Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2541/17.1T8BCL.G1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: CONTRATO DE SEGURO DESPORTIVO
DANOS MORAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROCEDÊNCIA
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O artigo 5.º n.º 2 al a) do DL. 10/2009 de 12/01, abarca, de forma implícita, danos morais.
Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães

P. T. instaurou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra X - Sucursal em Portugal, S.A., pedindo que a ação seja julgada procedente e, em consequência, que a ré seja condenada a pagar ao autor:

a) A título de indemnização por danos não patrimoniais quantia nunca inferior a €.6.000,00, já causados em consequência dos factos que se alegam nesta petição inicial, acrescida dos respetivos juros de mora à taxa legal aplicável, desde a citação até efetivo e integral pagamento;
b) O montante que se vier a liquidar em execução de sentença em consequência da incapacidade que se vier a apurar, através da realização de exame médico-legal na pessoa do Autor, e nas despesas com deslocações, hospitalares, consultas, exames médicos e cirurgias que se venham a revelar absolutamente necessários (artigo 609.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).

Para sustentar o pedido, o autor alegou, em síntese, que:

- Era atleta do Clube de Futebol de …, onde jogava nas camadas jovens, até que em 26.11.2015 foi vítima de um acidente durante um jogo de futebol, do qual resultaram para si ferimentos graves, que descreve.
- Nessa sequência foi observado pelo massagista do clube e encaminhado para fisioterapia que fez e após terminadas as sessões de fisioterapia, foi submetido a uma cirurgia, tendo ficado internado 3 dias.
- Após, realizou mais sessões de fisioterapia, e terminadas as ditas sessões de fisioterapia, foi dada alta definitiva.
- Como consequência do acidente, e desde essa data, o autor sofre permanentemente de dores no joelho direito e nunca mais pôde jogar futebol, nem praticar as atividades que mais gostava. As dores agravam-se com os esforços e as mudanças de tempo.
- Desconhece se necessita de nova cirurgia, bem como o grau de incapacidade de que ficou a padecer em consequência do acidente.
- Sofre com o sucedido, sentindo grande desgosto, tristeza e angústia permanentes, tendo ficado muito abalado.
- A ré, por força do contrato de seguro celebrado com o Clube de Futebol de …, é parte legítima para a presente ação.

A ré foi válida e regularmente citada e veio contestar nos termos de fls. 13 e ss. dos autos, onde aceita a existência do contrato de seguro de grupo do ramo de acidentes pessoais desportivos, de acordo com o qual, o capital seguro é de €.28.000,00 com o limite de €.5000,00 para despesas de tratamento, por sinistro, e com uma franquia de €75,00. Mais refere relativamente à cobertura de invalidez, a mesma não é indemnizável se for inferior a 10%. Acresce que se o autor padecer de uma incapacidade entre os 10% e os 66%, nunca o mesmo poderia receber uma indemnização pela totalidade do capital seguro. Mais refere que em virtude de tal contrato de seguro não estão cobertos danos morais. Aceita a existência do sinistro e já assumiu despesas de tratamento no valor de €.4.964,59, pelo que, não cabe à ré indemnizar quaisquer custos acrescidos que se devam a despesas de tratamento. O autor foi considerado curado sem desvalorização.
Termina defendendo a improcedência da ação e com a consequente absolvição do pedido.

Na sequência da contestação apresentada pela ré, o autor foi notificado para, querendo, se pronunciar sobre a matéria de exceção deduzida e nessa sequência apresentou o requerimento de fls. 42. Em tal requerimento, o autor defende que os danos morais por si sofridos cabem no âmbito de proteção dos seguros de danos pessoais e como tal a ré deve ser condenada a indemnizar os mesmos. Também a incapacidade funcional de que o autor ficou a padecer deve ser ressarcida pela ré. Assim, a ré deve ser condenada a indemnizar o autor por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, não tendo aplicação as limitações defendidas pela ré.

O autor deduz incidente de intervenção principal provocada Futebol Clube..., pois o autor era atleta desse clube e caso existam os limites invocados pela ré, deve tal Clube ser responsabilizado por todos esses danos, em virtude de ter contratado um seguro que não protege eficazmente os seus atletas. Existe assim uma situação de litisconsórcio voluntário.

