Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
260/12.4TBMNC-A.G1
Relator: CARLOS GUERRA
Descritores: ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
RECONVENÇÃO
BENFEITORIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Na ação de divisão de coisa comum, se for deduzida reconvenção em que o demandado formule pedido de indemnização por benfeitorias feitas no prédio dividendo, deverá a reconvenção ser admitida, ao abrigo do disposto nos artigos 266º, n.º 3 e 37º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Civil do Tribunal da Relação de Guimarães:
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M… e mulher, M… propuseram a presente acção especial de divisão de coisa comum contra A… e F….
Alegam, em suma, que o Autor marido e os Réus são comproprietários, na proporção de 1/3 para cada um deles, dos prédios descritos no artigo 1º da petição inicial, pois que assim lhes foram adjudicados em sede de inventário judicial que correu termos neste Tribunal.
Mais alegam que o prédio urbano é indivisível enquanto que o rústico é divisível.
Concluem, pedindo a adjudicação do prédio urbano ou a sua venda, na falta de acordo entre os comproprietários e a divisão em três parcelas do prédio rústico.
Regularmente citados, apenas o Réu A… apresentou contestação, no âmbito da qual não pôs em causa a natureza divisível ou indivisível dos prédios em discussão, apenas contestando as áreas que os Autores lhes atribuem na petição inicial.
Deduziu ainda reconvenção, pedindo a condenação dos demais comproprietários no pagamento das benfeitorias que efectuou no prédio urbano em causa, onde vive desde que nasceu até à data presente.
Foi então proferido despacho que, para além do mais, não admitiu a reconvenção.
É desta decisão que vem interposto o presente recurso pelo Réu, que conclui a sua alegação da seguinte forma:
- resulta dos autos, nomeadamente do teor dos articulados oferecidos pelas partes que, quer um quer outro dos prédios em questão são ou poderão ser indivisíveis, num caso "ope legis", no outro pela sua natureza e composição;
- o pedido reconvencional fundamenta-se tão só em benfeitorias efectuadas pelo Recorrente no prédio urbano cuja divisão é pretendida mas admitida pelas partes a respectiva impossibilidade;
- “in casu”, o Réu/Reconvinte pretende ver reconhecido os seus direito às benfeitorias por si efectuadas cm prédio indiviso, de que são comproprietários mais dois sujeitos;
- o não reconhecimento desse direito implica o enriquecimento sem causa desses dois comproprietários já que as benfeitorias acrescem valor à coisa que dela foi objecto de que eles beneficiarão quer em caso de adjudicação quer em caso de venda;
-a Reconvenção deve ser admitida, sob pena de, assim não acontecendo, se dar cobertura a tuna situação ilegítima;
- a adjudicação ou a venda e, em especial, nesta segunda hipótese, a lei não faculta ao Recorrente empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído;
- o que fica exposto será realçado pelo facto de o imóvel que foi objecto das benfeitorias ser reconhecidamente indivisível;
- nos termos do disposto no nº 3 do artigo 266º do Código de Processo Civil, “não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor”, mas o Mmº Juiz pode autorizar a reconvenção “nos termos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 37º do mesmo diploma legal;
- no caso vertente, a admissão da reconvenção e o seu processamento não afecta, de forma relevante, a tramitação do processo de divisão de coisa comum. Pelo contrário poderá, na perspectiva do Recorrente, afastar futuras litigâncias;
- afigura-se ao Apelante que não terá sido feita a mais adequada aplicação dos normativos constantes dos artigos 473º do Código Civil e 266º do Código de Processo Civil na douta decisão sob recurso, pelo que deverá esta ser revogada por acórdão que receba a reconvenção.
Não foram oferecidas contra alegações.
Cumpre-nos agora decidir.
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Delimitado como se encontra o objecto do recurso pelas conclusões da alegação – artigos 635º, n.º 4 e 640º do Código de Processo Civil – das apresentadas pela Apelante resulta que a questão que é submetida à nossa apreciação consiste em saber se pode e deve a reconvenção deduzida pelo Réu ser admitida.
Através da presente acção com processo especial de divisão de coisa comum, pretende o Autor pôr termo à situação de compropriedade sobre dois prédios, alegando ser um indivisível e o outro divisível.
Na contestação o Réu, sem pôr em causa essa pretensão, invoca um seu direito de crédito por benfeitorias realizadas num dos imóveis e deduz reconvenção, pedindo a condenação dos demais comproprietários no pagamento dessas benfeitorias.
