Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1862/15.2T8VRL.G1
Relator: ALDA CASIMIRO
Descritores: MEIOS DE PROVA
CONTROLO DE VELOCIDADE
NÃO COMUNICAÇÃO DO RADAR À CNPD
INEXISTÊNCIA DE NULIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- O art. 5º do D.L. 207/2005, de 29.11 estabelece, no nº 1 que “as forças de segurança responsáveis pelo tratamento de dados e pela utilização dos meios de vigilância electrónica notificam a CNPD das câmaras fixas instaladas, com identificação do respectivo modelo, características técnicas e número de série e dos locais públicos que estas permitem observar, bem como do nome da entidade responsável pelo equipamento e pelos tratamentos de dados” e no nº 2 que “são igualmente notificados os meios portáteis disponíveis, com identificação do respectivo modelo, características técnicas e número de série”. Todavia, o mesmo D.L. não comina qualquer consequência para o desrespeito deste art. 5º.
O registo fotográfico do carro e a aferição da velocidade não constituem um método de prova proibido.
A não comunicação à CNPD, prevista no art. 5º do D.L. 207/2005, de 29.11, pode, eventualmente, constituir desrespeito pela legislação de protecção de dados, mas não é susceptível de acarretar a nulidade da prova.
II- A afirmação que o radar só está preparado para fazer um número determinado de obtenções rigorosas de velocidade não tem fonte científica ou legal. A aprovação do uso de equipamentos do controlo e fiscalização do trânsito é uma competência da ANSR e o IPQ é a entidade competente para aprovar as características do equipamento.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães,

Relatório
No âmbito do Recurso de Contra-ordenação com o nº 1862/15.2T8VRL que corre termos na Secção Criminal (J1) da Inst. Local de Vila Real, Comarca de Vila Real, o arguido,
Luís F., residente na Rua Conselheiro Costa Aroso, nº 555, Bloco A Norte-2, Hab. 1, Andrães, 4470-590 Maia,
viu julgadas improcedentes as nulidades invocadas e ser integralmente mantida a decisão administrativa (ANSR) que lhe tinha aplicado sanção de inibição de conduzir pelo período de 60 dias, suspensa na sua execução por um período de 365 dias, condicionada à frequência de uma acção de formação no módulo Velocidade, devendo esta ser frequentada durante o período da suspensão, por infracção ao disposto no art. 28º, nº 1, al. b) do Código da Estrada, sancionável nos termos do disposto no mesmo artigo no seu nº 5 e no art. 27º, nº 2, al. a), 138º e 145º, al. b), todos do mesmo diploma legal.
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Não se conformando com a decisão, o arguido interpôs recurso pedindo que a decisão recorrida seja declarada nula ou, caso assim não se entenda, seja ordenada a baixa à 1ª lnstância para produção de prova atinente às características técnicas do aparelho / radar e bem assim há cerca da sua capacidade de obtenção de velocidade, nomeadamente quanto ao número máximo de obtenções até que erre, por forma a apurar se a velocidade obtida nestes auto o foi com rigor e com certeza, reabrindo-se a audiência de julgamento para este efeito ou, caso assim não se entenda e ao invés se entenda ser de decidir já, seja ele absolvido.
Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem:
a) A falta de comunicação do radar à CNPD determina a nulidade da prova traduzida no resultado do controlo de velocidade, por ser nula.
b) A norma que impõe essa comunicação prévia e esse registo prévio não excepciona as forças da autoridade.
c) O facto de não se obter directamente a imagem do visado, mas sim da viatura conduzida não elimina esta invalidade processual.
d) Nestes autos não está feita a prova do número máximo de obtenções de velocidade do radar em causa...
e) ... o que equivale a dizer que se desconhece se a velocidade obtida é real e rigorosa, pois que não basta que o aparelho esteja aprovado pelo IPQ até 31.12.2013, quando a velocidade terá sido obtida em 07.2013 e sem haver prova de quantas obtenções terá decorrido desde a ultima aferição / verificação.
f) A prova essencial e que está omissa, o que determina a falta de instrução dos autos na fase administrativa, é precisamente saber-se nestes autos para quantas obtenções rigorosas de velocidade, está preparado o aludido radar.
g) Note-se que a última verificação metrológica tinha sido realizada há mais de um ano, por referência à obtenção de velocidade nestes autos, e sabendo-se que este radar só nessa manhã tinha obtido cerca de 700 resultados e desconhecendo-se o número máximo de obtenções em que funciona correctamente, está omissa a informação e a prova de que o aparelho estaria e estava a funcionar correctamente e para quantas correctas obtenção de resultados está este aparelho preparado, após cada verificação metrológica.
