Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2418/21.6T8VRL.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: COMODATO
EXPROPRIAÇÃO
AÇÃO INDEMNIZATÓRIA AUTÓNOMA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Ocorre erro de julgamento no tocante à apreciação do vício de erro sobre os pressupostos de facto, quando se decide com base em pressuposto factual inexistente.
II – A litigância de má fé tem de ser reconduzida à importância que o legislador lhe terá dado - a de um mero incidente. O que é suposto num processo, é que o tribunal se pronuncie sobre o pedido material formulado pelo autor, e pelo réu, caso este tenha reconvindo, sendo apenas incidentalmente que vai apreciar a conduta processual das partes envolvidas na lide, seja porque tal tenha sido suscitado pela outra parte, seja porque a gravidade da actuação de uma ou de ambas despoletou no julgador a necessidade de penalizar quem assim abusa do processo.
III – A expropriação configura-se como uma forma de aquisição originária, cuja tramitação está consagrada no Código das Expropriações com as características da publicidade, da universalidade e da suficiência, de onde decorre que todas as questões pertinentes para a delimitação da área a expropriar, da definição dos interessados e das indemnizações a atribuir devem ser decididas no decurso deste processo.
IV – A questão de saber se um “comodatário” de bens expropriados é, ou não, interessado, no dizer do art. 9º do C.E. (que consagra o princípio da legitimidade aparente) e, se lhe assiste, ou não, o direito a ser indemnizado por força da expropriação e, em caso afirmativo, em que medida, é algo que tem de ser suscitado e decidido no processo de expropriação, não podendo, em princípio, sê-lo no âmbito de uma ação de processo comum.
V – Tendo tido a oportunidade de, ao longo dos processos de expropriação, fazer valer os direitos de que se arroga e sendo o processo de expropriação aquele em que tinham de ser suscitados e apreciados esses direitos; na medida em que, o A. que alega ser "comodatário" das parcelas expropriadas que compunham a sua exploração agrícola não exerceu os seus direitos nesses processos e já neles os não possa exercer (nomeadamente, por ali já se ter proferido decisão final transitada em julgado), precludiu-se a possibilidade de, posteriormente, os vir exercer através de uma acção indemnizatória autónoma ou, na medida em que ainda possa exercer os seus direitos nos processos de expropriação, é neles que terá de os exercer, por ser através dessa forma de processo especial que, tais direitos têm de ser, e podem ser, exercidos.
VI – Não é processualmente possível, configurando-se como uma excepção dilatória inominada, a interposição de uma acção indemnizatória autónoma, quando correu/corre processos de expropriação tendo por objecto as mesmas parcelas de terreno.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 RELATÓRIO

AA instaurou acção[i], na forma de processo comum, contra I..., ... - Sucursal em Portugal.
Invocou que:
Enquanto agricultor autónomo, fazia a exploração agrícola de vários prédios, a título de “comodato”.
A R. procedeu à expropriação de grande parte desses prédios.
Em consequência dessa expropriação, sofreu um prejuízo de € 225.000,00.
Pediu que:
Fosse a R. condenada a pagar-lhe uma indemnização no montante de € 225.000,00, a título de lucros cessantes e danos emergentes.

Citada, a R. não contestou.

Convidado pelo tribunal, o A. veio esclarecer que, houve processos de expropriação das parcelas expropriadas.

Foi então o A. notificado para, em 10 dias, querendo, se pronunciar sobre a (in)admissibilidade, de exercício do direito indemnizatório em causa, fora do processo de expropriação, mediante acção autónoma, em processo comum.

Veio invocar que, não sendo proprietário dos bens expropriados, nem seu arrendatário, não se lhe aplica os arts. 30º e 31º do CE, ao que acresce o facto de, não sendo interessado para efeitos do art. 9º do CE, estava impedido de exercer o seu direito no âmbito do processo de expropriação, pelo que, o processo comum é o próprio, e único, para o A. poder ser ressarcido dos prejuízos que sofreu.

Em sede de contraditório, a R. pronunciou-se pela inadmissibilidade de exercício do direito indemnizatório em causa, fora do processo de expropriação, mediante ação autónoma, em processo comum.

Veio, então, o A. pronunciar-se sobre a pronúncia da R.

Por sua vez, veio a R. pronunciar-se sobre a pronúncia do A.

Considerados confessados os factos articulados pelo A. na p.i., sem prejuízo do disposto no art. 568º do CPC, foram as partes notificadas para os fins previstos no art. 567º/2 do CPC.

A R. apresentou as suas alegações por escrito.

O A. não apresentou alegações, mas veio exercer o contraditório relativamente às alegações que a R. apresentara e ainda juntar documentos.

A R. veio então exercer o contraditório quanto ao contraditório que o A. exercera.

Por fim, também o A. veio exercer a sua pronúncia quanto ao contraditório que a R. exercera e juntar documento.
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De seguida, foi proferida sentença, que entendendo ser inadmissível os  atos de fls. 229 a 231 verso, 250 a 260 verso e 281 a 328, declarando-os nulos e  determinando o seu desentranhamento e não ser processualmente admissível a interposição de ação na forma de processo comum, com vista a que a entidade expropriante seja condenada a pagar uma indemnização pelos danos emergentes da expropriação, quando correram termos processos de expropriação de algumas das parcelas expropriadas em causa, nas quais já foi proferida sentença, transitada em julgado e, se encontram a correr termos processos de expropriação, relativamente às outras parcelas em causa, o que configura uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da R. da instância, decidiu nos seguintes termos:

Pelo exposto, absolvo a R. da instância.
Fixo o valor da causa em € 225.000,00 - Arts. 296º, n º 1, 297º, n º 1 e 306º, n º 1 e 2, do C.P.C.
Custas a cargo do A. - art. 527º, do C.P.C., (sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza).
Registe - art. 153º, n º 4, do C.P.C.
Notifique - art. 220º, n º 1, do C.P.C.
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Inconformado com essa sentença, apresentou o A. AA recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou, com a apresentação das seguintes conclusões:

1. O A. mostra-se inconformado com a sentença proferida na qual o Tribunal “a quo”:
A- Declarou Nulo os actos praticados pelas partes de fls 229 a 231 verso, 250 a 260 verso e 281 a 328, determinando o seu desentranhamento.
B- Conheceu, oficiosamente, de uma excepção dilatória inominada e absolveu a R. da Instância;
2. Entende que a decisão foi proferida em manifesto Erro de Julgamento, uma vez que se impunha:
A- No que concerne ao primeiro segmento decisório, conhecer do pedido de litigância de Má-fé deduzido pelo A. e a que a R. respondeu, mediante os requerimentos de fls 229 a 231 verso, 250 a 260 verso e 281 a 328.
B- No que concerne ao segundo segmento decisório, que fosse conhecido o pedido e, a final, condenada a R. a indemnizar o A. pelos danos causados e prejuízos sofridos, nos termos gerais de direito.
3. Tendo sido erradamente interpretados e apreciados, no que concerne à primeira questão, os requerimentos de fls. 229 a 231 verso, 250 a 260 verso e 281 a 328 e, no que concerne à segunda questão, desde logo, o objecto da presente acção, a qualidade em que o A. interveio no âmbito dos processos expropriativos, os documentos juntos, o requerimento da R. com a ref:ª Citius ..., datado de 11-03-2022, e o artigo 9.º do Código das Expropriações, artigo 562 e ss. do Código Civil, artigo 2.º n.º 2 do Código do Processo Civil e artigo 20 da Constituição da República Portuguesa.
Na verdade,
(Primeira questão)
4. Como facilmente se constata, os requerimentos de fls de fls 229 a 231 verso, 250 a 260 verso e 281 a 328 (requerimento com a ref.ª Citius ..., de 3-05-2022 e seguintes), prendem-se, não com exercícios de contraditório às alegações efectuadas (como consta da Sentença), mas sim com a dedução de um pedido de condenação da R. como litigante de má-fé, a que a R. respondeu e o A. reiterou.
Assim,
5. Nos requerimentos em causa, o A. peticionou a condenação da R. como litigante de má-fé e juntou prova, documental e testemunhal, para que essa apreciação se efectuasse, e,
6. A R. exerceu o contraditório a este pedido de condenação como litigante de má-fé.
Como tal,
7. Impunha-se o conhecimento e a apreciação deste pedido e a prolacção de correspondente decisão porquanto, ao contrário do disposto na Sentença, se trata de actos validamente praticados.
Assim,
8. Importa pois revogar a decisão neste segmento, porquanto existiu um erro notório do M.º Juiz na apreciação e interpretação dos referidos requerimentos, que implicou um manifesto Erro de Julgamento devendo a decisão proferida a este respeito ser substituída por uma outra onde se ordene a apreciação do pedido de litigância de má-fé formulado pelo A.
9.
Aliás,
10. A não apreciação deste pedido de litigância de Má-Fé, sempre implicaria a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, o que a título subsidiário se peticiona.
(Segunda questão)
11. Entendeu o Tribunal “a quo” que, tendo corrido processos de expropriação sobre as parcelas de que o A. era comodatário, não pode o A. vir deduzir a pretensão indemnizatória, fora dos referidos processos, em processo comum.
12. O A. mostra-se inconformado, porquanto não encontra norma jurídica que imponha ao A., na qualidade em que intervém nos presentes autos, (ou seja, titular de exploração agrícola afectada pela Construção das Barragens do ... (...), porquanto composta por prédios que o A. detinha por comodato e que vieram a ser expropriados aos respectivos proprietários, tendo o A. que largar mão deles, inelutavelmente), o dever de vir reclamar direitos indemnizatórios nos diversos processos Expropriativos, sob pena de preclusão desse direito;
13. Nem encontra norma jurídica que impeça o A. de, nessa mesma qualidade, tendo sido lesado pela construção das Barragens a cargo da R. e subsequente expropriação de várias parcelas que compunham a sua exploração agrícola, as quais eram detidas por este a título de comodato (que teve que largar mão, de forma inelutável), de exercer pretensão indemnizatória, nos termos gerais de direito, como o fez.
14. Entendeu, o Tribunal “a quo” que o A. pretendia, com a presente acção, instaurar uma nova acção de Expropriação Litigiosa, nos termos do preceituado nos Código das Expropriações, o que não é o caso.
15. Aliás, tal não foi alegado, nem peticionado.
16. O A. com os presentes autos pretende, pois, uma indemnização nos termos gerais de direito, pelos danos emergentes e lucros cessantes que teve face ao facto da sua exploração agrícola que possuía uma área explorada de 8,41 hectares ter sido, inelutavelmente, reduzida para uma área explorada de 1,82 hectares, em virtude da Construção das Barragens do ..., e da consequente expropriação de várias parcelas de terreno pertencentes a terceiros, mas que integravam e compunham a exploração agrícola do A., há mais de 10 anos, mediante contrato de comodato outorgado entre o A. e os seus respectivos titulares e que este, apesar de ter o direito obrigacional de gozo, se viu forçado a entregar.
17. Resulta dos Autos que, quer o A. (na sua pronúncia datada de 24-03-2022, requerimento com a ref.ª Citius ..., quer a R. (na sua pronúncia datada de 11-03-2022 – requerimento com a Rf.ª Citius ...) são do mesmo entendimento de que o A. não é interessado para efeitos do preceituado no artigo 9.º do Código das expropriações.
18. Aliás, esse é também o entendimento da jurisprudência e doutrinas a respeito.
19. Se o A. enquanto comodatário, não é interessado para efeitos do Código das Expropriações, não poderia vir a estes autos reclamar direitos indemnizatórios nessa qualidade, tendo o M.º Juiz errado no entendimento plasmado na página 4.ª da Sentença.
20. Como alegado na PI (artigo 12) e não contestado, aliás, confessado também em 5. do requerimento da R. com a ref:ª 2865105 de 11-03-2022, o A. interveio nos respectivos processos de expropriação, conjuntamente com os seus três irmãos, em representação da herança aberta por óbito do seu pai e não a exercer qualquer direito próprio, muito menos de comproprietário.
21. Nesses processos estava em causa a justa indemnização pela expropriação de cada uma das parcelas, pertença da dita herança.
22. Enquanto único titular da exploração Agrícola, composta por prédios da herança e um outro pertença de outro terceiro que o A. detinha por comodato, o A., porque nesta qualidade de comodatário, não era interessado, sempre estava impedido de vir àqueles processos deduzir a pretensão que deduziu nos presentes autos.
23. Tão pouco, como resulta da sentença (pág. 4, último parágrafo), em manifesto erro, pretende o A. ser considerado interessado para efeitos do código das expropriações.
24. O A. considera-se, apenas e só, lesado e titular de um direito a indemnização nos termos gerais de direito.
Como tal,
25. Estão erradas as duas premissas em que assenta a presente decisão, ou seja:
a) A de que o A. poderia e deveria vir aos autos de expropriação exercer os direitos indemnizatórios em causa na presente lide;
b) E que teve oportunidade de o fazer ao longo dos processos de expropriação.
Ainda a este respeito, importa também salientar que:
26. Dos oito prédios em causa (doze parcelas), apenas sete pertencem à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do pai do A., assumindo este a qualidade de expropriado, na proporção da sua quota ideal de ¼ de cada das parcelas correspondentes.
27. O prédio remanescente, denominado ..., correspondente à parcela expropriada (...) é pertença de BB, e detida pelo A. mediante comodato, como veio este esclarecer em requerimento datado de 2-02-2022;
28. Este último prédio foi expropriado extrajudicial e amigavelmente, mediante escritura pública que se juntou sob o doc. ...8 com o requerimento datado se 2-02-2022.
29. Neste caso, o A. não teve, nem tinha como ter, qualquer intervenção, não tendo qualquer oportunidade de exercer qualquer direito a indemnização.
30. Por aqui se vê quão falaciosa é a argumentação constante na Sentença.
Sucede ainda que:
31. Como supra dito, o Código das expropriações não prevê indemnizações para os comodatários dos referidos prédios. Contudo, ao contrário do que é entendimento da R. e do M.º Juiz do Tribunal “a quo”, tal não significa que o comodatário não possa ter prejuízos com a expropriação das parcelas comodatadas, nem que não possa vir peticionar esses eventuais prejuízos nos termos gerais de direito.
32. Aliás, uma boa análise da concreta situação fáctica, sempre impunha considerar que seria inviável o exercício do direito peticionado na presente acção no âmbito dos processos expropriativos.
Na verdade,
33. Como resulta do código das expropriações, para cada uma parcela expropriada corre um processo de expropriação autónomo.
34. Assim, para as doze parcelas em questão nos autos correram 12 processos de expropriação, os quais correram de forma independente e em momentos distintos.
Como tal,
35. Enquanto comodatário, não tem o A. como saber, nem calcular, o prejuízo que cada uma das expropriações causa, individualmente, na sua exploração agrícola, uma vez que o impacto nessa exploração agrícola é diferente conforme forem expropriadas mais ou menos parcelas.
36. Aquando da expropriação da primeira parcela, o A. não tinha como saber, em que medida ia ficar afectada a sua Exploração Agrícola, no seu todo, pois tal depende da manutenção ou não de um restante que pode tornar viável ou inviável essa exploração agrícola, com menor ou maior prejuízo (sucedendo o mesmo a respeito da segunda parcela, e assim sucessivamente até à última).
37. Esta situação tornava impossível ao A. e/ou a qualquer outro titular de exploração agrícola, nas mesmas circunstâncias, vir reclamar em cada um dos processos de expropriação (que correram, um por cada parcela) a indemnização pelos prejuízos sofridos, uma vez que naqueles momentos em que correu cada um dos processos, os mesmos ainda não estavam consolidados nem eram integralmente conhecidos, logo impossíveis de apurar.
38. Esse foi o motivo pelo qual, nenhuma indemnização por prejuízo em exploração agrícola, fosse por parte de quem fosse, foi peticionado (e indemnizado) nos processos de expropriação, como a R. bem sabe.
39. Aliás, resulta dos autos, e não foi negado pela R. que o A. não recebeu um tostão pela redução significativa que teve na sua exploração agrícola, em virtude da expropriação de 8 prédios que a integravam, os quais detinha por comodato.
Daí que,
40. A decisão proferida, além de traduzir um manifesto erro de julgamento, viola o Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva, previsto no artigo no 2.º n.º 2 do CPC e artigo 20.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
41. Uma vez que o A. não tinha como vir a cada um dos autos de expropriação peticionar os prejuízos sofridos pela redução da sua exploração Agrícola e consequente perda de rendimentos, uma vez que, além de não ser interessado para efeitos do Código das Expropriações, esta perda só se consolidou com a expropriação da última parcela que compunha a sua exploração.
42. Por outro lado, seria impossível calcular em cada uma das parcelas a fracção do seu prejuízo sem estar determinada a totalidade da área em que ficaria reduzida a sua exploração, e que só foi conhecida com a expropriação da última parcela.
43. Face a esta decisão, ficaria também o A. impedido, de vir, agora que se encontra perfeitamente consolidado o seu prejuízo, peticionar essa indemnização, pelos prejuízos que teve com o facto de ter que largar mão, inelutavelmente, dos prédios que compunham a sua expropriação Agrícola, com a consequente perda de rendimentos na actividade agrícola ali desenvolvida.
Pelo exposto,
44. O A., enquanto comodatário, não é interessado nos autos de expropriação e, como tal, não pode intervir nos processos de expropriação. Contudo, a Construção das Barragens do ..., no caso da barragem de ..., a cargo da R. causou-lhe um dano que importa ressarcir, uma vez que o A. possuía um direito pessoal de gozo sobre parcelas expropriadas, as quais compunham a sua exploração agrícola há mais de 10 anos, a qual, face às expropriações, veio a ser afectada, nomeadamente pela redução em 80% da área explorada, com significativa perda de rendimentos.
45. Este dano tem que ser indemnizado mediante a instauração de uma acção de processo comum, porquanto é a acção própria para este fim.
Como é percetível,
46. O A., com a presente acção, não pretendeu interpor qualquer novo processo de Expropriação, como parece ter sido interpretado na sentença.
47. O A. pretendeu e pretende exercer o direito que entende possuir a uma indemnização pelos danos que lhe foram causados pela R., nos termos gerais de direito (artigo 562.º e ss. do Código Civil) pelos danos que a R. causou ao A. na sua Exploração Agrícola, no âmbito da construção das Barragens que compõem o sistema electroprodutor do ... (artigo 11 e 37.º da PI).
48. Não tendo admitido o presente processo e absolvendo a R. da Instância Errou o M.º Juiz no direito aplicável, tendo violado, entre outras as seguintes normas legais: artigo 9.º do Código das Expropriações; os artigos 562 e ss do Código Civil; artigo 2.º n.º 2 do Código de Processo Civil e artigo n.º 20 da Constituição da República Portuguesa.
49. Devendo a sentença ser revogada e substituída por uma outra onde se decida nos termos preditos.
Assim se fazendo a já costumada Justiça.
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Notificada das alegações de recurso apresentadas pelo A., veio a R. I..., ... - Sucursal em Portugal apresentar as suas contra-alegações, que finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

