Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
370/16.9T8BGC.G1
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: CONFISSÃO JUDICIAL
GRAU DE INCAPACIDADE
DANO NÃO PATRIMONIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário da Relatora:

I - O juízo de valor que incida sobre a percentagem que as lesões sofridas pela autora representam em termos de incapacidade, situa-se no âmbito dos factos necessitados de prova. Prova que pode ser efectuada por qualquer meio, nomeadamente confissão ou acordo das partes nos articulados da acção.

II - A admissão de um facto pela parte a quem ele desfavoreça, embora em quantidade ou grau inferior ao alegado pela parte a quem favorece, constitui confissão, na exacta medida da quantidade ou grau admitidos.

III - Como a confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente, não pode o juiz fixar aquela incapacidade em grau inferior ao confessado, com base em peritagem, cujo valor probatório é apreciado livremente pelo tribunal.

IV – Tendo a lesada uma actividade profissional e uma vida activa pela frente, parte do dano biológico, traduzido na incapacidade para o trabalho de que ficou a padecer, é compensado como dano patrimonial futuro, calculando-se a indemnização com recurso às tabelas financeiras, pelo menos como base de trabalho, partindo dos rendimentos auferidos pela lesada ou que provavelmente viria a auferir, com vista à determinação do rendimento suprimido e do montante necessário à sua reintegração, ainda que, de facto, não haja supressão de parte do rendimento, posto que tal incapacidade se traduzirá num maior sacrifício para o obter.

V - Compensando-se como dano não patrimonial a parte do “dano biológico”, que, não se repercutindo na esfera patrimonial do lesado, se reflecte negativamente na sua qualidade de vida, enfim, na sua capacidade de ser e de ser com os outros.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

MARIA instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, emergente de acidente de viação, contra a COMPANHIA DE SEGUROS X, S.A., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de €269.193,15, a titulo de indemnização pelos danos de natureza patrimonial e não patrimonial, acrescida de juros legais de mora a partir da citação, bem como, o que se liquidar em ampliação do pedido ou execução de sentença.

Alegou, para tanto e em síntese, que no dia 30 de Agosto de 2010, pelas 16h47, ocorreu um acidente de viação na Estrada Nacional nº .., ao Km 234,9, na freguesia de ..., Bragança, em que intervieram os veículos automóveis ligeiros de passageiros, de matrículas CH, propriedade de H. F., e o CA, propriedade da autora. Imputa a ocorrência à actuação ilícita e culposa de O. C., que conduzia o veículo CH no exercício das funções de que o respectivo proprietário a incumbira e que invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem, considerando o seu sentido de marcha, indo embater com a frente do lado esquerdo daquele veículo na frente do lado esquerdo do CA.
Em consequência do referido embate a autora sofreu lesões corporais, nomeadamente fractura exposta das diáfises da tíbia e perónio esquerdos, que determinaram o seu internamento hospitalar, intervenções cirúrgicas e diversos tratamentos, que se prolongaram no tempo. Encontra-se curada mas com sequelas que implicam uma IPG de 21 pontos.
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A ré apresentou contestação, aceitando genericamente a versão do acidente relatada pela autora. Impugnou parcialmente os danos e os valores reclamados.
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Realizou-se a audiência prévia, na qual foi apresentado articulado superveniente e que foi suspensa com vista a um provável entendimento entre as partes. Uma vez que não foi obtido o acordo, proferiu-se despacho saneador tabelar. Identificou-se o objectivo do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Realizou-se a audiência de julgamento.

Proferiu-se sentença em que se decidiu:

– «Nesta conformidade e sem necessidade de mais considerandos julga-se a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e em consequência decide-se:
Condenar a ré a pagar á autora a quantia de € 43.998,15, a qual compreende a indemnização calculada em € 40.000,00 mais €3.998,15 de despesas e lucros cessantes. A qual, acrescerá os juros legais desde a sentença até integral pagamento.
Custas por ambos de acordo com o decaimento.»
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Inconformada, a autora interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:

« 1.ª – No artigo 9.º da sua douta contestação, a Ré alegou que “…as sequelas que a autora apresenta, em consequência do acidente dos autos – défice funcional do tornozelo esquerdo, talalgia e cicatriz dismórfica no 1/3 inferior da perna esquerda – determinam-lhe (…) uma incapacidade permanente geral fixada em 10 pontos (IPG).”.
2.ª – A mesma Ré, juntou com o seu referido articulado, sob o documento n.º 1, o denominado boletim clínico, que foi elaborado pelos seus serviços clínicos, onde, na sua primeira página, expressamente consta que a incapacidade permanente geral que afeta a Autora é fixável em 10 pontos.
3.ª – As sobreditas alegações subsumem-se à afirmação ou confissão expressa de factos feita pelo mandatário no articulado da contestação, pelo que, atento o disposto nos arts. 46.º e 465.º, n.º 2, ambos do C.P.C., somente poderiam ser retiradas enquanto a Autora, aqui recorrente, as não tivesse aceitado especificadamente.
4.ª – Através do seu requerimento de fls.., apresentado em juízo em 11/12/2017 (com a referência citius 27599256) a ora recorrente declarou que “aceita, especificadamente e sem reservas, a mencionada afirmação/confissão plasmada pela Ré no referido artigo 9.º da douta contestação.”.
5.ª – Até ao momento da apresentação nos autos do aludido requerimento de aceitação especificada, a recorrida não se tinha retratado, nem havia retirado as afirmações em apreço.
6.ª – Portanto, não sofrerá dúvidas que as afirmações em causa se subsumem ao conceito legal de confissão, tal como o define o art. 352.º do Código Civil.
7.ª – Tais afirmações valem, pois, como PROVA POR CONFISSÃO JUDICIAL, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 452.º e seguintes do C.P.C., sendo de relevar que têm FORÇA PROBATÓRIA PLENA contra a recorrida, enquanto confitente, atento o que se diz no art. 358.º, n.º 1 do Código Civil.
8.ª – Sabendo-se que a prova por confissão judicial se sobrepõe hierarquicamente a todas as demais provas, nomeadamente à prova pericial, face à prevalência e eficácia absolutas da confissão, teria, forçosamente, de ser desconsiderado, no que à IPG respeita, o relatório da perícia médica efetuada.
9.ª – O Mº Juiz a quo estava obrigado a levar em conta e vinculado a dar como provada a matéria factual alvo da mencionada confissão, produzida pela recorrida e aceite especificadamente pela recorrente.
10.ª – Assim, por virtude da confissão havida, é meridianamente certo que deverá ser alterado o teor do ponto 66) dos factos provados, substituindo-se pelo seguinte texto: “As sequelas que afetam a A. implicam que ela, sob os pontos de vista ortopédico e psicológico, seja portadora de uma incapacidade permanente geral (IPG), que lhe diminui a capacidade física e de ganho, de 10 pontos e que obriga a esforços acrescidos, sendo de admitir a existência de dano futuro”.
11.ª – O montante fixado na douta sentença (40.000,00 €) como indemnização global devida à recorrente, que inclui quer os danos de natureza patrimonial decorrentes da Incapacidade Permanente Geral de esta ficou a padecer (10 pontos), quer os de cariz não patrimonial, é muito baixo e não valoriza de forma minimamente razoável tais danos.
12.ª – Os danos de caráter patrimonial e não patrimonial, atenta a sua diversidade e caraterísticas, não podem, como fez o Tribunal “a quo”, ser fixados em conjunto, “metendo tudo no mesmo saco”.
13.ª – Ao invés, terão de ser apreciados e valorados isoladamente, conforme é, aliás, entendimento firmado e dominante na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores.
14.ª – A indemnização destinada a ressarcir o dano patrimonial resultante da IPG deve, tal como tem sido fartamente sufragado pela jurisprudência conhecida, representar um capital que reponha a perda de capacidade de trabalho e de ganho perdida e proporcione um rendimento compensatório que se extinga no fim do tempo provável de vida do lesado.
15.ª – Ultimamente, tem-se entendido – e bem – que o lesado precisa de manter o nível de rendimento enquanto viver, mesmo para além da idade da reforma.
16.ª – É, com efeito, depois do final da vida ativa que o lesado mais necessidades tem e mais precisa de manter um nível de rendimentos que lhe permita satisfazer essas suas necessidades suplementares.
17.ª – Será adequado, na esteira do que tem sido decidido pelo nossos Tribunais Superiores, que, em casos como o presente, se recorra, como auxiliar de cálculo da indemnização pelo dano material inerente à IPG, à fórmula de cálculo utilizada no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 04/04/1995 – CJ – Ano XX – Tomo II.
18.ª – Esta fórmula, na verdade, tem em conta vários fatores relevantes, tais como a progressão na carreira, a erosão monetária, e o crescimento dos rendimentos salariais.
19.ª – Os valores assim encontrados deverão, depois, ser temperados à luz das circunstâncias concretas de cada caso e da equidade.
20.ª – Através da mencionada fórmula, considerando o rendimento laboral mensal de 1.803,54 €, que a recorrente tinha 40 anos à data do acidente, a incapacidade permanente parcial de 10 pontos, o período de vida ativa até aos 70 anos e a progressiva baixa da taxa de juro (neste momento e face à realidade atual, inferior a 2%) encontramos um capital de cerca de 85.000,00 €.
21.ª – Temperando este montante à luz das regras da equidade (considerando a previsibilidade de agravamento futuro e que, previsivelmente, a recorrente viverá, pelo menos, mais 10/15 anos para além do fim da vida ativa), afigura-se-nos que será justo e equilibrado arbitrar, como compensação pela IPG de 10 pontos e inerente dano patrimonial, a indemnização de 100.000,00 €.
22.ª – Em relação ao valor fixado para ressarcimento dos danos não patrimoniais, a douta sentença recorrida, incluiu os mesmos numa verba única, que abarca também os danos patrimoniais, mas mal, como se demonstrou.
23.ª – Deve, neste particular, atender-se às consequências físicas e morais que para a recorrente resultaram do acidente, sendo aqui manifestamente relevante que tinha apenas 40 anos à data do evento, que foi submetida a três intervenções cirúrgicas e toda a panóplia de tratamentos a que se sujeitou e de gravíssimas sequelas de que ficou a padecer.
24.º – Importa, ainda, ter presente que, como se provou, existe a certeza de que ocorrerá dano futuro.
25.ª – Recorrendo, pois e uma vez mais, à equidade e tendo em consideração as concretas circunstâncias do caso em apreço, temos que a justa e equilibrada indemnização, adequada a compensar os danos não patrimoniais sofridos, deverá corresponder ao montante mínimo de 50.000,00 €.
26.ª – A douta sentença recorrida violou, entre outras normas, os artºs 352.º, 358.º, 483.º, 562.º, 564.º e 566.º, todos do Código Civil e os arts. 46.º e 465.º, ambos do C.P.C..