A fls. 46 e ss., foi proferido despacho que no admitiu o incidente de intervenção provocada deduzido, foi dispensada a realização da audiência prévia, foi fixado o valor da ação, foi realizado o saneamento dos autos, foi fixado o objeto do litígio e os temas da prova e foi admitida a prova requerida.

Foi realizada perícia colegial de avaliação do dano corporal em direito civil, conforme relatório de fls. 93 a 96.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, conforme decorre das respetivas atas de fls. 122, 123 e 125 dos autos.

Foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:

“Por todo o exposto, decide-se:
A. Absolver a ré X - Sucursal em Portugal, S.A. do pedido de condenação no pagamento de €6000,00 (seis mil euros) a título de danos não patrimoniais.
B. Relega-se para liquidação de sentença a eventual necessidade de realização de tratamentos pelo autor P. T. em consequência das sequelas que ficou a sofrer com o acidente em apreço, fixando-se em €.185,41 (cento e oitenta e cinco euros e quarenta e um cêntimos) o montante máximo a pagar pela ré por despesas de tratamento.
C. Relega-se para liquidação de sentença o montante a pagar pela ré X - Sucursal em Portugal, S.A. ao autor P. T. pelo deficit funcional permanente na integridade físico-psíquica de 5,92 pontos de que o mesmo ficou a padecer em consequência do sinistro.”

O autor, não se conformando com o decidido, interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

