Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3841/17.6T8GMR-A.G1
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ESCRITURA PÚBLICA
CONFISSÃO DE DÍVIDA
OBRIGAÇÃO PURA
EXIGIBILIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator):

I. Uma das espécies de títulos executivos expressamente elencada no art. art. 703º do CPC são os “documentos exarados… por notário… que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação”- al. b) do citado preceito legal.

II. Tendo a exequente junto aos autos uma escritura pública de confissão de dívida (documento autêntico) em que, conforme decorre dos seus próprios termos, a executada “confessou ser devedora à exequente de um determinado montante”, valor este mencionado naquela como resultante de fornecimentos efectuados pela Exequente à Executada, estão reunidos todos os requisitos de exequibilidade previstos na citada al. b) do art. 703º do CPC

III- Por outro lado, o facto de a obrigação nela mencionada, nos termos em que se encontra estabelecida no negócio jurídico celebrado, não ter um prazo certo de cumprimento (obrigação pura- art. 777º, nº 1 do CC), não significa que a mesma não seja exigível.

IV- Na verdade, deve-se entender que a obrigação é exigível quando, à data da propositura da execução, se encontre vencida ou se vença mediante interpelação, ainda que judicial;

V- Naquele tipo de obrigações puras, deixa-se na dependência da vontade das partes a determinação do respectivo vencimento, pois que, a qualquer momento, pode o credor exigi-la e o devedor oferecê-la, sendo a interpelação, que pode ser judicial ou extrajudicial, o acto pelo qual dão conhecimento recíproco dessa manifestação de vontade, exigindo o cumprimento;

VI. Assim, a obrigação exequenda, no caso concreto, sendo uma obrigação pecuniária, era exigível a todo o tempo, independentemente da fixação prévia de qualquer prazo, por interpelação judicial, que no caso foi efectuada por notificação judicial avulsa (art. 256º do CPC), tanto bastando para considerar o pressuposto da exigibilidade como preenchido”.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.
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Causa de pedir:

Alega a Embargante, em síntese, que:

- No caso em apreço o título executivo que serve de base à execução revela, de forma clara e inequívoca, que a dívida exequenda não é, de todo, exigível, o que, ab initio, conduz à extinção da execução nos termos do disposto no art.º 729º, alínea a) e alínea e) do Cód. Proc. Cívico - inexigibilidade do título executivo dado à execução.

Com efeito, do título executivo que serve de base à execução – documento exarado por notário - escritura - resulta clara a inexigibilidade da dívida exequenda e, concomitantemente, à inexequibilidade do respectivo titulo.

Objectivamente, no referido título executivo dado à execução - escritura - os primeiros outorgantes, em representação da executada limitam-se a declarar que: «Pela presente escritura, confessam a sua representada devedora à representada dos segundos outorgantes da quantia de setecentos mil euros».

No que concerne à obrigação de realizar o pagamento da dívida confessada, designadamente a forma e o prazo, o documento exarado por notário - escritura - que serve de base à execução, revela-se absolutamente omisso, o que, desde logo, demonstra a ausência do pressuposto essencial da exigibilidade da dívida exequenda.

Na verdade, os primeiros outorgantes daquele documento - escritura -, aquando da outorga do mesmo limitaram-se a confessar em nome da sua representada que esta era devedora da representada dos segundos outorgantes da quantia de setecentos mil euros.

Jamais os primeiros outorgantes obrigaram a sua representada no sentido de esta pagar a dívida confessada à representada dos segundos outorgantes.

Nesta conformidade, e sendo certo que quando o título executivo dado à execução configura uma escritura pública e respeitando a execução a obrigação futura - como é o caso - tem a exequente que fazer prova complementar do título executivo, juntando aos autos documento passado em consonância com as cláusulas constantes da escritura, ou, sendo ela omissa, documento revestido de força executiva própria do qual resulte que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes

E não se diga que a notificação judicial avulsa junta aos autos pela Exequente substitui o exigido documento revestido de força executiva própria. Como é consabido, tal instrumento jurídico não constitui documento revestido de força executiva própria.
A notificação judicial avulsa constitui um ato judicial unilateral que, no caso sub judice tem apenas como objectivo accionar o disposto no art.º 805º do Cód. Civil.
Aliás, a notificação judicial avulsa mesmo quando o requerido(a) é confrontado(a) com a absoluta falsidade do respectivo conteúdo, como, manifestamente, é o caso, não admite oposição, procrastinando o exercício do respectivo direito para a acção própria - cfr. art.º 257º, nº 1 do Cód. Proc. Civil.

Nesta conformidade, a notificação judicial avulsa junta aos autos pela Exequente com o objectivo de suprir a falta do pressuposto de exigibilidade que afecta o título executivo dado à execução, jamais poderá ser considerado no sentido de suprir a ausência daquele pressuposto – exigibilidade.
Conclui que, face à ausência daquele pressuposto, o título executivo dado à execução - escritura - revela-se despido de exequibilidade.

