Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1441/13.9TBVRL-G.G1
Relator: HEITOR GONÇALVES
Descritores: INSOLVÊNCIA
APENSAÇÃO DE PROCESSOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CENTRAL
Sumário: É legalmente admissível a apensação ao processo de insolvência de acção declarativa contra a massa insolvente, uma vez que da procedência da acção possa resultar a condenação da massa insolvente no pagamento de qualquer quantia que seja qualificada como dívida da massa à luz do CIRE.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I.Por apenso ao processo de insolvência da sociedade B. LDA, Conselho Directivo dos Baldios de …, intitulando-se entidade administradora desses baldios ao abrigo da Lei 68/93, instaurou acção declarativa contra a massa insolvente da sociedade B., Lda pedindo: se declare que a concessão de exploração da pedreira, identificada no art.º 6º desta p.i., foi denunciada em 26.11.2015, por falta de pagamento de rendas, nos termos do artigo 6º e seguintes desta P.I para a entrega da mesma em 31.12.2015; que a Massa Insolvente não logrou respeitar a denúncia que legalmente lhe foi efectuada pela autora, e que se mantém no dito espaço, usando-a, nomeadamente, publicitando-a para venda, conforme alegado em 16º e 17º da p.i, sem qualquer título que a legitime e antes contra a vontade do autor; se declare que a Massa Insolvente ocupa sem qualquer título; se condene a ré a proceder à imediata restituição ao A. completamente livre de pessoas e bens, a pedreira, identificado no artº 6º e 7º, objecto do referido contrato de concessão de exploração, a que se aludiu em 6º, 7º, 8º, 9º e 10º desta p.i, uma vez que não tem qualquer contrato que legitime tal ocupação, e a pagar ao A a quantia de €3.330,32/ ano desde 01.01.2016, e legais juros data em que por força da denuncia e da lei, devia ter ocorrido a entrega de tal espaço identificado no artº 6º e 7º desta peça, até efectiva entrega, sob pena, além do mais, de estar a enriquecer o seu património à custa do empobrecimento do do A., acrescida de 5% desde o trânsito em julgado da sentença que assim vier a decidir nos termos do n.º 4 do art.º 829ºA do Código Civil, e a indemnizar o A. pelos prejuízos matérias causados e a causar emergentes das suas ilícitas atitudes relatadas supra, artigo 16º, 17º, 18º, 19º, 20º e 21º e que vierem a ser liquidados em execução de sentença;

