a compensação de crédito por via de exceção, sequer por via reconvencional, padece do vício da inconstitucionalidade material, por violação do direito do réu de acesso ao direito, na dimensão de tutela jurisdicional efetiva (art. 20º, n.ºs 1 e 5 da CRP), por restringir de forma desnecessária, desadequada e desproporcionada o direito de defesa deste.

2- A circunstância do legislador de 2013 ter querido, com a consagração daquele art. 266º, n. 2, al. c) do CPC, pôr termo à querela anterior a propósito da figura da compensação de créditos, optando pela tese da compensação-reconvenção e de, em simultâneo, ter eliminado as anteriores formas do processo declarativo comum, determinando que a forma deste passaria a ser única, eliminando o entrave à reconvenção decorrente de no anterior processo sumaríssimo, este apenas comportar dois articulados, demonstra que, aquando da revisão operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, onde de resto, deu passos decisivos no sentido de privilegiar as decisões de mérito em detrimento das de forma, o legislador, ao consagrar o novo regime do art. 266º, n.º 2, al. c), não atentou que apesar de ter introduzido a forma única ao processo declarativa comum, continuavam a existir no ordenamento jurídico processual nacional, processos especiais em que apenas eram admissíveis dois articulados, como é o caso da AECOP de valor inferior a 15.000,00 euros.

3- Atento o elemento histórico e sistemático da revisão operada pela Lei n.º 41/2013 ao CPC, impõe-se operar uma interpretação restritiva do art. 266º, n.º 2, al. c) do CPC, no sentido de que a tese da compensação-reconvenção que nele o legislador visou consagrar, apenas se aplica ao processo comum de declaração, não se aplicando aos processos especiais, sob pena de se ter de concluir que o legislador, com aquele dispositivo legal, quis abrir nova polémica a propósito do instituto da compensação de créditos, agora cingida aos processos especiais que apenas comportassem dois articulados, e sob pena de incorrer em inconstitucionalidade material, quis transformar o juiz, nesses processos especiais, de aplicador da lei em legislador, ao forçá-lo a fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal, sempre que o réu neles lançasse mão da compensação de créditos, para ajustar a tramitação desses processos especiais à dedução da reconvenção.

4- Nos processos especiais a compensação de créditos deverá ser deduzida pelo réu a título de exceção perentória quando o contracrédito que o réu visa compensar seja igual ou inferior ao crédito dele reclamado pelo autor e deverá ser deduzida a título de reconvenção na parte excedente.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO

Recorrente: X, Soluções em Eficiência e Sustentabilidade, Lda.
Recorrido: A. R.

A. R., residente na Rua …, Guimarães, apresentou requerimento de injunção contra X, Soluções em Eficiência e Sustentabilidade, Lda., com sede na Rua do … Vila Nova de Gaia, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 13.954,16 euros, acrescida de juros de mora vincendos, sendo 12.300,00 euros de capital em dívida, 1.332,16 euros de juros de mora vencidos, e 102,00 euros de taxa de justiça paga.

Para tanto alega, em síntese, que no exercício da sua atividade de técnico de engenharia eletrónica, celebrou com a Ré um contrato nos termos do qual se obrigou a elaborar um projeto de licenciamento para instalação de uma unidade de produção solar de autoconsumo, mediante a obrigação desta de lhe pagar a quantia de 15.000,00 euros, acrescida de IVA;

Acontece que a Ré apenas pagou 6.150,00 euros, estando a restante quantia em dívida, não obstante ter prestado à última o projeto que se obrigou a elaborar nos termos do acordo celebrado.

A Ré apresentou oposição, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Impugnou parte da matéria alegada pelo Autor e invocou a exceção perentória da compensação de créditos, sustentando que o Autor não conseguiu elaborar em autocard os desenhos e projetos necessários para dar cumprimento ao contrato celebrado, pelo que a solicitação do próprio, contratou a empresa “MT.” para que esta desse seguimento a esse trabalho, a quem teve de pagar, como contrapartida desse serviço, a quantia de 9.225,00 euros.
Conclui pedindo que a ação seja julgada improcedente e seja absolvida do pedido.
Subsidiariamente pede que se admita a compensação, no valor de 9.225,00 euros sobre o crédito reclamado pelo Autor, de 12.300,00 euros.

Remetido o processo à distribuição como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, por despacho proferido em 5/09/2019, a 1ª Instância não admitiu a exceção da compensação, com fundamento de que esta teria de ser deduzida através de reconvenção e que a Ré não deduziu reconvenção, sequer o podia fazer uma vez que a presente ação não admite reconvenção, constando esse despacho do seguinte teor:

“Para a hipótese da procedência da ação pretende a requerida ver compensado o crédito que venha a ser reconhecido ao demandante com um crédito que alega ter sobre ela.
Durante muito tempo foi discutida a questão de saber se a compensação poderia ser deduzida por via de exceção ou se teria obrigatoriamente de o ser em sede de pedido reconvencional. Durante a vigência do anterior CPC o entendimento claramente maioritário era o de que a compensação seria deduzida por via de exceção caso o valor do crédito invocado pelo R. fosse igual ou inferior ao do invocado pelo A.; na parte em que o excedesse e fosse exigido o seu pagamento, a pretensão já consubstanciaria pedido reconvencional.
O CPC 2013 veio a pôr cobro ao dissenso, já que claramente prescreve no seu art. 266.º/2/al. c) que a compensação terá de ser deduzida por via de pedido reconvencional, independentemente do valor do crédito invocado.
Ora, no caso em apreço a requerida não deduziu qualquer pedido reconvencional de forma a possibilitar ao Tribunal apreciar a sua pretensão de ver compensado o crédito que alega ter sobre a requerente com aquele que esta alega ter sobre si. Não o fez nem o poderia fazer, já que esta forma processual não admite essa possibilidade.
Consequentemente, expressamente se consigna que a matéria atinente à invocada compensação não será objeto de apreciação nesta sede”.

Inconformada com o assim decidido, a Ré interpôs o presente recurso, em que apresenta as seguintes conclusões:

A.- O douto DESPACHO tem necessariamente que revogar-se pois tal revogação consubstancia a única solução que consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso "sub judice", das normas legais e dos princípios jurídicos competentes que melhor infra se expõem.
B- Ora com o devido respeito, que é muito, não pode a Recorrente conformar-se com tal decisão, porquanto o Tribunal a quo, ao pronunciar-se nesses termos violou vários preceitos legais e constitucionais que impedem a defesa e o exercício dos direitos materiais da Requerida aqui Recorrente.
C- Designadamente o vertido no artigo 20.º n.º 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa:
“1.- Que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a Justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. (…)
5.- Que para defesa dos direitos, liberdades e garantia pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.”
D.- Vertente material essa de tal preceito constitucional plasmado no art.º 2.º do Código de Processo Civil.
E.- Sucede, porém, que a Requerida aqui Recorrente deduziu oposição à injunção na qual, designadamente, invocou a exceção correspondente ao referenciado direito à compensação no valor de € 9.225,00 que detém sobre a Requerente aqui Recorrida, e que opera por mera comunicação unilateral de uma das partes conforme preceitua o artigo 848.º, n.º 1 do Código Civil.
F.- Tendo a extinção dos créditos eficácia retroativa ao momento em que os créditos se tornaram compensáveis, ao abrigo do disposto no art.º 854.º do C.C.
G.- Porquanto estando tal crédito extinto, o Tribunal a quo deve conhecer dessa exceção ao pagamento do valor reclamado pela Recorrida, sob pena de a Recorrente ser condenada a pagar o que já não deve.
H.- Uma vez que a obrigação da Recorrente para com a Recorrida já se encontra extinta naquela medida - € 9.225,00 – quanto ao crédito peticionado pela Requerente no referenciado requerimento de injunção.
I.- Pelo que, data venia, com a decisão em crise o Tribunal a quo, sob a invocação de razões meramente formais que com o devido respeito não encontram acolhimento no espírito da lei, vem criar entorses e total desarmonia entre o direito adjetivo e a relação substantiva existente entre as partes.
J.- Nessa conformidade, a Recorrente ao invocar tal compensação alegou exceção perentória de modo a obter nessa medida efeito extintivo sobre a pretensão do Recorrido ao abrigo do disposto no art.º 576.º, n.º 3 do CPC,
K- Pois, com o devido respeito, o tribunal a quo integrou, indevidamente no art.º 266.º, n.º 2, alínea c) do CPC, quando na verdade, a invocação da compensação da recorrente, cabe no âmbito da exceção perentória, cfr. 576.º, n.º 3 do CPC.
L.- Aliás, tal entendimento é sufragado pela jurisprudência, designadamente no recente Ac. da Relação de Coimbra de 16/01/2018, em que foi Relator Maria João Areias, disponível in www.dgsi.pt, no qual:
“ 1.- A alínea a) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC apenas diz que a compensação é admissível como fundamento de reconvenção e não que a compensação só possa ser feita valer por esse meio.
2.- A compensação opera por mera declaração unilateral de uma das partes à outra (n.º 1 do art.º 848.º CC), tendo a extinção dos créditos eficácia retroactiva ao momento em que os créditos se tornaram compensáveis (artigo 854.ºCC).
3. Em processo onde seja vedada a dedução de reconvenção ao Réu terá ser facultada a possibilidade de invocar a compensação por via de exceção, sob pena de lhe ser coartado um importante meio de defesa.” (negrito e itálico nosso)
M.- Nesse sentido, ainda veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 285518/10-8YIPRT.L1-7, de 20-05-2014.
N.- De qualquer modo, a verdadeira questão que aqui se coloca não será tanto a da (in)admissibilidade da reconvenção na AECOP de valor inferior a 15.000,00 €, mas se a compensação poderá ser deduzida enquanto defesa por exceção ou se, necessariamente, através de pedido reconvencional formulado contra o autor, ainda que o contra crédito seja invocado apenas como meio de provocar a extinção do crédito do autor e sem que o réu peça a condenação do autor no valor excedente.
O.- Ora, salvo devido respeito por melhor opinião é entendimento da doutrina (Paulo Pimenta) que a compensação deveria ser invocada em sede de exceção, só podendo ser objeto de pedido reconvencional na parte excedente, apoiavam-se no argumento de que se a alegação de factos extintivos do direito do autor assumem a natureza de exceção perentória, parecia inexistirem razões justificativas para sujeitar a compensação a diverso tratamento.
P.- Partindo da ideia de que a compensação se efetiva através de uma mera declaração de vontade unilateral (manifestada extrajudicialmente), Vaz Serra considera que, quer na situação em que o réu tenha “declarado a compensação antes de o autor propor a ação e se defender do pedido deste invocando a compensação”, quer no caso em que o réu apenas na contestação manifesta originariamente a vontade de compensar, não há lugar a reconvenção, porquanto o réu não formula qualquer pedido contra o autor, limitando-se a alegar que o direito de crédito feito valer pelo autor se extinguiu pela compensação que ele demandado declarou.
Q.- Pelo que, uma vez que o demandado, ao invocar a compensação, nada mais pretende do que a improcedência total ou parcial da ação, e o meio adequado para alcançar esse efeito é a exceção perentória.
R.- Logo, no entender de Paulo Pimenta, e, independentemente, do entendimento sufragado pela interpretação restritiva do art.º 266.º, n.º 2 do CPC, formula que o visado art.º 266.º, n.º 2, alínea c), do CPC diz que a reconvenção é admissível nos seguintes casos:
“c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.”
S.- Contudo, o teor de tal norma apenas se dispõe sobre os casos em que a reconvenção é admissível. Não versa sobre a possibilidade, ou não, de utilização de diferente meio processual para o obter idêntico efeito, como é o caso, meramente extintivo do autor (art.º 576.º, n.º 3 do CPC).
T.- Não podemos é admitir que uma querela de natureza meramente formal quanto a admissibilidade da compensação por via da reconvenção ou quer a compensação deduzida como defesa por exceção, impeça de algum modo o Réu de lançar mão da compensação, quando detém créditos sobre o Requerente, seja porque meio for, sob pena de, por mero concetualismo, criarmos judicialmente uma realidade que não existe substantivamente e de onerarmos os cidadãos no acesso à justiça, contra tudo o que deve ser a sua proporcionalidade, a sua promoção, a sua celeridade e a sua economia, em clara violação do art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa ex vi art.º 2.º do CPC.
U.- Desse modo, conclui-se que, mal andou a Meritíssima Juiz a quo ao considerar que a tramitação da ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato e injunção apenas prevê dois articulados – petição inicial e contestação -, e não admite a excepção de compensação, prévia e extraprocessualmente já declarada.
X.- Decisão essa que a ser mantida, sempre será ferida de ilegalidade por violação do art.º 2.º, 576.º, n.º 3 do CPC e inconstitucionalidade, por violação do art.º 20.º, 202.º, e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

Termos em que, e nos demais de Direito, com o douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente por provado e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que decida pela admissibilidade da compensação por parte da Recorrente.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo esta Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação, a única questão que se encontra submetida à apreciação do tribunal ad quem consiste em saber se a decisão recorrida, que não admitiu a compensação de créditos deduzida pela apelante a título de exceção perentória, com fundamento que, nos termos do art. 266º, n.º 2, al. c) do CPC atualmente vigente, a compensação apenas pode ser deduzida em reconvenção, instituto este que não é admissível nos presentes autos, dado que estes apenas comportam dois articulados, padece de erro de direito e se a interpretação feita pelo tribunal a quo sobre aquele dispositivo legal viola o disposto nos arts. 20º, n.ºs 1 e 5º, 202º e 268º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), padecendo do vício da inconstitucionalidade material por violação do direito do apelante ao acesso à justiça, na vertente de tutela jurisdicional efetiva.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que relevam para a decisão a proferir nos presentes autos são os que constam do relatório acima elaborado.
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

Tendo a Ré (apelante) invocado a exceção da compensação de créditos, requerendo que em caso de procedência da ação, se compense o crédito reclamado pelo Autor com o contracrédito de que a mesma se arroga titular perante aquele, no valor de 9.225,00 euros, entendeu a 1ª Instância que em face da atual redação do art. 266º, n.º 1, al. c) do CPC, introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, essa compensação apenas podia ser deduzida por via reconvencional e nunca por via de exceção perentória e, consequentemente, não admitiu essa exceção, entendimento este com o qual não se conforma a apelante, imputando erro de direito à decisão recorrida e o vício da inconstitucionalidade material à interpretação feita pelo tribunal a quo daquele dispositivo legal.

A este propósito cumpre referir que a questão que se encontra em discussão nos presentes autos não era pacífica na doutrina e na jurisprudência no passado e continua a não ser atualmente pacífica, na sequência da redação da atual al. c) do n.º 2 do art. 266º, introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, que reviu o CPC.

Os presentes autos deram entrada como procedimento de injunção, em que o requerente pede a condenação da requerida (apelante), a pagar-lhe a quantia de 13.954,16 euros, acrescida de juros de mora vincendos, por via do pretenso incumprimento por parte da requerida do contrato de prestação de serviços que com ela celebrou, não lhe pagando a quantia de 12.300,00 euros, a título de preço com esta acordado como contrapartida da prestação do serviço que este se obrigou a prestar-lhe e que sustenta ter-lhe efetivamente prestado.