Na sequência, formula o seguinte Pedido:

- Extinção da instância executiva.
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Contestação:

Alegou a Embargada/exequente, em síntese, que:

- Por escritura pública de Confissão de Dívida e Hipoteca, celebrada em 25 de Julho de 2014, a Executada confessou-se devedora à Exequente da quantia de 700.000,00 €, valor este resultante do fornecimento de combustível por parte desta àquela.
Que em garantia da divida assumida, constituiu a Executada a favor da Exequente, hipoteca sobre o prédio melhor identificado na mesma escritura publica, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. Ou seja, a Executada confessou-se devedora à Exequente da referida quantia de 700.000,00 €.

.- A exigibilidade verifica-se com o tempo do vencimento (artigo 777.º do Código Civil). A obrigação exequenda carece de ser certa, exigível e líquida, devendo estes elementos, quando ainda não resultarem directamente do título executivo, ser alcançados preliminarmente à execução ou no início desta.

Dispõe o artigo 777º do Código Civil, que na falta de estipulação ou disposição especial na lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação.

A Exequente procedeu à notificação da Executada para proceder ao seu pagamento, concedendo-lhe o prazo de 30 dias para o efeito, de acordo, aliás, com o disposto no artigo 805º do Código Civil.
A Executada não procedeu ao pagamento e nada disse, sendo inócua a alegação de que a notificação efectuada não tem possibilidade de ser deduzida oposição.
9.- São falsos, e nessa medida se impugnam, os factos alegados pela Executada sob os artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 8º, 10º, 13º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, (...)º, 32º, 33º, 34º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 42º, 43º, 44º, 47º, 48º e 49º da Petição Inicial.
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Realizou-se uma Tentativa de conciliação, onde foi ordenada a suspensão da instância pelo prazo de dez dias, não tendo tal diligência alcançado o seu objectivo.
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De seguida, foi dispensada a realização da Audiência Prévia, e proferida a seguinte decisão:

“8.- DECISÃO:

Pelo exposto, na ausência de qualquer outra questão de facto e de direito que reclame uma decisão do tribunal, decido:
8.1.- julgar improcedentes os presentes embargos de executado e, em consequência, determino o prosseguimento da execução apensa contra a embargante/executada.”
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*
É justamente desta decisão que o Embargante/Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“CONCLUSÕES:

.69º Os embargos de executado são acções declarativas, autónomas, através das quais o executado pretende impedir os efeitos do título executivo, tal como uma contra-acção do devedor à acção executiva para impedir a execução ou destruir os efeitos do título executivo, tendo o direito de àquela acção sido prejudicado, com a decisão proferida em sede de despacho saneador.
70º A decisão recorrida não considerou a matéria de facto, subjacente à celebração da escritura de hipoteca.
71º A douta decisão, ao conhecer do mérito da causa, em sede de despacho saneador enferma de um vício derivado da avaliação da prova e instrumentalização da notificação judicial avulsa.
72º A decisão deve ser objecto de revogação no sentido da prossecução da acção, nos termos do artigo 596.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
73º O estado do processo não permite que se conheça do mérito da causa, nos termos do artigo 595.º, n.º 1, em oposição ao artigo 596.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, havendo a acção de prosseguir.
74º Por outro lado, considerou despiciente a identificação do objecto do litígio e respectiva enunciação dos temas da prova, em contradição com o artigo 596.º, n.º 1, obstando à prossecução da acção.
75º A decisão recorrida alheou-se que no documento oferecido à execução, carecendo de exequibilidade, a mesma não foi apurada em sede de produção de prova mais alargada.
76º Foram considerados não provados factos não submetidos a prova, tendo como fundamento uma figura pleonástica que considera que os factos não provados são os que não foram mencionados nos factos provados, ou em contradição com aqueles.
77º A interpelação do devedor, através de uma notificação judicial avulsa, não logra aferir da exigibilidade e exequibilidade do requerimento executivo.
78º A verdade do requerimento executivo resultou prejudicada com a interpelação para o momento da constituição da mora, prevista no artigo 805.º do Código Civil e determinação de prazo, decorrente do artigo 777.º, n.º 1 do Código Civil.
79º A instrumentalização da notificação judicial avulsa não logrou camuflar a inverosimilhança do título executivo, segundo os padrões do homem médio.
80º A falta de disposição das partes não pode ser suprida pela interpelação unilateral - notificação judicial avulsa – como se estivera revestido de “ius imperium” ou potestativamente.
81º Os embargos de executado visam determinar a exigibilidade e exequibilidade da obrigação exequenda, através da produção da prova e conhecimento do mérito da causa, em sede de acção declarativa ao invés de unilateralidade interpelativa para a constituição do devedor em mora.
82º Não basta a simples notificação judicial avulsa par a alterar a vontade das partes, constituir o momento da mora, ou transformar a mesma em incumprimento definitivo.
83º O silêncio da executada, face à notificação avulsa, não releva como atitude de absoluta rejeição, nem como recusa inequívoca e concludente de cumprir a prestação exequenda.
84º O caso em apreço persegue um caminho simplista no recurso à notificação judicial avulsa como subterfúgio para obrigar a prestação coactivamente, através da atribuição da força jurídica negocial unilateral, erroneamente sustentada pelas disposições dos artigos 805.º e 777º, ambos do Código Civil.
85º A definição do prazo não podia nem devia ser fixada à revelia do negócio subjacente, dada a natureza das circunstâncias que estiveram na origem desse negócio e que a determinam.
86º A prestação em causa, como objecto de garantia real não implica a exigência do cumprimento da obrigação a qualquer tempo, decorrente da aplicação do artigo 777.º, n.º 1, do Código Civil.
87º A decisão recorrida abreviou a questão a decidir, conhecendo prematuramente do mérito da causa, em detrimento da globalidade dos factos e da realidade jurídica, mitigando as disposições do artigo 777.º, n.º 2, bem como as hipóteses de dirimir o conflito de interesses.
88º O óbice da exequibilidade da obrigação exequenda não ficou ultrapassado com a fundamentação de facto e de direito ínsita na decisão recorrida.
89º A exequibilidade do título, conferido à execução, foi fixada de forma unilateral, através do prazo, pelo exequente, resultante da notificação avulsa.
90º O pretenso cariz executório veiculado pela decisão do Tribunal a Quo enferma da característica de inexigibilidade e exequibilidade do título executivo.
91º A eficácia da litigância da notificação judicial avulsa, utilizada como “remédio jurídico multifunções”, levada à saciedade prejudica a vontade negocial e os trâmites da acção.
92º A peremptoriedade do prazo unilateral, não judicial, viola o princípio da autonomia privada, e, no caso sub judice, é susceptível de manipular o interesse negocial, alterando, unilateralmente, a condição de exigibilidade, implícita no negócio subjacente.

