Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | HELENA MELO | ||
Descritores: | INCUMPRIMENTO DO REGIME DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS OBRIGATORIEDADE DA AUDIÇÃO DO MENOR | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/20/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | I. O princípio da audição do menor constante em preceitos do direito interno e do direito internacional a que o Estado Português está vinculado, tem como pressuposto a consideração de que o menor deve ser ouvido nas decisões que lhe dizem respeito, pelo respeito pela sua personalidade. II. Este princípio é extensivo ao incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, em que está em causa a violação do direito de visita. III. A audição prévia do menor, tendo em conta a sua idade e grau de maturidade reveste natureza obrigatória (cf. artº 4º al. i) LPPCJP ex vi artº 147º-A OTM), pelo que a não realização dessa audição, determina a nulidade da decisão. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório J… veio requerer contra M… incidente de incumprimento do regime convivial, fixado por acordo de regulação das responsabilidades parentais em processo de divórcio, alegando em síntese que: Nos termos do acordo celebrado entre ambos os progenitores e porque o pai já se encontrava a residir no estrangeiro por motivos profissionais, a menor ficou confiada à guarda da mãe e a residir com esta. Ficou também definido que o pai podia visitar a filha quando quisesse, desde que não perturbasse os períodos de descanso e um regime específico para as épocas festivas, podendo os períodos de férias e dias festivos ser alterados desde que a alteração fosse atempada e comummente acordada. No entanto, a requerida tem vindo a obstar à convivência entre pai e filha, não o tendo informado da profissão de fé da filha e tendo-o impedido de conviver com a filha numa altura em que este foi passar férias à Suiça, a poucas dezenas de quilómetros da sua residência. A requerida impediu ainda a menor de ir passar a passagem de ano com o pai conforme estava acordado. Requer que a requerida seja condenada a cumprir o acordo entre ambos celebrado, a pagar 249,90 euros de multa e a indemnizar o requerente pelas despesas de viagem que suportou no montante de 531,93 euros. A requerida contestou, negando opôr-se a que a menor conviva com o pai. O que ocorre é que o pai da menor nos momentos em que tem a menor consigo, leva a mesma a frequentar discotecas, deixando-a entregue a si própria e impõe à menor o convívio com homens/mulheres casados. Não deixou a menor ficar com o pai quando esteve com esta de férias na Suíça porque o requerente não lhe garantiu que a filha ficasse em quarto independente, de modo a evitar quaisquer susceptibilidades por parte da menor, pois já em ocasião anterior, numa altura em que o requerente foi passar férias ao Algarve com a filha a casa de uns amigos, a menor teve que pernoitar no mesmo espaço que os amigos do pai. A ida da menor para a Suíça carecia de comum acordo dos pais e não existiu esse acordo. Conclui pela improcedência do peticionado. Realizada conferência de pais, não se logrou obter acordo. As partes ofereceram alegações. Foram indicadas testemunhas e realizada a sua inquirição. Foram juntos documentos. Realizado o julgamento foi proferida decisão que declarou incumprida a decisão de regulação do exercício das responsabilidades parentais de S… por M…, no que concerne ao regime convivial fixado nos autos, relativas às saída do país na companhia dos progenitores, a qual não necessita, conforme acordaram de consentimento prévio, mas apenas de indicação prévia das datas; condenou a guardiã M… em multa que fixou em €249,90 para o incumprimento ocorrido e mais determinou que a mesma procedesse ao pagamento de indemnização ao requerido de metade do valor por este gasto nas viagens de avião (€531,93: 2= €265,96). A requerida não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, onde apresentou as seguintes conclusões: (…) O Exmº Magistrado do MºPº respondeu ao recurso (…) II - Objecto do recurso Considerando que: . o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e, . os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões a decidir são as seguintes: . se ocorre causa justificativa para o incumprimento do regime de visitas por parte da requerida; e, . se o tribunal da Relação deve ordenar a inquirição da menor. III – Fundamentação Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos: 1. Por acordo de regulação das responsabilidades parentais de 23 de maio de 2012, foi, além do mais, decidido que a guarda de S…, “é confiada à guarda e cuidados mãe a residir com esta”, sendo as responsabilidades parentais exercidas em conjunto por ambos os progenitores; Antes de entrarmos na apreciação da impugnação da matéria de facto, importa que apreciemos uma outra questão suscitada pela apelante. Esta pretende que este tribunal ordene a inquirição da menor a ter lugar na 1ª instância. Esta questão não constando concretamente nos 11 pontos inseridos nas conclusões, acaba por ser suscitada na parte final do recurso, imediatamente a seguir às conclusões, ao requerer-se a substituição da decisão recorrida por outra que ordene ao tribunal a quo que notifique a menor para inquirição, pelo que a consideramos, abrangida pelas conclusões, embora a boa técnica jurídica aconselhasse a sua autonomização nos diversos pontos conclusivos. A apelante