h) O que a douta sentença recorrida defende, é que, no fundo, este radar mesmo com verificação para mais de um ano e sem saber quantas obtenções efectuou, terá realizado um resultado correcto, mas salvo o devido respeito não parece que a douta sentença recorrida possa assim concluir; todos os aparelhos de medição devem fazer controlo metrológico anual, precisamente porque se descalibram e deixam de funcionar correctamente e apesar deste aparelho estar aprovado pelo IPQ não estava calibrado, nem aferido, nem verificado, o que tinha surgido em momento anterior com mais de um ano de distância, por referência à data do controlo de velocidade nestes autos.
i) A douta decisão recorrida deveria ter apurado em julgamento quais as características técnicas do aparelho e para quantas obtenções de velocidade com rigor está o mesmo preparado após cada verificação e esta prova é possível e é essencial para a manutenção da decisão administrativa, e não tendo sido feita, deveria determinar a absolvição do recorrente, por inexistir a certeza do resultado apurado pelo radar, quanto ao veículo detectado nestes autos, na hora, no local e no dia mencionados na douta decisão recorrida.
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O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido e apresentando as seguintes conclusões:
1- A sentença ora recorrida não merece qualquer censura, já que atendeu a todos os factos dados como provados e não violou qualquer preceito legal, nomeadamente os mencionados pela recorrente.
2- Deve, pois, ao recurso ser negado provimento, mantendo-se a douta decisão recorrida.
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Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer em que defende a improcedência do recurso por a lei não fazer depender a validade da prova obtida pelos meios de aferição da velocidade da sua prévia notificação à CNPD e porque nada indica que o número de obtenção de registos possa influenciar o rigor dos resultados.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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Fundamentação

Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
No dia 20.07.2013, pelas 10.25 horas, na A4, 102, em Justes, comarca de Vila Real, o Arguido, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula …, circulava, pelo menos, à velocidade de 133 km/Hora, correspondente à velocidade registada de 140 km/hora.
No local o limite máximo de velocidade permitido, imposto por sinalização, era de 100 km/hora.
A velocidade foi verificada através do radar fotográfico Multanova MUVR-6FD, nº 12-012058, aprovado pela ANSR através do Despacho nº 15919/2011 de 12.08 e pelo IPQ através do Despacho de aprovação de modelo nº 111.20.06.3.43 de 18.07.2007, com verificação periódica pelo IPQ em 21.06.2012, válida até 31.12.2013.
O Arguido revelou desatenção e irreflectida inobservância das normas de direito rodoviário, actuando com manifesta falta de cuidado e prudência que o trânsito de veículos aconselha e que no momento se lhe impunham, agindo de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e sancionada pela lei contra-ordenacional.
O Arguido foi já condenado pela prática de contra-ordenação grave, no âmbito do processo nº 269723013, praticada a 11.06.2009, cuja decisão foi notificada a 17.09.2010.
O radar em causa não foi notificado à CNPD.

Na mesma sentença considerou-se que não se provou:
O radar em causa não foi calibrado periodicamente.
Aquando dos factos, o Recorrente encontrava-se em ultrapassagem a um veículo pesado que decidiu também ele ultrapassar sem assinalar a sua manobra, tendo proporcionado nesse momento uma situação de perigo, ao que o Recorrente se viu obrigado a imprimir maior velocidade a fim de evitar esse perigo, sem contudo ultrapassar o que poderia ser a velocidade de 100 km/h, pois que o pesado não pode ultrapassar os 90 km/h e nalguns locais os 80 km/h.
Pelo que o Recorrente foi obrigado a efectuar essa mesma manobra, sendo que a sua actuação observou o limite de velocidade ali imposto.

O Tribunal recorrido motivou a decisão de facto, após o que fundamentou a decisão de direito como segue:
O Recorrente foi condenado por infracção ao disposto no art. 28º, nº 1, al. b) do Código da Estrada, sancionável nos termos do disposto no mesmo artigo no seu nº 5 e no art. 27º, nº 2, al. a), 138º e 145º, al. b), do mesmo código.