TERMOS EM QUE,

a) Deve o presente Recurso ser julgado totalmente procedente, considerando nula e sem qualquer efeito a decisão que valida a notificação judicial avulsa, como interpelativa do devedor e em consonância ser revogada a decisão recorrida;
b) Deve ser fixado o objecto do litígio e enunciação dos temas de prova, no sentido do prosseguimento da acção e a ampliação da matéria de facto com vista a equacionar a exigibilidade e consequente exequibilidade da obrigação exequenda;”
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Foram apresentadas contra-alegações, onde a exequente pugna pela improcedência do Recurso.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, o Recorrente/ Embargante coloca as seguintes questões que importa apreciar:

-Impugnação da matéria de facto (?);
- Saber se existe Inexigibilidade do título executivo dado à execução.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1.- Por escritura pública de Confissão de Divida e Hipoteca, outorgada em 25 de Julho de 2014 no Cartório Notarial de Vizela, a Executada confessou-se devedora à Exequente da quantia de 700.000,00€ (setecentos mil euros), valor este resultante de fornecimentos de combustível efectuados pela Exequente à Executada, conforme documento junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
2.- Para garantia do pagamento da dívida, no referido documento, a Executada constituiu a favor da Exequente, Hipoteca Voluntária sobre o prédio misto, composto de cave, rés-do-chão, logradouro, e bouça (...), situado no lugar de (...), freguesia de (...), Concelho de Vizela, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o nº (...) e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo (...) da referida freguesia e concelho.
3.- Decorridos mais de dois anos e meio sem que a Executada tivesse pago a quantia de que se confessou devedora, a Exequente notificou a mesma, através de Notificação Judicial Avulsa nº 1518/17.1T8GMR, da Unidade Central de Guimarães, para que a mesma efectuasse o pagamento em causa no prazo de 30 dias após a notificação, conforme documento n.º 2 junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
4.- A notificação judicial avulsa foi efectuada em 18-05-2017.
5.- Sucede que, a Executada, apesar de devidamente notificada, e decorridos os 30 dias de prazo fixados para o pagamento da divida, não pagou nenhuma quantia à Exequente.
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6.2.- Factos não provados com relevância para a decisão da causa:

Não se provaram os demais factos alegados pelas partes que não estejam mencionados nos factos provados ou estejam em contradição com estes.
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6.3.- Convicção do tribunal:

Para além dos factos firmados pelo acordo das partes, expressos nos respectivos articulados, o tribunal formou a sua convicção no teor da escritura pública e no teor da notificação judicial avulsa juntas com o requerimento executivo.
Os demais factos não provados resultaram da inexistência de qualquer prova quanto à sua ocorrência.
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B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
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Comecemos por analisar o Recurso interposto no que concerne à “Impugnação de facto”.

Trata-se de fundamento que a Embargante anuncia apresentar no item 36 das suas alegações, e sobre o qual se alonga nos itens 37 a 50 das suas alegações.

Compulsadas as conclusões apresentadas acima transcritas (tal como já sucedia nas alegações) constata-se que, em nenhum ponto das mesmas se faz referência aos pontos da matéria de facto que pretenderia impugnar (seja quanto aos factos provados, seja quanto aos factos não provados, seja quanto aos factos alegados que não teriam merecido resposta por parte do Tribunal Recorrido).

Nesta matéria, consigna, como é consabido, o art. 640º, n.º 1 do CPC que, «quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.»

