Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1037/17.6T8VCT.G1
Relator: LÍGIA VENADE
Descritores: CONDOMÍNIO
USO DAS PARTES COMUNS
DELIBERAÇÃO ANULÁVEL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

I – O artº. 1424º, nº. 1, do Código Civil consagra a regra geral da proporcionalidade em função do valor das frações no pagamento das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício em propriedade horizontal e ao pagamento dos serviços de interesse comum, pelos respetivos condóminos.

II – Trata-se de uma regra supletiva, que deve ser conjugada ainda com a possibilidade estabelecida no nº. 2 do mesmo artigo.

III – Os nºs. 3 e 4 do mesmo artigo são excecionais em relação ao nº. 1, e imperativas.

IV – A possibilidade objetiva de uso das partes comuns e dos elevadores do prédio em propriedade horizontal não é inviabilizada quando o próprio condómino cria um obstáculo físico ou material que impede o seu acesso aos mesmos.

V – Para que as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício deixem de ser pagas pelos condóminos em função do valor das quotas é necessário que tal resulte do título constitutivo da propriedade horizontal ou resulte da vontade unânime dos condóminos.

VI – Uma deliberação que não esteja coberta por essa unanimidade e que implique a alteração da regra do nº. 1, do artº. 1424º (salvaguardada a hipótese prevista no nº. 2) é anulável.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I RELATÓRIO.

(…), NIF nº. (…) residente na Rua (…) Vila Praia de Âncora, concelho de Caminha, e (…) , NIF nº. (…), residente na Avenida (…),Porto;
instauraram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra
(…), com sede no Largo (…),Viana do Castelo, como condómino da fração autónoma (…) do prédio sito na (..), Lote (..), com os nºs (…) cidade e concelho de Viana do Castelo; (…) com sede na Praça (…) Viana do Castelo, como condómino da fração (…) do mesmo prédio; (…), viúva, residente no Lugar …, Monção, como condómino da fração V do mesmo prédio; A. R., viúvo, residente na Rua … Viana do Castelo, como condómino das frações Y e AK também do mesmo prédio; Dr. M. F. e mulher T. A., residentes na Rua … Viana do Castelo, como condómino da fração AL ainda do mesmo prédio; M. M., residente na Travessa … Paredes de Coura, como condómino da fração AM, também do mesmo prédio, e X MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LIMITADA, com sede na Praça …, como administradora do condomínio do mesmo prédio.

Pedem que:

A. - Face ao disposto no artigo 1424º nº 1 do CC, ao disposto no artigo 5º do Regulamento do Condomínio e ao que consta do título constitutivo da propriedade horizontal do prédio sito na Praça ..., Lote ..., com os nºs 73 a 109, cidade e concelho de Viana do Castelo, seja declarado que o condómino da fração D está obrigado a participar nas despesas do quadro 1 do orçamento, que incluem as de serviços de limpeza, de segurança social-limpeza, de seguro acidentes trabalho, de produtos de limpeza, de consumo de água, de manutenção de elevadores e de consumo de energia elétrica, com igual respeito pelo valor da fração D e da fração AJ das AA.
B. - Nos termos do artigo 1433º nº 1 do CC, seja declarada anulada aquela deliberação de aprovação das contas do condomínio de 2016, tomada por maioria e com oposição das AA. na assembleia de condóminos de 25/01/2017, por clara violação da lei, a começar pelo artigo 205º nº 2 da Constituição da República Portuguesa, ao pretender retirar valor e respeito à decisão que vier a ser proferida na matéria em causa no processo que corre seus termos no Tribunal da Comarca de Viana do Castelo, sob o nº 4262/16.3T8VCT – Juízo Local Cível de Viana do Castelo – Juiz 3, na medida em que pretende tornar já consolidada a isenção da fração D nas tais despesas do quadro 1 do orçamento e confirmadas as quotas devidas pelas demais frações nesse ano de 2016.
C. - Nos termos do citado artigo 1433º nº 1 do CC, seja declarada anulada aquela deliberação de aprovação do orçamento do condomínio para o ano de 2017, também tomada por maioria e com oposição das AA. nessa assembleia de condóminos de 25/01/2017, por clara violação do artigo 1424º nº 1 do CC e do artigo 5º do Regulamento do Condomínio, ao isentar o condómino da fração D da participação nas acima identificadas despesas do quadro 1 do orçamento, sobrecarregando ilegalmente a fração AJ e as demais frações minoritárias com o pagamento total dessas despesas.
D. - Perante as sucessivas insistências na violação da lei e do Regulamento do Condomínio por parte do condómino da fração D e perante o seu poder de decidir por maioria (por representar 60% do valor do prédio), sejam declaradas sujeitas a serem confirmadas ou corrigidas todas as deliberações que entretanto ocorram de aprovação das contas e de aprovação dos orçamentos do condomínio do prédio em questão, em que intervenham votos favoráveis dos ora RR e em que se ofenda o princípio contido no pedido formulado na alínea A) que antecede, para que possam depois ser harmonizadas com o que vier a ser decidido sobre a obrigação ou não obrigação da fração D de participar nas tais despesas do quadro 1 do orçamento, acima descriminadas e, além disso, para não sujeitar as AA a terem de propor todos os anos ações de anulação no Tribunal para afinal ser decidida a mesma questão em 12/25 todas elas e para, em suma, dar valor e eficácia à pendência da presente ação judicial.
E. - os RR sejam declarados litigantes de má-fé e sejam solidariamente condenados a pagar a cada Autora, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhes causaram, quantia não inferior a 150,00 euros para os primeiros e não inferior a 300,00 euros para os segundos, dados os grosseiros e sucessivos atropelos dos direitos da AA que lhes estão a ser repetidamente infligidos por eles, com violação clara das normas acima citadas do Código Civil e do Regulamento do Condomínio.
F. - Os RR. sejam condenados em custas e procuradoria condigna.