NESTES TERMOS,
Concedendo provimento ao presente recurso, alterando a douta sentença recorrida em conformidade, ou seja, modificando, em virtude da confissão da recorrida, o ponto 66. dos factos provados nos termos propostos e atribuindo e fixando os montantes indemnizatórios destinados a ressarcir o dano patrimonial resultante da IPG e o dano não patrimonial nos valores preconizados,!.»
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A apelada contra-alegou e requereu a ampliação do âmbito do recurso, apresentando, neste conspecto, as seguintes conclusões:

«1. Caso o recurso da autora venha a merecer provimento – o que apenas se equaciona por mera cautela e para efeitos do presente raciocínio – a ora recorrida pretende sejam reapreciados por Vossas Exas. os seguintes fundamentos da sua defesa em que decaiu.
2. Salvo o devido respeito, entende a aqui recorrida que o Meritíssimo Juiz, certamente por lapso – ou por ter avaliado mal e não ter conjugado os diversos meios de prova que tinha ao seu alcance – falhou no julgamento que fez sobre a matéria de facto vertida nos pontos 55, 61, 64, 65, 66 e 90 dos Factos Provados.
3. Analisada a sentença ora posta em crise, nomeadamente a parte relativa à fundamentação das respostas dadas à matéria de facto, verifica-se que as respostas dadas pelo Meritíssimo Juiz às questões vertidas naqueles artigos – de cariz médico – teve essencialmente em conta o teor do relatório pericial médico de fls. 290 a 298 e das correcções e esclarecimentos prestados a fls. 323 e 324.
4. Ora, compulsado o aludido relatório pericial, verifica-se que a Senhora Perita Médica rejeita em absoluto a ideia de que, em consequência do acidente dos autos, a autora tenha ficado a padecer de sequelas ao nível psicológico, nomeadamente as que se descrevem nos pontos 64. e 65. dos Factos Provados.
5. Sobre esta temática vem expressamente referido na página 12 do indicado relatório pericial médico que a autora “…não apresenta psicopatologia que preencha os critérios de uma entidade nosológica …”, razão pela qual “…não lhe deve ser atribuída qualquer valorização”.
6. Note-se que no âmbito da perícia médico-legal a que a autora se submeteu nestes autos foi realizada uma perícia intercalar da especialidade de Psiquiatria Forense – conforme relatório médico de fls. …, notificado às partes em 20.06.2017 – que excluiu a hipótese de a autora ter ficado a padecer de qualquer sequela psicológica/psiquiátrica, em consequência do acidente dos autos.
7. Tudo leva a crer que as respostas dadas pelo Tribunal a quo nos indicados pontos da matéria de facto que ora se deixam impugnados, tenham tido origem no documento que foi junto pela autora com a p.i. sob o n. 11 (um parecer particular que a mesma obteve extrajudicialmente), cujas conclusões se mostram plasmadas no relatório pericial médico de fls…, tal como acontece relativamente aos restantes documentos clínicos.
8. Ora o Meritíssimo Juiz, certamente por lapso – induzido em erro, pelo facto de o teor do aludido parecer constar do relatório pericial – ficou convicto de que as referidas conclusões correspondem à avaliação efectuada pela perita médico-legal que subscreveu o relatório pericial de fls. …
9. Contudo, como supra se deixou já exposto, apesar de tal documento ter sido tratado, analisado e levado em consideração na perícia médico-legal a que a autora se submeteu no âmbito dos presentes autos, o certo é que as conclusões que nele se mostram vertidas não foram validadas pela Sra. Perita Médica, tendo sido antes frontalmente contrariadas pelo resultado da Perícia em Psicologia Forense, realizada a pedido desta última.
10. Com efeito, o relatório pericial médico realizado no âmbito destes autos de forma alguma conclui no sentido de que a autora padeça dos problemas elencados no ponto 64 dos Factos Provados, ou de que, em consequência do acidente dos autos, a mesma se mostre afectada de sequelas ao nível psicológico, nomeadamente que sofra de um quadro clínico compatível com Perturbação de Ansiedade, de Depressão Disfórica Secundária, ou de Perturbação do Stress Pós-Traumático.
11. Como se deixou acima referido e é também reconhecido pelo Meritíssimo Juiz, a prova pericial foi, de facto, a única que verdadeiramente, com propriedade, foi produzida sobre esta matéria – até pela especificidade técnica que a mesma encerra – e cujas conclusões estão plasmadas no sobredito relatório pericial de fls. ….
12. Aliás, diga-se que nenhuma das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento se pronunciou, de forma fundamentada, sobre estas concretas matérias, no sentido das respostas dadas pelo Tribunal a quo, isto é no sentido de que tais problemas se verifiquem e afectem a autora de forma permanente e que os mesmos sejam decorrentes do acidente.
13. Acresce que o relatório pericial médico foi notificado às partes, não tendo sido posto em causa, sendo ainda certo que a pessoa que subscreveu o documento n. 11 junto com a p.i. não foi arrolada pela autora como testemunha e, como tal, não depôs em audiência de julgamento.
14. De resto, note-se que os 8 pontos de incapacidade permanente, fixados pelo I.N.M.L. (vide ponto 66 dos Factos Provados) não estão relacionados com qualquer sequela psicológica/psiquiátrica que tenha sido constatada no âmbito da perícia levada a cabo nos presentes autos.
15. Deste modo, considerando o teor do relatório pericial médico de fls. …, impõe-se a revogação deste segmento da decisão da primeira instância, já que, em face da prova produzida, não há fundamento para dar como demonstrado que, em consequência do acidente, a autora tenha ficado a padecer dos problemas elencados nos pontos 61, 64 e 65 dos Factos Provados.
16. Por conseguinte, deverá a matéria vertida nos pontos 61, 64 e 65 dos Factos Provados ser eliminada do elenco dos Factos Provados e ser antes incluída nos Factos Não Provados.
17. Acresce que não foi igualmente produzida qualquer prova que aponte no sentido de que as sequelas que a autora apresenta afectem a sua capacidade de ganho.
18. Com efeito, a única prova produzida sobre tal temática é precisamente a prova pericial a que acima se aludiu e que, no que a esta concreta matéria diz respeito, apenas refere que as sequelas que afectam a autora em consequência do presente sinistro, são compatíveis com o exercício da sua actividade profissional, mas implicam esforços suplementares.
19. Para que se pudesse concluir que a capacidade de ganho da autora está diminuída, em consequência do acidente, necessário seria que a recorrente tivesse demonstrado que as sequelas que apresenta têm um reflexo directo no seu rendimento, levando a que o mesmo sofresse um decréscimo, prova essa que não foi feita.
20 . Como tal, por falta de prova nesse sentido, não poderá manter-se a redacção dos pontos 55. e 66. dos Factos Provados, a qual deverá passar a ter o seguinte teor: - 55. dos Factos Provados: “Apesar de curada desde a data da alta, a A. apresenta diversas sequelas definitivas que lhe afectam a capacidade física.” - 66. dos Factos Provados: “As descritas sequelas que afetam a A. implicam que ela, sob o ponto de vista ortopédico, seja portadora de uma incapacidade permanente geral (IPG), atribuída pelo Relatório de Peritagem ( Fls 324) do Gabinete Médico Legal que lhe diminui a capacidade física, de, 8 pontos, que obrigam a esforços acrescidos sendo de admitir a existência de dano futuro.”
21. Finalmente e no que tange o ponto 90. dos Factos Provados, cumpre, bem assim, referir que da prova produzida nos autos não resultou que as sequelas de que a autora padece impliquem um prejuízo de afirmação pessoal e muito menos que os serviços clínicos da aqui recorrida o tenham admitido.
22. Mais uma vez se salienta que a única prova produzida sobre esta matéria – de cariz técnico – foi a prova pericial, sendo que a mesma não atesta que, em consequência do presente sinistro, tenha advindo à autora qualquer prejuízo de afirmação pessoal, nomeadamente que esta tenha tendência para se isolar e evitar o convívio com familiares e amigos.
23. Acresce que, do documento junto pela ré com a contestação sob o número 1, onde se mostra explanada a posição dos serviços clínicos da ré, à data da alta, não resulta minimamente que aqueles serviços tenham, em algum momento, atestado que as sequelas que a autora apresenta implicam um prejuízo de afirmação pessoal.
24. Deste modo, por falta de prova nesse sentido, deverá ser eliminado o ponto 90. Do elenco dos Factos Provado e incluído nos factos não provados.
25. Perante a factualidade que deverá ser dada como demonstrada, é firme convicção da aqui recorrida as indemnizações arbitradas pelo Tribunal a quo, quando muito, pecam por excesso, já que no seu cômputo foram tidos em consideração um conjunto relevante de factos – nomeadamente várias sequelas – que na realidade não resultaram demonstrados.
26. Verifica-se, pois, que a recorrente não tem razão naquilo que aduz no seu recurso, motivo pelo qual deverá o mesmo ser julgado improcedente, mantendo-se o quantum indemnizatório fixado pelo Tribunal a quo.
27. A decisão recorrida violou, nesta parte, o disposto nos artigos 342.º do Código Civil TERMOS EM QUE, NEGANDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA AUTORA DA DOUTA SENTENÇA, VOSSAS EXCELÊNCIAS FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!
QUANDO ASSIM SE NÃO ENTENDA, O QUE APENAS SE CONCEBE COMO HIPÓTESE MERAMENTE ACADÉMICA, A ORA RECORRIDA, REQUER A AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO PRESENTE RECURSO, PARA CONHECIMENTO DAS QUESTÕES QUE ORA SE SUSCITAM, COM AS NECESSÁRIAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.»
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A apelante respondeu, pugnando para que seja desatendida a pretensão da apelada.
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O processo foi remetido a este Tribunal da Relação, onde o recurso foi admitido nos termos em que o fora na 1ª instância.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC).
As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas, e da ampliação requerida pela apelada.

III - FUNDAMENTOS DE FACTO

Factualidade julgada provada na sentença:

«1.No dia 30 de Agosto de 2010, pelas 16h47, ocorreu um acidente de viação na Estrada Nacional …, ao Km 234,9, na freguesia de ..., na área deste concelho e comarca – cfr. doc. n.º 1.
2.Este acidente teve como veículos intervenientes o automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula CH, propriedade de H. F., e o automóvel ligeiro de passageiros de matrícula CA, propriedade da ora Autora – cit. doc. n.º 1.
3.A E.N. … forma, na zona onde ocorreu o acidente, uma reta extensa, conhecida como “Reta de ...”.
4.Possui ali uma inclinação acentuada, descendente para quem circula de Bragança para ....
5. Comporta duas correntes de trânsito inversas, uma que se processa no sentido Bragança - ... e outra no sentido ... – Bragança.
6.Sendo que, a separar as duas faixas referidas, existe ali, pintada no pavimento da via, uma linha longitudinal descontínua.
7.No dia, hora e local em que ocorreu o acidente, as condições climatéricas eram boas, visto que não chovia e era pleno dia.
8.A A. conduzia o veículo de matrícula CA e transitava pela E.N. .., no sentido ... - Bragança.
9.Ia com atenção ao trânsito e à condução.
10. Pela metade direita da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, junto à berma desse lado.
11.Animada de velocidade, não apurada.
12. Entretanto, pela E.N. 15, mas em sentido contrário, ou seja, de Bragança para ..., circulava o veículo ligeiro de passageiros de matrícula CH, conduzido por O. C..
13.Esta última, porém, imprimia ao CH uma velocidade, não apurada.
15.Ao aproximar-se do CA e antes de cruzar com este, saiu “fora da sua mão”.
16.Com efeito, de modo inesperado e sem qualquer razão aparente, invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem, considerando o seu já alegado sentido de marcha.
17. Ao aperceber-se da aproximação, em sentido contrário e na sua direção, do veículo CH, a A. travou e desviou-se o mais que podia para o seu lado direito.
18.Mas não conseguiu, apesar disso, evitar o acidente.
19.É que a condutora do CH prosseguiu a sua marcha, em direção ao CA.
20. E, assim, o CH acabou por embater com a sua frente do lado esquerdo na frente do lado esquerdo do CA.
21. O referido embate deu-se em plena metade direita da faixa de rodagem destinada ao sentido que levava o CA, sensivelmente, a meio desta.
22. Sendo que após o embate, o CH prosseguiu em marcha desgovernada, saiu da faixa de rodagem, capotou e acabou por se deter a cerca de 30 metros de distância.
23.Com os factos descritos, sem qualquer justificação, invadiu a condutora segura na ré a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha.
24.Esta última conduzia o CH com o conhecimento, autorização, por conta, no interesse e ao serviço do seu mencionado proprietário, H. F., no exercício das funções de que este a incumbira. 25.Sucede, todavia, que a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo CH achava-se transferida para a Companhia de Seguros X, S.A., ora R., através do contrato de seguro titulado pela apólice nº …, válido e em vigor na data do acidente.
26.Tendo, a ré, procedido já ao pagamento da parcela da indemnização respeitante à destruição do veículo CA.
27.Ora, a A., em consequência direta e necessária do acidente, sofreu ferimentos e lesões corporais.
28.Foi assistida no local do acidente e foi conduzida, em ambulância, ao Centro Hospitalar do …, onde deu entrada nos serviços de urgência – docs.
29.Aí, após a realização de vários exames, incluindo RX, verificou-se que a A. havia sofrido, além do mais, fratura exposta das diáfises da tíbia e perónio esquerdos – cit. doc. n.º 2.
30.Ficou, pois, a A. internada na mencionada unidade hospitalar, onde foi submetida a intervenção cirúrgica, sendo aplicado material de osteossíntese com placa e parafusos – cit. doc. n.º 2.
31.Em 07/09/2010, a A. teve alta hospitalar, não curada - cits. docs. 2 e 3.
32.Regressou ao seu domicílio, com indicação para caminhar com auxílio de andarilho ou canadianas – cit. doc. n.º 2.
33.Porém, devido a complicações surgidas no período pós-operatório – sequelas de fratura do pilão tibial esquerdo – a A. regressou ao Centro Hospitalar do … em 10/09/2010, onde foi novamente internada.
34.Neste mesmo dia, a A. foi transferida para Centro Hospitalar do …, por ser o da sua residência – docs. 4 e 5.
35.E aqui ficou internada, no serviço de ortopedia – docs. 4 e 5.
36.Aqui foram-lhe prestados cuidados gerais, foi feita vigilância do estado neuro-vascular dos membros, analgesia, antibioterapia e profilaxia de TVP/TEP com HBPM – cit. doc. n.º 4.
37.Teve alta em 14/09/2010, com indicações para cuidados de penso e manter vigilância do estado neuro-vascular dos membros, analgesia, antibioterapia e profilaxia de TVP/TEP com HBPM e para frequência da consulta externa de ortopedia – cit. doc. n.º 4. 38. E, assim, no período de 16/09/2010 a 06/12/2010, a A. frequentou regularmente a consulta externa de ortopedia do Centro Hospitalar do …, onde se dirigiu um total de 36 vezes, principalmente para cuidados de penso na lesão aberta.
39. A partir de 06/12/2010 a A. passou a fazer tratamentos de fisioterapia na Clinica Médica …, em Penafiel, tendo feito até 17/12/2010 um total de 9 sessões.
40. Em finais de Dezembro de 2010 a A, apresentava ainda atraso de consolidação e sequelas de fratura do pilão tibial esquerdo.
41. Por isso, recorreu novamente ao Centro Hospitalar do ..., onde, em 30/12/2010, foi uma vez mais internada – doc. n.º 6.
42. Neste hospital a A. foi submetida a nova cirurgia, consistente em extração do material de osteossíntese, descorticação, redução e fixação com placa LCP moldada em ponte, tendo sido feita, ainda, aplicação de fatores de crescimento plaquetário – cit. doc. n.º 6.
43. A A. teve alta hospitalar, no dia seguinte, ou seja, em 31/12/2010 – cit doc. n.º 6.
43. E passou a frequentar a consulta externa de ortopedia do mesmo hospital.
44.A partir de 07/02/2011 a A. recomeçou o tratamento de fisioterapia, desta vez no Centro Clínico ..., onde, até 28/06/2011 realizou um total de 93 sessões – doc. n.º 7.
45. Entre Junho de 2011 e Julho de 2012, para melhorar o seu estado clínico e por indicação do Dr. J. M., do Centro Hospitalar do ..., a A. frequentou um ginásio.
46. Aí foi, uma vez mais, submetida a intervenção cirúrgica, desta feita para retirada do material de osteossíntese, tendo tido alta em 11/07/2012.
47.Posto isto, a A. voltou a fazer tratamentos de fisioterapia no Centro Clínico ..., num total de 21 sessões, entre 30/07/2012 e 11/09/2012 – doc. n.º 9.
48. A A. teve de usar duas canadianas, sem poder pousar o pé no chão, até 01/02/2011, num total de 183 dias.
49. A partir de 02/02/2011 e por um período de 36 dias, a A. manteve o uso de duas canadianas, mas começou a fazer carga parcial sobre o membro inferior esquerdo.
50. A partir de 05/04/2011 e até 07/05/2011, num total de 42 dias, a A. passou a caminhar com o auxílio de uma canadiana, apenas.
51.Após a cirurgia realizada em 10/07/2012 e até 30/07/2012, a A. retomou o uso de duas canadianas na locomoção, sem poder pousar o pé no chão.
52.Desde 30/07/2012 e por um período de mais 14 dias, a A. manteve o uso de duas canadianas, mas começou a fazer carga parcial sobre a perna esquerda.
53.E somente a partir de 13/08/2012 é que a A. pôde abandonar o uso de canadianas.
54.Em 11 de Setembro de 2012 as lesões sofridas pela A. atingiram a estabilidade clínica e a fase sequelar.
55. Apesar de curada desde esta data, a A. apresenta diversas sequelas definitivas que, lhe afetam a capacidade física e de ganho.