I. Têm as presentes contra-alegações por objeto o recurso interposto pelo Autor (Expropriado em vários processos de expropriação), ora Recorrente, da douta Sentença proferida em 27.05.2022 pelo Tribunal a quo, (I) a qual absolveu a Ré da Instância, por ter entendido que não é processualmente admissível, por configurar uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa, a interposição de ação autónoma, na forma de processo comum, com vista a que a entidade expropriante seja condenada a pagar uma indemnização pelos danos emergentes da expropriação quando correram, ou correm, termos processos de expropriação atinentes às parcelas onde o Recorrente alegadamente desenvolvia a sua alegada atividade agrícola (Parcelas com os números ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., abrangidas por DUP).
II. O Tribunal a quo respaldou tal entendimento, fundamentalmente, na Jurisprudência constante dos Tribunais Superiores, nomeadamente, o Supremo Tribunal de Justiça e este Tribunal da Relação.
III. Adicionalmente, o Tribunal a quo decidiu (II) declarar nulos os atos praticados pelas partes de fls. 229 a 231 verso, 250 a 260 verso e 281 a 328, determinando o seu desentranhamento e não apreciando, por conseguinte, o pedido de condenação da Ré, ora Recorrente, em litigante de má-fé, deduzido em 03.05.2022, já depois de ultrapassado o prazo para o Autor oferecer as suas Alegações Escritas, nos termos do disposto no artigo 567, n.º 2 do CPC.
IV. A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece censura, pelo que, deverá ser negado provimento ao recurso, in totum, tal como melhor se demonstrou supra.
V. O ora Recorrente interpôs recurso da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, invocando erro de julgamento, relativamente às (duas) questões que elenca:
(i) Uma primeira questão relativa à decisão recorrida, no segmento decisório que declarou a nulidade dos atos praticados palas partes de fls. 229 a 231 verso, 250 a 260 verso e 281 a 328 – cfr. §§ 4 a 8 das Conclusões de Recuso do Recorrente;
(ii) Uma segunda questão quando alega que o Tribunal a quo deveria ter conhecido do pedido do Autor e condenado a Ré a indemnizar o Autor pelos alegados danos causados e prejuízos sofridos, nos termos gerais de direito – cfr. §§ 10 e seguintes das Conclusões de Recuso do Recorrente.
VI. A Recorrente imputa à Sentença do Tribunal a quo erro de julgamento por violação de Lei.
VII. Todavia, como se demonstrou supra, a argumentação da Recorrente padece de gravíssimos equívocos e revela-se por isso incapaz de infirmar minimamente o discurso fundamentador, claro e convincente, do Mmo. Juiz.
VIII. Relativamente à primeira questão, se, por um lado, o Recorrente apenas alega terem sido erradamente interpretados e apreciados os requerimentos de fls. 229 a 231 verso, 250 a 260 verso e 281 a 328 (sem qualquer fundamentação); por outro lado, aquilo que verdadeiramente motiva o seu recurso nesta parte é o facto do Tribunal a quo não ter decidido sobre o seu pedido de condenação da Ré como litigante de má-fé, deduzido em resposta às Alegações Finais da Ré (oferecidas aos autos nos termos e para os devidos efeitos do disposto no artigo 567.º/2, do CPC).
IX. Em primeiro lugar, cumpre notar que o Recorrente apenas alega terem sido erradamente interpretados e apreciados os requerimentos de fls. 229 a 231 verso, 250 a 260 verso e 281 a 328, nada invocando em concreto e limitando-se somente a justificar porque razão a sua Pronúncia às Alegações Escritas da Ré não deveria ter sido declarada nula pelo Tribunal a quo.
X. Por conseguinte, entende a Recorrida que, em verdade, o Recorrente parece conformar-se com a declaração de nulidade dos restantes Requerimentos por si apresentados, nomeadamente, mas sem restringir, o seu Requerimento datado de 24.03.2022, no qual veio invocar o abuso de direito por parte da Ré.
XI. Em segundo lugar, é falso quando o Recorrente alega que “os requerimentos de fls 229 a 231 verso, 250 a 260 verso e 281 a 328 (requerimento com a ref.ª Citius ..., de 3-05-2022 e seguintes), prendem-se, não com exercícios de contraditório às alegações efetuadas (como consta da Sentença), mas sim com a dedução de um pedido de condenação da R. Como litigante de má-fé, a que a R. respondeu e o A. reiterou”.
XII. Uma vez que, o ato processual de fls. 229 a 231 verso, corresponde à pronúncia (ilegal) do Autor em resposta à Pronúncia sobre a (in)admissibilidade da indemnização para a qual a Ré foi notificada pelo Tribunal a quo, no âmbito da qual o Autor veio invocar a atuação da Ré em abuso de Direito, e o ato processual de fls. 250 a 260 verso corresponde ao necessário contraditório exercido pela Ré para clarificar as falsas alegações do Autor.
XIII. Conforme é referido na douta sentença recorrida, considerando que o Autor, ora Recorrente, já se havia pronunciado sobre a questão da inadmissibilidade de exercício do direito indemnizatório em causa, “[n]ão lhe assistia o direito processual a pronunciar-se sobre aquela pronúncia da R. e, de igual modo, não assistia à R. o direito a exercer o contraditório quanto a tal pronúncia do A.”.
XIV. Assim, apenas o requerimento de fls. 281 a 314 é que corresponde à Pronúncia (processualmente inadmissível) do Autor, no âmbito do qual, no seguimento das Alegações Escritas apresentadas pela Ré, veio (i) juntar novos documentos, (ii) pronunciar-se quanto às Alegações Escritas da Ré e (iii) peticionar a sua condenação como litigante de má-fé.
XV. Apesar de, conscientemente, o Autor, ora Recorrente, ter decidido não fazer uso da prerrogativa do artigo 567.º/2, do CPC, que lhe conferia o direito a oferecer as suas Alegações Escritas, veio pronunciar-se relativamente às Alegações Escritas da Ré.
XVI. Com a circunstância agravante de ter aproveitado o engenho para oferecer documentos que poderia ter oportunamente, e no devido momento processual, oferecido aos autos; mas que preferiu conscientemente juntá-los já depois de concluído o momento processual do artigo 567.º/2, do CPC.
XVII. Por conseguinte, é falso a alegação do Recorrente segundo a qual, ao citar a douta Sentença a quo, vem alegar que “não corresponde à verdade” o entendimento deste douto Tribunal de que “o A. não apresentou alegações mas veio exercer o contraditório relativamente às alegações que a R. apresentara e ainda juntar documentos” (página 2.ª da Sentença, 7.º parágrafo)”;
XVIII. Tal Pronúncia do Recorrente, bem como as Pronúncias que se lhe seguiram, são processualmente inadmissíveis e a sua utilização para vir juntar documentos e fazer novos pedidos aos autos, configuram elas próprias um verdadeiro “uso anormal do processo” por parte do mesmo.
XIX. É entendimento da Recorrida que, após as alegações escritas previstas no artigo 567.º/2, do CPC, já não seria possível às partes oferecerem qualquer pronúncia ou fazer uso de qualquer faculdade processual, uma vez que, equivalendo estas alegações às alegações finais de uma Audiência Final, os autos fazem-se conclusos ao Juiz para que seja proferida Sentença.
XX. Concludentemente, também o seu pedido de condenação da ora Recorrida como litigante de má-fé era processualmente inadmissível e configurava um uso anormal do processo.
XXI. Correspondendo as Alegações Escritas, nos termos do artigo 567.º/2, do CPC, ao encerramento da Audiência Final, então já não seria processualmente admissível formular um pedido de condenação da Ré em litigante de má-fé.
XXII. Alega ainda o Recorrente, a título subsidiário, que, não tendo o Tribunal a quo apreciado a litigância de má-fé, então a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia.
XXIII. Todavia, o Recorrente limita-se a invocar uma alegada nulidade da Sentença proferida pelo Tribunal a quo por omissão de pronúncia, mas nunca cumpre o ónus que sobre si impende de mencionar as concretas normas jurídico-processuais que supostamente foram violadas, nem tampouco qual a disposição jurídico-processual de onde emana tal nulidade.
XXIV. In casu, não se verifica a apontada nulidade, porquanto, ainda que se entenda que processualmente o Recorrente poderia deduzir tal pedido de condenação de litigância de má-fé – o que não se concede e apenas por mero dever de patrocínio se equaciona – o mesmo, no entender da Recorrida, não tinha de ser apreciado pelo Tribunal a quo.
XXV. De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, “[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dadas a outras (…)” (destacado nosso).
XXVI. A nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, deriva do incumprimento do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC.
XXVII. A Doutrina e Jurisprudência distinguem claramente, na formulação legal, a má-fé substancial – que se verifica quando a atuação da parte se reconduz às práticas aludidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 542.º – e a má-fé instrumental que se reconduz às situações das alíneas c) e d) do mesmo artigo).
XXVIII. Pesa embora, no pedido de condenação da Ré como litigante de má-fé, o Recorrente não subsuma a conduta da Ré em nenhuma das alíneas do artigo supra mencionado, considerando o teor do seu Requerimento em que o mesmo alega que a Ré terá alterado a verdade dos factos para a boa decisão da causa, sempre se concluirá que a vertente da litigância de má-fé peticionada pelo Recorrente se reconduz à vertente da má-fé substancial, nos termos do artigo 542.º/2, alínea b), do CPC.
XXIX. Para que o Tribunal a quo se pronunciasse sobre a conduta de alegada má-fé da Recorrida, sempre teria, inevitavelmente, de pronunciar-se sobre a relação material controvertida para que pudesse concluir (ou não) se os factos alegados e que sustentam o pedido de condenação da Ré em litigante de má-fé estariam ou não verificados ou demonstrados;
XXX. Concludentemente, o Tribunal a quo, para apreciar o pedido de litigância de má-fé da Ré, sempre teria que entrar na análise do mérito da causa, nomeadamente, para verificar se a Ré efetuou qualquer pagamento de indemnização (ou assumiu qualquer compromisso) ao abrigo da medida 29 a outros titulares de explorações agrícolas afetados pelo SET, além das respetivas indemnizações no âmbito dos processos expropriativos e se isso corresponderia a uma conduta de má-fé substantiva.
XXXI. Tendo o Tribunal a quo, doutamente julgado verificada a já mencionada exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que obstava ao conhecimento do mérito da causa, então sempre estaria impossibilitado de apreciar este pedido de condenação da Ré em litigante de má-fé, porque estaria a apreciar, ainda que indiretamente, a relação material contravertida ao ter de examinar os factos alegados pelo Autor que integravam a sua causa de pedir.
XXXII. Assim sendo, tendo ficado prejudicada a apreciação do mérito da causa, prejudicada ficou a apreciação da condenação da Ré em litigante de má-fé; conforme previsto no artigo 608.º/2, do CPC.
XXXIII. Isto porque, processualmente, estando verificada uma exceção dilatória que absolve a Ré da instância, não é legalmente imposto ao Tribunal decidir sobre outras questões levantadas nas quais seria exigível a apreciação de elementos de facto relacionados com o mérito da causa, pois tal como previsto no artigo 608.º/2, do CPC, o juiz pode não resolver as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, como é o caso.
XXXIV. Atento o exposto, nunca se poderá concluir pela verificação da nulidade da Sentença recorrida por omissão de pronúncia.
XXXV. Relativamente à segunda questão suscitada pelo Recorrente nas sua Alegações, entende a Recorrida, em linha com a decisão do Tribunal a quo, que é processualmente inadmissível que o ora Recorrente, Expropriado noutros processos de expropriação que tinham por objeto várias parcelas expropriadas viesse posteriormente instaurar uma nova ação, em processo comum, peticionando uma indemnização autónoma, que incidia sobre as mesmas parcelas, quando aqueles processos de expropriação se encontram, ou já decididos e transitados em julgado, ou a correr os respetivos termos,
XXXVI. Circunstância que se traduz numa exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da Ré da instância, nos termos do disposto nos artigos 576.º/2, 577.º e 578.º, todos do CPC, tal como já decidiu este Tribunal da Relação no seu Acórdão datado de 27.04.2017, proferido no âmbito do processo n.º 206/16.0T8VPA.G1, consultável em www.dgsi.pt.
XXXVII. Em todos os processos de expropriação judiciais, o próprio Recorrente figurava como Expropriado, tendo sido notificado das respetivas Sentenças e dos respetivos despachos de adjudicação das respetivas parcelas ao Estado Português e bem assim da possibilidade de interpor recurso das respetivas decisões arbitrais, nos termos e para os devidos efeitos do disposto no artigo 51.º/5 e 52.º/1, do CE (consoante o caso).
XXXVIII. Em todos os processos expropriatórios o Recorrente foi notificado para todos os termos do processo, quer na fase administrativa, quer na fase litigiosa, dos processos expropriatórios, tendo, inclusivamente, estado presente nas VAPRM, nas quais nunca foi mencionada a existência de uma exploração agrícola, nem tampouco o Recorrente, efetuou qualquer reclamação, após ter sido notificado das mesmas.
XXXIX. O Recorrente nunca invocou, até hoje, em nenhum dos respetivos processos expropriativos que desenvolvia uma atividade agrícola a título de comodato.
XL. A expropriação configura-se como uma forma de aquisição originária, cuja tramitação está consagrada no CE com as características da publicidade, da universalidade e da suficiência, de onde decorre que todas as questões pertinentes para a definição da área a expropriar, da definição dos interessados e das indemnizações a atribuir devem ser decididas no decurso deste processo.
XLI. Neste mesmo sentido vai o artigo 546.º/2, do CPC quando refere que “[o] processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei; o processo comum é aplicável a todos os casos a que não corresponda processo especial”, concretizando o artigo 549.º/1, do mesmo diploma legal que “[o]s processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo o quanto não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum”.
XLII. Com efeito, o processo expropriativo (em que, recorde-se, o ora Recorrente interveio e em que teve a possibilidade de arguir e invocar as suas eventuais irregularidades ou vícios) é, por princípio, digamos, um processo universal[ii].
XLIII. Isto porque, pela sua ampla publicidade, pelo direito de intervenção reconhecido a qualquer aparente interessado e pelos meios procedimentais e judiciais colocados ao dispor dos interessados para a invocação de qualquer vício ou irregularidade ocorridos na sua fase administrativa ou judicial todas as questões relevantes ali devem ser suscitadas e decididas[iii].
XLIV. Não é, pois, legalmente possível “replicar” um processo de expropriação, sob o pretexto de que ficaram questões por apreciar ou por decidir no processo expropriativo anterior[iv], ainda que sob a forma disfarçada de uma ação de processo comum para efeitos de indemnização nos termos gerais de Direito.
XLV. Alega o Recorrente que “[e]ra inviável ao A., vir a cada um dos processos de expropriação, peticionar os prejuízos sofridos pela redução da sua exploração e consequente perda de rendimentos na sua atividade, uma vez que (…) esta perda só se consolidou com a expropriação da última parcela que compunha a sua exploração”.
XLVI. Porém, desde Julho/Agosto de 2017 que o Recorrente já sabia que vários prédios rústicos, nos quais alegadamente desenvolvia a alegada exploração agrícola, estavam abrangidos pela DUP; pelo que, nessa data, já lhe era possível apurar a área da sua alegada exploração agrícola que ficaria reduzida em virtude dos processos expropriativos.