Em sede da presente impugnação judicial arguiu a nulidade da decisão administrativa, porque assenta num meio de prova nulo, porquanto o radar identificado na decisão não estava calibrado e por isso não é fiável o resultado da medição do mesmo; a calibragem do radar ocorreu mais de um ano antes da medição; e o radar não estava registado na CNPD;
Vejamos, então, da suscitada ilegalidade dessa mesma prova.
No caso dos autos, a velocidade a que seguia a viatura foi captada através do radar fotográfico Multanova MUVR-6FD, nº 12-012058, aprovado pela ANSR através do Despacho nº 15919/2011 de 12.08 e pelo IPQ através do Despacho de aprovação de modelo nº 111.20.06.3.43 de 18.07.2007, com verificação periódica pelo IPQ em 21.06.2012, válida até 31.12.2013.
Ora, como resulta do documento de verificação do radar emitido pelo IPQ – fls. 7 e fls. 64, o radar foi objecto de verificação periódica pelo IPQ em 21.06.2012, válida até 31.12.2013.
De acordo com o art. 4º, nº 5, do Dec. Lei nº 291/90 de 20.09, que regula o regime de controlo metrológico de métodos e instrumentos de medição, “a verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário.”
Nessa conformidade, tendo a infracção aqui em causa sido registada a 20.07.2013, estando o radar em causa, àquela data, devidamente aprovado e homologado e tendo sido objecto de verificação periódica a 21.06.2012, válida até 31.12.2013, nos termos constantes do respectivo Certificado de Verificação junto aos autos e de harmonia com a legislação que vigora a esse propósito, nenhuma irregularidade ou ilegalidade se constata quanto à obtenção da prova através daquele equipamento; e, como tal, conjugando tal elemento com a demais prova produzida acima esmiuçada, tem-se por fiável o resultado da medição do mesmo.
O Recorrente esgrime, ainda, no sentido da ilegalidade naquele meio de obtenção de prova, porquanto o radar não estava registado na Comissão Nacional de Protecção de Dados.
Como é sabido, a utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum foi regulada pela Lei nº 1/2005, de 10 de Janeiro, que foi objecto de alterações pela Lei nº 39-A/2005, de 29 de Julho.
O Decreto-Lei nº 207/2005, de 29.11, visa regular o regime especial autorizado pelo artigo 13º da Lei nº 1/2005, de 10 de Janeiro, na redacção decorrente da Lei nº 39-A/2005, de 29 de Julho” – cfr. art. 1º.
Como refere o Decreto-Lei nº 207/2005, de 29.11, no respectivo preâmbulo, a utilização dos radares constitui um importante instrumento no quadro das políticas de prevenção e de segurança rodoviárias, bem como na detecção de infracções estradais, no sentido de inverter as estatísticas relativas ao número de acidentes nas estradas portuguesas, com índices dos mais elevados a nível europeu, ainda que com alguma tendência decrescente. Com efeito tais meios constituem um instrumento de dissuasão de comportamentos de risco, bem como de melhoramento (e de controlo) da acção das forças de segurança que têm por missão salvaguardar a segurança de pessoas e bens.
Daí a validade constitucional do seu uso depois de ponderado o potencial lesivo dos direitos liberdades e garantias dos cidadãos que a sua utilização pode representar - artigo 18º da CRP.
No seu já citado artigo 1º, além do mais, define-se: “a) Os procedimentos a adoptar na instalação, pelas forças de segurança, de sistemas de vigilância electrónica rodoviária; b) As formas e condições de utilização pelas forças de segurança (…); c) Os procedimentos a adoptar para o tratamento da informação recolhida e o eficaz registo de acidentes, infracções ou quaisquer ilícitos; d) As formas através das quais as forças de segurança se coordenam para a eficaz interacção com as empresas, cujos equipamentos estão legalmente autorizadas a utilizar.”
Nos termos do art. 2º do mesmo diploma:
“1- Com vista à salvaguarda da segurança das pessoas e bens na circulação rodoviária e à melhoria das condições de prevenção e repressão das infracções estradais, as forças de segurança podem recorrer: a meios de vigilância electrónica próprios; a sistemas de vigilância rodoviária e de localização instalados ou a instalar pela entidade competente para a gestão das estradas nacionais e pelas concessionárias rodoviárias nas respectivas vias concessionadas.”
Estabelecendo o artigo 3º que “a instalação dos meios de vigilância electrónica bem como a captação de imagens devem ser direccionadas, tanto quanto tecnicamente possível, para os veículos que sejam objecto da acção de prevenção ou de fiscalização; os meios de vigilância, designadamente câmaras digitais, de vídeo ou fotográficas, e sistemas de localização adquiridos pelas forças de segurança para os efeitos previstos no presente decreto-lei constam de inventário próprio e são notificados à Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD)”.