Para o efeito alegaram, em síntese, que:

. são proprietárias da fração AJ do prédio identificado no art. 1º da p.i., constituído em propriedade horizontal por escritura pública de 30.06.1988, nunca alterada;
. até ao ano de 2016, com ressalva da fração A, todas as demais frações incluindo a D sempre participaram nas despesas comuns do prédio que envolvem serviços de limpeza, seguro de acidentes de trabalho, produtos de limpeza, consumo da água e energia elétrica e manutenção de elevadores; .na assembleia de condóminos de 29.12.2015, aquando da discussão do orçamento de 2016 e da eleição da nova administração, o condómino da fração D, propôs-se a não pagar essas despesas, e na assembleia ocorrida em 17.03.2016, após reeleição para a administração do condomínio da sociedade proprietária da fração foi distribuída uma proposta de orçamento que contemplava a isenção de pagamento dos condóminos das frações A e D, a qual foi aprovado por maioria mas com oposição de condóminos, entre os quais as AA.;
. face a esta deliberação, as AA. intentaram uma ação de anulação que ainda corre termos;
. sem embargo os aqui réus na assembleia de 25.01.2017 deliberaram por maioria, mas com oposição entre o mais das aqui autoras, aprovar as contas do condomínio de 2016 e aprovaram o orçamento para 2017, no qual as frações A. e D. voltam a estar isentas dessas despesas;
. as AA. reconhecem, ao abrigo do art. 5º do Regulamento do condomínio do prédio que a fração A. deve estar isenta das despesas relativas aos elevadores, mas só destas, dado que os elevadores não descem ao rés-do-chão e esta fração só se compõe de cave, cabendo-lhe 21% do valor total do prédio;
. em consequência desta situação as AA. foram obrigadas a fazer várias viagens, em carro próprio, do Porto e de V.P. de Âncora, onde residem até Viana do Castelo, para conferenciarem com o advogado, e a terem de obter vária documentação, fotocópias, telefonemas e alimentação fora de casa que se computa em montante nunca inferior a €150,00 para cada A.; também em consequência destes factos as AA. têm perdido horas de sono, quebras da tranquilidade na vida quotidiana, prolongada preocupação pela morosidade da decisão legal, falta de tempo de descanso, os quais quantificam em montante não inferior a €300,00 para cada A..
Citados os réus, a Ré Associação Empresarial ..., condómina proprietária da fração “D”, contestou e defendendo-se, por exceção, arguiu a exceção da litispendência em face da pendência da ação nº 4262/16.3T8VCT. Sem embargo, impugnou a factualidade alegada pelas autoras, alegando, em suma, que a sua fração não tem ligação/comunicação com as partes comuns do prédio e, por isso, não se pode servir nomeadamente dos elevadores, dispondo de acesso próprio e exclusivo a partir da via pública e não comunica, nem pode comunicar, com qualquer parte comum do edifício, por via das obras por si realizadas ao abrigo da possibilidade que lhes está conferida no título constitutivo da PH. Termina pedindo a absolvição da condenação como litigante de má-fé.
As Rés “Construções X, Limitada” e “X Mediação Imobiliária, Limitada”, condómina proprietária da fração “A” apresentaram também contestação na qual impugnaram a factualidade alegada pelas autoras e defenderam que a fração D, mercê das obras que foram levadas a cabo há muitos anos ao abrigo do título constitutivo da PH, deixou de ter acesso a qualquer parte comum do prédio, nomeadamente aos três ascensores e as respetivas casas das máquinas, as duas instalações sanitárias, escadas interiores e corredores comuns, pelo que deve a co-ré estar isenta do pagamento das despesas reclamadas pelas AA. em consonância com a deliberação tomada em assembleia de condóminos em 25.01.2017, aprovada por 83,50% do valor do prédio e rejeitada por 1,9%.
As AA. apresentaram articulado de resposta às exceções invocadas pelas rés.
Foi designada audiência prévia, na qual foi proferida decisão julgando improcedente a exceção de litispendência e determinando a suspensão da instância ao abrigo do disposto no art. 272º, nº 1 do CPC até decisão da ação nº 4262/16.3T8VCT, do 3º Juízo Local cível deste tribunal.
Na dita ação foi proferida decisão que julgou procedente a exceção peremptória de caducidade e os réus foram absolvidos do pedido (cfr. certidão de fls. 185-198).
Nesta sequência, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e nos artigos 547.º e 597º, do Cód. Proc. Civil, entendendo-se que o processo se encontrava apto a seguir de imediato para julgamento, dispensou-se a audiência prévia, a identificação do objeto do litígio bem como a enunciação dos temas de prova.
Realizou-se a audiência final.
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Foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente e, em consequência decidiu:

A. - Declarar que a 1ª ré, na qualidade de condómino da fração “D”, está obrigada a participar nas despesas do quadro 1 do orçamento, que incluem as de serviços de limpeza, de segurança social-limpeza, de seguro acidentes trabalho, de produtos de limpeza, de consumo de água, de manutenção de elevadores e de consumo de energia elétrica, em proporção do valor da sua fração.
B. - Declarar anulada a deliberação de aprovação das contas do condomínio de 2016, tomada por maioria e com oposição das AA. na assembleia de condóminos de 25/01/2017;
C. – Declarar anulada a deliberação de aprovação do orçamento do condomínio para o ano de 2017, também tomada por maioria e com oposição das AA. nessa assembleia de condóminos de 25/01/2017;
Mais se decidiu absolver as rés do mais peticionado pelas AA., designadamente do pedido de condenação como litigantes de má-fé.
Foram fixadas as custas a cargo das autoras e dos réus, na proporção de 20% e 80%, respetivamente.
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Inconformada, veio a R. Associação Empresarial ... interpor recurso apresentando alegações com as seguintes

