Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
10503/15.7T8VNF-B.G1
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
REGISTO
ANTERIORIDADE
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/30/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 822.º do Código de Processo Civil, o crédito do exequente, que beneficie da penhora de um imóvel levada a cabo na execução, é graduado antes do crédito do credor reclamante, que esteja garantido por uma hipoteca judicial sobre o mesmo bem, quando o registo daquela for anterior ao desta.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I
F. S. apresentou, por apenso à execução que corre termos no Juízo de Execuções de Vila Nova de Famalicão, em que é exequente Banco … S.A. e executado L. C., reclamação de créditos onde pede que seja:
"(…) verificado o crédito reclamado de 238.200,00 €, acrescido dos juros de mora vencidos até à presente data, de 25.355,35 €, tudo, no valor total global de 263.555,35 € e, ainda, dos juros vincendos, à taxa legal, até integral e efetivo pagamento".
Alegou, em síntese, que no processo 26083/17.6T8PRT o aqui executado foi condenado a pagar-lhe a quantia de 238.200,00 €, acrescida de juros de mora, e que para garantia deste seu crédito tem uma hipoteca judicial sobre o imóvel penhorado nos autos, descrito como Lote …, sito no Empreendimento Urbano e Turístico de …, descrito sob o n.º …/19870924 da freguesia de ..., concelho de Tavira, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...º.
Este crédito não foi impugnado.
Foi proferida sentença em que se decidiu:
"Face ao exposto, julgo reconhecido o referido crédito do credor F. S. e, consequentemente, do produto da venda do imóvel penhorado nos auto aos “credores” A. M. e mulher M. F., pelo preço contratualizado de cento e dez mil euros, serão pagos:
1.- Crédito do credor reclamante F. S., até ao limite da hipoteca.
2.- Crédito exequendo.
3.- Crédito reclamado pelo credor F. S. (do montante de € 3.278,54 - já reconhecido e graduado por sentença anterior)."

Inconformado com esta decisão, o exequente dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo, findando a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:

1. O crédito do credor reclamante F. S., ora Apelado, no montante de 263.555,35 € resulta de douta Sentença, já transitada em julgado, proferida no âmbito da ação de processo comum que correu termos sob o n.º 26083/17.6T8PRT, no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Cível do Porto, Juiz 6, interposta por L. C. contra F. S., pelo qual condena L. C. a pagar a F. S. a quantia global de 238.200,00 €, acrescido de juros de mora contados, à taxa legal, desde a notificação para contestar a reconvenção e até integral reembolso.
2. Para garantia do capital de 238.200,00 €, o credor reclamante F. S., ora Apelado, registou uma hipoteca judicial sobre o imóvel penhorado nos autos principais – Lote .., sito no Empreendimento Urbano e Turístico de ..., descrito sob o n.º …/19870924 da freguesia de ..., concelho de Tavira, inscrito na respetiva matriz sob o art. ….
3. O registo de hipoteca judicial, mencionado em 2., foi lavrado provisoriamente por natureza, sob a AP. 1068 de 2020/06/26, nos termos do art. 92.º, n.º 1 do Código de Registo Predial, em 26/06/2020 uma vez que a douta Sentença ainda não tinha transitado em julgado, tendo, em 07/10/2020, sido efetuada a conversão do registo provisório por natureza em definitivo, sob a AP. 1273 de 2020/10/07.
4. Sucede, porém, que, em 27/04/2020, o Exequente já tinha efetuado o registo de penhora sobre o referido imóvel à ordem dos autos principais, sob AP. 1188 de 2020/04/27.
5. A par disto, também a penhora registada pelo credor reclamante F. S., ora Apelado, sobre o aludido imóvel, processo n.º 580/11.5TBEPS-A, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Cível – Juiz 2, apenas foi efetuada em 05/05/2020, sob a AP. 1162 de 2020/05/05, isto é, em data posterior ao registo da penhora pelo Exequente, ora Apelante.
6. Em conformidade, a penhora registada pelo Exequente, ora Apelante, sobre o imóvel penhorado nos autos principais – Lote .., sito no Empreendimento Urbano e Turístico de ..., descrito sob o n.º …/19870924 da freguesia de ..., concelho de Tavira, inscrito na respetiva matriz sob o art. … goza de preferência em relação aos demais credores, mesmo hipotecário, porque realizou o registo posteriormente, de acordo com o disposto nos artigos 686.º e 822.º ambos do Código Civil e ainda artigo 6.º, n.º 1 do Código de Registo Predial.
7. Em face do exposto, deverá a douta Sentença em crise ser revogada e substituída por outra que declare que o crédito do credor F. S. e, consequentemente, do produto da venda do imóvel penhorado nos autos aos credores A. M. e mulher M. F., pelo preço contratualizado de cento e dez mil euros, serão pagos, primeiramente pelo crédito exequendo; em segundo lugar, pelo crédito reclamado pelo credor F. S. (do montante de 3278,54 € – já reconhecido e graduado por sentença anterior); por último, pelo crédito do credor reclamante F. S., até ao limite da hipoteca.

O credor F. S. contra-alegou sustentando a improcedência do recurso.
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635.º n.º 3 e 639.º n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil (1), delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir consiste em saber se, relativamente ao produto da venda do imóvel penhorado na execução, o crédito do exequente deve ser graduado antes do crédito reclamado neste apenso pelo credor F. S..