“I. Salvo o devido respeito por melhor opinião, o Recorrente não pode deixar de discordar do enquadramento dado pela douta sentença, devendo extrair-se das normas jurídicas aplicáveis, in casu, interpretação diversa.
II. O que está em causa nos autos é um acidente desportivo coberto por um contrato de seguro desportivo de natureza obrigatória, previsto e regulamentado pelo Decreto-Lei nº 10/2009, de 12 de Janeiro (doravante, DL 10/2009), sendo que o “thema decidendum” consiste em determinar o âmbito de proteção de tal contrato de seguro celebrado entre a ré e a Associação de Futebol de … titulado pela apólice nº PA14AHO2016, e o quantitativo da prestação debitória a cargo da ré/recorrida.
III. É, assim, inequívoco que o contrato de seguro em causa titulado pela apólice nº PA14AHO216 é um seguro obrigatório, como decorre da sentença ora em crise, e das condições e cláusulas juntas aos autos pela Ré.
IV. Atendendo à natureza obrigatória e imperativa deste tipo de contrato, não podem admitir-se as limitações constantes da douta sentença nas coberturas abrangidas, designadamente as despesas relativas aos tratamentos e a não valoração dos danos não
patrimoniais, prejudicando-se, de forma grave e flagrante, a vítima do acidente, no caso, o Recorrente.
V. O contrato de seguro de natureza obrigatória, regulamentado pelo Decreto-Lei nº 10/2009, de 12 de Janeiro, subscrito pelas partes estabelece no seu artigo 5º, nº 2, al. b), as coberturas mínimas abrangidas: "pagamento de despesas de tratamento, incluindo internamento hospitalar, e de repatriamento". Neste tipo de contrato a liberdade de modulação da relação contratual aparecemos nestes casos, frequentemente, bastante mitigada e como uma faculdade quase residual, sujeitos ao denominado regime das "cláusulas contratuais gerais", dada a fortíssima presença de cláusulas padronizadas, previamente elaboradas pela seguradora, em o Recorrente, ou qualquer outro atleta, não tem a hipótese de aceitar ou de rejeitar, em bloco, um conjunto de cláusulas préformuladas ou em cuja elaboração intervieram apenas a seguradora e a tomadora.
VI. Estamos perante seguro obrigatório, modelado nos seus aspectos essenciais pelo regime legal do DL 10/2009, de 12 de Janeiro, que, no seu artigo 5º, sob a epígrafe “coberturas mínimas”, tendo-se acautelado expressamente no artigo 6º que «as apólices
de seguro desportivo não podem conter exclusões que, interpretadas individualmente ou consideradas no seu conjunto, sejam contrárias à natureza da actividade desportiva ou provoquem um esvaziamento do objecto do contrato de seguro».
VII. Uma cláusula relativa a despesas com tratamentos até ao montante de 5.000,00 € terá de ser considerada nula e excluída do referido contrato uma vez que não protege eficazmente os interesses do Recorrente nem previne o perigo dos segurados obterem a reparação integral dos danos sofridos e ser contrária à ordem pública, resultando dos autos que o Recorrente tem necessidade de fazer mais tratamentos e, porventura, uma nova intervenção cirúrgica, sendo que com esta limitação da responsabilidade da Ré, a possibilidade de reparação integral dos danos decorrentes do acidente em questão, e de cura, ficam totalmente excluídos.
VIII. Estas limitações da responsabilidade que põe em causa as finalidades visadas com a celebração do contrato de seguro desportivo, somos do entendimento que, nos seguros de grupo, as obrigações de comunicação e de informação ao segurado das cláusulas de contratos não negociados impenda sobre todas as partes envolvidas. Neste sentido veja-se o recente acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27 de Setembro de 2018, in www.dgsi.pt. cujo sumário se transcreve – “I - O artigo 8º do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, aplicável a cláusulas contratuais não negociadas, dispõe que se «consideram excluídas dos contratos singulares: a) as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º; b) as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo». II – A obrigação que, nos seguros de grupo, nos termos primitivamente estabelecidos no artigo 4º, nº 1, do DL nº 176/95, de 26 de Julho, e ora constantes do artigo 78º, nº 1, do DL nº 72/2008, de 16 de Abril, impende sobre o tomador, de informar «os segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato, em conformidade com um espécimen elaborado pelo segurador», tem uma eficácia confinada às relações deste com o tomador, não valendo como uma transferência de tal dever, que desresponsabilize o segurador perante os segurados, impedindo estes de lhe oporem a exclusão de cláusula não informada.”
IX. Sobre tais cláusulas – porque limitativas do obejcto do contrato de seguro – recai a obrigação de as comunicar e de as explicar ao Recorrente, pelo que não tendo sido cumprido esse dever leva à exclusão da mesma do contrato, devendo ser considerada nula.
X. A cláusula 6 das condições particulares do contrato de seguro, viola a norma imperativa do art. 5º, nº 2, al. b), do DL 10/2009, donde se conclui que a cobertura relativa a despesas de tratamento se refere a qualquer valor necessário para o tratamento daquele sinistro e não só ao sublimite máximo, por sinistro, de 5.000,00 €.
XI. A violação desta norma imperativa, que tem plena justificação e se compreende em face dos seguros obrigatórios que desempenham uma função social, tem como consequência a nulidade de tal cláusula, nos termos do disposto no art. 294º do CC.
XII. Decorre do texto do referido DL 10/2009 que no seu art. 5º, nº 2, al. a), expressamente refere, como "cobertura mínima" o "pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da actividade desportiva".