-CONCLUSÕES-

I.- O presente recurso vem interposto da douta sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, declarou que a 1ª Ré, na qualidade de condómino da fração “D”, está obrigada a participar nas despesas do quadro I do orçamento (que incluem as de serviços de limpeza, de segurança social-limpeza, de seguro de acidentes de trabalho, de produtos de limpeza, de consumo de água, de manutenção de elevadores e de consumo de energia elétrica), em proporção da sua fração, a anulação da deliberação de aprovação das contas do condomínio de 2016 e, ainda, a anulação da deliberação que aprovou o orçamento para o ano de 2017, ambas tomadas em assembleia realizada em 25.01.2017.
II.- A recorrente considera que em face dos factos dados como provados a douta sentença sob censura não julgou com o devido acerto, padecendo de erro na subsunção dos factos ao direito aplicável.
III.- Conforme flui da sua fundamentação, quanto à matéria de direito a ação foi julgada parcialmente procedente, por ter sido entendimento do tribunal “a quo” que “em termos objetivos” a fração “D” está em condições de dar uso às partes comuns do edifício, tendo assim que contribuir para as despesas necessárias à sua conservação e fruição na proporção do valor da sua fração, nos termos do previsto no artigo 1424º nº 1, do Cód. Civil.
IV.- Entendeu, ainda, o tribunal “a quo” que, tal obrigação só poderia ser dispensada desde que essa dispensa fosse aprovada por unanimidade da assembleia de condóminos e que, a deliberação tomada em 25.01.2017 (de aprovação das contas do condomínio de 2016 e do orçamento para o ano de 2017), dado que não foi unânime e isenta a Recorrente do pagamento das mencionadas despesas, é contrária à lei (concretamente ao nº 1 do art. 1424º do Civil e ao art.5º, nº 1º do regulamento do condomínio anteriormente aprovado) sendo anulável, nos termos do nº 1 do artigo 1433º do Cód. Civil.
V.- É certo que do artigo 1424º do Código Civil, resulta que as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações.
VI.- Não obstante, é pressuposto dessa obrigação que o condómino de quem se exige o pagamento tenha acesso às partes comuns e delas se possa servir, ou seja, estando em causa partes comuns do edifício de que só alguns condóminos possam usufruir, a regra geral de comparticipação nas despesas de acordo com o valor de cada uma das frações, é alterada através da consagração legal de isenção de participação nesses encargos ou despesas daqueles condóminos que não as possam utilizar no âmbito da normal utilização da sua fração.
VII.- O condómino do rés-do-chão também paga as despesas inerentes aos elevadores, mesmo que garanta não os usar, desde que, por exemplo, tenha acesso a uma arrecadação ou garagem servidas pelo elevador.
VIII.- Quer isto dizer que um condómino paga as despesas ajuizadas, mas apenas se existir possibilidade de utilização daquelas partes comuns.
IX.-ComosesalientanoAcórdãodoSTJde24.02.2005,proferidonoâmbito dos autos nº 05B094, o que releva é o uso que cada condómino pode fazer das partes comuns, independentemente do uso que efetivamente faça. Em igual sentido se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.10.2001, in CJ, 2001, 4º-209 e no acórdão da Relação de Évora, de 31.10.2002: CJ, 2002, 4º-246, conforme conteúdo a que se alude supra na motivação deste recurso.
X.- Acontece que, in casu, essa suscetibilidade de utilização por parte da Recorrente não existe. Isso mesmo consta no ponto 23 dos factos dados como provados, de acordo com o qual: “Em consequência da execução de obras, a fracção “D” dispõe de acesso próprio e exclusivo a partir da via pública e não comunica, nem pode comunicar com os três elevadores e as respectivas casas das máquinas, as duas instalações sanitárias, escadas interiores e corredores comuns”.
XI.- Foi, assim, dado como provado que a fração “D”, de que a ora Recorrente é proprietária, não tem qualquer ligação/comunicação para as partes comuns do prédio, encontrando-se, assim, material e fisicamente impedida de ser servida pelas partes comuns referidas nos autos.
XII.- Resulta da douta sentença impugnada, que no acesso à fração de que é proprietária a Recorrente NÃO USA, NEM PODE USAR, os três elevadores e as respetivas casas das máquinas, as escadas interiores e corredores comuns, assim como NÃO USA, NEM PODE USAR, as duas instalações sanitárias comuns daquele prédio, sendo isso o quanto basta para que não participe nos encargos de conservação e fruição dessas partes nos termos do previsto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1424º do Cód. Civil (como, de resto, é o entendimento perfilhado por vasta jurisprudência).
XIII.- As normas dos n.ºs 3 e 4 do artigo 1424 do Cód. Civil constituem disposições especiais que afastam a regra geral da proporcionalidade estabelecida pelo n.º 1.
XIV.- E nem se venha defender, como se defende a douta sentença, que a Recorrente tem que efetuar o pagamento dessas despesas por se ter colocado propositadamente numa situação de impossibilidade de acesso às partes comuns, já que, desde logo, perscrutado o elenco dos factos dados como provados em lado algum se refere que foi por iniciativa da Recorrente que essas obras foram realizadas, nem o motivo que levou à sua execução não podendo, por isso, esse impedimento ao acesso ser imputável à Recorrente.
XV.- O facto é que, não podendo ter acesso às identificadas partes comuns (como se provou) não tem legalmente a Recorrente obrigação de participar nas despesas elencadas no quadro 1.
XVI.- Também não se defenda, como defende o tribunal “a quo”, que a (alegada) obrigação do condómino da fração “D” ao pagamento das despesas inerentes às partes comuns, na proporção do valor da sua fração, só poderia ser dispensada desde que essa dispensa fosse aprovada por unanimidade da assembleia de condóminos.
XVII.- Com efeito, a isenção da Recorrente pelo facto de não ter acesso às partes comuns, estando assim totalmente impossibilidade de as usar, é uma consequência que deriva efetivamente da Lei. E assim sendo, a sua aplicabilidade não está – nem pode estar – sujeita a uma qualquer deliberação tomada em assembleia de condóminos, nem por maioria, nem por unanimidade!
XVIII.- Nesta medida a deliberação tomada em 25.01.2017 (de aprovação das contas do condomínio de 2016 e do orçamento para o ano de 2017 e que isentou o condómino da fração “D” do pagamento das mencionadas despesas) não é contrária à lei não sendo anulável nos termos do nº 1 do artigo 1433º, do Cód. Civil.
XIX.- Importa ainda referir que, como resulta do ponto 24 dos factos dados como provados, a aqui recorrente “(…) possui seguro próprio relativo à fração “D”, em substituição do seguro coletivo”, para o qual não tem, por isso, de contribuir.
XX.- Considerando tudo o quanto se deixou dito, é insofismável que mal andou a douta sentença impugnada ao julgar a ação parcialmente procedente, declarando que na qualidade de condómino da fração “D” a Recorrente está obrigada a participar nas despesas do quadro I do orçamento em proporção da sua fração e ao anular as deliberações tomadas pela assembleia geral de condóminos realizada em 25.01.2017.
XXI.- Tendo-se dado como provado que a Recorrente NÃO USA, NEM PODE USAR, as partes comuns a que se reportam essas despesas sempre a douta sentença deveria ter decidido no sentido da total improcedência da ação.
XII.- A douta sentença recorrida violou, assim, por errada interpretação legal, o disposto nos artigos 1433, nº 1 e 1424, nºs 1 a 4, ambos do Cód. Civil e ainda o artigo art. 5º, nº 1º do regulamento do condomínio anteriormente aprovado.