refere no corpo alegatório do seu recurso que o Tribunal ao não ouvir a menor, violou o disposto nos artºs 6º e 411º do CPC (artº 22º das alegações), mas não retira desta violação qualquer consequência jurídica. Ao invocar o disposto nestes artigos, mormente o artº 411º do CPC, inserido no Titulo V denominado instrução do processo, referindo que a menor deveria ter sido ouvida, para aferir da violação do direito ao repouso e aos bons costumes, afigura-se-nos que a audição da menor, na perspectiva da apelante, reveste o carácter de diligência probatória que o tribunal deveria ter ordenado. O princípio da audição do menor constante em preceitos do direito interno e do direito internacional a que o Estado Português está vinculado, tem como pressuposto a consideração de que o menor deve ser ouvido nas decisões que lhe dizem respeito, por deferência pela sua personalidade e não encara a sua audição como testemunha dos factos alegados por um ou por ambos os progenitores, partes no processo. O actual artº 1901º nºs 1 e 2 do CC, na redacção introduzida pela Lei 61/2008 impõe a audição das crianças e jovens na decisão das questões que lhes digam respeito, em caso de pais casados e que não cheguem a acordo sobre questões de particularidade importância relativas à vida dos filhos, suprimindo o limite dos 14 anos como idade mínima para o fazer. É também entendimento pacífico na doutrina, decorrente da lei, de regulamentos da União Europeia e de convenções internacionais vinculantes do Estado Português que nos casos em que haja necessidade de regular o exercício de responsabilidades parentais se impõe a audição prévia da criança, tendo em conta a sua idade e grau de maturidade [1]. – cf. artº 4º al.i) LPPCJP ex vi artº 147º-A OTM (na redacção da Lei nº 133/99 de 29 de Agosto), artº 24º nº2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia[2] (aprovada em protocolo anexo ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, tal como resultou do Tratado de Lisboa) e artº 12º nº2[3] da Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos da Criança[4]. No mesmo sentido, o Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro, relativo à competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental, que suprimiu pela primeira vez o exequatur, com base no princípio da confiança mútua, vindo permitir a dispensa do processo de revisão e confirmação de sentença estrangeira, desde que a decisão sobre o direito de visita ou relativa ao retorno da criança em casos de rapto parental, tenha sido antecedida da audição do menor. Tal audição deverá pressupor a adequada preparação técnica dos profissionais nela envolvidos, ser realizada com discrição, em termos adaptados ao específico fim processual visado, e ser concretizada em clima de confiança, adaptado às circunstâncias pessoais do menor e, em particular, à sua idade, podendo ser levada a cabo pelo juiz, pela técnica da Segurança Social encarregue de elaborar um relatório ou por psicólogo[5]. Afigura-se-nos que no caso de incumprimento do direito de visita, as razões que determinam a audição do menor nas regulações das responsabilidades parentais e nos casos de desacordo quanto a questões de particular importância da vida do menor, têm aplicação ao incidente de incumprimento. No caso em apreço não se procedeu a essa audição que reveste carácter obrigatório (alínea i) do artº 4º da LPPCJP ex vi do art º 147º-A OTM). A inobservância desta formalidade que tem reflexo na decisão da causa, determina a nulidade da decisão, pelo que se impõe a sua anulação para que se proceda à audição da menor e após deve ser proferida nova decisão, onde deverá ser tido em conta o resultado da diligência ora ordenada, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.
Sumário: . O princípio da audição do menor constante em preceitos do direito interno e do direito internacional a que o Estado Português está vinculado, tem como pressuposto a consideração de que o menor deve ser ouvido nas decisões que lhe dizem respeito, pelo respeito pela sua personalidade. . Este princípio é extensivo ao incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, em que está em causa a violação do direito de visita. . A audição prévia do menor, tendo em conta a sua idade e grau de maturidade reveste natureza obrigatória (cf. artº 4º al. i) LPPCJP ex vi artº 147º-A OTM), pelo que a não realização dessa audição, determina a nulidade da decisão. IV – Decisão Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar procedente o recurso e em anular a sentença recorrida, determinando-se, que se proceda à audição da menor, após o que se proferirá nova sentença. Custas pela parte vencida a final. Notifique. Guimarães, 20 de Novembro de 2014 Helena Melo Heitor Gonçalves Amílcar Andrade __________________________ [1] Conforme se defende nos Ac. do TRP de 14.01.2014, P. 21/05. [2] Cujo texto é o seguinte: 1. As crianças têm direito à protecção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar. Podem exprimir livremente a sua opinião que será tomada em consideração nos assuntos que lhes digam respeito. [3] Cuja redacção é a seguinte “(…é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja directamente, seja através de representantes ou de organismo adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras de processo da legislação nacional)”. [4] Adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990. [5] Poder Paternal e Responsabilidades Parentais, p.41 |