Ora, retirar deste texto, e no contexto deste regime, uma exclusão da cobertura de danos não patrimoniais, traduz uma restrição do sentido amplo da cláusula legal, consistente na
introdução de uma distinção onde ela não existe (ubi lex non distinguit, nec interpres distinguere debet).
XIII. Quanto aos morais a inexistência de uma cláusula que os preveja expressamente no contrato de seguro não permite concluir, sem mais, pela sua exclusão, uma vez que o contrato, ao não qualificar a natureza do dano indemnizável, neste caso compensável, não excluiu que o dano a cobrir seja de natureza não patrimonial, nem o citado diploma normativo contém qualquer restrição aos danos patrimoniais, nem o decreto-lei, no seu todo, estipula qualquer exclusão de danos não patrimoniais.
XIV. Não se deve distinguir aquilo que o contrato não distingue, valendo, por isso, a regra própria da interpretação de um contrato de seguro, in dubio contra stipulatorum, conforme à qual uma ambiguidade do texto contratual deve ser entendida, no sentido de interpretada, como abrangendo o conteúdo indemnizatório mais amplo, aqui correspondente à não exclusão da cobertura dos danos não patrimoniais.
XV. Os danos não patrimoniais não estão excluídos nem dos contratos nem da lei, não existe qualificação da natureza do dano indemnizável e, como tal, não existe exclusão de que o dano a cobrir seja de natureza não patrimonial.
XVI. O seguro aqui em causa visa uma cobertura aplicada ao risco – trata-se de um seguro de pessoas que cobre os riscos relativos à integridade física dos praticantes desportivos – não exclui que se indemnizem danos não patrimoniais, desde que estes, como refere a parte final do nº 1 do artigo 496º do CC “… pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
XVII. A cobertura de danos não patrimoniais em sede de responsabilidade pelo risco é genericamente aceite pela doutrina, designadamente, entre outros, Mário Júlio de Almeida Costa que refere: “quanto à responsabilidade civil pelo risco, a solução logo decorre de se lhe estenderem [à responsabilidade pelo risco], na parte aplicável, as disposições respeitantes à responsabilidade por factos ilícitos (artigo 499º [do CC]” in (Direito das Obrigações, 11ª ed., revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 2008, p. 603).
XVIII. Na mesma senda verte o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/07/2014, proferido no proc. n.º 1118/2002.L1.2, Relator Olindo Geraldes, disponível em www.dgsi.pt que refere “….Na sentença recorrida, foi arbitrada a indemnização, por danos não patrimoniais, no valor de € …………. a Apelante, no entanto, discordou da atribuição dessa indemnização, por, no seu entendimento, o seguro de acidentes desportivos não contemplar a cobertura dos danos de natureza não patrimonial. O art. 4.º, n.º 1, do DL n.º 146/93, contudo, não exclui a atribuição da indemnização por danos não patrimoniais, isto é, aqueles danos que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito – art. 496.º, n.º 1, do Código Civil (CC). Na verdade, a lei, quanto ao contrato de seguro desportivo, que cobre, por um lado, o pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, e, por outro, o pagamento de despesas de tratamento, incluindo hospitalar, e de repatriamento, não distingue entre o dano patrimonial e o dano não patrimonial. Não distinguindo a lei, também o intérprete não pode distinguir, sob pena de subversão do espírito do legislador. Este, quando entendeu diferenciar, fê-lo claramente, como sucedeu no âmbito das exclusões, no seguro obrigatório, ou da garantia material do Fundo de Garantia Automóvel, em cujas normas se referem, especificamente, os “danos materiais” por contraposição aos danos não patrimoniais (arts. 14.º e 49.º do DL n.º 291/2007, de 21 de agosto). Deste modo, contemplando o seguro desportivo também a reparação dos danos não patrimoniais, apresenta-se justa e legal a atribuição da indemnização por danos não patrimoniais, assente na responsabilidade objectiva, resultante do seguro desportivo….”
XIX. A sentença recorrida deveria ter condenado a Ré no ressarcimento dos danos morais peticionados, e provados, visto que a cobertura do seguro abranger esses danos. Desde logo porque, como é óbvio, da incapacidade permanente não resultam tão só danos patrimoniais. Nesse inequívoco sentido, o acórdão do STJ de 9 de Julho de 2018 (Olindo Geraldes), in www.dgsi.pt – “Quanto ao contrato de seguro desportivo, que cobre, por um lado, o pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, e, por outro, o pagamento de despesas de tratamento, incluindo hospitalar, e de repatriamento, não distingue entre o dano patrimonial e o dano não patrimonial. Não distinguindo a lei, também o intérprete não pode distinguir, sob pena de subversão do espírito do legislador. Este, quando entendeu diferenciar, fê-lo claramente, como sucedeu no âmbito das exclusões, no seguro obrigatório, ou da garantia material do Fundo de Garantia Automóvel, em cujas normas se referem, especificamente, os “danos materiais” por contraposição aos danos não patrimoniais (artigos. 14º e 49º do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto). Deste modo, contemplando o seguro desportivo também a reparação dos danos não patrimoniais, apresenta-se justa e legal a atribuição da indemnização por danos não patrimoniais, assente na responsabilidade objectiva, resultante do seguro desportivo”.
XX. A Douta Sentença violou as normas constantes do Decreto-lei nº 10/2009, de 12 de Janeiro, os artigos 138º, nº 2 e 146º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, o Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro e o nº 1 do art.º 496º do Código Civil, pelo que deve ser revogada.