XLVII. O Recorrente alega que estava impedido de vir a cada um dos processos que correram termos em momentos diferentes peticionar o seu prejuízo, pois em cada um daqueles 12 (doze) momentos, o mesmo não era conhecido. Contudo, o Recorrente poderia, se assim o entendesse, ter requerido a apensação dos processos expropriatórios respeitantes às aludidas Parcelas para que pudesse peticionar o eventual crédito indemnizatório, pela cessação da sua alegada atividade, no âmbito desses processos (assim fizesse prova dessa alegação…).
XLVIII. Todavia, não só não o fez, como nem sequer em nenhum dos processos expropriativos o Recorrente invocou a existência de uma exploração agrícola nas parcelas expropriadas.
XLIX. Adicionalmente, contrariamente ao invocado pelo Recorrente, este interveio nos autos expropriativos na qualidade de Expropriado, enquanto herdeiro da herança aberta por óbito dos seus pais.
L. É que, respaldando-nos nas palavras da douta sentença do Tribunal a quo, “[t]endo tido a oportunidade de, ao longo dos processos de expropriação, fazer valer os direitos de que se arroga e sendo o processo de expropriação aquele em que tinham de ser suscitadas e apreciados esses direitos; na medida em que, o A. não exerceu os seus direitos nesses processos e já neles os não possa exercer (nomeadamente, por ali já se ter proferido decisão final transitada em julgado), precludiu-se a possibilidade de, posteriormente, os vir exercer através de uma ação indemnizatória autónoma ou, na medida em que ainda possa exercer os seus direitos nos processos de expropriação, é neles que terá de os exercer, por ser através dessa forma de processo especial que, tais direitos têm de ser, e podem ser, exercidos”.
LI. E muito menos se diga que tal realidade jurídico-processual viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º/4, da Constituição e no artigo 2.º/2, do CPC, uma vez que, o Recorrente teve efetivamente a oportunidade processual de vir aos autos expropriativos fazer valer os direitos que se arroga, como refere a douta Sentença recorrida.
LII. É que, se é certo que com os princípios da acionabilidade e da tutela jurisdicional efetiva, o legislador constitucional pretendeu erigir ações para reconhecimento de direitos como meios de tutela, também é certo que o mesmo legislador não foi além desse estabelecimento, tendo deixado ao legislador ordinário a faculdade de optar por fórmulas processuais adequadas ao caso concreto.
LIII. No caso do processo especial expropriativo, o legislador ordinário entendeu limitar no tempo o momento em que a tutela dos direitos dos Expropriados e de todos os aparentes Interessados deveriam ser peticionados, codificando os momentos, os tempos e os meios no CE.
LIV. Se o Recorrente decidiu, de forma consciente ou não, não peticionar uma indemnização por via da alegada cessação da sua exploração agrícola (artigos 30.º a 32.º e 9.º, todos do CE) em nada pode a Recorrida ser prejudicada, nem tampouco tal circunstância viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva, quando o Recorrente foi regularmente notificado da DUP e dos despachos de adjudicação de cada uma das Parcelas em crise, para, querendo, recorrer das decisões arbitrais;
LV. E bem assim, quanto mais, quando em 8 (oito) das 12 (doze) das Parcelas, nas quais alegadamente o Recorrente exerceria a sua atividade, já foram objeto dos respetivos processos expropriativos, tendo as indemnizações já sido decididas / acordadas e os respetivos processos já transitado em julgado.
LVI. Questiona-se, ainda, se o mesmo entendimento deverá operar relativamente às situações em que estamos perante uma expropriação amigável, nomeadamente, em face da expropriação amigável da Parcela ....
LVII. Dispõe o artigo 37.º/5, do CE, “[s]alvo no caso de dolo ou culpa grave por parte da entidade expropriante, o aparecimento de interessados desconhecidos à data da celebração da escritura ou do auto apenas dá lugar à reconstituição da situação que existiria se tivessem participado no acordo, nos termos em que este foi concluído”; pelo que, o auto de expropriação amigável, celebrado com os interessados aparentes na expropriação, tem eficácia reflexa – e até certo ponto preclusiva – sobre os direitos eventuais dos interessados desconhecidos no confronto da Entidade Expropriante;
LVIII. Segundo o entendimento constante do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, na verdade, se aqueles não se aprestaram a deduzir o seu direito a uma indemnização autónoma até à consumação da expropriação amigável, apenas lhes restam – perante o estipulado naquela norma – duas possibilidades de atuação:
(i) Ou exigem a efetivação do seu direito da própria Entidade Expropriante, mostrando que o desconhecimento da sua existência – e consequente preterição no acordo alcançado – é devido a dolo ou culpa grave da Entidade Expropriante que, se agisse com a diligência devida, não poderia razoavelmente ter deixado de se aperceber da existência do direito invocado;
(ii) Ou, não sendo esse o caso, já que não pode imputar-se a culpa da Entidade Expropriante o desconhecimento da sua existência, podem os referidos interessados, preteridos no acordo alcançado, demandar os interessados aparentes que nele participaram efetivamente, com vista a obter rateadamente a parcela indemnizatória a que, porventura , tenham direito[v].
LIX. Em resposta, aquele Tribunal concluiu que ante a questão sub judice e face à norma constante do referido artigo 36.º/4, do CE de 1991 – em tudo semelhante ao atual artigo 37.º/5, do CE – não seria possível ao interessado desconhecido propor ação de condenação contra a Entidade Expropriante, visando obter uma indemnização adicional à indemnização global consignada no acordo celebrado pelos interessados aparentes na expropriação, num caso em que não fosse imputável à Entidade Expropriante o desconhecimento da existência do interessado que só tardiamente se aprestou a reagir[vi].
LX. Se perante um caso em que o Autor alegava que o seu direito emergia do contrato de arrendamento rural o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que não estariam verificados os pressupostos para a aplicação, à data, do artigo 36.º/4, do CE de 1991 – mas em tudo semelhante ao atual artigo 37.º/5, do CE – nunca se poderá concluir que se verificariam os pressupostos com a invocação de um comodato sem qualquer título.
LXI. Para além disto, é manifesto que – exercendo alegadamente o ora Recorrente, preterido no acordo de expropriação amigável, poderes de facto, como (alegadamente) comodatário sobre a parcela expropriada que alega vir agricultando há muito, de modo permanente e reiterado – não podia razoavelmente ter deixado de se aperceber imediatamente da posse administrativa da Entidade Expropriante sobre a parcela expropriada e da implantação física da infraestrutura pública que ditou a expropriação – não se compreendendo a anormal demora no exercício do seu pretenso direito autónomo à indemnização.
LXII. Todavia, o ora Recorrente, não só, apenas demandou a Entidade Expropriante – abandonando a via procedimental alternativa que poderia consistir em efetivar os seus direitos perante os demais interessados/intervenientes no auto de expropriação amigável que não mencionaram manifestamente a existência do invocado contrato de comodato verbal –,
LXIII. Como também, omitiu completamente, nos seus articulados, nomeadamente, na sua Petição Inicial, a alegação de factos que pudessem consubstanciar ou corporizar dolo ou culpa grave da Entidade Expropriante, Ré e ora Recorrida, na preterição do comodatário como interessado aparente na expropriação.
LXIV. O ónus de alegação incidia sobre o Recorrente por força do estatuído no referido artigo 37.º/5, do CE – e não obviamente sobre a ora Recorrida; pelo que, não era a Recorrida que tinha o ónus de provar que ignorava sem culpa, face nomeadamente à posição assumida pelos proprietários no auto de expropriação amigável, a existência do contrato de comodato em causa, mas antes ao titular deste direito, que, ao invocá-lo em momento assaz tardio, muito após ter sido encerrado o procedimento expropriativo, teria de provar que ocorrera culpa da Entidade Expropriante na sua indevida preterição no processo expropriativo[vii].
LXV. Por outro lado, tem-se como evidente, face ao auto de expropriação amigável que foi totalmente omitida pelos titulares do direito de propriedade qualquer menção à existência da invocada relação de comodato.
LXVI. Na verdade, tal documento, interpretado razoavelmente à luz do critério normativo da impressão do destinatário, não pode deixar de ser lido como arrogando-se no ato os interessados/intervenientes legitimação exclusiva para serem indemnizados, comprometendo-se a entregar imediatamente o prédio, reconhecendo que não existia qualquer oneração em favor de terceiros suscetível de prejudicar a entrega imediata do prédio à Entidade Expropriante, como contrapartida da indemnização definitiva e final, globalmente devida pela expropriação.
LXVII. O Recorrente conclui nos §§ 16 a 24, 31 e 44 a 49 das Conclusões de Recurso que, não sendo considerado Interessado, enquanto comodatário, para efeitos do CE, então, nunca poderia vir reclamar o seu alegado direito no âmbito dos processos expropriativos; pelo que, sempre teria de propor uma ação autónoma para conseguir uma Indemnização nos termos gerais de Direito.
LXVIII. Por via da interpretação conjugada do artigo 40.º, do CE, com o artigo 9.º, do CE, o conceito de Interessados no âmbito do processo expropriativo, não abrange os comodatários.
LXIX. Pelo que, os comodatários por efeitos da definição do artigo 9.º, do CE, do conceito de «Interessados», não têm legitimidade para intervir no processo expropriativo, precisamente porque o legislador não lhes reservou qualquer direito de indemnização a ser tutelado com a expropriação.
LXX. Todavia, desta realidade jurídica nunca se poderá influir que, todos os que se considerem comodatários, não tendo direito à justa indemnização nos termos previstos no CE, então sempre teriam direito a uma indemnização nos termos gerais previstos no código civil, como erradamente invoca o Recorrente!
LXXI. É que a expropriação configura-se como uma forma de aquisição originária, cuja tramitação está consagrada no CE com as características da publicidade, da universalidade e da suficiência, de onde decorre que todas as questões pertinentes para a definição da área a expropriar, da definição dos interessados e das indemnizações a atribuir devem ser decididas no decurso deste processo[viii].
LXXII. Adicionalmente, também por via da interpretação conjugação do artigo 9.º com o artigo 32.º, ambos, do CE, nunca se poderá concluir pelo direito à indemnização por parte do Recorrente na qualidade de (alegado) comodatário fora do processo expropriativo, uma vez que enquanto o CE tutela e prevê a Indemnização para os arrendatários, o mesmo já não se observa para com os comodatários.
LXXIII. Ou seja, enquanto que, quanto ao arrendamento, o direito indemnizatório é possível de arguir e tem tratamento autónomo no artigo 30.º do CE, no comodato tais disposições normativas não são aplicáveis, apenas restando a hipotética aplicação do artigo 32.º, do CE, nos termos do qual, “[n]a expropriação de direitos diversos da propriedade plena, a indemnização é determinada de harmonia com os critérios fixados para aquela propriedade, na parte em que forem aplicáveis”.
LXXIV. Frise-se: há uma diferença significativa entre estas realidades jurídicas, pelo que o legislador ordinário quis prever tipos contratuais manifestamente distintos, com previsões normativas próprias, tendo – inclusivamente – manifestado essa mesma intenção de diferenciação, ao ter previsto a possibilidade de indemnização ao arrendatário, excluindo objetivamente as situações de comodato.
LXXV. Ante o exposto, considera a Recorrida que os comodatários não sendo considerados interessados no âmbito de qualquer processo expropriativo, tal significa que o Legislador ordinário – que codificou as disposições especificamente aplicáveis ao processo civil especial expropriativo – nas suas ponderações próprias decidiu que, os comodatários, não têm um direito constituído tutelável nos termos do artigo 23.º, do CE,
LXXVI. Pelo que não será possível aquela tutela nem por via do processo expropriativo, nem tampouco por via de um qualquer processo comum e autónomo de um processo expropriativo, conforme supra explicitado.
LXXVII. Ademais, e no que diz respeito ao pretenso direito indemnizatório a que o Recorrente se arroga, o Recorrente nada alegou quanto aos factos constitutivos do seu direito de – com base numa suposta relação de comodato – peticionar o pagamento da justa indemnização.
LXXVIII. O Recorrente nunca alegou os factos constitutivos do seu direito, desde logo porque nunca demonstrou os exatos termos em que tal relação de comodato se estabeleceu. Nem tampouco se sabe se efetivamente existiu.
LXXIX. Em especial, o Recorrente não alegou todos os elementos essenciais para que se possa concluir que estamos perante um contrato de comodato, a saber: o carácter gratuito, a temporalidade e o dever de restituir.
LXXX. Em suma, a pretensa existência de uma relação jurídica de comodato não só, não foi invocada nem demonstrada nos processos expropriativos das parcelas em que alegadamente exerceria a sua exploração agrícola, nem tampouco o Recorrente logrou alegar e demonstrar nos presentes autos tal alegada relação jurídica de comodato.
LXXXI. Atento o exposto, bem andou o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, devendo a douta sentença ser integralmente mantida, uma vez que se verifica a existência de uma exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da Ré, ora Recorrida, da instância, nos termos do disposto nos artigos 278.º/1, 576.º/2, 577.º e 578.º, todos do CPC, tal como já julgou este douto Tribunal ad quem no seu Aresto datado de 27.04.2017, proferido no âmbito do processo n.º 206/16.0T8VPA.G1, consultável em www.dgsi.pt, que amplamente se citou e seguindo pela sua similitude aos presentes autos.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. Venerandos Juízes Desembargadores, deve ser negado provimento ao presente Recurso Jurisdicional de Apelação e, em consequência, manter-se a douta decisão recorrida, nos precisos termos em que foi proferida, como é de Justiça!
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O Exmº Juiz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida. Pronunciou-se sobre a arguida nulidade da decisão.
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Foram facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos.
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Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pelo apelante, este pretende ter havido erro de julgamento:
I) - em relação ao primeiro segmento decisório: os requerimentos em causa não se prendem com exercícios de contraditório, mas sim com a dedução de um pedido de condenação da R. como litigante de má-fé. De qualquer forma, a não apreciação deste pedido de litigância de má-fé, sempre implicaria a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, o que peticiona a título subsidiário;
II) - relativamente ao segundo segmento decisório: inexiste norma jurídica que imponha ao A., na qualidade em que intervém, o dever de vir reclamar direitos indemnizáveis - pretende indemnização nos termos gerais de direito, pelos danos emergentes e lucros cessantes - nos diversos Processos Expropriativos, sob pena de preclusão desse direito.
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3 – OS FACTOS

Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Apreciemos as questões suscitadas nas conclusões formuladas pelo apelante.
E fazendo-o, começamos pela questão do primeiro segmento decisório.

I - Da inadmissibilidade legal dos actos de fls. 229 a 231 v., 250 a 260 v. e 281 a 328

Entende o recorrente não ter sido acertada a decisão recorrida quanto a este segmento, o que constitui manifesto Erro de Julgamento, pois os actos em causa foram erradamente interpretados e apreciados, já que se prendem, não com exercícios de contraditório às alegações efectuadas (como consta da Sentença), mas sim com a dedução de um pedido de condenação da R. como litigante de má-fé, a que a R. respondeu e o A. reiterou. Assim, nos requerimentos em causa, o A. peticionou a condenação da R. como litigante de má-fé e juntou prova, documental e testemunhal, para que essa apreciação se efectuasse, e, a R. exerceu o contraditório a este pedido de condenação como litigante de má-fé. Como tal, impunha-se o conhecimento e a apreciação deste pedido e a prolacção de correspondente decisão porquanto, ao contrário do disposto na Sentença, se tratam de actos validamente praticados. Pretendendo o recorrente a revogação da decisão neste segmento, que deverá ser substituída por uma outra onde se ordene a apreciação do pedido de litigância de má-fé formulado pelo A. Além disso, defende o recorrente que a não apreciação deste pedido de litigância de Má-Fé, sempre implicaria a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, o que a título subsidiário se peticiona.
Dizendo que a argumentação do recorrente padece de gravíssimos equívocos, entende a recorrida não assistir razão ao recorrente quanto a este primeiro segmento, uma vez que, o ato processual de fls. 229 a 231 verso, corresponde à pronúncia (ilegal) do Autor em resposta à Pronúncia sobre a (in)admissibilidade da indemnização para a qual a Ré foi notificada pelo Tribunal a quo, no âmbito da qual o Autor veio invocar a atuação da Ré em abuso de Direito, e o ato processual de fls. 250 a 260 verso corresponde ao necessário contraditório exercido pela Ré para clarificar as falsas alegações do Autor. Conforme é referido na douta sentença recorrida, considerando que o Autor, ora Recorrente, já se havia pronunciado sobre a questão da inadmissibilidade de exercício do direito indemnizatório em causa, “[n]ão lhe assistia o direito processual a pronunciar-se sobre aquela pronúncia da R. e, de igual modo, não assistia à R. o direito a exercer o contraditório quanto a tal pronúncia do A.”. Assim, apenas o requerimento de fls. 281 a 314 é que corresponde à Pronúncia (processualmente inadmissível) do Autor, no âmbito do qual, no seguimento das Alegações Escritas apresentadas pela Ré, veio (i) juntar novos documentos, (ii) pronunciar-se quanto às Alegações Escritas da Ré e (iii) peticionar a sua condenação como litigante de má-fé. Apesar de, conscientemente, o Autor, ora Recorrente, ter decidido não fazer uso da prerrogativa do artigo 567.º/2, do CPC, que lhe conferia o direito a oferecer as suas Alegações Escritas, veio pronunciar-se relativamente às Alegações Escritas da Ré. Com a circunstância agravante de ter aproveitado o engenho para oferecer documentos que poderia ter oportunamente, e no devido momento processual, oferecido aos autos; mas que preferiu conscientemente juntá-los já depois de concluído o momento processual do artigo 567.º/2, do CPC. E findando que tal Pronúncia do Recorrente, bem como as Pronúncias que se lhe seguiram, são processualmente inadmissíveis e a sua utilização para vir juntar documentos e fazer novos pedidos aos autos, configuram elas próprias um verdadeiro “uso anormal do processo” por parte do mesmo. Sendo entendimento da Recorrida que, após as alegações escritas previstas no artigo 567.º/2, do CPC, já não seria possível às partes oferecerem qualquer pronúncia ou fazer uso de qualquer faculdade processual, uma vez que, equivalendo estas alegações às alegações finais de uma Audiência Final, os autos fazem-se conclusos ao Juiz para que seja proferida Sentença. Concludentemente, também o seu pedido de condenação da ora Recorrida como litigante de má-fé era processualmente inadmissível e configurava um uso anormal do processo. E quanto à arguida nulidade peticionada a título subsidiário, entende que tendo ficado prejudicada a apreciação do mérito da causa, prejudicada ficou a apreciação da condenação da Ré em litigante de má-fé, conforme previsto no artigo 608.º/2 do CPC.
Quid iuris?