Conclui pela procedência total do presente recurso, devendo declarar-se a nulidade da sentença recorrida, revogando-a, e substituindo-a por uma outra em que se declare a total improcedência da ação, na parte que à ora Recorrente diz respeito.
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As A.A./recorridas apresentaram contra-alegações, terminando com as seguintes
-CONCLUSÕES-

1. A douta decisão recorrida deve ser mantida in totum por não ser suscetível de censura ou reparo algum, o que se requer com as legais consequências.
2. A recorrente carece de razão e não apresenta fundamentos válidos que sustentem o seu recurso.
3. O recurso apresentado deve, assim, ser julgado totalmente improcedente, com as legais consequências.
4. Assim sendo, como é, não deve aquela douta decisão ser alterada.

Terminam dizendo que deve ser negado provimento ao presente recurso.
***
Após os vistos legais, cumpre decidir.
***
II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos.

Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir se:

-face á matéria provada constante do ponto 23 (“infra”) o Tribunal aplicou mal o direito, nomeadamente se tal matéria implicava a desoneração da fração D de pagar as despesas inerentes ao uso das partes comuns do prédio, designadamente serviços de limpeza, de segurança social-limpeza, de seguro de acidentes de trabalho, de produtos de limpeza, de consumo de água, de manutenção de elevadores e de consumo de energia elétrica, não sendo necessária qualquer deliberação para o efeito porque a mesma resulta da Lei e do Regulamento de Condomínio.
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III MATÉRIA DE FACTO.

Não tendo sido impugnada a matéria provada em que o Tribunal “a quo” fundou a sua decisão, reproduz-se a mesma.

Factos Provados.