Deste modo, aos presentes autos é aplicável o regime do procedimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações emergentes de contrato de valor não superior a 15.000,00 euros, publicado em anexo ao DL n.º 269/98, de 01/09, e sucessivas alterações, a última das quais aplicável aos presentes autos, a aprovada pelo DL n.º 226/2008, de 20/11 (art. 1º do DL n.º 269/98), que aprovou o regime de procedimentos para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª Instância.

Neste procedimento especial, foi propósito assumido expressamente pelo legislador no Preambulo do DL n.º 269/98, dar resposta ao número de ações de baixa densidade, que tem crescentemente ocupado os tribunais, erigidos em órgãos para reconhecimento e cobrança de dívidas por parte dos grandes utilizadores.

Na concretização desse desiderato, conforme se escreve nesse Preâmbulo, o legislador considerou oportuno concretizar o propósito do art. 7º do DL n.º 329-A/95, de 15/12, que previu a possibilidade de criação de processos com tramitação própria no âmbito da competência dos tribunais dos grandes centros urbanos, mas generalizando-o agora “ao conjunto dos tribunais judiciais, pelo que se avança, no domínio do cumprimento de obrigações emergentes de contrato que não excedam o valor da alçada dos tribunais de 1ª Instância, como medida legislativa que, baseado, no modelo da ação sumaríssima, o simplifica”.

Paralelamente, com o mesmo desiderato, lê-se nesse Preâmbulo que se incentiva o recurso ao procedimento de injunção, instituído pelo DL n.º 404/93, de 10/12, no intuito de permitir ao credor pecuniário a obtenção, de forma célere e simplificada, de um título executivo, recorrendo agora às “possibilidades abertas pelas modernas tecnologias”, removendo “obstáculos de natureza processual que a doutrina opôs ao DL 404/93, nomeadamente no difícil, se não impraticável, enlace entre a providência e certas questões incidentais nela suscitadas, a exigirem decisão judicial” e ao elevar o recurso ao procedimento de injunção até à alçada dos tribunais de 1ª instância.
Foram, pois, as necessidades de desjudicialização, celeridade e simplificação sentidas pelo legislador, como forma de dar resposta ao número crescente de ações de baixa intensidade, que ameaçavam paralisar o sistema de justiça, que o tinham já levado a criar o procedimento de injunção, como meio especial que permite ao credor de obrigações pecuniárias emergentes de contrato obter, de forma célere e simplificada, um título executivo, que levaram o legislador, mediante as medidas legislativas consagradas no agora DL n.º 269/98, de 01/09, a ampliar a aplicação do procedimento de injunção e da ação especial destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato e a fomentar o recurso a estes meios processuais especiais.
Em relação ao procedimento de injunção em que o valor do crédito reclamado não exceda os 15.000,00 euros, como acontece no caso dos presentes autos, o procedimento de injunção inicia-se com a apresentação pelo requerente, na secretaria do tribunal, de modelo aprovado pelo Ministério da Justiça e uma vez notificado o requerido, caso este não apresente oposição, é aposta pelo secretário, no requerimento de injunção, fórmula executória (arts. 8º a 12º, 12º e 14º do anexo ao DL n.º 269/98, de 01/09).
Já no caso de ser deduzida oposição, o requerimento de injunção é remetido à distribuição, onde será distribuído como ação para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato (arts. 16º, n.º 1 e 15 do anexo), e no caso do processo ter de prosseguir para julgamento, por não ocorrerem exceções ou nulidades de que cumpra ao juiz conhecer, sequer por este não poder ainda conhecer de mérito, cumpre-lhe designar data para a realização de audiência final, que deverá ser realizada dentro de trinta dias, sendo a oposição notificada ao requerente juntamente com o despacho que agenda a audiência final e sendo as provas oferecidas pelas partes em audiência final (arts. 3º, n.ºs 1 a 4 do anexo).
Resulta do que se vem dizendo que no procedimento de injunção de valor até 15.000,00 euros, apenas são admitidos dois articulados – o requerimento de injunção, que funciona como petição inicial, e a oposição, que funciona como contestação -, pelo que nele, a admitir-se que o requerido possa deduzir compensação a título de exceção perentória, o requerente terá de pronunciar-se quanto à matéria dessa exceção no início da audiência final, em observância do comando legal do n.º 4 do art. 5º do CPC.
Por sua vez, no procedimento de injunção de valor superior a 15.000,00 euros, no caso de ser deduzida oposição e o processo dever seguir para julgamento, porque esse processo segue os termos do processo declarativo comum, o qual, atualmente segue forma única (arts. 546º e 547º do CPC), esse procedimento, nos casos em que o requerido deduza reconvenção, admite réplica (art. 584º, n.º 1 do CPC).
Perante a tramitação simplificada do procedimento de injunção de valor até 15.000,00 euros, que conforme demonstrado, apenas admite dois articulados – o requerimento de injunção e a oposição – e a celeridade que lhe é inerente, era pacífico até data recente e, continua, atualmente, a ser entendimento doutrinal e jurisprudencial dominantes, que nas ações para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato de valor inferior a metade da alçada da Relação, não é admissível reconvenção (1).
No caso presente, a apelante não deduz reconvenção, mas a exceção perentória da compensação, pedindo que no caso de proceder a pretensão condenatória deduzida pelo apelado nos autos, se compense o crédito deste com o contracrédito de que aquela se arroga titular perante o último.
Conforme se salienta na decisão recorrida, antes da revisão ao CPC, introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, não era pacífico na doutrina e na jurisprudência se a invocação da compensação de créditos pelo réu na contestação deveria fazer-se sempre em reconvenção ou apenas quando o seu crédito fosse superior ao do autor e, na medida desse excesso, devendo ser arguida, a título de exceção perentória nos restantes casos.
Os defensores de que a compensação deveria ser sempre invocada em sede de reconvenção, fundamentavam essa sua posição na circunstância de que no caso de compensação de créditos, seja qual for o valor relativo do crédito e do contracrédito, o réu não se limita a trazer a juízo um facto impeditivo ou extintivo do direito do autor, que se inseria na relação (creditória ou real), simples ou complexa, que serve de fundamento à ação, mas invoca uma relação jurídica distinta e autónoma da alegada pelo autor. O autor alega a existência e a violação de um crédito nascido de certa fonte. O réu opõe-lhe a existência e insatisfação de um outro crédito, emergente de outra fonte, Não se limita a alegar um facto enxertado na relação jurídica material que serve de base à ação creditória, como quando alega a incapacidade, o erro, o dolo ou a coação que sofreu, o pagamento que efetuou, a novação que realizou, etc. (2)

Por sua vez, os defensores de que a compensação de crédito deveria ser invocada em sede de exceção perentória, só podendo ser objeto de reconvenção na parte excedente (tese maioritária), argumentavam que se a alegação de factos extintivos do direito do autor assume natureza de exceção perentória, não existem razões justificativas para sujeitar a compensação a diverso tratamento. É que ao invocar um contracrédito de montante igual ou inferior ao do seu antagonista, o réu não pretende afinal a condenação deste numa prestação a seu favor, limitando-se a pedir a improcedência total ou parcial da pretensão do autor. Neste aspeto, embora se aceite que a compensação de créditos assenta numa relação jurídica distinta e autónoma da alegada pelo autor, esta, na parte em que o contracrédito que o réu pretende compensar é de montante igual ou inferior ao do autor, assemelha-se à figura da exceção perentória, sem que existam razões justificativas para sujeitar a compensação a diverso tratamento jurídico da exceção (3).