II. O tribunal a quo proferiu decisão, onde conclui pela inadmissibilidade legal da requerida apensação e, consequentemente, determinou a cessação da apensação destes autos ao processo de insolvência, nos seguintes termos:
«Decorre da aplicação conjugada dos artigos 146.º, n.º 1 e 148.º do C.I.R.E., que correm por apenso ao processo de insolvência as acções para exercer o direito à separação ou restituição de bens. Ora, verifica-se que o autor pretende ver reconhecida a licitude da cessação de uma dada relação Iocatícia e, em conformidade, ser determinada a entrega do imóvel objecto de locação, para além de vir exigir o pagamento das indemnizações que identifica nos pontos 5 e 7 do petitório. Contudo, o direito à restituição ou separação de bens pressupõe que o bem cuja restituição seja pretendida tenha sido apreendido para a massa insolvente, mas tal não ocorreu com o imóvel objecto de locação, pois apenas foi apreendido o direito ao trespasse, exploração e arrendamento da pedreira sita em … área dos baldios de …, …arrendada pelo valor anual de 2.075,00 € pagos no mês de Janeiro de cada ano, com os seguintes bens incluídos Reboque P… ( ... ), Dois Compressores Eléctricos, Viatura Jeep Nissan de matrícula …FX, Viatura Jeep Nissan de matrícula XB… (cfr. verba n.º 1 do auto de arrolamento de fls. 3 do apenso D), o que não é subsumível à previsão das três alíneas do n.º 1. do artigo 141.º do C.I.R.E. Ao invés, o exercício das pretensões indemnizatórias aduzidas pelo autor já poderia ser reconduzido à previsão do n.º 2 do artigo 89.º do C.I.R.E., por referência ao disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 51.º do C.I.R.E., pois a confirmar-se a versão do autor tratar-se-á de um crédito emergente da execução de um contrato bilateral que o insolvente não denunciou, apesar o poder fazer (cfr. artigo 108.º, n.º 1, do Cl.R.E.). Contudo, se o exercício de um eventual direito de crédito relativo a rendas vencidas após a declaração de insolvência poderia desde já ser reclamado², já o não poderá ser o pedido de pagamento de uma indemnização por alegada ocupação ilícita do locado, pois este pressupõe, em termos lógicos, que se reconheça judicialmente a obrigação de restituir a coisa, o que vimos extravasar o âmbito da competência por conexão previsto nos artigos 141.º, n.º 1, 146, n.º 1 e 148.º do CLR.E. Nesta decorrência, considerando todo o exposto, conclui-se pela inadmissibilidade legal da apensação requerida pelo autor, tal como é configurada a acção, e, consequentemente, decide-se determinar a cessação da apensação destes autos ao processo de insolvência. Dê baixa estatística destes autos. Sem custas, por não se tratar de um incidente anómalo - cfr. artigo 7.º, n.º 4, do R.C P.
Notifique o autor, e, após trânsito em julgado, remeta os autos à Secção de Competência Genérica da Instância Local de Vila Pouca de Aguiar, por ser a territorialmente competente (cfr.. artigo 70.ª, n.º 1, do CP.C), a fim de aí serem distribuídos - cfr. artigo 210º , al.a), do C.P.C.».
III. O autor interpôs recurso dessa decisão, concluindo:
1ª. A recorrida, sem qualquer razão que o justificasse não pagou as rendas vencidas após o decretamento da insolvência;
2ª. Através da comunicação ao Administrador da Insolvência, procedeu à resolução da referida concessão de exploração, por falta de pagamento das rendas, ao abrigo do preceituado, entre outros, no artigo 1083° e 1084 nº 2 do cc.
3ª. Nesta missiva, 0 ora recorrente referiu, ainda, que esta resolução produziria efeitos a partir da data em que a massa fosse notificada da mesma, devendo o locado ser desocupado e entregue livre de pessoas e bens, no decurso de um mês a contar da resolução.
4ª. Importa aqui apreciar os dois conceitos da restituição e separação de bens no Processo de Insolvência, que embora distintos, são duas actuações cumuláveis na mesma acção.
5ª. Como refere José Lebre de Freitas in Apreensão, Separação, Restituição, e Venda (artigo elaborado a partir de uma comunicação em seminário sobre o direito de insolvência respeitantes às actuações processuais relativas ao activo da massa insolvente, desde a sua integração com os bens do insolvente até à venda dos bens que a compõem) e nos termos do preceituado nos artigos 141º nº 1 e 159º do Cire, têm direito à separação "o possuidor em nome do qual o insolvente possuísse o bem apreendido (locador, comodante, depositante, consignante), na medida em que a posse em nome próprio presume a titularidade do direito (art.. 1268-1 CC). Tem direito à restituição.
6ª. Como refere o artigo 102° nº3 do Cire, os demais direitos indemnizatórios aí previstos, são-no sem prejuízo do direito à separação da coisa.
7ª. Resulta, inequívoco que, os créditos que possam existir não prejudicam o direito à separação da coisa, decorrendo, como decorre, do preceituado no artigo 102° n° 3 do Cire, ex vi do artigo 104° nº 5, o aqui recorrente goza do direito à separação da coisa.
8ª - Refere-nos o artigo 141° nº 1 alíneas a) e c) do Cire que: "As disposições relativas à reclamação e verificação de créditos são igualmente aplicáveis. à reclamação e verificação do direito de restituição, a seus donos dos bens apreendidos para a massa insolvente, mas de que o insolvente fosse mero possuidor em nome alheio e à reclamação destinada a separar da massa os bens de terceiro indevidamente apreendidos e quaisquer outros bens, dos quais o insolvente não tenha a plena e exclusiva propriedade ".
9ª -.Entendemos, salvo devido respeito, que na presente acção se apreciam questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, razão pela qual, e ao abrigo do preceituado no art.° 85° n.° 1 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas devem os mesmos correr por apenso ao processo de insolvência, o que se requer.