56. Designadamente, e sob o ponto de vista ortopédico, a A. ficou a padecer de: -- cicatriz ao longo da face anterior do tornozelo e 1/3 inferior da perna esquerdos, com 15 cm de comprimento e 4 cm de largura, de cor nacarada, ligeiramente retrátil e aderente;-- cicatriz com 13 cm, linear, ao longo da face externa e 1/3 inferior da perna esquerda;-- atrofia da perna esquerda de 2 cm, com perimetria de 33,5 cm (direita 35,5 cm) medição 8 cm abaixo da tuberosidade da tíbia;-- talalgias à esquerda;-- rigidez articular do tornozelo esquerdo – flexão plantar défice de 5º e flexão dorsal;-- astralgias de ritmo mecânico do tornozelo e pé esquerdo, que se agravam com as variações climatéricas – doc. n.º 10.
57.A A. tem alguma dificuldade em caminhar em pisos irregulares ou desnivelados e em subir e descer escadas claudica na marcha, principalmente quando percorre trajetos longos tendo sido fixado pelo Gabinete Médico Legal Fls 324 o grau 3 numa escala de 7 as actividades desportivas e de lazer
58. Não consegue permanecer de pé por períodos prolongados de tempo.
59.Não pode usar sapatos de saltos altos.
61.A A., em virtude do acidente e das lesões sofridas, também ficou a padecer de sequelas ao nível psicológico.
62.A A., no momento do acidente, viveu momentos de pânico, pois ficou encarcerada na sua viatura, sentiu que correu sérios riscos de vida e ficou em estado de choque.
64. Sendo também certo que, conforme relatório de avaliação psicológica a que a A. se submeteu (doc. n.º 11), esta ficou a padecer:- ao nível pessoal, de fragilidades emocionais e cognitivas que influenciam o seu desajustado funcionamento físico e psicológico, tais como nervosismo, irritabilidade, hostilidade, humor disfórico, afeto negativo, baixa autoestima, insegurança, baixa capacidade de concentração, comportamento de evitamento, medos recorrentes e perda de autonomia; -- no contexto interpessoal, manifesta afastamento e evitamento das relações interpessoais e das atividades sociais e de lazer, quer em contexto familiar, quer com o ciclo de amigos, o que restringe o seu leque de suporte psicossocial, além de comprometer a sua perceção de bem-estar psicossocial; -- no contexto laboral, as dores, desconforto e limitações físicas, que comprometem o seu desempenho profissional conduzem a uma sobrecarga disfuncional de exposição ao stress, o que afeta, agrava e condiciona a sua saúde psíquica;-- sintomas de ansiedade e depressão, face ao sentimento de horror e ameaça extrema provocados pelo acidente e pelas consequências deste e receio do previsível agravamento futuro das sequelas.
65.A mencionada avaliação psicológica concluiu, pois, que os referidos problemas e sintomas, sendo consequência direta e necessária do acidente, revelam um quadro clínico compatível com Perturbação de Ansiedade com Depressão Disfórica Secundária e Perturbação do Stress Pós-Traumático.
66. As descritas sequelas que afetam a A. implicam que ela, sob os pontos de vista ortopédico e psicológico, seja portadora de uma incapacidade permanente geral (IPG), atribuída pelo Relatório de Peritagem ( Fls 324) do Gabinete Médico Legal que lhe diminui a capacidade física e de ganho, de, 8 pontos, que obrigam a esforços acrescidos sendo de admitir a existência de dano futuro.
68.A A. nasceu em .. de Setembro de 1970, pelo que tinha 40 anos, à data do acidente (cfr. doc. n.º 12).
69. Na altura do acidente, a A. exercia, tal como hoje exerce, a profissão de professora do 2º e 3º ciclos e secundário – doc. n.º 13.
70. Sendo então professora do quadro e com nomeação definitiva na Escola EB 2,3 / … – cit. doc. n.º 13.
71. Auferia o vencimento base de € 1.709,60 x 14 meses, acrescido de subsídio de refeição no valor mensal de € 93,94, tudo num total mensal de € 1.803,54 cit. doc. n.º 13.
72. Durante o período de incapacidade total para o trabalho – de 30/08/2010 até 11/09/2012 – a A. perdeu salários no montante global de € 2.058,67, conforme se discrimina:-- perdas de vencimento em 2010 -- € 284,94;-perdas de vencimento em 2011 -- € 274,96;-- perdas de subsídios de refeição em 2010 - € 623,42;-- perdas de subsídios de refeição em 2011 - €623,42;-- perdas de subsídios de refeição em 2012 - € 251,93.docs. 14 e 15.
73.Viu, ainda, serem-lhe descontados, devido ao elevado período de ausência do trabalho, um total de 359 dias para efeitos de concurso – doc. n.º 16.
74.A atividade profissional da A. de professora do ensino oficial inclui no elenco das suas funções essencialmente a função letiva, e implica que, durante as aulas, tenha de permanecer muito tempo de pé e, ainda de deambular pela sala de aulas.
75.Trata-se, como é bom de ver, de atividade que exige grande esforço dos membros inferiores.
77. Uma vez que a A. exerce a sua profissão de professora do ensino secundário, esta incapacidade implica, esforços acrescidos para exercício desta sua atividade profissional.
78-Essa repercussão na vida laboral da A. consiste no facto de o exercício da sua actividade profissional acarretar, em virtude do acidente dos autos, maiores esforços, pelo que a A. necessita de empenhar uma maior força, dedicação e energia na execução das tarefas profissionais em relação às quais, antes do acidente, não sentia qualquer tipo de dificuldade, estado ao qual a A. se vê agora condicionada de forma permanente, pelo que, por tais esforços acrescidos.
80.Sujeitou-se a prolongados e dolorosos tratamentos.
81.Foi submetida a três intervenções cirúrgicas, com anestesia geral.
82.Esteve internada em hospitais durante um total 18 dias, e privada do convívio com familiares, colegas e amigos.
83. As dores que padeceu são quantificáveis, tanto pelo médico da A., como pelos serviços clínicos da R., como pelo Gabinete Médico Legal num grau 5, numa escala crescente de 0 a 7.
84. Sofreu incómodos e privações.
85. Já após a alta definitiva, a A. continua apoquentada por dores no membro inferior esquerdo, tal como se acha limitada funcionalmente.
86. Para atenuar as referidas dores, a A. é obrigada a recorrer, por vezes, a medicação.
88.Não pode praticar desporto, nem consegue fazer caminhadas prolongadas, como antes fazia, sendo de quantificar no grau 3 a repercussão nas atividades desportivas e de lazer.
89. Não consegue permanecer muito tempo na mesma posição de pé.
90. Tem tendência para isolar-se e evita o convívio com familiares e amigos, sequelas que, de acordo com os serviços clínicos da R., implicam um prejuízo de afirmação pessoal.
100. Era a A. uma pessoa alegre, escorreita e bonita.
101.Hoje vê-se marcada pelas já alegadas cicatrizes.
102.Sendo o dano estético fixável, tanto pelo médico da A., como pelos serviços clínicos da R., e pelo Relatório Pericial do Gabinete Médico Legal no grau 4, numa escala de 0 a 7.
103. Sente desgosto em face das sequelas que possui.
105.Tem vergonha de usar saias ou vestidos, por virtude das cicatrizes que ostenta.
108. Em despesas médicas, gastou a quantia de € 373,00 – docs. 17 e 18.
109. Em tratamentos de fisioterapia e ginástica, despendeu a quantia global de € 1.566,48 – docs 19 a 35.
110.Em virtude das lesões sofridas no acidente, a A. ficou, após as altas hospitalares e durante cerca de um ano do período de ITA, impossibilitada de realizar as suas tarefas pessoais, tais como deitar-se, levantar-se, vestir, calçar, alimentar-se e impossibilitada até de tratar da sua higiene diária recorrendo ajuda.
112-A A. é beneficiária nº … do Instituto da Segurança Social.
113-A ré pagou á A. as seguintes quantias em consequência do acidente: a quantia de 2.687,00€, referente a todas as despesas com tratamentos de fisioterapia/hospitalares até Junho de 2011; a quantia de 237,56€, refere a despesas de farmácia; a quantia de 150,00€, referente a objetos (óculos) identificados pela autora como tendo resultado danificados no acidente – vide documento n.º 2..»