Acontece que com a revisão operada ao CPC pela Lei n.º 41/2013, o legislador alterou a anterior redação da al. b) do n.º 2 do art. 274º, em que se estatuía que “A reconvenção é admissível (…) quando o réu se propõe obter a compensação (...), passando o atual art. 266º, n.º 2, al. b) a estabelecer que: “A reconvenção é admissível (…) quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor”.

É entendimento uniforme que com esta alteração legislativa foi propósito do legislador de 2013 ultrapassar aquela anterior querela doutrinária e jurisprudencial a propósito do meio processual como teria de ser deduzida a compensação de créditos, tomando o legislador posição expressa no sentido de que a compensação de créditos teria de ser sempre deduzida em sede de reconvenção, quer o crédito a compensar fosse igual ou inferior ao dele reclamado pelo autor, quer fosse superior, consagrando, assim, a tese da compensação-reconvenção (4).

Consentaneamente com este entendimento, na sequência da revisão ao CPC operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, a jurisprudência nacional, era inicialmente unânime que apenas podendo a figura da compensação de créditos, com meio de extinguir as obrigações (art. 847º, n.º 1 do CC), tornando-se efetiva mediante a simples declaração de uma das partes à outra (art. 848º do CC), não a impedindo a iliquidez da dívida (art. 847º, n.º 3 do CC), agora, na sequência da redação da al. c) do n.º 2 do art. 266º do CPC, ser deduzida por via reconvencional, nunca a mesma podia ser invocada a título de exceção perentória.
Por outro lado, comportando a ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato e o procedimento de injunção até ao valor de 15.000,00 euros, apenas dois articulados, era posição unânime que nessa ação (e, por conseguinte, no procedimento especial de injunção, que como dito, em caso de oposição, segue os termos daquela ação especial, vulgarmente conhecida por AECOP”), ao réu não só não era possível invocar a compensação de créditos a título de exceção perentória, por o art. 266º, n.º 2, al. c) do atual vigente CPC não o permitir, como não lhe era possível deduzi-la a título reconvencional, dada a estrutura simplificada desse processo e procedimento, solução jurídica esta que conforme decorre da simples leitura do despacho recorrido, foi a nele seguida pela 1ª Instância.
Precise-se que esta posição jurídica é aquela que continua a ser a posição jurisprudencial, de longe, maioritária, incluindo, neste Tribunal da Relação da Guimarães (5).
Acontece que esta posição tem vindo a merecer críticas da doutrina, críticas essas que tem merecido a adesão de alguma jurisprudência e paulatinamente a operar a inversão do seu sentido.
Assim, sem negarem que com a nova redação do art. 266º, n.º 2, al. c) do CPC, introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, foi intuito do legislador pôr termo à polémica anterior e consagrar a tese da compensação-reconvenção, Ramos Faria e Luísa Loureiro (6), questionam que o legislador tenha logrado atingir esse seu desiderato com a redação da al. c), do n.º 2 do art. 266º, ao ponderarem que “a norma contida nesta alínea não encerra a questão”, posto que, “por um lado, o artigo só dispõe sobre os casos em que a reconvenção é admissível”, não versando “sobre a possibilidade, ou não, de utilização de diferente meio processual para obter idêntico efeito – no caso, meramente extintivo do crédito do autor (art. 576º, n.º 3 do CPC)” e, “por outro lado, a letra da lei consente uma interpretação de acordo com a qual a reconvenção aqui prevista apenas visa o reconhecimento de crédito de valor superior ao invocado pelo autor. Reza a norma: “pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor”; e não: pagamento do valor em que o crédito invocado exceda o do autor. Nos créditos de valor igual ou inferior, continuaria aberta a possibilidade de invocação da compensação por via de exceção”.
Esta posição doutrinal foi a perfilhada no Ac. RC. de 16/01/2018, Proc. 12373/17.1YIPRT-A.C1, in base de dados da DGSI, onde com fundamento na mesma, se conclui que em processo onde seja vedada a dedução de reconvenção, ao réu terá de ser facultada a possibilidade de invocar a compensação por via de exceção, sob pena de lhe ser coartado um importante meio de defesa, não obstante, segundo Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, tendo sido “intenção do legislador estabelecer que a compensação terá sempre de ser operada por via de compensação, independentemente do valor dos créditos compensáveis”, daqui deriva a consequência prática que com a supressão, pela Assembleia da República, da réplica em resposta às exceções, o autor só poderia pronunciar-se sobre a existência e conteúdo da nova relação jurídica trazida ao processo pelo réu nos termos do art. 3º, n.º 3 do CPC, o que não é o mais conveniente para o bem desenrolar do processo, do que se retira que o réu passou a ter, no caso de compensação, o ónus de reconvir.
A posição de Paulo Ramos Faria e de Luísa Loureiro acabada de enunciar é também aquela que é sufragada por Paulo Ramos Faria e Isabel Alexandre em “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 4ª ed., Almedina, págs. 532 a 537.
Já Lebre de Freitas (7) sufraga que apesar da intenção do legislador de 2013, a melhor interpretação a fazer do atual regime é que nada mudou, permanecendo a reconvenção fundada em compensação meramente facultativa, argumentando que a lei não diz que a compensação “só pode” ser feita valer em reconvenção. O termo “pretende” apoio igualmente a interpretação que a reconvenção se mostra facultativa.
Neste sentido também se pronuncia Ferreira de Almeida (8), para quem se mantém o statu quo ante relativamente à facultatividade genérica da dedução da reconvenção.
A propósito das posições doutrinárias e jurisprudenciais acabadas de enunciar, dir-se-á que comungando as mesmas que o legislador, com a redação da al. c) do n.º 2 do art. 266º do CPC, quis pôr termo à polémica anterior em sede de compensação de créditos, visando, com a redação daquele preceito legal optar pela corrente que sufraga a tese da compensação-reconvenção, independentemente do mesmo ter ou não logrado explanar, naquele preceito legal, esse seu desiderato, não podemos subscrever a tese de que com a nova redação do art. 266º, n.º 2, al. c) “nada mudou”.
Na verdade, perante esse intuito do legislador, caso o mesmo não tivesse logrado explanar esse seu intuito em letra de lei na al. c) do n.º 2 do art. 266º do atual vigente CPC, é indiscutível que, nessa situação, se impunha operar uma interpretação corretiva do teor desse preceito, por forma a tornar a sua interpretação consentânea com a intenção legislativa, isto é, que a compensação de créditos apenas seria legalmente admissível por via reconvencional e nunca por via de exceção.
Deste modo, rejeitamos a tese segundo a qual, com a nova redação dessa al. c) do n.º 2 do art. 266º do CPC, nada se alterou, mantendo-se o status quo ante à revisão operada pela Lei n.º 41/2013, devendo, por conseguinte, a compensação ser admitida nas AECOPS a título de exceção perentória nos casos em que o contracrédito invocado pelo réu e que este pretende ver compensado seja de valor igual ou inferior ao crédito invocado pelo autor, e a título reconvencional na parte excedente (segundo a tese dominante).

Avançando.