1. Através de escritura pública de compra e venda, outorgada em 22.10.1991, as AA. declararam comprar a fração autónoma AJ do prédio sito na Praça ..., Lote ..., com os nºs 73 a 109, cidade e concelho de Viana do Castelo, inscrito na matriz urbana da união de freguesias de … sob o artigo …, descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial sob o nº …/19880701 – cfr. documento de fls. 10-11, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. O título constitutivo da propriedade horizontal do prédio consta de escritura celebrada no 1º Cartório Notarial de Viana do Castelo em 30 de junho de 1988, cujo título nunca foi alterado, tendo a identificação e composição de cada fração autónoma ficado a constar de documento complementar anexo - cfr. doc. de fls. 51 e ss., que se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
3. Até 2016, com ressalva da fração A, todas as demais frações, incluindo a fração D, sempre participaram nas despesas comuns do prédio contempladas no quadro 1 e 3 do orçamento, tendo em conta o valor relativo dessas frações.
4. Essas despesas comuns do quadro 1 do orçamento envolvem as dos serviços de limpeza, da segurança social – limpeza, do seguro acidentes de trabalho, de produtos de limpeza, do consumo de água, da manutenção dos elevadores, despesas/conservação interior e as do consumo de energia elétrica.
5. Na Ata nº 31 da assembleia de condóminos do dia 29/12/2015, consta a seguinte ordem de trabalhos: “1º Apresentação e aprovação das contas do ano de 2015; 2º Eleição da Administração para o próximo ano; 3º Apresentação e aprovação do orçamento para o ano de 2016; 4º Discussão de outros assuntos de interesse geral do condomínio nomeadamente débitos ao condomínio.”
6. Desta ata consta ainda, entre o mais: “(…) Feita a contagem verificou-se uma percentagem de 86,40% do prédio, os quais assinaram a lista de presenças. (…) No segundo ponto da ordem de trabalhos, eleição da administração para o próximo mandato, o proprietário da fracção D interveio dizendo que queria passar directamente ao terceiro ponto da ordem de trabalhos uma vez que a eleição da administração irá depender do orçamento para o ano seguinte, porque entende que não deverá pagar todas as rúbricas que constam no orçamento, nomeadamente serviços de limpeza, segurança social, seguro de acidentes de trabalho, produtos de limpeza, consumo de água, manutenção de elevadores e consumo de energia eléctrica. Posto isto o presidente da mesa propôs suspender a Assembleia para elaboração de novo orçamento excluindo a fracção D das despesas mencionadas, ficando deliberado convocar nova Assembleia. O proprietário da fracção D, ficou ainda de informar e fazer prova do seguro nas partes comuns do prédio.” – cfr. documento de fls. 42, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
7. Na Ata nº 32 da Assembleia de condóminos de 11/02/2016, consta a seguinte ordem de trabalhos: “1º Esclarecimento das rubricas a pagar pela fracção D; 2º Eleição da Administração para o próximo ano; 3º Apresentação e aprovação do orçamento para o ano de 2016; 4º Discussão de outros assuntos de interesse geral do condomínio nomeadamente débitos ao condomínio.”
8. Desta ata consta ainda, entre o mais: “(…) Feita a contagem verificou-se uma percentagem de 89,80% do prédio, os quais assinaram a lista de presenças. (…) Aberta a sessão, entrou-se de imediato na discussão do primeiro ponto da ordem de trabalhos, onde foi levantado o problema da participação em certas despesas comuns do prédio no que respeita à fracção D. (…) o que permitiu o representante da fracção “AJ” concluir que, respeitando a escritura de propriedade horizontal, como tem de ser respeitada, a fracção “D” terá também de participar naquelas despesas comuns. (…) A assembleia deliberou por unanimidade suspender a continuação desta assembleia para continuar no dia 25 do corrente mês (...). Para facilitar a discussão futura, a administração põe à disposição de todos os condóminos um exemplar da proposta de orçamento para o ano de 2016. (…). - cfr. documento de fls. 43-44, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
9. Nesta proposta de orçamento, a fração D não aparecia isenta de participar nas questionadas despesas.
10. Na Ata nº 33 da Assembleia de Condóminos do dia 25/02/2016, consta a seguinte ordem de trabalhos: “1º Eleição da Administração para o próximo ano; 2º Apresentação e aprovação do orçamento para o ano de 2016; 3º Outros assuntos de interesse geral do condomínio, nomeadamente débitos ao condomínio.” – cfr. documento de fls. 45, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
11. Dessa ata consta também, além do mais: “(…) Feita a contagem verificou-se uma percentagem de 87,40% do prédio, os quais assinaram a lista de presenças.(…) Foi deliberado e aprovado por unanimidade suspender a presente assembleia que continua no próximo dia 17 de Março, às dezassete horas, no mesmo local e com a mesma ordem de trabalhos (…).”
12. Tanto a sociedade proprietária da fração “A” como a sociedade administradora do condomínio, que acima estão identificadas, pertencem ao Sr. A. D., que também é o presidente da assembleia.
13. O condómino da fração “D” representa 60% do valor do prédio.
14. Na Ata nº 34 relativa à Assembleia de Condóminos ocorrida em 17/03/2016, consta o seguinte: “(…) Feita a contagem verificou-se uma percentagem de 87,40% do prédio, os quais assinaram a lista de presenças.(…) Como nenhum condómino se mostrou disponível, o Sr. A. D., em representação da empresa X Mediação Imobiliária, Ldª, apresentou a sua candidatura para administrar o condomínio no corrente ano de 2016, que submetida À votação foi aprovada por unanimidade. De seguida, passou-se para o segundo ponto da ordem de trabalhos (apresentação e aprovação do orçamento para o ano de 2016). Foi distribuída uma proposta de orçamento no valor de €8.860,00. O proprietário da fracção AJ disse não concordar com o desdobramento da rubrica de “manutenção/conservação” e ficou deliberado e aprovado por unanimidade alterá-la para um valor único a distribuir por todos. O mesmo proprietário disse ainda que o orçamento hoje distribuído tem uma diferença grande em relação ao distribuído na assembleia anterior e constata que a fracção “D” está dispensada de várias rúbricas, situação com a qual não concorda. (…) A proposta de orçamento para o ano 2016 no valor de 8.860,00€ foi submetida à votação e declarada como aprovada por maioria, com votos contra das fracções AJ e AL.(…)”.
15. As AA. intentaram uma ação judicial com vista à anulação desta deliberação de 17.03.2016, que correu os seus termos sob o nº 4262/16.3T8VCT, do 3º Juízo Local Cível deste tribunal, na qual foi proferida decisão em 27.11.2017, transitada em julgado em 12.12.2018, nos seguintes termos: “Nestes termos, nos termos do disposto nos artigos 576º, 1 e 3 e 595º, 1, alínea b) do C.P.C., julgo procedente a excepção peremptória de caducidade e, consequentemente, absolvo os réus dos pedidos.”
16. Do título constitutivo da propriedade horizontal (PH) supra referido em 2. consta, e sempre constou, que são comuns à fração “D”: «os três ascensores e as respectivas casas das máquinas», (sic), e também consta e sempre constou que são comuns a todas as fracções «o hall a que acesso a porta de entrada a nascente, e o hall a que dão acesso as duas entradas a poente, e as escadas que neles (hall’s) têm início, incluindo os respectivos patamares e que dão acesso aos primeiro, segundo e terceiro andares». (sic).
17. Do mesmo título constitutivo da propriedade horizontal também consta que a parte do rés-do-chão da fração “D” tem «acesso através do hall ao nível do rés-do-chão situado a nascente» (sic), e que a parte do primeiro andar da mesma fracção D tem «acesso pelo hall ao nível do andar e situado a nascente» (sic).
18. Consta ainda do título constitutivo da PH que o condómino da fração “D”, sem necessidade de autorização dos demais condóminos, poderá, futuramente, «nela fazer obras de modificação interior ou exterior, nomeadamente, abrir ou fechar portas para o exterior ou para qualquer parte comum do prédio» (sic).
19. Na assembleia de condóminos ocorrida em 25/01/2017, a que corresponde a ata nº 35, em que estiveram presentes 85,40% do prédio, foram aprovadas por maioria, com os votos contra das frações AJ, E, F e G, as contas do ano de 2016 bem como o orçamento para o ano de 2017, onde as frações “A” e “D” voltam a estar isentas de participar nas despesas do quadro 1, que incluem as da manutenção dos elevadores, as dos serviços de limpeza, da segurança social-limpeza, do seguro acidentes de trabalho, dos produtos de limpeza, as do consumo de água e as do consumo de energia elétrica.
20. O Regulamento do Condomínio do prédio, que data de 04/01/1995, nunca foi alterado, está em vigor e determina no seu art. 5º: «Artigo 5º, 1º - As despesas correntes da conservação e fruição das partes comuns de serviço de interesse comum, ou de qualquer inovação em partes comuns são repartidas pelos condóminos na proporção das suas quotas» (sic).
21. Os elevadores/ascensores não descem do rés-do-chão até à cave sendo que a fração “A” só se compõe de cave, cabendo-lhe 21% do valor total do prédio e funcionando aí um grande aparcamento automóvel aberto ao público mediante pagamento.
22. A fração “A” não é servida pelos elevadores, mas tem escadas que ligam a cave a um grande pátio/terraço comum do prédio, ao nível do rés-do-chão, e que consta como tal no título da PH.
23. Em consequência da execução de obras, a fração “D” dispõe de acesso próprio e exclusivo a partir da via pública e não comunica, nem pode comunicar com os três elevadores e as respetivas casas das máquinas, as duas instalações sanitárias, escadas interiores e corredores comuns.
24. A 1ª Ré possui seguro próprio relativo à fração “D”, em substituição do seguro coletivo.
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Factos não provados.

a) Toda esta situação cometida pelo condómino da fração D, obrigou as AA a terem de fazer várias viagens do Porto e de Vila Praia de Âncora, onde residem, até Viana do Castelo, para conferenciarem com o advogado (para o que usaram o carro próprio), e a terem de buscar e juntar vária documentação para esse efeito, tendo ainda sofrido outros danos patrimoniais como o custo de muitas fotocópias e o de muitos telefonemas e o de alguma alimentação fora de casa, cujo volume total se quantifica em montante nunca inferior a 150,00 euros para cada Autora.
b) A conduta do condómino da fração D, também causou consideráveis danos não patrimoniais para cada uma das AA, como perdas de horas de sono, quebras de maior tranquilidade na vida quotidiana, prolongada preocupação pela morosidade da decisão legal da causa, que durará muitos meses e até anos, faltas de tempo para descanso, os quais se quantificam em montante não inferior a 300,00 euros para cada Autora.
c) Todas as portas da fração D viradas a Sul (e são várias) dão precisamente para esse pátio/terraço comum do prédio ao nível do rés-do-chão e não dão diretamente para a via pública.
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IV-O MÉRITO DO RECURSO.