NESTES TERMOS, E nos melhores de direito permitidos, dando provimento ao presente recurso, deve revogar-se a sentença recorrida, julgando-se a presente acção totalmente procedente e provada, com todas as legais consequências para a recorrida.

Assim, Vossas Excelências, no mais douto e sapiente critério e suprindo as lacunas de patrocínio, decidirão, como sempre, de INTEIRA REPARAÇÃO E JUSTIÇA.”

Houve contra-alegações que pugnaram pelo decidido.

Das conclusões do recurso ressaltam as seguintes questões:

1. Se a cláusula 6ª das condições particulares do contrato de seguro deve ser excluída por não ter sido comunicada e explicado o seu teor ao segurado pela ré ou pela Associação de Futebol de ..., por violação do artigo 8º do DL. 446/85 de 25/10.
2. Se a cláusula 6ª das condições particulares do contrato de seguro é nula no que respeita à limitação do montante indemnizatório para a cobertura das despesas de tratamento por violação do artigo 5º n.º 2 al. b) do DL. 10/2009 de 12/01 e artigo 294 do C. Civil.
3. Se o artigo 5º n.º 2 al. a) do DL. 10/2009 de 12/01contenpla os danos morais emergentes do sinistro e se devem ser valorados de acordo com o disposto no artigo 496 n.º 1 do C. Civil.

Factos consignados na decisão recorrida.

“2.1. Factos Provados

Em consequência da prova produzida em audiência de julgamento, resultou provado que:

1) A ré X - Sucursal em Portugal, S.A. celebrou com a Associação de Futebol de ... contrato de seguro do ramo de acidentes pessoais desportivos titulado pela apólice n.º PA14AH0216, com as seguintes Condições Particulares:

«2. Pessoas seguras

Consideram-se pessoas seguras os praticantes amadores de Futebol desde que devidamente inscritos na Federação Portuguesa de Futebol e que constem nas listagens enviadas à Seguradora.
(…)
5. Âmbito de cobertura
Danos corporais sofridos pelas pessoas seguras, até aos limites adiante indicados, em consequência de acidentes ocorridos em resultado da Actividade Segura (…) e de acordo com os termos e condições dispostos nas Condições Gerais, Especiais e Particulares aplicáveis.
6. Coberturas e Capitais Seguros
A. Morte e Invalidez Permanente por Acidente €.28.000,00
B. Despesas de Tratamento por Acidente €.5.000,00
(…)
7. Custo de Abertura de Processo
Petizes, Traquinas, Benjamins e Infantis
Aplicar-se-á um custo de abertura de processo de €.90,00 por sinistro e por pessoa segura, na cobertura de Despesas de Tratamento.
Outros
Aplicar-se-á um custo de abertura de processo de €.150,00 por sinistro e por pessoa segura, na cobertura de Despesas de Tratamento.
(…)
9. Restantes Termos e Condições
De acordo com o estipulado nas Condições Gerais e Especiais do Seguro de Acidentes Pessoais – Seguro Desportivo, e no respectivo Manual de Procedimentos em Caso de Sinistros.
A cobertura dos riscos de Morte e o de Invalidez Permanente não são cumuláveis, pelo que no caso da “Pessoa Segura” vier a falecer em consequência de acidente a coberto da apólice, à indemnização por morte será abatida a indemnização por invalidez permanente que eventualmente lhe tenha sido atribuída e/ou paga relativamente ao mesmo acidente.