Factos julgados não provados:

– Não vêm elencados.

IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

A) IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Defende a apelante, que, antes do exame médico realizado nos autos e independentemente do que deste resulta, estava já provado por confissão da ré que as sequelas de que padece em consequência das lesões corporais sofridas no acidente lhe determinaram uma incapacidade permanente geral de, pelo menos, 10 pontos.
Para tanto, invoca o teor do art.º 9º da contestação, em que a ré, estribada no boletim clínico elaborado pelos seus serviços clínicos, reconhece que a autora ficou com sequelas que lhe determinam uma IPG de 10%. Mais alega, que, no requerimento que apresentou em juízo em 11/12/2017 (com a referência citius 27599256), a apelante declarou que “aceita, especificadamente e sem reservas, a mencionada afirmação/confissão plasmada pela ré no referido artigo 9.º da douta contestação”, pelo que tal confissão não podia ser retirada.

No caso em apreço estamos perante um facto não sujeito a prova vinculada, em matéria na livre disponibilidade das partes, como bem o atesta o capítulo da regularização (extrajudicial) dos sinistros, constante do Dec. Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto.
Efectivamente, contrariamente ao contra-alegado pela ré, a graduação da incapacidade é ainda matéria de facto.

Sobre esta temática diz-se no acórdão do TRP de 18-05-2017, relatado pelo Desembargador José Manuel de Araújo Barros, no processo 4135/14.4TBMAI.P1:

– «Começaremos por anotar que a distinção filosófica entre facto e juízo de valor apenas relevará no campo do direito por referência à valoração jurídica. Ou seja, o juízo de valor que incide sobre os atributos das coisas continua a ser facto, excepto se consubstanciar, ao menos parcialmente, a ponderação de conceitos de direito.
Assim, a noção de facto deverá abranger não só o evento naturalístico mas também todas as virtualidades que dele emanam. Nomeadamente em termos valorativos. Como o valor de determinada peça de roupa. A velocidade a que determinado veículo se desloca. Ou, no que ora nos concerne, o grau de incapacidade que decorre das lesões do autor. Ponderações que, porque despidas de conceitos jurídicos, não podem deixar de ser considerada elas próprias como questão de facto. Já assim não sucedendo com as relativas ao preço da peça de roupa corresponder ao legalmente devido. À questão de a velocidade ser ou não excessiva. Ou à de a incapacidade ser ou não ressarcível.
Nessa linha, refere-se no acórdão do STJ 14.12.2005 (Maria Laura Leonardo), in dgsi.pt, que “os juízos de facto (ou juízos de valor sobre a matéria de facto) situam-se entre os puros factos e as questões de direito. Acrescentando-se que “quando os juízos de facto fazem parte da previsão das próprias normas, interessando, por isso, directamente à sua interpretação e aplicação, situam-se no âmbito das questões de direito”. Mas já “os juízos de valor sobre a matéria de facto, cuja emissão ou formulação se apoiam em simples critérios do homem comum, constituem matéria de facto”.
Posto o que não nos restam dúvidas de que o juízo de valor que incida sobre a percentagem que as lesões sofridas pelo autor representam em termos de incapacidade se situa no âmbito dos factos necessitados de prova a que alude o já referido artigo 41º do CPC.
Como tal, podendo ser objecto de qualquer meio de prova. Nomeadamente, passível de confissão. Que, nos termos do preceituado no artigo 352º do Código Civil, «é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária».
Cumpre frisar uma outra distinção, intimamente ligada à anterior e igualmente importante para a abordagem da questão ora em apreço. Reportamo-nos à que se tem de estabelecer entre a confissão dos factos, que é um meio de prova, praticável por qualquer das partes, e a confissão do pedido, ligada à admissão por parte do réu da pretensão formulada pelo autor. Aquela é uma declaração de ciência; esta é uma manifestação de vontade. Sobre o tema, cfr. José Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, Vol. III, pág. 485, Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª Ed., pág. 536, e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, pág. 325. Ver ainda o acórdão do STJ de 17.05.2016 (Fernandes do Vale), in dgsi.pt.
Situemo-nos na vertente da confissão como mera declaração de ciência sobre factos. Que, como já vimos, também abarcará os próprios juízos de valor de conteúdo não jurídico. Mais especificamente, atentando na possibilidade da confissão parcial dos factos, quando essa valoração passe por uma graduação com expressão numérica. Repare-se que não estamos no âmbito da confissão de parte do pedido, mas sim no da graduação do facto a provar

Entendimento que partilhamos na íntegra.

Ora, se a autora alega uma incapacidade permanente parcial de 21% e a ré alega que tal incapacidade é de 10%, está a reconhecer que, pelo menos, a autora ficou com tal incapacidade. Fica, por força de tal reconhecimento, assente pelo menos uma IPG de 10 pontos percentuais, apenas estando em discussão se é ou não superior a esse valor.
Consequentemente, em resultado do exame médico (perícia) realizado nos autos com tal objecto, apenas não se provou que a incapacidade seja superior ao valor que já se mostrava assente.
Em suma, a admissão de um facto pela parte a quem ele desfavoreça, embora em quantidade ou grau inferior ao alegado pela parte a quem favorece, constitui confissão, na exacta medida da quantidade ou grau admitidos.
Como a confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente, não pode o juiz fixar aquela incapacidade em grau inferior ao confessado, com base em peritagem, cujo valor probatório é apreciado livremente pelo tribunal.

Pelo exposto acolhemos as conclusões da apelante neste conspecto, alterando-se a redacção do facto n.º 66, que passa a ser a seguinte:

– “As sequelas que afectam a A. implicam que ela, sob os pontos de vista ortopédico e psicológico, seja portadora de uma incapacidade permanente geral (IPG), que lhe diminui a capacidade física e de ganho de 10 pontos e que obriga a esforços acrescidos, sendo de admitir a existência de dano futuro”.
`*