A reconvenção não foi admitida e é desta decisão que vem interposto o presente recurso.
Como se sabe e decorre do disposto no artigo 925º do Código de Processo Civil, a acção de divisão de coisa comum tem como objectivo pôr termo à indivisão de coisa comum.
A tramitação da acção está regulada nos artigos 926º, n.ºs 2 e 3 e seguintes daquele diploma, que dispõe:
2. Se houver contestação ou a revelia não for operante, o juiz, produzidas as provas necessárias, profere logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão, aplicando-se o disposto nos artigos 294º e 295º ....
3. Se, porém, o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, conforme o preceituado no número anterior, mandará seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.
Verifica-se, assim, que a acção, quando haja contestação ou a revelia não seja operante, começa por seguir os termos aplicáveis aos incidentes da instância e só assim não será se o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, caso em que mandará seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.
No caso deste processo, foi deduzida contestação e o Sr. Juiz entendeu que era possível proferir decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão, uma vez realizadas as diligências que ordenou e a incompatibilidade desta tramitação com a inerente ao pedido por benfeitorias conduziu a não admitir a reconvenção.
De acordo com o disposto no artigo 266º, n.º 3 do Código de Processo Civil, “Não é admissível reconvenção, quando ao pedido do réu corresponde uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 37º, com as necessárias adaptações”, preceitos que permitem ao juiz admitir a reconvenção, apesar de aos pedidos corresponderem formas de processo diferentes, se não seguirem tramitação manifestamente incompatível, sempre que haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio, incumbindo ao juiz, quando admita a reconvenção nas ditas circunstâncias, adaptar o processo à cumulação autorizada.
Esta possibilidade assume hoje especial relevância face à actual lei processual civil, que atribui ao juiz amplos poderes (deveres) de gestão e adequação processual, incumbindo-lhe “... dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável” – artigo 6º, n.º 1 – e “... devendo adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo” – artigo 547º – actividade que não poderá deixar de ter sempre como limite indiscutível o respeito pelos princípios estruturantes do direito processual civil, sobretudo daqueles que constituem emanações de princípios constitucionais.
Como salientam Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, em Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, página 44, “O seu campo de aplicação esconde menos perigos para os princípios que informam e enformam o processo civil, pretendendo-se com o seu uso garantir a satisfação de um deles, normalmente a celeridade e economia processuais, sem sacrifícios relevantes para os restantes. Aliás, escusado seria dizê-lo, por apodítico, as garantias e os princípios gerais do processo civil constituem limites intangíveis da gestão processual por exemplo, a garantia de imparcialidade do tribunal, os princípios do dispositivo e do contraditório, da proibição das decisões surpresa e da igualdade substancial das partes e o caso julgado formal ...”.
Reportando-nos ao caso dos autos, cremos que o interesse em discutir e decidir todas as questões que, para além da divisão, envolvem os prédios dividendos, como seja a apreciação de um direito por benfeitorias invocado por um dos comproprietários, evitando dessa forma que ele se veja compelido a recorrer à propositura de uma outra acção para ver o seu direito reconhecido, para além de não beliscar qualquer daqueles princípios estruturantes, assume indiscutível relevância e que justifica plenamente a admissão da reconvenção.
E o próprio processo especial de divisão de coisa comum contém em si os mecanismos adequados para adaptar o processo à cumulação autorizada bastando, para o efeito, seguir o “iter” inverso ao do despacho recorrido: em vez de decidir em primeiro lugar da possibilidade de proferir logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão para, em face disso, concluir depois pela incompatibilidade de tramitação, começar por, reconhecendo o interesse relevante na admissão da reconvenção e, verificada a impossibilidade de conhecer sumariamente das questões suscitadas, mandar seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.
Parece-nos, assim, que os princípios subjacentes àqueles poderes/deveres de gestão e adequação processual atribuídos ao juiz impõe que, acção de divisão de coisa comum, se for deduzida reconvenção em que o demandado formule pedido de indemnização por benfeitorias feitas no prédio dividendo, deverá a reconvenção ser admitida, ao abrigo do disposto nos artigos 266º, n.º 3 e 37º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.
Pelo que fica exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revoga-se o despacho recorrido, admite-se a reconvenção deduzida pelo Recorrente e ordena-se que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.
Custas pelo Apelado.
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Guimarães, 25 de Setembro de 2014
Carlos Guerra
José Estelita de Mendonça
Conceição Bucho