Comecemos por rememorar o primeiro segmento decisório do Tribunal recorrido:
Da (in)admissibilidade legal dos atos de fls. 229 a 231 verso, 250 a 260 verso e 281 a 328:
A nosso ver, e porque a primeira pronúncia da R. nos autos apenas podia versar sobre a questão da inadmissibilidade de exercício do direito indemnizatório em causa, fora do processo de expropriação, mediante ação autónoma, em processo comum e só quanto a tal poderia ser atendida, e uma vez que o A. já se havia pronunciado sobre tal questão, não lhe assistia o direito processual a pronunciar-se sobre aquela pronúncia da R. e, de igual modo, não assistia à R. o direito a exercer o contraditório quanto a tal pronúncia do A.
E, considerados confessados os factos articulados pelo A., na p.i., sem prejuízo do disposto no art. 568º, do C.P.C., foram as partes notificadas para os fins previstos no art. 567º, n º 2, do C.P.C.
A R. apresentou então as suas alegações por escrito, direito que processualmente lhe assistia.
O A., por sua vez, veio exercer o contraditório relativamente às alegações que a R. apresentara e juntar documentos. Em nosso entendimento, não lhe assistia o direito processual a fazê-lo, até porque, qualquer invocação factual que a R. houvesse aportado às alegações por escrito que apresentou, não teria relevância processual (pois os factos relevantes para a decisão da causa seriam apenas os invocados na p.i.).
Consequentemente, também não assistia à R. e, de igual modo, à A., o direito processual a continuarem a pronunciar-se sobre a pronúncia anterior da contraparte.
Assim, a nosso ver, trata-se da prática de atos que a lei não admite, que podem influir na decisão da causa, pelo que, se trata de atos nulos, que importa desentranhar dos autos - art. 195º, n º 1, do C.P.C.
Pelo exposto, declaro nulos os atos praticados pelas partes nos autos de fls. 229 a 231 verso, 250 a 260 verso e 281 a 328, determinando o seu desentranhamento.

Ora, tendo o recorrente relativamente a este segmento decisório do Tribunal recorrido formulado um pedido principal e um pedido subsidiário, declarando, pois, o apelante uma preferência pelo primeiro, deve este Tribunal ad quem apreciar essa pretensão jurisdicional e apenas passar à apreciação do pedido subsidiário, no caso do pedido principal improceder[ix].
Assim, não podemos deixar de concordar com o recorrente, de que os actos em causa foram erradamente interpretados e apreciados, já que se prendem, não com exercícios de contraditório às alegações efectuadas (como consta da Sentença), mas sim com a dedução de um pedido de condenação da R. como litigante de má-fé, a que a R. respondeu e o A. reiterou. Isto sem prejuízo de eventuais excessos ou pronúncias inadmissíveis que também possam ali ter surgido. Veja-se como começa desde logo o requerimento do A. de fls. 229 e ss.: AA, A. nos autos supra, notificado que foi das alegações apresentadas pela R. I... – ... – ..., vem requerer a sua condenação como litigante de má-fé nos termos e com os seguintes fundamentos: (…). Claramente a dedução de um pedido de condenação da R. como litigante de má-fé e que foi tempestivamente deduzido (tendo sido notificado a 29-04-2022, veio deduzir o seu pedido em 3 de Maio seguinte), tendo-se esta igualmente pronunciado tempestivamente nos termos do art. 3º/3 do CPC (em 16-05-2022).
Pedido de condenação como litigante de má-fé que, como tal, deve ser apreciado pelo Tribunal a quo, sem prejuízo de eventual saneamento das partes desse pedido que possam ser consideradas como contraditório relativamente às alegações que a R. apresentou, o que já não era processualmente possível. Não sendo possível extinguir a dedução do tempestivo pedido pelo A. de condenação da R. como litigante de má-fé, porque eventualmente aquele se possa ter excedido nesse pedido e pronunciado sobre as alegações desta, configurando todo o requerimento como um contraditório legalmente inadmissível.
Isto é, verifica-se que se decidiu mal, já que a decisão assentou em pressupostos errados e não existentes, tudo a impor a sua revogação, a fim de ser tido em consideração o correcto enquadramento e reais pressupostos. Sendo que, nos requerimentos em causa, o A. peticionou a condenação da R. como litigante de má-fé e juntou prova, documental e testemunhal, para que essa apreciação se efectuasse, e, a R. exerceu o contraditório a este pedido de condenação como litigante de má-fé. Como tal, impunha-se o conhecimento e a apreciação deste pedido e a prolacção de correspondente decisão porquanto, ao contrário do disposto na Sentença, se trata de actos validamente praticados.
Conclui-se, assim, que ocorreu erro de julgamento[x] no tocante à apreciação do vício de erro sobre os pressupostos de facto, porque se decidiu com base em pressuposto factual inexistente, não estando, assim, devidamente fundamentada a decisão recorrida, sendo que, nesta medida, se nos impõe a sua anulação.
Nestes termos, impõe-se quanto a este segmento decisório a revogação da decisão e a baixa dos autos ao Tribunal a quo, para que aí seja dado prosseguimento aos autos para apreciação do pedido de litigância de má-fé formulado enquanto tal pelo A.
Procede, pois, nesta parte, a apelação.
 
*

Atendendo a que a litigância de má fé tem de ser reconduzida à importância que o legislador lhe terá dado - a de um mero incidente -, sendo apenas incidentalmente que vai ser apreciada a conduta processual da R., in casu, porque tal foi suscitado pela outra parte, pois o que é suposto num processo, é que o tribunal se pronuncie sobre o pedido material formulado pelo autor, e pelo réu, caso este tenha reconvindo[xi], passemos, agora, à questão do segundo segmento decisório, que é autónomo.

II - Da inadmissibilidade de exercício do direito indemnizatório em causa, fora do processo de expropriação, mediante ação autónoma, em processo comum

Entende o recorrente não ter sido acertada a decisão recorrida quanto a este segmento, o que constitui manifesto Erro de Julgamento, pois viola o princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva, previsto no art. 2º/2 do CPC e art. 20º/4 da CRP, uma vez que o A. não tinha como vir a cada um dos autos de expropriação peticionar os prejuízos sofridos pela redução da sua exploração Agrícola e consequente perda de rendimentos, uma vez que, além de não ser interessado para efeitos do Código das Expropriações, esta perda só se consolidou com a expropriação da última parcela que compunha a sua exploração. Por outro lado, seria impossível calcular em cada uma das parcelas a fracção do seu prejuízo sem estar determinada a totalidade da área em que ficaria reduzida a sua exploração, e que só foi conhecida com a expropriação da última parcela. E isto porquanto não encontra norma jurídica que imponha ao A., na qualidade em que intervém nos presentes autos, (ou seja, titular de exploração agrícola afectada pela Construção das Barragens do ... (...), porquanto composta por prédios que o A. detinha por comodato e que vieram a ser expropriados aos respectivos proprietários, tendo o A. que largar mão deles, inelutavelmente), o dever de vir reclamar direitos indemnizatórios nos diversos processos Expropriativos, sob pena de preclusão desse direito; Nem encontra norma jurídica que impeça o A. de, nessa mesma qualidade, tendo sido lesado pela construção das Barragens a cargo da R. e subsequente expropriação de várias parcelas que compunham a sua exploração agrícola, as quais eram detidas por este a título de comodato (que teve que largar mão, de forma inelutável), de exercer pretensão indemnizatória, nos termos gerais de direito, como o fez. Acresce que entendeu, o Tribunal “a quo” que o A. pretendia, com a presente acção, instaurar uma nova acção de Expropriação Litigiosa, nos termos do preceituado nos Código das Expropriações, o que não é o caso, pois tal não foi alegado, nem peticionado.
Já a recorrida, secundando a decisão do Tribunal recorrido, entende que é processualmente inadmissível que o ora Recorrente, Expropriado noutros processos de expropriação que tinham por objeto várias parcelas expropriadas viesse posteriormente instaurar uma nova ação, em processo comum, peticionando uma indemnização autónoma, que incidia sobre as mesmas parcelas, quando aqueles processos de expropriação se encontram, ou já decididos e transitados em julgado, ou a correr os respetivos termos. Circunstância que se traduz numa exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da Ré da instância, nos termos do disposto nos artigos 576.º/2, 577.º e 578.º, todos do CPC, tal como já decidiu este Tribunal da Relação no seu Acórdão datado de 27.04.2017, proferido no âmbito do processo n.º 206/16.0T8VPA.G1, consultável em www.dgsi.pt. Em todos os processos de expropriação judiciais, o próprio Recorrente figurava como Expropriado, tendo sido notificado das respetivas Sentenças e dos respetivos despachos de adjudicação das respetivas parcelas ao Estado Português e bem assim da possibilidade de interpor recurso das respetivas decisões arbitrais, nos termos e para os devidos efeitos do disposto no artigo 51.º/5 e 52.º/1, do CE (consoante o caso). Em todos os processos expropriatórios o Recorrente foi notificado para todos os termos do processo, quer na fase administrativa, quer na fase litigiosa, dos processos expropriatórios, tendo, inclusivamente, estado presente nas VAPRM, nas quais nunca foi mencionada a existência de uma exploração agrícola, nem tampouco o Recorrente, efetuou qualquer reclamação, após ter sido notificado das mesmas. O Recorrente nunca invocou, até hoje, em nenhum dos respetivos processos expropriativos que desenvolvia uma atividade agrícola a título de comodato.
Quid iuris?