Apesar do que se acaba de dizer, não falta quem venha a questionar a constitucionalidade material da interpretação que tem sido feita pela jurisprudência maioritária a propósito daquela al. c), do n.º 2 do art. 266º do CPC, a qual leva que, em sede de AECOP de valor não superior a 15.000,00 euros, em termos práticos, não seja possível ao réu recorrer ao instituto da compensação de créditos, uma vez que não o pode fazer a título de exceção perentória, por pretensamente aquele art. 266º, n.º 2, al. c) do CPC, não o permitir fazer e, por outro lado, também não o pode fazer a título de reconvenção, em virtude da estrutura simplificada e célere desse processo especial, que apenas comporta dois articulados, o impedir, isto apesar do legislador substantivo consagrar a figura da compensação de créditos como meio geral de extinção das obrigações e de pretender facilitar o recurso a essa figura, ao ponto de estabelecer no n.º 3 do art. 847º do CC, que a iliquidez do crédito que o réu pretende compensar não impede a compensação e de não ser indiferente ao último o recurso ou não a esse instituto.
Dando nota da incomodidade que essa interpretação jurisprudencial maioritária, e quase unânime, do art. 266º, n.º 2, al. c) do CPC gera e da eventual inconstitucionalidade material de que poderá estar afetada, não obstante não tome posição expressa sobre essa questão (por desnecessário, atenta a solução jurídica que deu ao caso sobre que se debruçou, concluindo que o valor do crédito reclamado pelo autor, teria de ser somado o valor do pedido reconvencional aí deduzido pelo réu, o que, nesse caso, perfez um valor superior a 15.000,00 euros, o que levou que a concreta AECOP sobre que se debruçou teria de seguir os termos da ação declarativa comum, onde, por conseguinte, era admissível a dedução de reconvenção), o STJ, no seu aresto de 06/06/2017, Proc. 147667/15.5YIPRT.P1.S2, in base de dados da DGSI, escreve o seguinte:
“Muito embora a compensação seja fundamentalmente uma causa de extinção das obrigações, a verdade é que ela permite a quem a invocar com sucesso não suportar (total ou parcialmente consoante o seu âmbito) o risco de insolvência da contraparte. Se a compensação não for admitida neste caso a recorrente teria que pagar neste momento a quantia que porventura deve para depois exigir em outra ação o pagamento dos 50.000,00 euros (se a contraparte então os puder pagar); mas se a compensação for admitida não se expõe (ou não se expõe na mesma medida) a esse risco de insolvência, ficando satisfeita imediatamente na parte em que houver compensação.
Por outro lado, a solução encontrada pelo tribunal recorrido gera efetivamente uma desigualdade (…) ao (considerar admissível a reconvenção) quando a injunção, por força do valor do pedido, é superior à metade da alçada da Relação, não o sendo na hipótese inversa. (…) Ora, não se vislumbra qualquer motivo de justiça material para tal desigualdade. Acresce que o legislador civil quis facilitar a compensação, como resulta do nosso sistema legal a compensação ser possível mesmo com créditos ilíquidos”.
Comungando destas preocupações e fundamentos, não obstante se reconheça que é ao legislador ordinário que cabe densificar os preceitos constitucionais e que, em sede de direitos liberdades e garantias, pode restringir esses direitos fundamentais dos cidadãos desde que deixe incólume o respetivo núcleo essencial e observe, na restrição, os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, prefigura-se-nos ser apodíctico que a interpretação que a jurisprudência maioritária vem fazendo da enunciada al. c) do n.º 2 do art. 266º do CPC, não permitindo nas AECOPS de valor inferior a 15.000,00 euros, o recurso à figura da compensação de créditos, seja por via de exceção perentória (por pretensamente aquele art. 266º, nº 2, al. c), não o permitir fazer), seja por via de reconvenção (por a estrutura simplificada desse processo especial, que comporta apenas dois articulados, também não o permitir), padece do vício da inconstitucionalidade material, por violação do direito do réu de acesso ao direito, na dimensão de tutela jurisdicional efetiva, que o art. 20º, n.ºs 1 e 5 da CRP lhe reconhece.
Na verdade, essa interpretação cria uma desarmonia entre o direito substantivo, que facilita o recurso à figura da compensação, e o direito adjetivo, que impede, nessa interpretação, o recurso à mesma, seja a título de exceção ou de reconvenção.
Obriga o réu a incumprir o crédito que o autor dele reclama em sede de AECOP de valor inferior a 15.000,00 euros e que aí lhe venha a ser reconhecido por sentença transitada em julgado, para, em sede de execução dessa sentença, lhe opor a exceção da compensação, ou então força-o a ficar exposto ao risco de insolvência do autor, obrigando-o a cumprir o crédito reconhecido ao último, na sentença proferida nesse processo especial, transitada em julgado, e a ter de lhe mover nova ação para agora obter a condenação do anterior autor a satisfazer-lhe o seu contracrédito.
Cria uma efetiva desigualdade entre AECOPS de valor inferior a 15.000,00 euros, em que não seria possível o recurso à figura da compensação de crédito, e as AECOPS de valor superior a 15.000,00 euros, onde já seria possível esse recurso por via reconvencional.
Tudo isto, quando, conforme se escreve naquele aresto do STJ, sem que se vislumbre qualquer motivo de justiça material para tal desigualdade, privando o réu, nas AECOPs de valor inferior a 15.000,00 euros, do instituto geral da compensação de créditos, por razões puramente processuais, quando o processo civil deve estar ao serviço do direito substantivo, sendo o meio que o permite concretizar (não o impedir, servindo-lhe de facilitação e não de obstáculo), princípio este que, de resto, o legislador da Lei n.º 41/2013, de 26/06, reafirmou e, inclusivamente, pretendeu intensificar, ao privilegiar as decisões de mérito em detrimento das de forma.
Força o réu ao incumprimento da sentença transitada em julgado, proferida na AECOP que eventualmente o condene a satisfazer o crédito ao autor que aí é por este reclamado, para, em sede de oposição à execução que lhe seja instaurada, poder opor-lhe a exceção da compensação (com os inerentes custos patrimoniais acrescidos, mas, também, as consequência nefastas que um incumprimento dessa natureza é suscetível de projetar-se negativamente na sua esfera jurídica moral, podendo criar uma imagem púbica de pessoa não séria, que não cumpre os seus compromissos para com os seus credores, mesmo quando seja a tal condenado por sentença transitada em julgado) ou, em alternativa, força-o a incorrer em riscos acrescidos de insolvência do anterior autor (também seu pretenso devedor).
Miguel Teixeira de Sousa, no blogue IPP, em 26/04/2017, sob o título “AECOPS e Compensação”, debruçando-se sobre esta problemática, escreve que:

“Tendo presente que no atual CPC, a compensação deve ser declarada por via de reconvenção (cfr. art. 266º n.º 2, al. c) do CPC), tem vindo a discutir-se a aplicação deste regime às ações declarativas especiais para cumprimento de obrigações emergentes de contrato, conhecidas vulgarmente através do acrónimo AECOPS e reguladas pelo regime constante do DL 269/98, de 1/9.
Aparentemente, não deveria haver nenhuma dúvida sobre a solução a dar ao problema acima em estudo. As AECOPS são um processo especial, pelo que, como qualquer processo especial, são reguladas tanto pelas disposições que lhe são próprias, como pelas disposições gerais e comuns (art. 549º, n.º 1 do CPC). Atendendo a que a admissibilidade da reconvenção se encontra regulada no art. 266º do CPC e considerando que este preceito se inclui nas disposições gerais e comuns do CPC, parece não se suscitar nenhumas dúvidas quanto à sua aplicação às AECOPS.
Contra esta solução poder-se-á invocar que o regime estabelecido no art. 549º do CPC quanto ao direito subsidiariamente aplicável aos processos especiais não vale para os processos especiais “extravagantes”, isto é, para os processos regulados fora do CPC. É claro, no entanto, que não é assim. Em particular quanto às AECOPS, basta atentar em que o regime que consta do regime anexo ao DL 269/98 é insuficiente para as regular, pelo que é indiscutivelmente necessário aplicar, em tudo o que não esteja previsto nesse regime, o que consta do CPC.
Contra aquela solução poder-se-ia também alegar que o regime das AECOPS – nomeadamente, a sua tramitação simplificada e célere – não é compatível com a dedução de um pedido reconvencional pelo demandado, dado que a inseribilidade na tramitação da causa constitui um requisito (procedimental) da reconvenção. A ser assim, havia que concluir que a reconvenção não é admissível nas AECOPS e que procurar soluções alternativas para a invocação da compensação nessas ações seria contra legem.
Contra este argumento existe, no entanto, um contra-argumento de muito peso. É ele o seguinte: se não se admitir a possibilidade do réu demandado numa AECOP invocar a compensação ope reconventionis, essa mesma compensação pode vir a ser alegada como fundamento de oposição à execução (art. 729º, al. h) do CPC); ora, como é evidente, não tem sentido coartar a possibilidade de defesa do demandado na AECOPS e possibilitar, com isso, a instauração de uma execução que de outra forma poderia não ser admissível. A economia de custos na AECOP traduzir-se-ia afinal num desperdício de recursos, ao impor-se que aquilo que poderia ser apreciado numa única ação tivesse de ser decidido em duas.
Sendo assim, há que se concluir que o demandado numa AECOP pode invocar a compensação por via de reconvenção. Se for necessário cabe ao juiz fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal (arts. 6º e 547º do CPC) para ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional.
Uma solução alternativa a esta consistiria em defender que a compensação (que é uma forma de extinção das obrigações) deverá ser invocada por via de exceção. No entanto, contra esta solução pode invocar-se o seguinte: A solução não tem qualquer apoio legal; como se disse, o regime da reconvenção consta das disposições gerais e comuns do CPC, pelo que é aplicável a qualquer processo; uma diferenciação quanto à forma de alegação será, por isso, contra legem. A solução comunga de todos os inconvenientes da dedução da compensação por via de exceção: um dos mais significativos é o de que, atendendo a que a decisão sobre as exceções perentórias não fica abrangida pelo caso julgado material (art. 91º, n.º 2 do CPC). Se o contracrédito invocado na AECOP pelo demandado vier a ser reconhecido nessa ação, não é possível invocar a exceção do caso julgado numa ação posterior em que se peça a condenação no pagamento do mesmo contracrédito e, se o contracrédito alegado pelo demandado na AECOP não vier a ser reconhecido nessa ação, ainda assim é possível procurar obter o seu reconhecimento numa ação posterior; qualquer destas soluções é absurda (sendo, aliás, por isso que a reconvenção como forma de alegar a compensação judicial é totalmente correta, porque é a única que evita as referidas consequências). O que se disse a propósito da dedução da reconvenção para fazer valer a compensação vale para todos os outos casos em que nos termos do art. 266º, n.º 2 do CPC, a reconvenção seja admissível na AECOP pendente”.
Note-se que esta posição doutrinal foi a sufragada no recente aresto desta Relação, de 17/12/2018, Proc. 110141/17.3YIPRT.G1, in base de dados da DGSI, onde se conclui que, no âmbito de uma ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, dever ser dada a possibilidade ao réu de invocar a compensação de créditos por via de reconvenção, bem como, através desta, tentar obter o pagamento do valor em que o seu crédito excede o da autora.
Consentaneamente com aquela doutrina, de que face à atual al. c), do n.º 2 do art. 266º apenas é admissível a dedução da compensação por via reconvencional, tendo o aí autor, tal como acontece no caso dos autos, deduzido a compensação de créditos, não por via reconvencional, mas por via de exeção perentória, nesse aresto determinou-se que a 1ª Instância diligenciasse para que o aí réu deduzisse aquela matéria (invocada em sede de exceção) por via de reconvenção (9).
Note-se que Miguel Teixeira de Sousa, em várias intervenções que fez no referido blogue, tem-se questionado se a inadmissibilidade da dedução da reconvenção não constitui um entrave ao direito de defesa, pois que segundo a jurisprudência maioritária, nas AECOPS de valor inferior a 15.000,00 euros, não seria admissível a compensação de créditos a título de exceção, sequer de reconvenção, e se esse entrave não inquinará essa interpretação jurisprudencial maioritária do art. 266º, n.º 2, al. c) do CPC, do vício da inconstitucionalidade material, como nos parece ser, efetivamente, o caso.
Ciente da inconstitucionalidade material que semelhante entendimento jurisprudencial maioritário enferma, a Relação de Lisboa, no seu aresto de 05/07/2018 (10), sustenta que a compensação é de admitir como exceção perentória nos casos em que o crédito do réu for logo aceite pelo autor sem discussão, ou quando não se coloquem questões relativas à sua certeza, liquidez ou exigibilidade, ou em todos os casos em que o processo não restrinja de forma relevante, quer o exercício do direito de ação para reconhecimento do crédito, quer o correspondente direito de defesa contra o mesmo.
Também nos Acs. RP. de 24/01/2018, Proc. 200879/11.8YIPRT.P1 e RC. de 16/01/2018, Proc. 12371/17.1YIPRT-A.C1 (ambos in base de dados da DGSI), admite-se a defesa por invocação da exceção perentória da compensação, nomeadamente quando a imposição desse limite se traduza num caso de efetiva denegação de justiça material, por se coarctar um meio de defesa importante e eficaz.
Como referido, a interpretação jurisprudencial que ainda, atualmente, é de longe maioritária, do enunciado art. 266º, n.º 2, al. c) do CPC, ao não admitir ao réu invocar a compensação de créditos nas AECOPS de valor inferior a 15.000,00 euros, seja a título de exceção perentória, seja a título de reconvenção, pelas razões já amplamente (cremos) explanadas, constitui um limite intolerável, injustificado e desproporcional ao direito de defesa do réu, gera objetivamente uma desigualdade dos direitos de defesa dos réus, demandados em processo especial de AECOP de valor inferior a 15.000,00 euros em relação aos demandados em processo da mesma natureza mas de valor igual ou superior a essa quantia, além de que se mostra desadequada a prosseguir os objetivos de celeridade e simplicidade prosseguidos pelo legislador nesse tipo de ação especial, na medida em que deixa em aberto a possibilidade do réu deduzir oposição à execução que lhe viesse a ser instaurada pelo autor dando à execução a sentença, transitada em julgado, que viesse a ser proferida nesse processo especial, reconhecendo ao aí autor o crédito que este reclama do réu e condenando o último a satisfazer-lhe esse crédito (art. 729º, al. h) do CPC), acabando por ir ao arrepio desses desideratos de celeridade e simplificação processual prosseguido pelo legislador com a criação do procedimento de injunção e da ação especial para cumprimento de obrigações emergentes de contrato de valor inferior a 15.000,00 euros, padecendo, por via disso, semelhante interpretação do art. 266º, n.º 2, al. c) do CPC, do vício da inconstitucionalidade material, por violação do direito do réu de acesso ao direito, na sua dimensão de tutela jurisdicional efetiva, tutelado pelo art. 20º, n.ºs 1 e 5 da CRP.
Deste modo, na esteira da doutrina sufragada por Teixeira de Sousa, impõe-se proceder a uma interpretação daquele art. 266º, nº 2, al. c) do CPC, por forma a admitir-se que a compensação de créditos, nas AECOPS de valor inferior a 15.000,00 euros, seja nela invocada, pelo menos, em sede reconvencional, impondo-se que, nesse caso, o juiz faça uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal para ajustar a tramitação do processo especial da AECOP à dedução da reconvenção.
Mas será que nessa ação especial de AECOP de valor inferior a 15.000,00 euros a compensação de créditos, na esteira da redação da al. c), do n.º 2 do art. 266º do CPC, introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, mediante o qual o legislador pretendeu pôr cobro à polémica anterior, optando pela tese da compensação-reconvenção, obriga a que a compensação de créditos tenha de ser sempre deduzida, nessa ação especial, em sede reconvencional, nunca o podendo ser por via de exceção perentória, tal como sustenta aquele autor acontecer?