A invalidez Permanente igual ou inferior a 10% não é indemnizável, no entanto, se o grau de invalidez foi igual ou superior a 66% será equiparado a 100%.
(…)
A tabela base para o cálculo de indemnizações devidas por invalidez permanente, é a tabela nacional de incapacidades. (…)
Os sinistrados serão assistidos nos hospitais e centros médicos convencionados, colocados à disposição pela gestão clínica e de acordo com o Manual de Procedimentos ou em hospitais civis em situações de urgência comprovada.
No caso de uma Pessoa Segura optar por efectuar uma Cirurgia ou um outro qualquer tratamento médico num estabelecimento que não o designado pela seguradora, carecerá ainda assim de pré-autorização e o pagamento das respectivas despesas será limitado ao valor que a mesma cirurgia custaria na entidade designada.
As indemnizações relativas a incapacidades permanentes ou morte, serão pagas directamente ao sinistrado ou aos seus legais herdeiros.»
2) O autor P. T. nasceu no dia .. de Abril de 1998. [fls. 9v e 10]
3) O autor era atleta do Futebol Clube..., onde actuava nas camadas jovens desde a época 2013/2014.
4) No dia 26 de Novembro de 2015, pelas 20.15 horas, no Campo de Jogos de ..., sito na freguesia de ..., concelho de Barcelos, o autor foi vítima de um acidente, no interior do referido campo e durante um jogo de futebol, e do qual resultaram ferimentos graves na sua pessoa.
5) Nesse dia e hora, o autor, ao deslocar-se com a bola, foi atingido por um outro atleta no joelho direito e de que resultou uma entorse do mesmo.
6) Assim, e no decurso do referido jogo de futebol, o autor, que se encontrava com a posse de bola, e sem que nada o fizesse prever, foi brutalmente atingido no joelho direito por um outro atleta da equipa contrária.
7) O sinistro descrito ocorreu no referido Campo de Jogos de ... onde habitualmente o autor, e demais atletas, treinavam a referida modalidade e realizavam jogos treino e jogos de competição com outras equipas do mesmo escalão.
8) Em consequência do sinistro o autor sofreu vários ferimentos, designadamente contusão no joelho direito, com ruptura do menisco e de ligamentos (segundo informação prestada na altura), tendo sido assistido pelo massagista do Clube e encaminhado para observação para uma clínica de fisioterapia denominada …, em …, Barcelos.
9) Depois de ser observado na referida clínica foi aconselhado a fazer sessões de fisioterapia, que efectivamente fez de 30.11.2015 a 14.12.2015.
10) Uma vez terminadas as sessões de fisioterapia supra referidas, o autor foi submetido a uma cirurgia ao joelho direito no Hospital Particular de …, onde esteve internado três dias, tendo depois regressado a casa onde realizou os tratamentos que lhe foram recomendados pela equipa de cirurgia.
11) Posteriormente, foi novamente ao Hospital Particular de … para retirar os "pontos" da cirurgia e para observação, tendo a médica que o observou no referido Hospital recomendado a realização de mais sessões de fisioterapia, o que efectivamente fez de 30.12.2015 a 25.03.2016.
12) Contudo, como o autor sentia, e continua a sentir, inúmeras dores no joelho direito, foi novamente observado no dito Hospital e a médica disse-lhe para fazer uma ressonância magnética, o que o autor fez.
13) Em 18.02.2017, o autor apresentava o joelho direito com sinais de intervenção cirúrgica para meniscectomia e «…o túnel tibial está muito discretamente à frente do teto da fossa intercondiliana de um modo muito discreto no seu terço inferior, observando-se ligeiro hipersinal neoligamentar a esse nível; estes aspectos traduzem discreto impingement do neoligamento. Não existem sinais de rotura nem é aparente nódulo fibrocartilagíneo na base do ligamento.»
14) Uma vez realizado o referido exame/meio complementar de diagnóstico, e após ver os resultados, a médica aconselhou o autor a fazer novamente fisioterapia, o que fez de 24.02.2017 a 17.03.2017.
15) Após a realização destas últimas sessões de fisioterapia foi-lhe dada alta definitiva, a 24.03.2016, onde foi considerado «curado sem desvalorização». [fls. 39]
16) A data da consolidação médico-legal das lesões foi 16.05.2016.
17) O autor teve um período de défice funcional temporário total de 4 dias.
18) O autor teve um período de défice funcional temporário parcial de 169 dias.
19) Em consequência do referido em 4) a 6), o autor ficou a padecer definitivamente de instabilidade anterior do joelho e sequelas de lesões meniscais.
20) Em consequência das lesões sofridas com o acidente o autor ficou a padecer deficit funcional permanente na integridade físico-psíquica de 5,92 pontos.
21) O autor sofreu um quantum doloris de grau 4 numa escala de 7.
22) As sequelas de que o autor ficou a padecer em consequência das lesões sofridas com o acidente são compatíveis com o exercício da actividade habitual de torneiro mecânico, mas exigem esforços suplementares.
23) Em consequência das lesões sofridas com o acidente, o autor teve uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 3 numa escala de 7.
24) O autor irá necessitar de forma permanente de ajudas medicamentosas.
25) O autor, actualmente, encontra-se clinicamente estabilizado com as sequelas descritas em 13) e que poderão ou não vir a ser motivo de novos tratamentos conforme evolução clínica.
26) Desde o acidente que o autor sofre de dores no joelho direito, não podendo permanecer muito tempo em pé, caminhar muito ou correr muito.
27) O joelho direito, no final do dia, ou quando o autor faz esforço físico, fica inchado.
28) O autor foi aconselhado pelo médico para não fazer esforço físico e por isso deixou de jogar futebol e de frequentar o ginásio, actividades que adorava fazer.
29) As dores no joelho agravam-se com as mudanças de tempo.
30) Em consequência das lesões sofridas, o autor anda triste e desgostoso, manifestando essa sua tristeza com gestos de irritabilidade e angústia frequentes.
31) O autor pretendia ingressar e enveredar por uma carreira militar, mas desistiu.
32) A ré pagou ao autor a quantia de €.110,79.
33) A ré pagou à …clinic a quantia de €.4703”

Vamos conhecer das questões enunciadas.