Por outro lado, ainda, dispõe o n.º 2 do mesmo art. 640º que :

a)- quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

À luz do regime exposto, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes (1), “quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:

-em quaisquer circunstâncias, o recorrente tem de indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
-quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles meios de prova que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados;
-relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
- o recorrente deve ainda deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos;

Com efeito, tendo por referência a comparação entre a primitiva redacção do art. 712º do anterior CPC e o actual art. 662º, a possibilidade de alteração da matéria de facto, que era antes excepcional, acabou por ser assumida, como função normal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra.

Todavia, ao impor ao recorrente o cumprimento dos aludidos ónus, nesta sede, visou o legislador afastar «soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente.»

Destarte, importa referir que em sede de impugnação da decisão da matéria de facto pelo tribunal superior, não está (nem pode estar) em causa a repetição do julgamento e a reapreciação de todos os pontos de facto (e a respectiva motivação), mas apenas e só a reapreciação pelo tribunal superior (e a formação da sua própria convicção - à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o tribunal recorrido) dos concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo tribunal recorrido.

De facto, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida, impondo-se, por isso, ao impugnante, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, a observância dos citados ónus.

Concluindo, deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, sendo que, como refere Abrantes Geraldes (2), esta última exigência (plasmada na transcrita alínea c) do nº 1 do art. 640º) “ … vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente ”, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.»
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Mais ainda, é também relevante salientar que quanto ao recurso da decisão da matéria de facto não existe a possibilidade de despacho de convite ao seu esclarecimento ou aperfeiçoamento, sendo este tipo de despacho reservado apenas e só para os recursos em matéria de direito (3).
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Ora, aqui chegados, compulsada toda a peça processual apresentada pela Recorrente (e não só as conclusões) pode-se concluir, de uma forma inequívoca, que, como resulta do corpo das alegações e das respectivas conclusões, a Recorrente, apesar de pretender impugnar a decisão sobre a matéria de facto, não deu cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1, als. a), b) e c) do CPC (e nº 2) e que anteriormente foram referidos.

Assim, pretendendo impugnar a decisão sobre a matéria de facto, limita-se a apresentar um recurso genérico que visando reagir, de uma forma geral, contra a decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, não indica os concretos pontos da matéria de facto que entende terem sido mal julgados e não indica qual deveria ter sido o julgamento quanto a essa matéria de facto alegadamente mal decidida.

Assim, a Recorrente, no recurso genérico que deduziu não cumpriu os seguintes ónus da impugnação imperativamente impostos pelo legislador no citado art. 640º do CPC:

- a Recorrente não indicou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação dos mesmos na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
- e não indica no recurso genérico que apresenta, qual a decisão que, no seu entender, devia ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas (desde logo porque as não indica).
Não há dúvidas, assim, que a Recorrente não cumpriu no Recurso interposto, os ónus que o Legislador estabeleceu no art. 640º do CPC no sentido de evitar que fossem admitidos recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto - para evitar, justamente, Recursos como aquele que a Recorrente deduziu.

Como se referiu em cima, estes vícios relativos à Impugnação da decisão relativa à matéria de facto (art. 640º do CPC) não susceptíveis de serem objecto de um despacho convite no sentido da concretização do Recurso por parte da Recorrente, já que este tipo de despacho está reservado apenas e só para os recursos sobre matéria de direito (art. 639º, nº3 do CPC).
Aqui chegados, importa concluir estas breves considerações, retirando as inerentes consequências.

Conforme já se referiu, no art. 640º, n.º 1 do CPC preceitua-se que, «quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Ora, como a Recorrente manifestamente não cumpriu estes ónus que o Legislador expressamente impôs, não existem dúvidas, no caso concreto, que a Impugnação pretendida da decisão sobre matéria de facto pela Recorrente tem que ser necessariamente rejeitada nos termos do art. 640, nº 1 e 2 do CPC- o que se julga.

Mantem-se, pois, inalterada a matéria de facto considerada como provada.
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Entremos, agora, na impugnação da “fundamentação de direito”, tal como a Recorrente a denomina.

Suscita, neste âmbito, a questão de saber se a interpelação do devedor, através de uma notificação judicial avulsa, não permite conferir ao título executivo aqui dado à execução (escritura pública de Confissão de Divida e Hipoteca) os requisitos da exigibilidade e exequibilidade.

Alega que a falta de disposição das partes (quanto à data de vencimento) não pode ser suprida pela interpelação unilateral - notificação judicial avulsa – como se estivera revestido de “ius imperium” ou potestativamente.
Considera que os embargos de executado é que visariam determinar a exigibilidade e exequibilidade da obrigação exequenda, através da produção da prova e conhecimento do mérito da causa, em sede de acção declarativa ao invés de unilateralidade interpelativa para a constituição do devedor em mora.
Conclui que, na sua perspectiva, não basta a simples notificação judicial avulsa para alterar a vontade das partes, constituir o momento da mora, ou transformar a mesma em incumprimento definitivo.