Comecemos por rememorar o segundo segmento decisório do Tribunal recorrido:
Da (in)admissibilidade de exercício do direito indemnizatório em causa, fora do processo de expropriação, mediante ação autónoma, em processo comum:
O art. 62º, n º 1, da Constituição da República Portuguesa, consagra que: “A todos é garantido o direito à propriedade privada (…), nos termos da Constituição”.
Por sua vez, o n º 2, do citado preceito, prevê que: “A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”.
Deste modo, resulta do texto da lei fundamental que, qualquer privação do direito de propriedade, contra a vontade do seu titular, como é o caso da expropriação, é suscetível de, à partida, violar dois direitos fundamentais: o direito à propriedade privada e o direito à igualdade - art. 13º, nº 1, da CRP.
Com efeito, além de constituir uma negação direta do direito à propriedade privada, a expropriação por utilidade pública é suscetível de agredir o princípio da igualdade numa dupla vertente: por um lado, através da expropriação, é negado o que é, por princípio, afirmado no referido n º 1 do art. 62º, da CRP, de que a todos é garantido o direito à propriedade privada, e, por outro lado, a expropriação faz impender sobre um particular o gravame da concretização do interesse público.
Porém, se quanto à primeira forma de agressão ao princípio da igualdade, o legislador constitucional assumiu deliberadamente a expropriação por utilidade pública como uma restrição ao mesmo - art. 18º, n º 2, da CRP, do mesmo modo que a assumiu como uma limitação à tutela constitucional da propriedade; quanto à segunda forma de agressão àquele princípio, a preocupação com a tutela do princípio contido no art. 13º, da CRP, levou o mesmo legislador a eleger como pressuposto de legitimidade da expropriação, a necessidade de atribuição de uma justa indemnização.
“A indemnização por expropriação visa compensar o sacrifício suportado pelo expropriado, ou, por outras palavras, garantir a observância do princípio da igualdade que tinha sido violado com a expropriação, apresentando-se como uma reconstituição em termos de valor da posição de proprietário que o expropriado detinha”, como diz Fernando Alves Correia, em As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, Coimbra Ed., 1982, pág. 128.
A um outro nível, esta preocupação é retomada no texto do nosso principal diploma de direito civil.
Determina o art. 1308º, do Código Civil, que: “Ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei”.
Acrescenta, por sua vez, o art. 1310º, do mesmo diploma legal, que: “Havendo expropriação por utilidade pública (…), é sempre devida a indemnização adequada ao proprietário e aos titulares de outros direitos reais afectados”.
Do que ficou dito, resulta que, a expropriação por utilidade pública, por, de algum modo, colidir com princípios constitucionalmente consagrados, está sujeita a dois pressupostos de legitimidade: base legal expressa e pagamento de justa indemnização.
Ora, o diploma que regula expressamente o regime das expropriações, ou seja, a Lei n º 168/99, de 18-09, com as alterações de redação que sofreu, designada por Código das Expropriações, consagra no seu art. 1º, que: “Os bens imóveis e os direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objecto da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização nos termos do presente Código”.
Por sua vez, o art. 23º, n º 1, prevê que: “A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data”.
A expropriação configura-se como uma forma de aquisição originária, cuja tramitação está consagrada no Código das Expropriações, tendo as caraterísticas da publicidade, da universalidade e da suficiência.
Consequentemente, todas as questões pertinentes, nomeadamente, de definição de quem sejam os interessados e das indemnizações a atribuir-lhes, devem ser suscitadas e decididas, nesse processo especial, no decurso do mesmo.
No sentido exposto, podem ver-se, nomeadamente, os Acs. da RG de 27-04-2017 e do STJ de 12-12-2013, na dgsi.
Como também se diz no Ac. da RG de 07-04-2016, na dgsi: “4. O processo de expropriação é, pela sua ampla publicidade, pelo direito de intervenção reconhecido a qualquer aparente interessado e pelos meios procedimentais e judiciais colocados ao dispor dos interessados para a invocação de qualquer vício ou irregularidade ocorridos na sua fase administrativa ou judicial, um processo universal, no sentido de que todas as questões relevantes ali devem ser suscitadas e decididas”.
O exposto apresenta-se também como sendo uma decorrência do disposto nos arts. 546º, n º 2 e 549º, n º 1, do C.P.C.
Assim, nomeadamente, a questão de saber se um “comodatário” de bens expropriados é, ou não, interessado, no dizer do art. 9º, do C.E. (que consagra o princípio da legitimidade aparente) e, se lhe assiste, ou não, o direito a ser indemnizado por força da expropriação e, em caso afirmativo, em que medida, é algo que tem de ser suscitado e decidido no processo de expropriação, não podendo, em princípio, sê-lo no âmbito de uma ação de processo comum.
Apenas o interessado “esquecido” no processo de expropriação, e só em certos condicionalismos específicos é que terá direito a, em ação judicial autónoma, na forma de processo comum, obter indemnização equivalente à que deveria ter recebido no processo de expropriação.
No sentido exposto, o Ac. da RG de 07-04-2016, na dgsi, onde se decidiu que: “5. Só em casos excepcionais é de admitir a decisão de questões que têm a sua sede própria no processo expropriativo (…) através de acção declarativa autónoma”.
Tal é admissível em duas situações: 1) nos casos de não ter existido processo de expropriação e, 2) nos casos previstos no art. 37º, n º 5, do C.E.
Ou seja, só não tendo havido processo de expropriação ou então em caso de dolo ou culpa grave da entidade expropriante, na omissão da indicação de um certo interessado, no processo de expropriação findo, é que este poderá reclamar daquela, em ação na forma de processo comum, a instaurar contra a mesma, uma indemnização equivalente àquela que teria direito a obter no processo de expropriação.
No sentido exposto, por um lado, os Acs. do STJ de 30-09-1999 e 12-12-2013 e, por outro lado, os Acs. da RG de 07-04-2016 e 27-04-2017, na dgsi.
Ora, no caso dos autos, não foi invocada/demonstrada a ocorrência de qualquer das situações supra mencionadas.
Antes ocorreu que, tendo o A. sido notificado, por várias vezes, nos procedimentos dos processos de expropriação das parcelas em causa, na qualidade de expropriado, em momento algum invocou ser “comodatário” das parcelas expropriadas e, consequentemente, se arrogou a titularidade de um direito de indemnização pelos prejuízos sofridos com essa expropriação e se insurgiu, nomeadamente, contra as sentenças que fixaram as indemnizações devidas em consequência das expropriações, nas quais não era contemplada a indemnização dos prejuízos que, nessa qualidade de comodatário, o A. havia sofrido.
Tendo tido a oportunidade de, ao longo dos processos de expropriação, fazer valer os direitos de que se arroga e sendo o processo de expropriação aquele em que tinham de ser suscitadas e apreciados esses direitos; na medida em que, o A. não exerceu os seus direitos nesses processos e já neles os não possa exercer (nomeadamente, por ali já se ter proferido decisão final transitada em julgado), precludiu-se a possibilidade de, posteriormente, os vir exercer através de uma ação indemnizatória autónoma ou, na medida em que ainda possa exercer os seus direitos nos processos de expropriação, é neles que terá de os exercer, por ser através dessa forma de processo especial que, tais direitos têm de ser, e podem ser, exercidos.
Como acima referimos, todas as questões pertinentes, nomeadamente, de definição de quem sejam os interessados e das indemnizações a atribuir-lhes, devem ser suscitadas e decididas, nesse processo especial, no decurso do mesmo (pois é essa a específica finalidade que tal processo serve).
E se acaso - como invocado pelo A. -, não é interessado para efeitos do art. 9º, do C.E. e não lhe assistia o direito a ser indemnizado à luz das normas que regulamentam o processo de expropriação (e por isso é que não exerceu os direitos que se arroga, no processo de expropriação), não vislumbramos então como possa, fora do processo de expropriação, no âmbito de uma ação autónoma, considerar-se interessado e titular do direito a ser indemnizado.
Isto porque, a titularidade do direito a ser indemnizado por força de uma expropriação, parece-nos não poder encontrar-se senão no regime do Código das Expropriações.
Pese embora o art. 1310º, do C.C., também se refira a quem possam ser os titulares de uma indemnização, em caso de expropriação por utilidade pública, ali apenas se faz menção ao proprietário e aos titulares de outros direitos reais afetados (o que não é o caso do “comodatário”).
Não é assim processualmente admissível a interposição de ação na forma de processo comum, com vista a que a entidade expropriante seja condenada a pagar uma indemnização pelos danos emergentes da expropriação, quando correram termos processos de expropriação de algumas das parcelas expropriadas em causa, nas quais já foi proferida sentença, transitada em julgado e, se encontram a correr termos processos de expropriação, relativamente às outras parcelas em causa.
Como se diz no Ac. da RG de 27-04-2017, na dgsi. “II - Não é processualmente possível, configurando-se como uma exceção dilatória inominada, a interposição de um processo de expropriação quando anterior processo de expropriação tendo por objeto a mesma parcela de terreno está decidido e transitado em julgado, ainda que não tenha sido atribuída qualquer indemnização (…)”.
O exposto configura uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da R. da instância - arts. 278º, e), 576º, n º 2, 577º e 578º, do C.P.C.

Decisão:
Pelo exposto, absolvo a R. da instância.
Fixo o valor da causa em € 225.000,00 - Arts. 296º, n º 1, 297º, n º 1 e 306º, n º 1 e 2, do C.P.C.
(…)

Antecipando desde já a decisão, podemos dizer que quanto a este segmento decisório do Tribunal recorrido, não tem razão o recorrente.
Com efeito, como assertivamente se refere na decisão recorrida, é processualmente inadmissível que o ora Recorrente, Expropriado noutros processos de expropriação que tinham por objeto várias parcelas expropriadas viesse posteriormente instaurar uma nova ação, em processo comum, peticionando uma indemnização autónoma, que incidia sobre as mesmas parcelas, quando aqueles processos de expropriação se encontram, ou já decididos e transitados em julgado, ou a correr os respetivos termos. Circunstância que se traduz efectivamente numa exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da Ré da instância, nos termos do disposto nos artigos 576º/2, 577º e 578º, todos do CPC[xii].
Sendo que, como bem lembra a recorrida, em todos os processos de expropriação judiciais, o próprio Recorrente figurava como Expropriado, tendo sido notificado das respetivas Sentenças e dos respetivos despachos de adjudicação das respetivas parcelas ao Estado Português e bem assim da possibilidade de interpor recurso das respetivas decisões arbitrais, nos termos e para os devidos efeitos do disposto no artigo 51º/5 e 52º/1 do CE (consoante o caso). Em todos os processos expropriatórios o Recorrente foi notificado para todos os termos do processo, quer na fase administrativa, quer na fase litigiosa, dos processos expropriatórios, tendo, inclusivamente, estado presente nas VAPRM, nas quais nunca foi mencionada a existência de uma exploração agrícola, nem tampouco o Recorrente, efectuou qualquer reclamação, após ter sido notificado das mesmas. O Recorrente nunca invocou, até hoje, em nenhum dos respetivos processos expropriativos que desenvolvia uma atividade agrícola a título de comodato. Ora, tendo tido a oportunidade de, ao longo dos processos de expropriação, fazer valer os direitos de que se arroga e sendo o processo de expropriação aquele em que tinham de ser suscitadas e apreciados esses direitos, na medida em que, o A. não exerceu os seus direitos nesses processos e já neles os não possa exercer (nomeadamente, por ali já se ter proferido decisão final transitada em julgado), precludiu-se a possibilidade de, posteriormente, os vir exercer através de uma ação indemnizatória autónoma ou, na medida em que ainda possa exercer os seus direitos nos processos de expropriação, é neles que terá de os exercer, por ser através dessa forma de processo especial que, tais direitos têm de ser, e podem ser, exercidos.
É que, como já se escreveu, A expropriação configura-se como uma forma de aquisição originária, cuja tramitação está consagrada no CE com as características da publicidade, da universalidade e da suficiência, de onde decorre que todas as questões pertinentes para a definição da área a expropriar, da definição dos interessados e das indemnizações a atribuir devem ser decididas no decurso deste processo[xiii].
 Neste mesmo sentido vai o art. 546º/2 do CPC quando refere que “O processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei; o processo comum é aplicável a todos os casos a que não corresponda processo especial”, concretizando o art. 549º/1, do mesmo diploma legal que “Os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo o quanto não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum”.
Com efeito, o processo expropriativo (em que, recorde-se, o ora Recorrente interveio e em que teve a possibilidade de arguir e invocar as suas eventuais irregularidades ou vícios) é, por princípio, digamos, um processo universal. Isto porque, pela sua ampla publicidade, pelo direito de intervenção reconhecido a qualquer aparente interessado e pelos meios procedimentais e judiciais colocados ao dispor dos interessados para a invocação de qualquer vício ou irregularidade ocorridos na sua fase administrativa ou judicial todas as questões relevantes ali devem ser suscitadas e decididas[xiv].
Não é, pois, legalmente possível “replicar” um processo de expropriação, sob o pretexto de que ficaram questões por apreciar ou por decidir no processo expropriativo anterior[xv], ainda que sob a forma disfarçada de uma acção de processo comum para efeitos de indemnização nos termos gerais de Direito.