E o art. 5º:
“1- As forças de segurança responsáveis pelo tratamento de dados e pela utilização dos meios de vigilância electrónica notificam a CNPD das câmaras fixas instaladas, com identificação do respectivo modelo, características técnicas e número de série e dos locais públicos que estas permitem observar, bem como do nome da entidade responsável pelo equipamento e pelos tratamentos de dados.
2- São igualmente notificados os meios portáteis disponíveis, com identificação do respectivo modelo, características técnicas e número de série.”
Pergunta-se, então, qual é a consequência legal de não se ter verificado essa comunicação à CNPD, como no caso aconteceu.
Em nosso entendimento, a ausência da comunicação prevista no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 207/2005, de 29 de Novembro (notificação do aparelho à Comissão Nacional de Protecção de Dados), não acarreta qualquer proibição de valoração da prova obtida através do radar.
A este propósito, seguimos o entendimento do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06-02-2008, Processo n.º 0715317, in www.dgsi.pt: “a notificação dos sistemas de vigilância electrónica à referida comissão nada tem a ver com a validade da prova, tendo antes em vista permitir a esse organismo o controlo dos dados obtidos por esse meio, em ordem à protecção de dados pessoais, como se conclui do artº 2º, nº 2, da referida Lei nº 1/2005, que, em relação ao tratamento dos dados recolhidos, remete para a Lei nº 67/98, de 26 de Outubro, que, por sua vez, comete à CNPD a função de vigilância e protecção de dados pessoais. Isso ficou ainda mais claro com a posterior redacção que veio, pela Lei nº 39-A/2005, de 29 de Julho, a ser dada ao artº 13º daquele primeiro diploma legal: «Os sistemas de registo, gravação e tratamento de dados referidos no número anterior são autorizados tendo em vista o reforço da eficácia da intervenção legal das forças de segurança e das autoridades judiciárias e a racionalização de meios, sendo apenas utilizáveis em conformidade com os princípios gerais de tratamento de dados pessoais previstos na Lei nº 67/98, de 26 de Outubro, em especial os princípios da adequação e da proporcionalidade». E no mesmo sentido vão os artºs 12º, nº 2, e 17º do DL nº 207/2005: «As forças de segurança adoptam as providências necessárias à eliminação dos registos ou os dados pessoais destes constantes, desde que identificados ou identificáveis, recolhidos no âmbito das finalidades autorizadas que se revelem excessivos ou desnecessários para a prossecução dos procedimentos penais ou contra-ordenacionais» e «Sem prejuízo do disposto na legislação aplicável, são objecto de controlo, tendo em vista a segurança da informação: (...) b) A manipulação de dados, a fim de impedir a inserção, bem como qualquer tomada de conhecimento, alteração ou eliminação, não autorizada, de dados pessoais». Em lado algum a lei faz depender a validade da prova obtida pelos meios de vigilância electrónica da sua prévia notificação à Comissão Nacional de Protecção de Dados” (no mesmo sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11-10-2007, Processo n.º 6528/07.9, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26-04-2007, Processo n.º 457/06.6TBFND.C1, e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12-12-2007, Processo n.º 1124/07.9TALRA.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Temos assim que a falta da referida notificação não tem qualquer implicação para efeitos do disposto no art. 126º, do CPP, na medida em que, ainda assim “se afigura proporcional e adequado à salvaguarda de pessoas e bens na actividade de circulação rodoviária, unicamente com a finalidade da respectiva protecção e da segurança inerente, sem afronta a direitos de imagem e de reserva da vida privada que não devam ceder na ponderação dos interesses subjacentes, tanto mais, quando, in casu, apenas versando na velocidade do veículo e através de registo fotográfico do mesmo” (como se disse no último Acórdão citado).
Inexistindo qualquer violação do art. 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa), que o Recorrente nem sequer suscita, entende-se, claramente, que a prevalência deve ser dada às finalidades prosseguidas com esse meio de obtenção de prova.
Face ao exposto, encontrando-se o radar em apreço devidamente aprovado e certificado para utilização, como estava, constitui meio de obtenção de prova legal, permitindo concluir, com segurança, que o Arguido seguia pelo menos à velocidade apurada depois de deduzido o erro máximo admissível à velocidade registada.