Assim, não o entendeu o Tribunal Recorrido que, de uma forma fundamentada, defendeu que

“Certa é a obrigação cujo objecto se encontra determinado e exigível, aquela que se encontra vencida, por se mostrar ultrapassado o prazo, legal ou convencional, do cumprimento da mesma.
A exequibilidade da obrigação é, assim, um pressuposto ou condição relativa à execução, dado que se a obrigação ainda não é exigível, não se justifica proceder à realização coactiva da prestação.
A inexigibilidade da obrigação constitui fundamento de oposição a execução que, caso seja julgada procedente, determina a extinção da execução e a caducidade de todos os efeitos nela produzidos, como, por exemplo, a penhora ou a venda executiva dos bens penhorados, conforme resulta do disposto no artigo 732.º, nº 4, do C.P.C..
A prestação liquida só é, portanto, exigível quando a obrigação se encontrar vencida (obrigação com prazo certo) ou o seu vencimento estiver depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do artigo 777.º, n.º 1, do Código Civil, de simples interpelação do devedor; ou com a citação judicial para a acção/execução contra ele interposta – cfr. neste sentido artigo 805.º, n.º 1, do C. Civil).

No caso em apreço, a ora exequente notificou judicialmente a executada para proceder ao pagamento da quantia em apreço nos autos, num prazo de 30 dias, o que não aconteceu até à presente data.
É, pois, inquestionável que a dívida em apreço nos autos está vencida desde o dia “18-05-2017.” – cfr. notificação judicial avulsa - e é, sem dúvida, exigível”.
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Insiste, no entanto, a Recorrente, com o presente Recurso, na afirmação de que a notificação judicial avulsa não permite conferir ao título executivo aqui dado à execução (escritura pública de Confissão de Divida e Hipoteca) os requisitos da exigibilidade e exequibilidade.

Cumpre decidir.

Em primeiro lugar, importa esclarecer os termos em que a aludida escritura pública de Confissão de Divida pode constituir título executivo bastante para instaurar uma acção executiva.

Ora, uma das espécies de títulos executivos expressamente elencada no art. art. 703º do CPC são justamente os “documentos exarados… por notário… que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação”- al. b) do citado preceito legal.

E, no caso concreto, é inequívoco que a exequente juntou aos autos um documento autêntico que reúne todos estes requisitos, pois que decorre dos termos da própria escritura que a executada “confessou ser devedora à exequente do montante de 700.000,00 € (setecentos mil euros), valor este resultante de fornecimentos de combustível efectuados pela Exequente à Executada” (4).
Ou seja, a exequente, como fundamento da sua pretensão executória juntou, justamente, com o requerimento inicial executivo uma “escritura pública de Confissão de Divida e Hipoteca” que assume a natureza exigida pela citada al. b) do art. 703º do CPC.

Como é sabido, nos termos do art. 10º, nº 5 do CPC, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.

Quer isto significar que é pelo conteúdo ou contexto intrínseco do título que “se há-de determinar a espécie da prestação e da execução que lhe corresponde (...) o quantum dela e se fixará a legitimidade activa e passiva para a acção executiva”.

O título executivo, enquanto pressuposto processual específico, porém de carácter formal, condicionando tão-só a exequibilidade extrínseca da pretensão, é “ condição necessária da admissibilidade da acção executiva”, na medida em que “não há execução sem título” (5).

Como se referiu, de acordo com o preceituado no art. 703º, nº 1, al. b), são títulos executivos “os documentos exarados ou autenticados por notário que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação”.

No entanto, o art. 707º do CPC determina ainda que “os documentos exarados ou autenticados por notário em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes”.

Entende-se, no entanto, que as obrigações futuras “são aquelas que constam do título executivo como ainda não constituídas”.

A exigibilidade da obrigação constituenda encontra-se prevista no citado art. 707º, “do qual resulta que apenas os documentos autênticos ou autenticados podem constituir título executivo suficiente para a realização coactiva daquela obrigação”.

Nesse normativo, prevêem-se duas situações: uma, em que as partes previram a constituição futura de uma obrigação; outra, em que uma das partes se compromete a realizar uma prestação indispensável à conclusão de um negócio e, com a realização desta, se tornou credor de uma prestação da contraparte.
O preceito em análise estipula, para ambas as hipóteses, “a necessidade de uma prova complementar do título executivo” (6).

Assim, “a prova de que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes ou de que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio deve ser efectuada através de documento passado em conformidade com as cláusulas daquele negócio ou, se ele for omisso, de documento revestido de força executiva própria, incluindo uma sentença” (7).

Importa reverter para o caso concreto, e verificar se o título executivo dado à execução pela exequente exigiria este tipo de prova complementar, ou, se, por outro lado, a escritura pública de confissão de dívida constituiria, só por si, titulo executivo suficiente para fundar a pretensão executória.

Como decorre do exposto, a resposta tem que ser positiva, pois que do título executivo apresentado pela exequente decorre a existência de uma obrigação certa (e determinada) – e não uma qualquer obrigação futura no sentido legal - que recai sobre a aqui executada/Embargante perante a aqui exequente.

Nesta conformidade, não se exigia, da parte da exequente, qualquer tipo de prova complementar.