Embora não se discuta nos autos o que são partes comuns do prédio, ou se em causa estão partes comuns do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Praça ..., Lote ..., com os nºs 73 a 109, cidade e concelho de Viana do Castelo, por uma questão de ordem começamos por atentar no que dispõe o artº. 1421º do Código Civil (C.C.) quanto às que são comuns e às que se presumem comuns; e fá-lo nos seguintes termos:

1.São comuns as seguintes partes do edifício:

a) O solo, bem como os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio;
b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção;

c) As entradas, vestíbulos, escadas e corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos;
d) As instalações gerais de água, electricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes.


2. Presumem-se ainda comuns:

a) Os pátios e jardins anexos ao edifício;

b) Os ascensores;
c) As dependências destinadas ao uso e habitação do porteiro;
d) As garagens e outros lugares de estacionamento;
e) Em geral, as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos.

3 - O título constitutivo pode afectar ao uso exclusivo de um condómino certas zonas das partes comuns.

No caso concreto, dispõe ainda o título constitutivo da propriedade horizontal que são comuns, no que aqui interessa, à fracção “D”: «os três ascensores e as respectivas casas das máquinas», e também consta e sempre constou que são comuns a todas as fracções «o hall a que acesso a porta de entrada a nascente, e o hall a que dão acesso as duas entradas a poente, e as escadas que neles (hall’s) têm início, incluindo os respectivos patamares e que dão acesso aos primeiro, segundo e terceiro andares». Do mesmo título constitutivo da propriedade horizontal também consta que a parte do rés-do-chão da fracção “D” tem «acesso através do hall ao nível do rés-do-chão situado a nascente», e que a parte do primeiro andar da mesma fracção D tem «acesso pelo hall ao nível do andar e situado a nascente».

O que está em concreto em causa nestes autos é a interpretação a dar ao artº. 1424º do C.C., relativamente à participação de cada condómino nas despesas relativas à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum.

Nesta matéria a lei estabelece uma regra geral no seu nº. 1, embora de carácter supletivo, uma vez que logo ressalva a disposição em contrário, e no nº. 2 e aqui só quanto às despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum prevê acordo em contrário quanto ao modo de repartição das mesmas (nomeadamente em proporção à respetiva fruição) e devendo esse acordo ser aprovado sem oposição por maioria representativa de 2/3 do valor total do prédio e ser levado ao Regulamento do Condomínio. Nos nºs. 3 e 4 do artigo estão previstas normas especiais.

Assim, no artº. 1424º, do C.C. estabelece-se o seguinte:

. salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações – nº. 1;
. porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação – nº. 2;
. as despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem – nº. 3;
. nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas frações por eles possam ser servidas – nº. 4.

Quanto ao modo de repartição das despesas o nº. 1 refere-se à regra da proporção do valor das frações, e o Regulamento do Condomínio do prédio estabeleceu no mesmo sentido: artigo 5º, 1º - As despesas correntes da conservação e fruição das partes comuns de serviço de interesse comum, ou de qualquer inovação em partes comuns são repartidas pelos condóminos na proporção das suas quotas».

A questão está pois em saber se o facto provado 23- “ Em consequência da execução de obras, a fração “D” dispõe de acesso próprio e exclusivo a partir da via pública e não comunica, nem pode comunicar com os três elevadores e as respetivas casas das máquinas, as duas instalações sanitárias, escadas interiores e corredores comuns.”, aliás tal como permitido pelo título constitutivo de propriedade horizontal –cfr. ponto 18 dos factos provados-, se essa factualidade, dizia-se, nos remete para o campo de aplicação dos nos nºs. 3 e 4 do artº. 1424º do C.C..

De facto, a recorrente invoca erro de julgamento por o Tribunal “a quo” ter submetido mal ao direito o ponto 23 dos factos provados; dizendo: é pressuposto dessa obrigação (do nº. 1 do artº. 1424º) que o condómino de quem se exige o pagamento tenha acesso às partes comuns e delas se possa servir, ou seja, estando em causa partes comuns do edifício de que só alguns condóminos possam usufruir, a regra geral de comparticipação nas despesas de acordo com o valor de cada uma das frações, é alterada através da consagração legal de isenção de participação nesses encargos ou despesas daqueles condóminos que não as possam utilizar no âmbito da normal utilização da sua fração; no caso a fração D tem um obstáculo físico e material a essa utilização, logo não se aplica o nº. 1, caindo antes no regime dos nºs. 3 e 4 (dizemos nós “a contrario”), logo a sua isenção de pagamento decorre da lei não sendo necessária qualquer deliberação, não se colocando pois a anulabilidade invocada relativamente à deliberação de 25/1/2017.
Ou seja, caso se entenda que os condóminos da fração D não se servem de lanços de escadas ou de partes comuns do prédio, nem a fração pode ser servida pelos elevadores, então, sem necessidade de qualquer deliberação, fica excluída dessas despesas inerentes uma vez que elas cabem apenas aos condóminos que exclusivamente se sirvam do respetivo lanço de escadas ou partes comuns e aos condóminos cujas frações possam ser servidas pelos elevadores –normas estas que são excecionais e imperativas.

Na sentença recorrida entendeu-se que a fração D não fica excluída dos pagamentos por força dos nºs. 3 e 4 citados, com vasta argumentação.