1. Se a cláusula 6ª das condições particulares do contrato de seguro deve ser excluída por não ter sido comunicada e explicado o seu teor ao segurado pela ré ou pela Associação de Futebol de ..., por violação do artigo 8º do DL. 446/85 de 25/10.

O autor/apelante alega, no seu recurso, que não lhe foi comunicado, nem explicado pela Associação de Futebol de ... e pela ré seguradora o teor da cláusula 6ª das condições particulares do seguro de grupo que determina os montantes das coberturas. E que ao abrigo do disposto no artigo 8º do DL. 446/85 de 25/10, das cláusulas contratuais gerais deveriam tê-lo feito, sob pena de serem excluídas do contrato.
Esta questão não foi suscitada pelo autor na sua petição inicial, na resposta à contestação da ré nem posteriormente, não se tendo o tribunal debruçado sobre o assunto na decisão recorrida.

Em face do exposto estamos perante uma questão nova, que não é de conhecimento oficioso, pelo que o tribunal de recurso não a pode conhecer. Daí que não nos vamos pronunciar sobre a mesma.

2. Se a cláusula 6ª das condições particulares do contrato de seguro é nula no que respeita à limitação do montante indemnizatório para a cobertura das despesas de tratamento por violação do artigo 5º n.º 2 al. b) do DL. 10/2009 de 12/01 e artigo 294 do C. Civil.

O autor apelante suscita a nulidade da cláusula 6ª das condições particulares do contrato de seguro desportivo, no que tange ao montante da cobertura com os tratamentos para o acidente, que é insuficiente para a sua recuperação total.

A cláusula contratual em discussão, na sua alínea B), fixa o montante de 5.000€ para despesas com tratamentos emergentes do acidente. O artigo 5º n.º 2 al. b) al. b) do DL. 10/2009 de 12/01, prevê, como cobertura mínima, “o pagamento de despesas de tratamento, incluindo internamento hospitalar, e de repatriamento”. E, no artigo 16º alínea e), fixa em 4.000€ o montante de capital mínimo para despesas de tratamento e repatriamento.

Daí que se possa concluir que a cláusula contratual impugnada preveja um montante superior ao exigido, legalmente, como mínimo, para esta cobertura, pelo que está de acordo com a letra e o espírito do diploma, que impôs mínimos garantidos para os desportistas que venham a sofrer acidentes na prática desportiva nos termos aí configurados.

Assim julgamos que não se verifica a nulidade da cláusula contratual suscitada pelo autor/apelante, uma vez que não foi violada norma imperativa.

3. Se o artigo 5º n.º 2 al. a) do DL. 10/2009 de 12/01contenpla os danos morais emergentes do sinistro e se devem ser valorados de acordo com o disposto no artigo 496 n.º 1 do C. Civil.

O tribunal recorrido julgou improcedente o pedido formulado pelo autor no que diz respeito a danos morais, porque considerou que o contrato de seguro desportivo não abarca estes danos. As partes contratantes não introduziram estes danos no objeto do contrato e a tal não estavam obrigadas porque o artigo 5.º n.º 2 al a) do DL. 10/2009 de 12/01 não estabelece estes danos como mínimos garantidos, invocando o ac. do STJ. de 8/09/2016 e do da RG. datado de 15/01/2015, uma vez que não se está no domínio da responsabilidade civil por atos ilícitos.

O autor/apelante insurge-se contra este segmento da decisão recorrida, defendendo o oposto, destacando que se está perante um seguro de pessoas, cujo artigo 5.º n.º 2 al. a) prevê coberturas mínimas respeitantes a danos corporais e a morte (Pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da atividade desportiva), não excluindo os danos morais. E o facto de não terem sido referidos, expressamente, os danos morais no contrato de seguro em apreço não significa que tenham sido excluídos. E este seguro visa, essencialmente, proteger os riscos relativos à integridade física dos praticantes desportivos, pelo que não estão excluídos os danos morais desde que enquadráveis no artigo 496 n.º 1 do C. Civil., invocando o Ac. de 9/07/2014, relatado pelo Desembargador Olindo Geraldes no processo 1118/2002.l1.2.