E não há dúvidas, assim, que a escritura pública de Confissão de Divida e Hipoteca junta aos autos constitui título exequível de harmonia com o disposto na al. b) do art. 703º do CPC (8).

No entanto, a obrigação nela mencionada, nos termos em que se encontra estabelecida no negócio jurídico celebrado, não tem um prazo certo de cumprimento, o que, como iremos ver, não significa que não seja exigível.

Vejamos porquê.

Como decorre do exposto, a acção executiva comporta, além dos pressupostos gerais, um conjunto de pressupostos específicos que podem enunciar-se da seguinte forma:

- o dever de prestar deve constar de um título executivo - pressuposto de carácter formal ou extrínseco.
- a prestação deve mostrar-se, no momento em que acção é proposta, certa e exigível, configurando-se tais requisitos como condicionantes de carácter substantivo, material ou intrínsecos.
Além de certa e exigível, a obrigação deverá ser líquida, contudo, esta liquidez não tem que se verificar, como a certeza e a exigibilidade, no momento em que acção é proposta, uma vez que a liquidação da obrigação pode ocorrer no próprio processo executivo.

Como pressupostos processuais que são, o título executivo e a verificação da certeza e da exigibilidade são “requisitos de admissibilidade da acção executiva, sem os quais não têm lugar as providências executivas que o tribunal deverá realizar com vista à satisfação da pretensão do exequente e que são, no processo executivo, o equivalente à decisão de mérito favorável no processo declarativo” (9).

No que aos requisitos da certeza e exigibilidade da obrigação concerne - como verdadeiros pressupostos processuais (10) - cumpre, desde já, referir que eles só constituem requisitos autónomos da acção executiva quando não resultem do título executivo, ou seja, se eles não se depreenderem directamente do documento que serve de base à execução, caso em que o respectivo processo, nos termos do art. 713º do CPC, principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, no sentido da sua verificação (por exemplo, que a condição suspensiva já não se verifica).

No caso concreto, interessa-nos apenas o requisito da exigibilidade (pois que só a ele se refere a Recorrente).

Como ficou referido, ele só constitui um requisito autónomo quando essa exigibilidade não resulte do título executivo, ou seja, se essa exigibilidade não se puder depreender directamente do documento que serve de base à execução.
Na verdade, o que verdadeiramente impõe este requisito é que, “ao tempo da citação”, exista “uma obrigação que o executado deva cumprir e que seja quantitativa e qualitativamente determinada…” (11).
À partida, dir-se-ia que a exigibilidade seria sinónimo de incumprimento- tal como parece pensar a Recorrente.

“Não é assim, todavia: o facto negativo do incumprimento não chega a incorporar a causa de pedir, seja declarativa, seja executiva. O Autor/exequente não tem de alegar e provar que a obrigação não foi pontual e integralmente cumprida. Relembre-se que … a causa de pedir, tanto condenatória, como executiva, são os factos constitutivos ou aquisitivos do direito a uma prestação. São estes que têm que ser demonstrados, pela prova ou pelo título executivo, respectivamente. Caberá ao Réu alegar o cumprimento ou facto equivalente como excepção peremptória extintiva…”.
(E mais à frente…) “Portanto, e em termos simples, a obrigação exigível é a obrigação que está em tempo de cumprimento - obrigação actual” (12).
A obrigação é, assim, exigível quando, à data da propositura da execução, se encontre vencida ou se vença mediante interpelação, ainda que judicial (13).
Diversamente a obrigação já não será exigível, por exemplo, se se encontrar sujeita a condição suspensiva, se estiver dependente de contraprestação, ou se o credor se encontrar em mora.
Uma das situações em que a obrigação se tem que considerar vencida é justamente o caso em que tal exigibilidade resulta, de modo imediato, do próprio título executivo, o que sucede quando a obrigação esteja sujeita ao prazo dele constante (14).
Mas não é esse o único caso em que se tem que considerar a obrigação exequenda exigível.
Noutras situações tem que se atender à relação jurídica fundamental subjacente ao título executivo dado à execução.

Com efeito, como se referiu, entende-se que a obrigação é exigível quando, à data da propositura da execução, se encontre vencida ou se vença mediante interpelação, ainda que judicial.

No caso concreto, nada estando estabelecido, quanto ao prazo da obrigação expressamente estabelecida no título dado à execução, não há dúvidas que a obrigação assumida pela executada era uma obrigação sem prazo (pura) (cfr. arts. 777º e ss. do CC), ou seja, era uma obrigação cujo cumprimento o credor (exequente) “tinha o direito de exigir a todo o tempo, assim como o devedor podia a todo o tempo exonerar-se dela” (nº 1 do art. 777º do CC).

O que isto significa é que o crédito exequendo podia, como fez a exequente, ser exigido, a todo o tempo, independentemente de qualquer prazo que fosse concedido, a título gracioso, à executada (a exequente, no caso concreto, ainda concedeu à executada o prazo de 30 dias que se tem que considerar razoável).

Na verdade, excepto nos casos em que a natureza da obrigação imponha outra solução (15), o legislador não exige a fixação judicial prévia de um prazo para o seu cumprimento.