Estabelece o art.º 636.º do CPC que, no caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação. Pode ainda o recorrido, na respectiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.

No caso em apreço, prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas pela apelante, a apelada vem impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto vertida nos pontos 55, 61, 64, 65, 66 e 90 dos Factos Provados.

Pugna no sentido da eliminação dos factos 61, 64, 65 e 90 do elenco dos Factos Provados e pela alteração da redacção dos pontos 55 e 66, a qual deverá passar a ter o seguinte teor:

“55.: “Apesar de curada desde a data da alta, a A. apresenta diversas sequelas definitivas que lhe afectam a capacidade física.”
– 66.: “As descritas sequelas que afetam a A. implicam que ela, sob o ponto de vista ortopédico, seja portadora de uma incapacidade permanente geral (IPG), atribuída pelo Relatório de Peritagem ( Fls 324) do Gabinete Médico Legal que lhe diminui a capacidade física, de, 8 pontos, que obrigam a esforços acrescidos sendo de admitir a existência de dano futuro.

Os factos objecto de impugnação pela apelada são os seguintes:

55. Apesar de curada desde esta data, a A. apresenta diversas sequelas definitivas que, lhe afetam a capacidade física e de ganho.
61. A A., em virtude do acidente e das lesões sofridas, também ficou a padecer de sequelas ao nível psicológico.
64. Sendo também certo que, conforme relatório de avaliação psicológica a que a A. se submeteu (doc. n.º 11), esta ficou a padecer:- ao nível pessoal, de fragilidades emocionais e cognitivas que influenciam o seu desajustado funcionamento físico e psicológico, tais como nervosismo, irritabilidade, hostilidade, humor disfórico, afeto negativo, baixa autoestima, insegurança, baixa capacidade de concentração, comportamento de evitamento, medos recorrentes e perda de autonomia; -- no contexto interpessoal, manifesta afastamento e evitamento das relações interpessoais e das atividades sociais e de lazer, quer em contexto familiar, quer com o ciclo de amigos, o que restringe o seu leque de suporte psicossocial, além de comprometer a sua perceção de bem-estar psicossocial; -- no contexto laboral, as dores, desconforto e limitações físicas, que comprometem o seu desempenho profissional conduzem a uma sobrecarga disfuncional de exposição ao stress, o que afeta, agrava e condiciona a sua saúde psíquica;-- sintomas de ansiedade e depressão, face ao sentimento de horror e ameaça extrema provocados pelo acidente e pelas consequências deste e receio do previsível agravamento futuro das sequelas.
65.A mencionada avaliação psicológica concluiu, pois, que os referidos problemas e sintomas, sendo consequência direta e necessária do acidente, revelam um quadro clínico compatível com Perturbação de Ansiedade com Depressão Disfórica Secundária e Perturbação do Stress Pós-Traumático.
66. As descritas sequelas que afetam a A. implicam que ela, sob os pontos de vista ortopédico e psicológico, seja portadora de uma incapacidade permanente geral (IPG), atribuída pelo Relatório de Peritagem ( Fls 324) do Gabinete Médico Legal que lhe diminui a capacidade física e de ganho, de, 8 pontos, que obrigam a esforços acrescidos sendo de admitir a existência de dano futuro.
90. Tem tendência para isolar-se e evita o convívio com familiares e amigos, sequelas que, de acordo com os serviços clínicos da R., implicam um prejuízo de afirmação pessoal.
Analisamos a prova produzida, mormente aquela em que o Tribunal fundou a sua convicção.
No tocante ao facto nº 55 a sua prova resulta do exame pericial que conclui, a fls. 298, que a IPG que afecta a autora tem rebate profissional (repercussão permanente na actividade profissional), isto é, implica um esforço acrescido no exercício da actividade habitual, nomeadamente na permanência prolongada em pé (fls. 297 verso). Há reflexo na capacidade de ganho, porque, ainda que ganhe o mesmo, isto é, não exista uma perda salarial efectiva, terá de fazer um esforço suplementar. A remuneração é conseguida com maior sacrifício físico. Não se vislumbra assim fundamento para alterar o que foi julgado provado sob este número 55.
A materialidade contida no nº 61 mostra-se concretizada no facto nº 64, de que o nº 65 é também mera conclusão clínica. No tocante a estes últimos, a sua prova resulta da perícia psicológica realizada extrajudicialmente e cujo relatório foi junto aos autos a fls. 57 e segs (doc. nº 11 da P.I.). Ainda que se considere que a perícia extrajudicial tem apenas valor de parecer técnico, certo é que as suas conclusões foram acolhidas e reproduzidas na perícia médico legal realizada nos autos, que não contrariou ou descredibilizou tal perícia técnica. Trata-se assim de um meio prova sujeito à livre apreciação do juiz, que o valorou, como lhe era permitido.
A redacção do facto nº 66 já foi alterada em face do que se mostrava assente nos articulados (art.º 9º da contestação). Não acolhemos a argumentação da apelada no sentido da alteração que propõe. Note-se que nas conclusões do exame médico legal se refere “défice funcional da integridade físico psíquica”, inexistindo fundamento para limitar o défice funcional apenas às sequelas ortopédicas. Quanto às consequências da IPG (rebate profissional), as mesmas também resultam expressamente das conclusões do relatório da perícia médica médico legal realizada nos autos.
Relativamente ao facto nº 90 deve ser eliminada a expressão “de acordo com os serviços clínicos da R”, por não encontrarmos fundamento probatório para tal, nem qualquer interesse na conclusão “implicam um prejuízo de afirmação pessoal”, matéria a ser apreciada e por nós oportunamente valorada em face dos factos que permitam concluir pela existência de tal prejuízo. Quanto à restante materialidade contida neste número, contrariamente ao que refere a apelante, o Mmª Juiz “ a quo” fundou-se no depoimento das testemunhas, que analisa e resume, concretamente nos depoimentos das testemunhas R. C., E. M., L. C., R. P., cuja credibilidade não é posta em causa pela apelada, testemunhas que genericamente referiram que em consequência das sequelas sofridas a autora se isolou e necessitou de apoio psicológico, o que é corroborado pela avaliação psicológica efectuada extrajudicialmente.