A este propósito cumpre referir que as objeções postas por Teixeira de Sousa à dedução da compensação de créditos por via de exceção perentória, decorrente da decisão que recaia sobre essa exceção não ficar abrangida pelo caso julgado material, já se colocava no regime processual civil anterior à revisão do CPC operada pela Lei n.º 41/2013, sem que isso fosse entrave a que a larga maioria da doutrina e da jurisprudência fossem no sentido de que a compensação de créditos devia ser deduzida pelo réu em sede de exceção perentória quando o crédito que este pretendia compensar fosse igual ou inferior ao crédito dele reclamado pelo autor, só devendo ser reclamada por via reconvencional na parte excedente.
Por outro lado, é certo que o regime da reconvenção consta das disposições gerais e comuns do CPC, pelo que, nos termos do disposto no art. 549º, n.º 1 do CPC, o regime jurídico do art. 266º do CPC, que rege sobre a admissibilidade da reconvenção, será, em princípio, extensível a todos os processos especiais, incluindo à ação especial de AECOP de valor inferior a 15.000,00 euros, pelo que tal como sustenta Teixeira de Sousa, qualquer entendimento em contrário será contra legem.
Porém, salvo o devido respeito por posição contrária, para que assim se pudesse concluir, teríamos de concluir que quando o legislador da Lei n.º 41/2013, de 26/06, introduziu a nova redação da al. c), do n.º 2 do art. 266º do CPC, visando pôr termo à polémica anterior e optando positivamente pela tese da compensação-reconvenção, aquele previu e teve em mente que continuavam a existir processos especiais em que por apenas eram admissíveis dois articulados, pelo que neles ficava vedado o recurso pelo réu à reconvenção, quando nada permite que assim seja, mas antes pelo contrário.
Na verdade, mediante o art. 266º, n.º 2, al. c) do CPC, o legislador de 2013 visou pôr termo à polémica anterior a propósito da compensação de créditos, sendo absurdo pretender que tendo aquele, dentro desse desiderato, optado pela tese da compensação-reconvenção, tivesse querido reabrir agora uma nova polémica respeitante aos processos especiais, em que apenas são admitidos dois articulados e, em que, por conseguinte, estava vedada ao réu a dedução de reconvenção, como necessariamente teria de se aceitar-se ser esse seu propósito (o de reabertura de nova polémica a propósito desses processos especiais que apenas admitem dois articulados) caso se entenda que aquele, no momento em que legislou e consignou o teor da al. c), do n.º 2 do art. 266º, teve em mente os processos especiais e que existiam casos em que estes, como é o caso dos autos, apenas comportam dois articulados.
Depois, a nova redação da al. c), do n.º 2 do art. 266º do CPC, introduzida pelo legislador de 2013, foi seguida por uma profunda alteração legislativa em termos de formas de processo declarativa comum, tendo o legislador posto termo às três formas processuais que até aí vigoravam – ordinária, sumária e sumaríssima -, para passar a determinar, no art. 548º do novo CPC, que o processo comum de declaração segue a forma única.
Significa isto, que ao mesmo tempo que introduziu a nova redacção do art. 266º, n.º 2, al. c) do CPC, determinando que a compensação de créditos tem de ser deduzida em sede reconvencional, seja na parte em que o contracrédito do réu é igual ou inferior ao do autor, seja na parte em que o exceda, optando decisivamente pela tese da compensação-reconvenção e pondo, assim, termo à querela anterior, o legislador pôs termo às tradicionais formas da ação declarativa comum, determinando que este passaria a seguir uma forma única e em que, consequentemente, ao réu estava sempre aberta a possibilidade, do ponto de vista processual, de deduzir a compensação de créditos por via reconvencional.
O que se acaba de dizer demonstra à saciedade que o legislador, ao introduzir a redação da al. c), do n.º 2 do art. 263º do CPC, apesar de não dever ignorar que continuavam a existir processos especiais e que dentro destes existiam aqueles que por comportarem apenas dois articulados, continuavam a não admitir a dedução de reconvenção e em que não era legalmente viável dar concretização prática à tese da compensação-reconvenção por que optou e que, reclamava, por isso, uma interpretação corretiva como aquela que é sufragada por Teixeira de Sousa, levando a que, sob pena de inconstitucionalidade material, se tivesse, nesses processos especiais, de admitir a reconvenção, levando a que o juiz tivesse de neles fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal sempre que o réu exercesse contra o autor o instituto da compensação de créditos, por forma a ajustar a tramitação desses processos especiais à dedução da reconvenção, quando esses poderes de gestão processual e de adequação formal têm necessariamente carácter excecional e nunca geral, sob pena de se transformar o juiz de aplicador da lei em legislador, pura e simplesmente, não previu que continuavam a existir processos especiais em que não era viável, não tendo sequer atentado nessa circunstância quando consignou em letra de lei o teor da al. c), do n.º 2 do art. 266º do CPC.
Com efeito, só assim se explica que o legislador tivesse, em simultâneo, com a nova redacção da enunciada al. c) do n.º 2 do art. 266º do CPC, determinado que na ação declarativa comum, a forma de processo é única, pelo que neles passou a ser viável ao réu deduzir sempre a compensação-reconvenção e apenas assim não se cairá na tese absurda de se pretender que tendo o legislador, no momento em que legislou, tido presente os processos especiais em que apenas eram admitidos dois articulados, quis criar nova polémica a propósito deste tema, agora a propósito desses processos especiais em que apenas eram admitidos dois articulados, com o gravame de, sob pena de inconstitucionalidade material, forçar o juiz, nesses processos, a fazer permanentemente uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal, sempre que o réu deduzisse a compensação de crédito, por forma a adequar esse processo especial à dedução da compensação reconvenção, transformando o juiz de aplicador da lei em legislador.
Porque o que se acaba de dizer seria um manifestamente absurdo por parte do legislador de 2013, a única conclusão lógica e racional que se pode extrair de tudo o quanto se vem dizendo é que aquele, quando introduziu a nova redação da al. c), do n.º 2 do art. 266º do CPC, apenas teve em mente a ação declarativa comum, agora sujeita a uma forma processual única, em que era sempre possível, do ponto de vista processual, ao réu deduzir compensação reconvenção, esquecendo-se totalmente que continuavam a existir processos especiais, incluindo, processos especiais em que apenas eram admitidos dois articulados e em que, por conseguinte, não era possível, sem mais, dar cumprimento ao comando daquele art. 266º, n.º 2, al. c).
Porque assim é, as objeções suscitadas por Teixeira de Sousa a propósito da aplicação daquele art. 266º, n.º 2, al. c) do CPC aos processos especiais, em decorrência do regime legal previsto no n.º 1 do art. 549º do mesmo Código, não têm a nosso ver, razão de ser, na medida em que essas objecções apenas seriam pertinentes caso se pudesse concluir que o legislador, no momento em que legislou e introduziu aquela al. c) ao art. 266º, n.º 2, teve presente que continuavam a existir no ordenamento jurídico processual nacional processos especiais, o que, como demonstrado, nada consente, mas antes impera que se conclua pela verificação da situação contrária.
Porque assim é, na nossa perspetiva, tendo em conta os elementos interpretativos históricos e teleológicos que subjazem à interpretação do art. 266º, n.º 2, al. c) do CPC, impõe-se interpretá-lo restritivamente por forma a considerar que o mesmo não abrange os processos especiais.
O que se acaba de sufragar é advogado por Manuel Eduardo Bianchi no artigo intitulado “A Compensação nas Formas de Processo em que não é Admissível Reconvenção”, publicado in “Julgar On Line”, maio de 2019, e também tem acolhimento na posição de Maria Gabriela Cunha Rodrigues (11), onde escreve: “Nas ações em que não é admissível reconvenção, como nas ações especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias, previstas no DL n.º 269/98, de 01 de setembro, ou nas ações em que seja inadmissível a dedução da compensação quando a apreciação do contracrédito não seja da competência do tribunal judicial (art. 93º, n.º 1 do CPC) a interpretação deste preceito não nos deve conduzir a efeitos tão restritivos.
Na verdade, o chamamento de uma nova relação jurídica a tribunal também acontece na novação (art. 857º do CC), cuja natureza de exceção perentória não é discutida.
E o art. 395º do CC integra a compensação e a novação no conceito de factos extintivos.
Prefigura-se-nos que o réu não deve ser coartado deste relevantíssimo fundamento de defesa.
É, pois, de concluir que, ainda que se entenda que deduzida a compensação o réu tem o ónus de reconvir, o tratamento da compensação não pode deixar de ser o da exceção perentória nos processos em que não é admissível a reconvenção”.
Deste modo, na nossa perspetiva, impõe-se operar uma interpretação restritiva do enunciado art. 266º, n.º 2, al. b) do CPC, no sentido de que o regime que consagra, não abrange os processos especiais, em relação aos quais, continua a ser admissível a dedução da compensação de créditos, por via de exceção perentória, quando o réu pretenda compensar o crédito que dele é reclamado com um pretenso contracrédito de que se arroga titular e cujo montante seja igual ou inferior ao crédito que dele é reclamado pelo autor, devendo ser utilizada a reconvenção apenas nos casos em que esse contracrédito do réu excede o reclamado pelo autor.