Com efeito, tal decorre do nº 1 do mencionado art. 777º do CC, onde se estabelece o princípio geral das obrigações puras, que, como resulta do exposto, são aquelas em que se deixa na dependência da vontade das partes a determinação do respectivo vencimento, pois que, a qualquer momento, pode o credor exigi-la e o devedor oferecê-la, sendo a interpelação, que pode ser judicial ou extrajudicial, o acto pelo qual dão conhecimento recíproco dessa manifestação de vontade, exigindo o cumprimento (16).

O nº 2 desse aludido preceito diz respeito a excepções a tal princípio, atribuindo-se então ao tribunal a tarefa de fixar o prazo de cumprimento quando assim o exija a própria natureza da prestação ou do contrato, as circunstâncias que a determinaram, factualidade que não ocorre no caso vertente, bem pelo contrário, não havendo, portanto, lugar à referida prévia fixação judicial do prazo – que seria efectuada através do processo especial previsto nos arts. 1026º e ss. do CPC.

Na verdade, a obrigação exequenda, no caso concreto, é uma obrigação pecuniária que, não assumia aquela natureza excepcional, pelo que era exigível a todo o tempo, independentemente da fixação prévia de qualquer prazo, seja por interpelação extrajudicial, seja por interpelação judicial, tanto bastando para considerar o pressuposto da exigibilidade como preenchido.

Assim, na presente situação, não podem existir dúvidas que, tendo o executado sido interpelado judicialmente para a cumprir- através da notificação judicial avulsa - tal obrigação, além de vencida, tornou-se exigível (arts. 804º e 805º, nº 1 do CC; cfr. art. 610º, nº 2, al. b) do CPC).
É isso mesmo que os Profs. A. Varela/P. Lima defendem a págs. 63 em anotação ao art. 805º do CC:

“O princípio consagrado no nº 1 é, como regra geral, de acerto incontestável pois sem a interpelação, sendo a obrigação pura, o devedor pode não saber que está em atraso no cumprimento; pode não saber se o credor está já interessado em receber a prestação.

A interpelação, como se diz no texto da lei, tanto pode ser judicial como extrajudicial, podendo a interpelação judicial (mais segura, no que se refere à sua prova) ser efectuada por meio de notificação avulsa (art. 261º do CPC), ou então mediante citação (do devedor) para a acção declaratória ou para a execução…”.

No mesmo sentido refere o Prof. Brandão Proença (17) (neste âmbito das obrigações puras) que: “Funcionalmente, a interpelação visa comunicar ao devedor que deve cumprir, devendo ser feita em termos concordantes com a boa-fé, ou seja, evitando o credor uma interpelação-surpresa e fixando, sendo necessário, um prazo razoável para o devedor cumprir após a interpelação. Estruturalmente, a interpelação é um acto jurídico unilateral receptício realizado extrajudicialmente sem particulares exigências formais (para efeitos probatórios não deve ser dispensada a carta registada com aviso de recepção) ou judicialmente mediante notificação avulsa (cfr. art. 256º do CPC) ou citação na acção de cumprimento (cfr. os arts. 219º e 610º, nº2, al. b) do CPC). Esta mera interpelação que é um simples pressuposto da exigibilidade do cumprimento (com interesse para o disposto no art. 713º do CPC) não deve ser confundida com a chamada interpelação cominatória feita pelo mesmo credor e que, pressupondo a mora do devedor, visa… dar-lhe uma última oportunidade de cumprir”.

O Prof. Almeida Costa (18), por sua vez, refere o seguinte: “Dá-se precisamente o nome técnico-jurídico de interpelação ao acto pelo qual o credor exige ou reclama do devedor o cumprimento da obrigação. Consoante a interpelação seja feita por intermédio dos tribunais ou pelo próprio credor, a interpelação diz-se judicial ou extrajudicial. Estatui, na verdade, o art. 805º, no seu nº 1, que o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir”, acrescentando em nota que “a interpelação judicial realiza-se mediante notificação avulsa (CPC, arts. 228º, nº2, 261º e 262º) ou citação do devedor para a acção ou execução (CPC, arts. 228º, nº 1, 662º, nº 2, al. b) e 466º, nº 1). Quanto à interpelação extrajudicial, pode ser feita através de qualquer um dos meios que a lei admite para uma declaração negocial, isto é verbalmente ou por escrito (CC, arts. 217º e 224º); importará, todavia, que o credor acautele a respectiva prova (ex. realizando a interpelação em carta registada com aviso de recepção) ”.

Ora, tudo isto foi justamente o que a aqui exequente efectuou no caso concreto, pelo que bem andou em exigir o cumprimento do seu crédito (que se consubstanciava numa obrigação pura) através de notificação judicial avulsa (19).

Improcede, pois, a argumentação da Recorrente.

Acresce que esta questão que a Embargante aqui levantava, como já se referiu, não contendia propriamente com a questão da exigibilidade.