Concordamos com a mesma. De facto, o título constitutivo permitiu `que a fração D deixasse de comunicar com as áreas comuns e por via disso deixasse de usufruir de serviços comuns, mas nada ficou previsto quanto à sua desoneração das respetivas despesas. E a situação pode reverter, ou seja a fração D pode voltar a comunicar com as partes comuns (hipótese prevista no mesmo título). E mais, tudo isto pode sem feito sem autorização dos demais condóminos. Se isto bastasse (por interpretação da suposta vontade subjacente ao título) para a desonerar das despesas, então o condómino da fração D poderia desonerar-se das mesmas, ultrapassando as exigências da lei para o efeito. Teria “passaporte” para entrar e sair do conjunto de participantes em despesas comuns, que podem ser de monta e que podem ter sido assumidas tendo em atenção a comparticipação de todos (que no momento seguinte e sem mais poderia já não se verificar no que concerne à fração D).

Não cremos por isso que essa situação esteja prevista.

Visto por outro prisma, o condómino da fração D optou por não se querer servir das partes comuns, mas objetivamente (e juridicamente) pode fazê-lo (ainda que fisicamente ou materialmente tenha colocado um obstáculo a isso). A possibilidade de uso do ponto de vista objetivo existe, já que a possibilidade não coincide com a inexistência de obstáculo físico quando o mesmo depende da vontade do próprio utilizador (-nessa situação a impossibilidade é subjetiva e não objetiva). Doutro modo o caso não seria muito diferente daquele condómino que, para se eximir das despesas inerentes a determinado espaço, decidia simplesmente não o usar e utilizar isso como argumento para não pagar.

Assim, pensamos que quis dar-se liberdade ao condómino da fração D para utilizar as partes comuns ou para se “autonomizar” dentro do prédio constituído em propriedade horizontal, não comunicando com as zonas comuns; mas já não se foi tão longe atribuindo-se inerentemente a desoneração das despesas com essas zonas comuns, ou permitindo-se essa desoneração.

Apenas em reforço da jurisprudência e doutrina já citados na decisão recorrida, citamos o Ac. do STJ de 12/11/2009 (www.dgsi.pt) em que se refere, além do mais (quanto à possibilidade objetiva de uso), que as partes comuns são coisas funcionalmente adstritas às várias frações autónomas do prédio pelo que a lei proíbe a renúncia abdicativa liberatória do direito do condomínio à titularidade das mesmas –artº. 1420º, nº. 2, do C.C.. Uma situação dessas, se deliberada ou se prevista no título constitutivo, dependeria sempre quanto á sua validade do modo como foi formada a vontade nesse sentido, nomeadamente se inclui a vontade unânime dos condóminos ou não, ou se estivesse prevista no título constitutivo as circunstâncias que a rodearam. Neste caso só se põe em questão a deliberação quanto ao pagamento, não quanto à faculdade conferida no título que entendemos não existir.

Ao contrário do que sustenta a recorrente, face á faculdade conferida pelo título ao condómino da fração D, era à 1ªR./recorrente que cabia alegar e provar como matéria de exceção (artº. 342º, nº. 2, do C.C.) que as obras que lhe “vedaram” o acesso ás partes comuns não foram por si executadas, por sua iniciativa ou vontade, ou que lhes sobreveio um qualquer motivo que tenderia a justificar a necessidade das mesmas que eventualmente pudesse impedir o aqui peticionado pelas A.A.. Mas não o fez.

Note-se que (e por que tal vem referido nas conclusões de recurso) embora não se retire daí uma ilação clara (que também entendemos não se poder retirar), o facto da 1ª R. ter seguro próprio não participando do coletivo, não está aqui em causa.

Assim sendo, então apenas pelo nº. 1 podia ser deliberado que essas despesas não onerariam a fração D, já que não foi alterado o regulamento do condomínio através da aprovação das contas de 2016 e 2017 no sentido pretendido pela recorrente e que valeria ainda assim apenas para os serviços de interesse comum (nº. 2).

Pergunta-se então a que formalidade tinha de obedecer esta deliberação.

Refere Aragão Seia in “Propriedade Horizontal – Condóminos e Condomínios” , pag. 121, que essa alteração tem de resultar da vontade unânime dos condóminos, consubstanciada em escritura pública, pois trata-se da modificação do título constitutivo (tal como decorre do artº. 1419º, nº. 1, C.C.). E ressalva que não será necessário que todos os condóminos outorguem na escritura, desde que o acordo conste de ata da assembleia geral assinada por todos, caso em que o administrador pode outorgar em representação do condomínio.

E entende-se que assim seja, pois colide com o princípio base do regime da propriedade horizontal na parte respeitante à compropriedade das partes comuns: o da proporcionalidade nos encargos comuns –artºs. 1405, nº. 1, e 1403, nº. 2, e ainda 1420º, nº. 1, todos do C.C..

Pires de Lima e Antunes Varela, no “Código Civil Anotado”, Vol III, na pag. 431 da 2.ª ed., referem: «O princípio geral aplicável à repartição das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento dos serviços de interesse comum é o do recurso à estipulação das partes. Valerá para o efeito o critério que tiver sido estabelecido pelos interessados, no título constitutivo ou em estipulação adequada. Na falta de disposição negocial, vigora como primeira regra supletiva o critério da proporcionalidade (…). A segunda regra supletiva, aplicável às partes comuns do prédio que apenas sirvam um ou alguns dos condóminos, é a que restringe a repartição dos respetivos encargos aos utentes dessas partes. Este segundo critério (da redução dos condóminos obrigados) é completado pelo primeiro, quanto à forma como se dividem os encargos entre condóminos onerados».

Henrique Mesquita previa a possibilidade de uma repartição de despesas diferente da prevista no artº. 1424º resultar do título constitutivo (não de uma qualquer deliberação em assembleia): «Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações. A obrigação de contribuir para estas despesas é uma típica obrigação propter rem – uma obrigação decorrente não de uma relação creditória autónoma, mas antes do próprio estatuto do condomínio. (…) «Mesmo quando as obrigações que impendem sobre os condóminos resultem do título constitutivo (e não diretamente da lei), a sua força vinculativa decorre da eficácia real do estatuto do condomínio e não de um ato de aceitação por parte daqueles» (M. Henrique Mesquita, «A propriedade horizontal no Código Civil português», Revista de Direito e de Estudos Sociais, XXIII, 1976, pp. 129-130 e nota 119).