Pelo exposto e na procedência apenas parcial das conclusões da ampliação do âmbito do recurso propugnada pela apelada, mantém-se a redacção dos factos, com a alteração já introduzida ao nº 66, e apenas se altera a redacção do facto provado sob o nº 90º que passa a ser a seguinte:

90. Tem tendência para isolar-se e evita o convívio com familiares e amigos.
*
Aplicação do direito aos factos (quantum indemnizatório)

A apelante insurge-se contra a indemnização global no montante de €40.000, fixada na sentença recorrida para o ressarcimentos do dano patrimonial futuro decorrente da Incapacidade Permanente Geral e dos danos não patrimoniais.
Afirma que tal montante não valoriza de forma minimamente razoável tais danos e que, atenta a sua diversidade e características, não pode a indemnização ser fixada em conjunto, “metendo tudo no mesmo saco”.

No caso em apreço a autora sofreu um dano corporal, na sua saúde e integridade físico-psíquica (factos nºs 25 a 35), designadamente:

Sofreu fractura exposta das diáfises da tíbia e perónio esquerdos
– Após todas as intervenções cirúrgicas e tratamentos referidos nos factos nºs 30 a 53, em 11 de Setembro de 2012 as lesões sofridas pela autora atingiram a estabilidade clínica, apresentando diversas sequelas definitivas, nomeadamente, ficou a padecer de: -- cicatriz ao longo da face anterior do tornozelo e 1/3 inferior da perna esquerdos, com 15 cm de comprimento e 4 cm de largura, de cor nacarada, ligeiramente retrátil e aderente;-- cicatriz com 13 cm, linear, ao longo da face externa e 1/3 inferior da perna esquerda;-- atrofia da perna esquerda de 2 cm, com perimetria de 33,5 cm (direita 35,5 cm) medição 8 cm abaixo da tuberosidade da tíbia;-- talalgias à esquerda;-- rigidez articular do tornozelo esquerdo – flexão plantar défice de 5º e flexão dorsal;-- astralgias de ritmo mecânico do tornozelo e pé esquerdo, que se agravam com as variações climatéricas.
– Tais sequelas implicam para a autora alguma dificuldade em caminhar em pisos irregulares ou desnivelados e em subir e descer escadas, claudica na marcha, principalmente quando percorre trajectos longos. Não consegue permanecer de pé por períodos prolongados de tempo. Não pode usar sapatos de saltos altos.
– Também ficou a padecer de sequelas ao nível psicológico, que traduzem “um quadro clínico compatível com Perturbação de Ansiedade com Depressão Disfórica Secundária e Perturbação do Stress Pós-Traumático”.
– As sequelas que afectam a autora implicam que ela, sob os pontos de vista ortopédico e psicológico, seja portadora de uma incapacidade permanente geral (IPG) de 10 pontos, que implica esforços acrescidos, sendo de admitir a existência de dano futuro.
No tocante à indemnização por danos patrimoniais futuros decorrentes da incapacidade permanente parcial para o trabalho, tem-se entendido que esta é devida ainda que não se prove ter resultado da incapacidade física diminuição dos proventos da vítima.
Com efeito, há duas décadas que constitui jurisprudência pacífica, que o lesado, que ficou a padecer de IPP, que lhe acarrete maior dificuldade ou esforço suplementar no desempenho da sua actividade profissional, tem direito a ser compensado, ainda que na prática não tenha visto diminuir os seus rendimentos do trabalho.
Inicialmente defendia-se que a obtenção do mesmo rendimento implicaria maior esforço ou maior sacrifício. Se a IPP não se repercutia na actividade profissional do lesado, por não a ter ou já estar reformado ou aposentado, o dano era compensado como dano não patrimonial.
Posteriormente, com Sinde Monteiro in “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, página 248, surgiu a distinção entre o “dano biológico” e o “dano moral”.
Também a jurisprudência, tem operado essa distinção (lesão da integridade físico-psíquica, que deverá ser reparada, a título de dano corporal ou biológico, ainda que não incida na capacidade de produzir rendimentos ou, também, independentemente desta) – entre vários ver: Ac. do STJ de 23.11.2010, proc. 456/06.8TBVGS.C1.S1; Ac. do STJ de 19.5.2009, proc. 298/06.0TBSJM.S1 e de 4.10.2007, proc. nº 07B2957 – in www.dgsi.pt. (1).
Face às dificuldades que o conceito apresenta na dicotomia tradicional da avaliação de danos patrimoniais versus danos não patrimoniais, a jurisprudência vem entendendo, maioritariamente, que a indemnização pelo dano biológico, “qua tale”, se justifica nos casos em que a IPP, ou a sequela física, não tem rebate em termos profissionais, nomeadamente porque o lesado não exerce uma actividade profissional, por já se encontrar aposentado, integrando-o na indemnização por danos não patrimoniais.
Se o lesado tem uma actividade profissional e uma vida activa pela frente, o dano biológico integra-se na indemnização pelo dano patrimonial decorrente da incapacidade para o trabalho, calculado com base nos rendimentos auferidos ou que provavelmente viria a auferir, ainda que, de facto, não haja supressão de parte do rendimento, compensando-se como dano não patrimonial parte do “dano biológico”, v.g. a perda de aptidões familiares ou afectivas, em especial da capacidade procriativa; a perda da faculdade de prática de actividade desportiva ou de outra actividade recreativa; a perda do gozo dos anos da juventude; perda da possibilidade de iniciar ou prosseguir determinados estudos; perda de esperança de vida.
No caso em apreço, tendo a autora uma actividade profissional (professora do 2º e 3º ciclos), a incapacidade funcional de que ficou portadora integra um dano patrimonial futuro indemnizável.
Ora, no tocante ao dano patrimonial futuro, decorrente da incapacidade de que a autora ficou portadora em consequência das lesões corporais sofridas, é consensual o recurso a tabelas financeiras, pelo menos como base de trabalho.
Dos factos provados resulta que a autora ficou portadora de uma IPG de 10 pontos, tinha 40 anos à data do sinistro (42 aquando da alta definitiva), auferia o vencimento mensal de €1.709,60 x 14 meses (acrescido de subsídio de refeição no valor mensal de € 93,94, tudo num total mensal de € 1.803,54).
É infundada a questão levantada pela apelada quanto ao rendimento atendível dever ser líquido de impostos. Efectivamente a tributação de que o rendimento seria objecto (estamos no âmbito de um dano patrimonial futuro) é questão que respeita apenas ao Estado – poderia ser tributado [ver al. h) do nº3 do art.º 2º do CIRS], mas escolheu isentá-lo (art.º 12º do mesmo diploma) e certamente que o benefício não é concedido ao lesante, mas sim ao lesado e em atenção a este.
Tomando por ponto de partida a tabela financeira que tem obtido maior consenso na jurisprudência e corrigindo a taxa real de juro dos depósitos a prazo para 1% (sabemos que até é inferior) e atendendo, não à expectativa de vida média, que já supera os 81 anos para as mulheres (Pordata), mas à idade de jubilação (70 anos)
Cientes de que o valor a atribuir não é o resultado matemático das tabelas financeiras, mas aquele que, em face da factualidade provada e, se necessário, com recurso à equidade, assegure a reconstituição da situação hipotética (a que existiria no futuro, não fosse a lesão sofrida pelo autor).
E que, mesmo assim, não tivemos em conta outras varáveis, nomeadamente a expectável progressão na carreira e a inflação.
Afigura-se justo atribuir à autora, a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro decorrente da perda de capacidade de trabalho, o montante de €62.000.
Como atrás referimos, deve ser compensado em sede dano não patrimonial aquela parte do dano biológico que não se repercute na esfera patrimonial do lesado.
Este dano no corpo, na saúde, enfim na integridade física e psíquica, reflecte-se igualmente na qualidade de vida do lesado, na sua capacidade de ser e de ser com os outros, também assumindo natureza de dano não patrimonial ou como tal devendo ser compensado.
O art.º 496º do CC estabelece que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
A lei não nos fornece o conceito de dano não patrimonial sendo o mesmo definível pela negativa, isto é por contraposição ao dano patrimonial. No fundo é dano não patrimonial todo aquele que atinja bens jurídicos insusceptíveis de avaliação económica.
“A única condição de ressarcibilidade do dano não patrimonial é a sua gravidade (artº 496 nº 1 do Código Civil). Na impossibilidade de concretizar um critério geral, porque nesta matéria o casuísmo é infindável, apenas importa acentuar que danos consequentes a lesões a direitos de personalidade devem ser considerados mais graves do que os resultantes de violação de direitos referidos a coisas. De resto, tratando-se de lesão de bens e direitos de personalidade, essa gravidade deve ter-se, por regra, como consubstanciada: deve exigir-se para bens pessoais um tratamento diferente do reservado para as coisas” (2).
Não se trata de uma indemnização em sentido próprio, pois, face à natureza do dano, é impossível repor a situação que existiria se o evento lesivo não tivesse ocorrido, não sendo aqui aplicável a teoria da diferença.
Visa-se apenas compensar o lesado pelo sofrimento, desgosto, dor, perda de qualidade de vida ou de aptidões funcionais, através da atribuição de uma quantia em dinheiro fixada equitativamente pelo Tribunal, que atenderá ao grau de culpa do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso (artºs 496º e 494º do CC).
Assim, a quantificação da compensação é casuística e, embora se procurem na jurisprudência referências que nos guiem, para não se cair na pura arbitrariedade, não podemos olvidar que as circunstâncias de cada caso são irrepetíveis.
Neste caminho a percorrer devemos ter sempre presente que “a indemnização dos danos morais deve ser significativa e não meramente simbólica”.(3)