IV. Cumpre decidir.
A questão que nos é colocada consiste em saber se deve ou não ser tramitada e decidida por apenso aos autos de insolvência a acção que o Conselho Directivo de Baldios… propôs contra a massa insolvente da sociedade B., Lda, onde pede a condenação da demandada a restituir a pedreira que tinha sido locada à insolvente, e a pagar €3.330,32/ano desde 01.01.2016 para ressarcimento dos danos decorrentes da ocupação ilícita, alegando que o contrato de locação fora extrajudicialmente resolvido com base na falta de pagamento de rendas após a declaração da insolvência.

A decisão recorrida refere estar afastada a possibilidade da apensação da acção ao processo de insolvência ao abrigo do art. 148º do CIRE (1), e com inteiro acerto, porquanto os procedimentos previstos no Título V, Capítulo II, v.g. artigos 141º e 146º, tratam da restituição e separação de bens apreendidos e integrados na massa insolvente, pressuposto que não se verifica na situação em apreço. O que parece ter sido apreendido é um direito e não o próprio bem, cuja restituição é pedida com fundamento na falta de título que legitime a ocupação, depois de ter sido comunicada a resolução do contrato de locação por falta de pagamento de rendas.

Outro normativo que se mostra incorrectamente convocado neste recurso é o do artigo 85º, nº1, segundo o qual «declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para aos fins do processo». Este dispositivo nada tem que ver com as ações propostas contra a massa insolvente, contempla tão só as ações propostas contra o insolvente (ou contra terceiros) cujo resultado possa influenciar o valor da massa, que se encontrem pendentes à data da declaração da insolvências, e só relativamente a essas acções faz sentido que se proceda à sua apensação por iniciativa do administrador.

Por último, resta o nº2, do artigo 89º - «as acções, incluindo as executivas, relativas às dívidas da massa insolvente correm por penso ao processo de insolvência, com excepção das execuções por dívidas de natureza tributária»-, que o tribunal a quo entendeu não ter aplicação à acção intentada contra a massa insolvente em que o autor pede o pagamento de indemnização por alegada ocupação ilícita do locado, aduzindo que tal “pressupõe, em termos lógicos, que se reconheça judicialmente a obrigação de restituir a coisa, o que vimos extravasar o âmbito da competência por conexão previsto nos artigos 141º, nº1, 146º, nº1, e 148º do CIRE”.

Contudo, o que a nosso ver releva é que da procedência da acção possa resultar a condenação da massa insolvente no pagamento de qualquer quantia que seja qualificada como dívida da massa à luz do CIRE. E constituem dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas no CIRE (v.g. artigos 84º e 142º, nº2), as elencadas no artigo 51º, nº1, onde cabem as obrigações contratuais, as dívidas provindas da responsabilidade extracontratual ou aquiliana, e as que tenham por fonte o enriquecimento sem causa [(cfr. artigo 51º, nº1, alíneas c), d) e i)].

Nestes termos, olhando os fundamentos da acção e os pedidos de indemnização formulados, justifica-se a apensação da acção ao processo de insolvência.

V. Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta Relação em revogar a decisão que mandou remeter os autos à Secção de Competência Genérica da Instância Local de Vila Pouca de Aguiar, e consequentemente ordena-se que a acção intentada pelos apelantes seja tramitada e julgada por apenso ao processo de insolvência.

Custas pela massa insolvente.

TRG, 21.04.2016

(1) Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas aprovado pelo DL nº.53/2004, a que também pertencem as normas que a seguir se indiquem sem a expressa referência a outro código ou diploma legal.