Esta questão é controversa na jurisprudência, como se verifica do acima exposto.

Estamos perante um contrato de seguro de pessoas cujo risco seguro é o inerente à prática desportiva amadora de futebol, que tem como elemento regulador o DL. 10/2009 de 12/01, e envolve danos corporais sofridos pelas pessoas seguras, dentro de determinados limites, em que para a morte ou invalidez permanente por acidente, foi previsto o montante de 28.000€ (condições particulares do contrato de seguro juntas a fls. 20). No contrato outorgado entre a ré seguradora e a Associação de Futebol de ... não foi contemplado, expressamente, o dano moral emergente do acidente desportivo. Mas isto não significa que tenha sido excluído e que não esteja previsto no artigo 5º do DL. 10/2009 de 12/01. É uma questão interpretativa do contrato e da norma.

O diploma em causa insere-se na política de fomento da atividade física plasmada na Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto 5/2007 de 16/01, que tem como objetivo fundamental garantir aos agentes desportivos, aí identificados, um seguro obrigatório, com garantias mínimas na assistência em caso de acidentes pessoais desportivos, envolvendo a morte, a incapacidade permanente, total ou parcial e a assistência, incluindo hospitalar. Estas garantias mínimas têm de fazer parte de contratos de seguro a implementar entre as estruturas do desporto e as seguradoras.

Analisando o preâmbulo do diploma e os artigos, 1º, 2º, 5º e 6º do DL.10/2009 de 12/01 constata-se que o seguro desportivo obrigatório visa proteger os desportistas, quando têm acidentes. E estes, por natureza, danificam o corpo e o espírito, desenvolvendo situações de sofrimento de vária ordem. E são estes danos que o diploma visa tutelar através de contratos de seguro, que têm de contemplar estes objetivos. Daí que julgamos que, de forma explícita, abarca o dano biológico, que se traduz numa lesão físico-psíquica, que se reflete na capacidade de ganho ou nas funcionalidades do dia a dia de cada pessoa, expressa na incapacidade permanente parcial ou total, e, de forma implícita, o dano não patrimonial, desencadeado pelo sofrimento que o dano biológico produz.

E referindo-se o contrato de seguro desportivo no ponto 5º das condições particulares (fls. 20), à “cobertura de danos corporais pelas pessoas seguras”, julgamos que abrange os danos morais, de forma implícita, como consequência natural dos danos corporais. E o capital a ter em conta, para a cobertura deste dano, será o previsto, no ponto 6º para a invalidez permanente (conferir Ac. RP. 15/11/2018, proc. 1751/14.8TBVCD.P1, em www.dgsi.pt).

A determinação deste dano será nos termos do artigo 496 n.º 1 do C. Civil em que se destaca a sua gravidade de molde que mereça a tutela do direito.

Face à matéria de facto provada, com destaque para os pontos 20, 21, 23, 26, 27, 29, 30, constata-se que o autor/apelante teve e terá dores em consequência das lesões sofridas, que lhe causam tristeza e desgosto que se manifestam em gestos de irritabilidade e angústia frequentes. Estamos perante uma situação grave que merece a tutela do direito.

O autor pediu o montante de 6.000€ como forma de o compensar pelas dores sofridas e que se prolongarão pelo tempo. E julgamos que o montante é o adequado face à matéria de facto provada.

Concluindo: 1. Não se verifica a nulidade da cláusula 6ª das condições particulares do contrato de seguro porque o montante nela referido é superior ao previsto no artigo 5º n.º 2 al. b) do DL. 10/2009 de 12/01.
2. O artigo 5.º n.º 2 al a) do DL. 10/2009 de 12/01, abarca, de forma implícita, danos morais.

Decisão

Pelo exposto acordam os juízes da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revogam, em parte, a decisão recorrida e condenam a ré seguradora a pagar ao autor/apelante a quantia de 6.000€, acrescida de juros moratórios a partir da data da decisão recorrida. No resto mantêm a decisão recorrida.

Custas a cargo do autor e da ré na proporção de vencimento.
Guimarães,

Relator Des. Espinheira Baltar
Adjuntos Des. Eva Almeida e Luísa Ramos