Conforme cita o Ac. da Rel. de Lisboa de 14/11/2017 (www.dgsi.pt), na jurisprudência encontrava-se idêntico sentido, como se alcança, exemplificativamente, do sumário do Ac. do STJ de 02/04/1975, BMJ 246, p. 157: «I – No silêncio do título, é nula a deliberação dos condóminos que estabeleça a possibilidade de alteração da comparticipação das despesas por decisão da assembleia geral; a modificação do regime fixado no art. 1424.º do Cód. Civil só é possível por acordo de todos os interessados e mediante escritura pública».
E continua o Ac. da Rel. de Lisboa com a análise da evolução legislativa: “Ao encontro do entendimento espelhado na doutrina e na decisão acabadas de referir, o DL 267/94 introduziu no art. 1424 norma permitindo que as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum possam, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação. Esta norma do n.º 2 introduzida em 1994 veio permitir de forma expressa que os condóminos conformem de modo diferente do estabelecido no n.º 1 a sua participação no pagamento de despesas relativas a serviços de interesse comum. Este n.º 2 passou a possibilitar o afastamento da regra do n.º 1 no que respeita ao pagamento daquelas despesas, desde que tal afastamento seja feito por disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio. Ainda assim, a disciplina do regulamento apenas poderá ter uma de duas soluções: ou as despesas ficam a cargo dos condóminos em partes iguais ou ficam a cargo dos condóminos na proporção da respetiva fruição. Acresce ainda um requisito: que as despesas fiquem devidamente especificadas e que sejam justificados os critérios que determinam a sua imputação. Com a alteração de 1994, a lei passou a admitir que a regra da proporcionalidade fosse afastada – ainda que apenas em relação ao pagamento de serviços de interesse comum (não quanto às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns que o n.º 1 também prevê) –, não apenas por disposição (legal) em contrário, mas também mediante disposição do regulamento nos termos apertados previstos no novo n.º 2 do mesmo art. 1424.”
E continua a análise da norma concluindo “que a norma do n.º 1 do art. 1424º (proporcionalidade do valor das frações no pagamento das despesas) apenas pode ser afastada nos termos do n.º 2 e é excecionada pelas regras dos n.ºs 3 e 4. Uma repartição de despesas diferente da prevista no art. 1424, n.º 1, só é possível mediante disposição do regulamento do condomínio, aprovado sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio. Não basta uma mera deliberação da assembleia” (assim também, Sandra Passinhas, “ A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal”, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2002, pag. 284). “As regras dos n.ºs 3 e 4 do art. 1424 excecionam a regra da proporcionalidade para certas despesas, acautelando interesses de condóminos que, quando minoritários, poderiam doutro modo ver-se na contingência de ter de suportar despesas para as quais nada contribuem e das quais não podem sequer tirar proveito. São, pois, normas imperativas cujo afastamento não é possível, nem sequer dentro apertados requisitos estabelecidos pelo n.º 2 (…). A norma do n.º 2 do art. 1424 possibilita o afastamento da regra da proporcionalidade, por disposição do regulamento do condomínio aprovada nos moldes já referidos, no que respeita a algumas despesas englobadas no n.º 1, mais concretamente às «despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum». Pela sua inserção sistemática e pelo seu conteúdo, a norma do n.º 2 não possibilita o afastamento da disciplina dos n.ºs 3 e 4, que não respeitam ao pagamento de serviços de interesse comum, mas de serviços de interesse exclusivo de parte dos condóminos.”
Tentamo-nos a temperar a exigência da formalização através de escritura pública para fazer atuar a supletividade do nº. 1, desde logo porque em muitos casos como no caso concreto, o modo de repartição das despesas não consta do título constitutivo de propriedade horizontal mas antes do Regulamento de Condomínio, logo não passará necessariamente pela alteração formal do título –assim se defendeu também no Ac. da Rel. de Coimbra de 6/12/2016 citado na sentença recorrida e disponível em www.dgsi.pt. Mas quanto á exigência de unanimidade, pensamos que tal é inquestionável.
Também não vem questionado nos autos que no caso concreto a aprovação do orçamento e das contas de 2016 e orçamento de 2017 em que se enquadrou a deliberação que desonerava a fração D das despesas relativas ao quadro 1 (e que encerra tanto despesas com conservação e fruição de partes comuns como é o caso dos consumos de água e luz, manutenção de elevadores, conservação interior, produtos de limpeza, como encerra pagamento de serviços de interesse comum como é o caso da limpeza e inerente segurança social e seguro de acidentes de trabalho), não foi aprovada por unanimidade, nem foi objeto de alteração a fazer ao Regulamento aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio –desde logo no primeiro caso –orçamento de 2016- opuseram-se as frações AJ e AL; no segundo caso aprovação de contas de 2016 e do orçamento de 2017- opuseram-se as frações AJ, E, F e G –pontos 14 e 19 dos factos. As A.A. todavia só pedem a anulação desta última deliberação (certamente porque aguardavam no mais o desfecho da ação que já tinham interposto e cujo objeto incluiria a situação do orçamento de 2016), pelo que o Tribunal e bem apenas se pronunciou sobre a mesma.
Resta saber de que vício padece então a deliberação de 25/01/2017, na sequência do reconhecimento prévio da obrigação legal de comparticipação da 1ª R. nas despesas em causa.
Na esteira mais uma vez da posição de Antunes Varela e Pires de Lima (Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., pag 448), citados na decisão do Tribunal “a quo”, não se tratando de um caso de nulidade porque não é uma deliberação violadora de normas imperativas ou de interesse e ordem pública, nem de ineficácia porque não está em causa a falta de poderes da assembleia de condóminos, está sim em causa uma anulabilidade uma vez que foi violado o artº. 1424º, nº. 1, e bem como o artº. 5º, nº. 1, do Regulamento do Condomínio do prédio em questão –artº. 1433º, nº. 1, do C.C..
Foi esse o sentido da decisão proferida pelo Tribunal recorrido que declarou a anulabilidade das deliberações de 25/01/2017, com as decorrentes consequências –obrigações decorrentes para a 1ª R..
Impõe-se por isso a improcedência do recurso interposto dada a falência dos seus argumentos e das suas conclusões, e a manutenção da sentença proferida.
***
V DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, negam provimento à apelação e confirmam a douta sentença recorrida.
Custas do recurso pela recorrente.
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Guimarães, 24 de outubro de 2019.
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Os Juízes Desembargadores

Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Jorge dos Santos
2º Adjunto: Heitor Pereira Carvalho Gonçalves

(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)