Resulta do exposto, proceder a presente apelação, impondo-se revogar a decisão recorrida e substitui-la por outra, em que se admitida a dedução pela apelante, da exceção perentória da compensação de créditos que formula em sede de contestação.
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Decisão:

Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores desta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar a presente apelação integralmente procedente e, em consequência:

- revogam a decisão recorrida e substituem-na por outra em que se admite a dedução pela apelante da exceção perentória da compensação de créditos que a mesma invoca em sede de oposição/contestação.
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Custas da apelação pela parte ou partes que vierem a decair a final e em função desse decaimento, considerando que a apelante obteve vencimento na presente apelação e que o apelado não contra-alegou (art. 527º, n.º 1 e 2 do CPC).
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Guimarães, 23 de janeiro de 2020
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:

Dr. José Alberto Moreira Dias (relator)
Dr. António José Saúde Barroca Penha (1º Adjunto com voto de vencido)
Dr. José Manuel Alves Flores (2º Adjunto)


Declaração de voto vencido:

Voto vencido, porquanto entendo que, de acordo com o atual art. 266º, n.º 2, al. c), do C. P. Civil, a “compensação” terá necessariamente de ser invocada e declarada, independentemente do seu valor exceder ou não o crédito reclamado pelo autor, por via reconvencional, não o podendo portanto ocorrer por via de exceção.
Assim, as AECOPS que, como qualquer processo especial são reguladas tanto pelas disposições que lhe são próprias, como pelas disposições gerais e comuns (art. 549º, n.º 1, do C. P. Civil) estão igualmente sujeitas ao regime geral (na ausência de qualquer disposição especial própria) emergente do disposto no art. 266º, n.º 2, al. c), do C. P. Civil, o qual, como já vimos, apenas admite a declaração da “compensação” através da reconvenção.
Na sequência, uma vez deduzido pedido reconvencional, para efeitos de declaração da “compensação”, nas AECOPS, caberá ao juiz fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal (arts. 6º e 547º, do C. P. Civil), assim se alcançando uma definitiva justa composição do litígio.
Esta é a posição sufragada na doutrina designadamente por Miguel Teixeira de Sousa (no site supra indicado no acórdão) e, em termos jurisprudenciais, entre outros, nos citados Ac. RG de 17.12.2018 (proc. n.º 110141/17.3YIPRT) e Ac. RP de 13.06.2018, proc. n.º 26380/17.0YIPRT.P1, que aqui também acompanho.
Nesta medida, não concordo com a parte final do acórdão em causa, na parte em que defende uma interpretação restritiva do citado art. 266º, n.º 2, al. c), do C. P. Civil, no sentido de ser aplicável apenas aos processos comuns e não já aos processos especiais, sustentando que nestes últimos vale a doutrina anterior, mais concretamente nas AECOPS de valor inferior a € 15.000,00, será admissível a dedução de “compensação”, a título de exceção perentória até ao valor do crédito reclamado pelo autor, sendo unicamente admissível a reconvenção na parte excedente, por entender que tal interpretação não se coaduna com o atual art. 266º, n.º 2, al. c), do C. P. Civil, nos termos acima delineados.
Pelo exposto, salvaguardando sempre melhor opinião, muito embora julgasse procedente o recurso, com a consequente revogação do despacho recorrido, não admitiria a dedução pela apelante da exceção perentória da compensação de créditos que a mesma invoca em sede de oposição/contestação; mas antes determinaria ao tribunal recorrido a substituição do despacho recorrido por forma a convidar a apelante a deduzir pedido reconvencional para efeitos da declaração da mencionada compensação de créditos, dando-se subsequentemente à requerente a possibilidade de apresentar articulado de resposta.

António Barroca Penha.


1. Neste sentido Salvador a Costa, “A Injunção e as Conexas Ação e Execução Processo Geral e Simplificado”, 6ª ed., Almedina, 2008, págs. 86 a 89 e Ac. RG. de 17/12/2018, Proc. 4765/18.1YIPRT-A.G1, in base de dados da DGSI.
2. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, pág. 331.
3. Vaz Serra, “Algumas Questões em Matéria de Compensação no Processo”, RLJ 104º, págs. 292 e segs.
4. Abílio Neto, “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª, janeiro de 2014, Ediforum, pág. 307; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 4ª ed., Almedina, pág. 534; Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 158 a 164; Acs. RG de 23/03/2017, Proc. 37447/15.0YIPRT.G1; RP. de 08/07/2015, Proc. 1942/14.6YIPRT-A.P1, in base de dados da DGSI.
5. Vide, a título exemplificativo, Acs. RG de 17/12/2018, Proc. 47652/18.1YIPRT-A.G1; de 27/04/2017, Proc. 10412/16.2YIPRT.G1; de 22/06/2017, Proc. 69039/16.0YIPRT.G1; RP. de 07/10/2019, Proc. 4843/19.3YIPRT-A.G1, in base de dados da DGSI.
6. Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, 2013, vol. I, Almedina, pág. 236.
7. José Lebre de Freitas, in “A Ação Declarativa à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 4ª ed. junho de 2017, págs. 145 e 155.
8. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, in “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 158 a 164.
9. Em igual sentido Ac. RP. de 13/06/2018, proc. 2630/17.0YIPRT, in base de dados da DGSI.
10. Ac. RL de 05/07/2018, Proc. 87709/17.4YUPRT.L1-7, in base de dados da DSI.
11. Maria Gabriela Cunha Rodrigues, “Ação Declarativa Comum”, pág. 54, disponível in repositóro.ulusíada.pt.