No caso em apreço há que encontrar um valor que compense adequadamente todo o sofrimento da autora na altura do acidente, durante os vários internamentos, intervenções cirúrgicas e tratamentos a que foi submetida, bem como as dores que, apesar de curada, a vão acompanhar para o resto da vida, podendo agravar-se, e as limitações funcionais que apresenta e que condicionam o seu dia a dia.

Assim, neste conspecto provou-se:

– A autora foi submetida a três intervenções cirúrgicas, com anestesia geral.
–.Esteve internada em hospitais durante um total 18 dias, e privada do convívio com familiares, colegas e amigos.
– As dores que padeceu foram quantificadas pelo Gabinete Médico Legal num grau 5, numa escala crescente de 0 a 7.
– Sofreu incómodos com os tratamentos de fisioterapia e durante largos meses apenas se pode locomover com o auxílio de canadianas.
– Já após a alta definitiva, a autora continua apoquentada por dores no membro inferior esquerdo, tal como se acha limitada funcionalmente, tendo de recorrer, por vezes, a medicação.
–.Não pode praticar desporto, nem consegue fazer caminhadas prolongadas, como antes fazia, sendo de quantificar no grau 3 a repercussão nas atividades desportivas e de lazer.
– Não consegue permanecer muito tempo na mesma posição de pé.
– Tem tendência para isolar-se e evita o convívio com familiares e amigos.
– A autora era uma pessoa alegre, escorreita e bonita e hoje vê-se marcada por cicatrizes, sendo que o dano estético foi fixado pelo Gabinete Médico Legal no grau 4, numa escala de 0 a 7.
– Sente desgosto em face das sequelas que possui, tendo vergonha de usar saias ou vestidos, por virtude das cicatrizes que ostenta.

Para compensar a autora de todos os danos não patrimoniais que sofreu, em juízo de equidade, e ponderando casos similares ao dos presentes autos e os valores arbitrados pela nossa jurisprudência, afigura-se-nos equitativamente adequado e equilibrado, o montante de €30.000.
*
Procedem assim parcialmente as conclusões da apelante impondo-se alterar o valor indemnizatório fixado na sentença em conformidade com o que se acabou de expor.

V – DELIBERAÇÃO

Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, altera-se a sentença recorrida, condenando-se a ré a pagar á autora a quantia de €95.998,15 (noventa e cinco mil, novecentos e noventa e oito euros e 15 cêntimos), a qual compreende a indemnização pelo dano patrimonial futuro. fixada em €62.000, por danos não patrimoniais, no valor de €30.000,00 e a quantia de €3.998,15 arbitrada na sentença a título de “despesas e lucros cessantes”. A tal valor acrescem juros de mora como fixado na sentença.
Custas em ambas as instâncias por autora/apelante e ré/apelada na proporção do respectivo decaimento.
Guimarães, 19-9-2019

Eva Almeida
Maria Amália Santos
Ana Cristina Duarte


1. Sobre esta temática, ler o artigo da Prof. Doutora Maria da Graça Trigo (Adopção do conceito de “dano biológico” pelo Direito Português) -http://www.oa.pt/upl/%7B5b5e9c22-e6ac-4484-a018-4b6d10200921%7D.pdf, onde, entre o mais, se faz referência e se analisa a jurisprudência nacional sobre o dano biológico.
2. Acórdão do TRC, de 16.9.2014 (proc. 597/11.0TBTNV.C1), publicado in dgsi.pt e Jorge Sinde Monteiro, Reparação dos Danos Pessoais em Portugal, CJ, 86, IV, pág. 11.
3. Acórdãos do STJ de 13.2.1996 (087922), de 7.4.2003 (03B3528)