(…) Concluindo-se pela validade da prova, julga-se improcedente a invocada nulidade da decisão administrativa. (…)
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Apreciando…

De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal.
Ainda, nos termos do art. 75º do D.L. 433/82 de 27.10, na redacção introduzida pelo D.L. 244/95 de 14.09, o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito, podendo alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida, salvo a limitação da reformatio in pejus; e podendo anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido.

Em questão está a nulidade da prova do controlo de velocidade – por falta de comunicação do radar à CNPD e por falta de conhecimento de quantas obtenções de velocidade terão existido desde a data da última aferição até à aferição deste auto.
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Em causa está o radar fotográfico Multanova MUVR-6FD, nº 12-012058, aprovado pela ANSR através do Despacho nº 15919/2011 de 12.08 e pelo IPQ através do Despacho de aprovação de modelo nº 111.20.06.3.43 de 18.07.2007, com verificação periódica pelo IPQ em 21.06.2012, válida até 31.12.2013. Este radar não está registado na Comissão Nacional de Protecção de Dados.
A utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum foi regulada pela Lei 1/2005, de 10.01, alterada pela Lei 39-A/2005, de 29.07. Por seu turno, o D.L. 207/2005, de 29.11, veio regular o regime especial autorizado pelo art. 13º da Lei 1/2005, de 10.01 na redacção da Lei nº 39-A/2005, de 29.07 (cfr. o art. 1º).
Como lembra a sentença recorrida, o D.L. 207/2005, de 29.11, refere, no respectivo preâmbulo, que a utilização dos radares constitui um importante instrumento no quadro das políticas de prevenção e de segurança rodoviárias, bem como na detecção de infracções estradais, no sentido de inverter as estatísticas relativas ao número de acidentes nas estradas portuguesas. Assim, nos termos do nº 1 do art. 2º deste D.L., “com vista à salvaguarda da segurança das pessoas e bens na circulação rodoviária e à melhoria das condições de prevenção e repressão das infracções estradais, as forças de segurança podem recorrer: a meios de vigilância electrónica próprios; a sistemas de vigilância rodoviária e de localização instalados ou a instalar pela entidade competente para a gestão das estradas nacionais e pelas concessionárias rodoviárias nas respectivas vias concessionadas”, determinando o art. 3º que “a instalação dos meios de vigilância electrónica bem como a captação de imagens devem ser direccionadas, tanto quanto tecnicamente possível, para os veículos que sejam objecto da acção de prevenção ou de fiscalização; os meios de vigilância, designadamente câmaras digitais, de vídeo ou fotográficas, e sistemas de localização adquiridos pelas forças de segurança para os efeitos previstos no presente decreto-lei constam de inventário próprio e são notificados à Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD)”.
Por outro lado, o art. 5º estabelece, no nº 1 que “as forças de segurança responsáveis pelo tratamento de dados e pela utilização dos meios de vigilância electrónica notificam a CNPD das câmaras fixas instaladas, com identificação do respectivo modelo, características técnicas e número de série e dos locais públicos que estas permitem observar, bem como do nome da entidade responsável pelo equipamento e pelos tratamentos de dados” e no nº 2 que “são igualmente notificados os meios portáteis disponíveis, com identificação do respectivo modelo, características técnicas e número de série”.
Todavia, o mesmo D.L. não comina qualquer consequência para o desrespeito deste art. 5º.