II
1.º
Importa ter presente os seguintes factos:
- A 27-4-2020 foi registada a penhora do Lote …, sito no Empreendimento Urbano e Turístico de ..., descrito sob o n.º …/19870924 da freguesia de ..., concelho de Tavira, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...º, que foi efetuada na execução a que esta reclamação está apensa.
- A penhora desse imóvel foi efetuada na execução a que este incidente está apenso.
- No processo 26083/17.6T8PRT o aqui executado foi condenado a pagar ao reclamante F. S. a quantia de 238.200,00 €, acrescida de juros de mora.
- Para garantia desse crédito, o reclamante F. S. registou uma hipoteca judicial sobre aquele imóvel.
- O registo dessa hipoteca judicial foi lavrado provisoriamente por natureza a 26-6-2020, uma vez que nessa data a sentença proferida no processo 26083/17.6T8PRT ainda não tinha transitado em julgado.
- Após o trânsito em julgado dessa decisão foi efetuada, a 7-10-2020, a conversão do registo provisório por natureza em definitivo.
2.º
O exequente funda a sua posição dizendo que "à data de 26/06/2020, data do registo provisório da hipoteca judicial pelo credor reclamante F. S. (…) para garantia do capital de 238.200,00 €, sobre o imóvel penhorado nos autos principais (...) já constava registo de penhora sobre o referido imóvel à ordem dos autos principais, desde 27/04/2020 (…). O mesmo é dizer que a penhora registada pelo Exequente (…) sobre o imóvel penhorado nos autos principais (…) goza de preferência em relação aos demais credores, mesmo hipotecário, porque realizou o registo posteriormente". Invoca, para o efeito, "o disposto nos artigos 686.º e 822.º ambos do Código Civil e ainda artigo 6.º, n.º 1 do Código de Registo Predial".
Mas, o reclamante F. S. considera que, como "credor hipotecário, tem o direito a ver o seu crédito satisfeito com prioridade em relação aos demais credores comuns, designadamente ao Banco …".
Vejamos.
A hipoteca sobre o imóvel penhorado nos autos, de que beneficia o reclamante F. S., foi registada como provisória por natureza a 26-6-2020. E a 7-10-2020 operou-se a conversão desse registo provisório em definitivo.
Assim, a data do registo da hipoteca a ter em consideração é 26-6-2020, visto que "o registo convertido em definitivo conserva a prioridade que tinha como provisório" (2).
Por sua vez, a penhora do imóvel realizada na execução, que o exequente tem a seu favor, foi registada a 27-4-2020.
Portanto, o registo da penhora é anterior ao da hipoteca judicial.
Ora, o n.º 1 do artigo 822.º do Código Civil estabelece que "salvo nos casos especialmente previstos na lei, o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior."
Assim, independentemente de se considerar que "a penhora consubstancia um direito real de garantia" (3) ou que ela é apenas "fonte de uma preferência sobre o produto da venda dos bens penhorados" (4), o certo é que com o registo da penhora de um imóvel "o exequente fica com o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior (…). Assim, será pago antes de qualquer credor com (…) hipoteca judicial posterior." (5) Na verdade, "a preferência de pagamento da hipoteca (…) em relação à penhora, depende da data do respetivo registo a que estão sujeitas" (6).
Neste contexto, dúvidas não restam de que o exequente beneficia da anterioridade do registo, pelo que o seu crédito deve ser graduado antes do crédito do reclamante F. S. garantido por hipoteca judicial.
3.º
Uma palavra final para dizer que, no que toca à parte da decisão do tribunal a quo que, quanto aos dois créditos do reclamante F. S., graduou o garantido com hipoteca judicial antes daquele que beneficia de uma penhora, falta interesse em agir (7) ao exequente para questionar a ordem definida na decisão recorrida (8). Com efeito, o direito do exequente não é, direta ou indiretamente, afetado por qual desses dois créditos fica graduado à frente do outro.
Por esse motivo, não se conhecerá de tal matéria.

III
Com fundamento no atrás exposto julga-se procedente o recurso, pelo que:
a) revoga-se a decisão recorrida no segmento que graduou o crédito do reclamante F. S. garantido por hipoteca judicial antes do crédito do exequente;
b) gradua-se em primeiro lugar o crédito do exequente e em segundo lugar o crédito do reclamante F. S. garantido por hipoteca judicial;
c) mantém-se, no mais, a decisão recorrida.

Custas pelo reclamante F. S..

30 de setembro de 2021

António Beça Pereira
Ana Cristina Duarte
Alexandra Rolim Mendes



1. São deste código todos os artigos adiante mencionados sem qualquer outra referência.
2. Artigo 6.º n.º 3 do Código do Registo Predial.
3. Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 4.ª Edição, pág. 21. Neste sentido José Alberto González, Código Civil Anotado, Vol. II, 2012, pág. 645, Ana Prata et al., Código Civil Anotado, Vol. I, 2017, pág. 1034, Lebre de Freitas, A Ação Executiva, 5.ª Edição, pág. 269, e Ac. STJ 23-5-2019 no Proc. 95/12.4JAAVR-A.P1.S1, www.gde.mj.pt.
4. Teixeira de Sousa, Ação Executiva Singular, 1998, pág. 251. Neste sentido Manuel Batista Lopes, A Penhora, 1967, pág. 158.
5. Lebre de Freitas, A Ação Executiva, 5.ª Edição, pág. 270. Neste sentido Ana Prata et al., Código Civil Anotado, Vol. I, 2017, pág. 1034 e Ac. Rel. Coimbra de 25-10-2005 no Proc. 2648/05, www.gde.mj.pt.
6. Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 4.ª Edição, pág. 21. Neste sentido Ana Prata et al., Código Civil Anotado, Vol. I, 2017, pág. 1034.
7. Como é sabido, o interesse em agir, também designado "causa legítima de ação" ou "interesse processual", "consiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial. É o interesse em utilizar a arma judiciária - em recorrer ao processo", Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 79.
8. Cfr. conclusão 7.ª.