Na verdade, conforme já se referiu, “a exigibilidade não coincide com o vencimento da obrigação; pode haver obrigação ainda não vencida, mas exigível - a obrigação pura - e obrigação vencida, mas ainda não exigível - a obrigação vencida em que o credor esteja em mora…” (20).
Pelo exposto, julga-se que, também por esta via, a argumentação da Recorrente tem que ser julgada improcedente.
Nesta sequência, só nos resta confirmar integralmente o julgamento realizado pelo Tribunal Recorrido, porque efectivamente estavam reunidos todos os pressupostos que permitiam decidir os Embargos de executado em sede de saneamento do processo, sem necessidade de realização de Audiência Final.
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Nesta conformidade, e por todo o exposto, conclui-se, pois, pela total improcedência do recurso interposto.
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III- DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:

-o Recurso interposto pelo Recorrente/ Embargante totalmente improcedente, confirmando-se, assim, integralmente a Sentença recorrida.
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Custas pela Recorrente (artigo 527º, nº 1 do CPC).
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Guimarães, 18 de Outubro de 2018

Pedro Alexandre Damião e Cunha
Maria João Marques Pinto de Matos
José Alberto Moreira Dias


1. In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 139-140;
2. In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 133;
3. Vide, neste sentido, por todos, A. Geraldes, págs. 141.
4. V. quanto à necessidade de menção (e alegação) da relação causal subjacente ao documento confessório de dívida, por exemplo, o ac. da RP de 29.10.2012 (relator: Eusébio Almeida), in dgsi.pt onde se concluiu que: “I - Se o título executivo tiver apenas carácter recognitivo, apenas confessório de dívida, não sendo, por isso, nele indicada a relação causal, impende sobre o exequente o ónus dessa alegação sob pena de ineptidão do requerimento inicial por falta de causa de pedir. II - Neste caso não se trata de uma questão de ónus da prova porque só podem ser objecto de prova os factos que se mostrem alegados”.
5. Cfr. Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva, à Luz do Código Revisto”, págs. (...) e 61, e Remédio Marques, in “Curso de Processo Executivo Comum, à Face do Código Revisto”, pág. 46.
6. Nesse sentido, como referem Virgínio Ribeiro/Sérgio Rebelo, in “A acção executiva anotada e comentada”, pág. 181: “No caso estamos perante um título de natureza complexa, integrado por um conjunto de documentos, pelo que a falta de um deles, inquina a validade do outro para fundamentar a instauração da execução”.
7. Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in “Acção Executiva Singular”, págs. 101/102.
8. Como se refere no ac. do STJ de (...).5.2009 (relator: Salazar Casanova), disponível in Dgsi.pt: “A força probatória plena dessa confissão significa, nestas circunstâncias, que a prova do facto confessado… pode ser ilidida, só com base na falsidade do documento (arts. 347 e 372º, nº 1 do CC) ou mediante a invocação de factos integrativos de falta ou vício de vontade que determinem a nulidade ou anulação da confissão”.
9. V. Castro Mendes, in “Direito processual civil”, vol. I, pág. 120.
10. Cfr. Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva”, pág. 26.
11. Rui Pinto, in “Manual da execução e despejo”, pág. 226.
12. Rui Pinto, in “Manual da execução e despejo”, pág. 227.
13. Rui Pinto, in “Manual da execução e despejo”, pág. 229.
14. Por ex. por esta ordem de ideias, não há dúvidas que uma dívida cambiária se mostra vencida, tendo em conta a data aposta na livrança.
15. V. os exemplos dados por A. Varela/ P. Lima, in “Código Civil anotado”, Vol. II, pág. 24 e 25. Na Jurisprudência, entre outros, os acs. do STJ de 29.2.2000, in CJ, t. I, págs. 119 e ss.; da RE de 26.6.2008 (relator: Mário Serrano), in dgsi.pt (contrato de empreitada) e do STJ de 15.5.2013 (relator: João Camilo), in Dgsi.pt (contrato-promessa).
16. Mário Júlio de Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, págs. 1007/1011.
17. In “Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações”, págs. 99 e 100.
18. Mário Júlio de Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, pág. 1008 e nota 2.
19. V., sobre o acto de notificação judicial avulsa, em particular, Abrantes Geraldes, in “Temas Judiciários”, Vol. I, págs. 151 a 154; definindo-o como um “acto judicial que não se inscreve em qualquer processo pendente, embora possa ser aproveitado para que se produzam determinados efeitos invocáveis em processo posterior” (pág. 151). Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, in “CPC anotado”, Vol. I, pág. 498 esclarecem que “através da notificação judicial avulsa, pode ser transmitida uma declaração de vontade (incluindo a de que o destinatário pratique um acto, exerça um direito ou cumpra um dever - dando como exemplo a notificação para interpelação do devedor (art. 805º CC)) ou de uma declaração de ciência (dá-se conhecimento ao destinatário da prática de um acto ou da ocorrência dum facto com relevância jurídica) ”; no mesmo sentido, v., ainda, Abrantes Geraldes/ Paulo Pimenta/Luís Pires Sousa, in “CPC anotado”, Vol. I, págs. 290 e 291.
20. Rui Pinto, in “Manual da execução e despejo”, pág. 230.