Vale por isso a jurisprudência citada pelo Tribunal recorrido e que aqui reproduzimos: «A este propósito, seguimos o entendimento do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06-02-2008, Processo n.º 0715317, in www.dgsi.pt: “a notificação dos sistemas de vigilância electrónica à referida comissão nada tem a ver com a validade da prova, tendo antes em vista permitir a esse organismo o controlo dos dados obtidos por esse meio, em ordem à protecção de dados pessoais, como se conclui do artº 2º, nº 2, da referida Lei nº 1/2005, que, em relação ao tratamento dos dados recolhidos, remete para a Lei nº 67/98, de 26 de Outubro, que, por sua vez, comete à CNPD a função de vigilância e protecção de dados pessoais. Isso ficou ainda mais claro com a posterior redacção que veio, pela Lei nº 39-A/2005, de 29 de Julho, a ser dada ao artº 13º daquele primeiro diploma legal: «Os sistemas de registo, gravação e tratamento de dados referidos no número anterior são autorizados tendo em vista o reforço da eficácia da intervenção legal das forças de segurança e das autoridades judiciárias e a racionalização de meios, sendo apenas utilizáveis em conformidade com os princípios gerais de tratamento de dados pessoais previstos na Lei nº 67/98, de 26 de Outubro, em especial os princípios da adequação e da proporcionalidade». E no mesmo sentido vão os artºs 12º, nº 2, e 17º do DL nº 207/2005: «As forças de segurança adoptam as providências necessárias à eliminação dos registos ou os dados pessoais destes constantes, desde que identificados ou identificáveis, recolhidos no âmbito das finalidades autorizadas que se revelem excessivos ou desnecessários para a prossecução dos procedimentos penais ou contra-ordenacionais» e «Sem prejuízo do disposto na legislação aplicável, são objecto de controlo, tendo em vista a segurança da informação: (...) b) A manipulação de dados, a fim de impedir a inserção, bem como qualquer tomada de conhecimento, alteração ou eliminação, não autorizada, de dados pessoais». Em lado algum a lei faz depender a validade da prova obtida pelos meios de vigilância electrónica da sua prévia notificação à Comissão Nacional de Protecção de Dados” (no mesmo sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11-10-2007, Processo n.º 6528/07.9, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26-04-2007, Processo n.º 457/06.6TBFND.C1, e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12-12-2007, Processo n.º 1124/07.9TALRA.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).»
Podemos assim concluir, tal como o Tribunal recorrido, «que a falta da referida notificação não tem qualquer implicação para efeitos do disposto no art. 126º, do CPP, na medida em que, ainda assim “se afigura proporcional e adequado à salvaguarda de pessoas e bens na actividade de circulação rodoviária, unicamente com a finalidade da respectiva protecção e da segurança inerente, sem afronta a direitos de imagem e de reserva da vida privada que não devam ceder na ponderação dos interesses subjacentes, tanto mais, quando, in casu, apenas versando na velocidade do veículo e através de registo fotográfico do mesmo” (como se disse no último Acórdão citado)».
De facto, estipula o art. 125º, do Cód. Proc. Penal que “são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”, definindo o art. 126º seguinte os métodos proibidos de prova, estipulando que “são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas” e estabelece o nº 3 que “ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações, sem o consentimento do respectivo titular” (também o nº 8 do art. 32º, da Constituição da República Portuguesa define que “são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”).
Ora é óbvio que o registo fotográfico do carro e a aferição da velocidade não podem ser integradas nos conceitos supra citados e, nomeadamente, não constituem intromissão na vida privada. Não constituem, por isso, um método de prova proibido.
A não comunicação à CNPD, prevista no art. 5º do D.L. 207/2005, de 29.11, pode, eventualmente, constituir desrespeito pela legislação de protecção de dados, mas não é susceptível de acarretar a nulidade da prova.

Mas alega ainda o recorrente que não foi feita prova do número máximo de obtenções de velocidade do radar em causa, o que equivale a dizer que se desconhece se a velocidade obtida é real e rigorosa.
Ou seja, defende o recorrente que o radar só está preparado para fazer um número determinado de obtenções rigorosas de velocidade. Porém, não fundamenta esta sua afirmação segundo qualquer fonte: científica ou legal.
O certo é que o radar em causa (radar fotográfico Multanova MUVR-6FD, nº 12-012058) foi aprovado pela ANSR através do Despacho nº 15919/2011 de 12.08 e pelo IPQ através do Despacho de aprovação de modelo nº 111.20.06.3.43 de 18.07.2007, com verificação periódica pelo IPQ em 21.06.2012, válida até 31.12.2013.
Acontece que a aprovação do uso de equipamentos do controlo e fiscalização do trânsito é uma competência da ANSR como resulta da alínea f) do nº 1 do art. 2º do D.L. 77/2007 de 29.03 conjugada com o disposto na alínea q) do nº 1 do art. 2º da Portaria 340/2007 de 30.03 e que o IPQ é a entidade competente para aprovar as características do equipamento (cfr. a alínea b) do nº 1 do art. 8º do D.L. 291/90 de 20.09, o nº 5.1 da Portaria 962/90 de 9.10 e a Portaria 714/89 de 23.08) e realizar o controlo metrológico (cfr. os art. 3º e 4º do citado D.L. 291/90 de 20.09).
Assim, só podemos concluir que a medição feita é real e rigorosa.
* * *
Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em cinco (5) UCs.

Guimarães, 7.11.2016
(processado e revisto pela relatora)
(Alda Tomé Casimiro)
(Paula Maria Roberto)