Não sendo também de acolher o argumento do Recorrente que “Era inviável ao A., vir a cada um dos processos de expropriação, peticionar os prejuízos sofridos pela redução da sua exploração e consequente perda de rendimentos na sua atividade, uma vez que (…) esta perda só se consolidou com a expropriação da última parcela que compunha a sua exploração”. É que, como bem lembra a Recorrida, desde Julho/Agosto de 2017 que o Recorrente já sabia que vários prédios rústicos, nos quais alegadamente desenvolvia a alegada exploração agrícola, estavam abrangidos pela DUP; pelo que, nessa data, já lhe era possível apurar a área da sua alegada exploração agrícola que ficaria reduzida em virtude dos processos expropriativos. O Recorrente alega que estava impedido de vir a cada um dos processos que correram termos em momentos diferentes peticionar o seu prejuízo, pois em cada um daqueles 12 (doze) momentos, o mesmo não era conhecido. Contudo, o Recorrente poderia, se assim o entendesse, ter requerido a apensação dos processos expropriatórios respeitantes às aludidas Parcelas para que pudesse peticionar o eventual crédito indemnizatório, pela cessação da sua alegada atividade, no âmbito desses processos (assim fizesse prova dessa alegação…). Todavia, não só não o fez, como nem sequer em nenhum dos processos expropriativos o Recorrente invocou a existência de uma exploração agrícola nas parcelas expropriadas. Adicionalmente, contrariamente ao invocado pelo Recorrente, este interveio nos autos expropriativos na qualidade de Expropriado, enquanto herdeiro da herança aberta por óbito dos seus pais.

Já no que concerne ao argumento de que este segmento da decisão recorrida, que entendeu que na medida em que, o A. não exerceu os seus direitos nesses processos e já neles os não possa exercer (nomeadamente, por ali já se ter proferido decisão final transitada em julgado), precludiu-se a possibilidade de, posteriormente, os vir exercer através de uma ação indemnizatória autónoma, viola o princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado nos arts. 20º/4 da CRP e 2º/2 do CPC, também não lhe assiste qualquer razão, pois o Recorrente teve efectivamente a oportunidade processual de vir aos autos expropriativos fazer valer os direitos que se arroga. É que, se é certo que com os princípios da acionabilidade e da tutela jurisdicional efectiva, o legislador constitucional pretendeu erigir ações para reconhecimento de direitos como meios de tutela, também é certo que o mesmo legislador não foi além desse estabelecimento, tendo deixado ao legislador ordinário a faculdade de optar por fórmulas processuais adequadas ao caso concreto. No caso do processo especial expropriativo, o legislador ordinário entendeu limitar no tempo o momento em que a tutela dos direitos dos Expropriados e de todos os aparentes Interessados deveriam ser peticionados, codificando os momentos, os tempos e os meios no CE. Logo, se o Recorrente decidiu, de forma consciente ou não, não peticionar uma indemnização por via da alegada cessação da sua exploração agrícola (arts. 30º a 32º e 9º, todos do CE) em nada pode a Recorrida ser prejudicada, nem tampouco tal circunstância viola o princípio da tutela jurisdicional efectiva, quando o Recorrente foi regularmente notificado da DUP e dos despachos de adjudicação de cada uma das Parcelas em crise, para, querendo, recorrer das decisões arbitrais. E bem assim, quando em 8 das 12 das Parcelas, nas quais alegadamente o Recorrente exerceria a sua atividade, já foram objecto dos respetivos processos expropriativos, tendo as indemnizações já sido decididas / acordadas e os respetivos processos já transitado em julgado.

E o mesmo entendimento deverá operar relativamente às situações em que estamos perante uma expropriação amigável, nomeadamente, em face da expropriação amigável da Parcela .... É que, como bem menciona a Recorrida, dispõe o art. 37º/5 do CE, “Salvo no caso de dolo ou culpa grave por parte da entidade expropriante, o aparecimento de interessados desconhecidos à data da celebração da escritura ou do auto apenas dá lugar à reconstituição da situação que existiria se tivessem participado no acordo, nos termos em que este foi concluído”; pelo que, o auto de expropriação amigável, celebrado com os interessados aparentes na expropriação, tem eficácia reflexa – e até certo ponto preclusiva – sobre os direitos eventuais dos interessados desconhecidos no confronto da Entidade Expropriante. Segundo o entendimento constante do STJ, na verdade, se aqueles não se aprestaram a deduzir o seu direito a uma indemnização autónoma até à consumação da expropriação amigável, apenas lhes restam – perante o estipulado naquela norma – duas possibilidades de atuação:
(i) Ou exigem a efetivação do seu direito da própria Entidade Expropriante, mostrando que o desconhecimento da sua existência – e consequente preterição no acordo alcançado – é devido a dolo ou culpa grave da Entidade Expropriante que, se agisse com a diligência devida, não poderia razoavelmente ter deixado de se aperceber da existência do direito invocado;
(ii) Ou, não sendo esse o caso, já que não pode imputar-se a culpa da Entidade Expropriante o desconhecimento da sua existência, podem os referidos interessados, preteridos no acordo alcançado, demandar os interessados aparentes que nele participaram efetivamente, com vista a obter rateadamente a parcela indemnizatória a que, porventura , tenham direito[xvi].
Em resposta, aquele Tribunal concluiu que ante a questão sub judice e face à norma constante do referido art. 36º/4 do CE de 1991 – em tudo semelhante ao atual artigo 37º/5, do CE – não seria possível ao interessado desconhecido propor ação de condenação contra a Entidade Expropriante, visando obter uma indemnização adicional à indemnização global consignada no acordo celebrado pelos interessados aparentes na expropriação, num caso em que não fosse imputável à Entidade Expropriante o desconhecimento da existência do interessado que só tardiamente se aprestou a reagir[xvii].
Se perante um caso em que o Autor alegava que o seu direito emergia do contrato de arrendamento rural o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que não estariam verificados os pressupostos para a aplicação, à data, do artigo 36º/4 do CE de 1991 – mas em tudo semelhante ao atual artigo 37º/5 do CE – nunca se poderá concluir que se verificariam os pressupostos com a invocação de um comodato sem qualquer título.
Para além disto, é manifesto que – exercendo alegadamente o ora Recorrente, preterido no acordo de expropriação amigável, poderes de facto, como (alegadamente) comodatário sobre a parcela expropriada que alega vir agricultando há muito, de modo permanente e reiterado – não podia razoavelmente ter deixado de se aperceber imediatamente da posse administrativa da Entidade Expropriante sobre a parcela expropriada e da implantação física da infraestrutura pública que ditou a expropriação – não se compreendendo a anormal demora no exercício do seu pretenso direito autónomo à indemnização.
Todavia, o ora Recorrente, não só, apenas demandou a Entidade Expropriante – abandonando a via procedimental alternativa que poderia consistir em efectivar os seus direitos perante os demais interessados/intervenientes no auto de expropriação amigável que não mencionaram manifestamente a existência do invocado contrato de comodato verbal –, como também, omitiu completamente, nos seus articulados, nomeadamente, na sua Petição Inicial, a alegação de factos que pudessem consubstanciar ou corporizar dolo ou culpa grave da Entidade Expropriante, Ré e ora Recorrida, na preterição do comodatário como interessado aparente na expropriação.
O ónus de alegação incidia sobre o Recorrente por força do estatuído no referido artigo 37º/5, do CE – e não obviamente sobre a ora Recorrida; pelo que, não era a Recorrida que tinha o ónus de provar que ignorava sem culpa, face nomeadamente à posição assumida pelos proprietários no auto de expropriação amigável, a existência do contrato de comodato em causa, mas antes ao titular deste direito, que, ao invocá-lo em momento assaz tardio, muito após ter sido encerrado o procedimento expropriativo, teria de provar que ocorrera culpa da Entidade Expropriante na sua indevida preterição no processo expropriativo[xviii].
Por outro lado, tem-se como evidente, face ao auto de expropriação amigável que foi totalmente omitida pelos titulares do direito de propriedade qualquer menção à existência da invocada relação de comodato.
Na verdade, tal documento, interpretado razoavelmente à luz do critério normativo da impressão do destinatário, não pode deixar de ser lido como arrogando-se no acto os interessados/intervenientes legitimação exclusiva para serem indemnizados, comprometendo-se a entregar imediatamente o prédio, reconhecendo que não existia qualquer oneração em favor de terceiros suscetível de prejudicar a entrega imediata do prédio à Entidade Expropriante, como contrapartida da indemnização definitiva e final, globalmente devida pela expropriação.

Resta a questão/argumento de que o Recorrente, não sendo considerado interessado, enquanto comodatário, para efeitos do CE, então, nunca poderia vir reclamar o seu alegado direito no âmbito dos processos expropriativos; pelo que, sempre teria de propor uma ação autónoma para conseguir uma Indemnização nos termos gerais de Direito.
Ora, esta questão, assertivamente enfrentada na decisão recorrida, já foi abordada supra, pelo que não há como evitar algumas repetições.
Efectivamente, tal como já mencionado acima nos Acs. desta Relação de 27-04-2017 e do STJ de 12-12-2013, configurando-se a expropriação como uma forma de aquisição originária, cuja tramitação está consagrada no Código das Expropriações com as caraterísticas da publicidade, da universalidade e da suficiência, dela decorre que todas as questões pertinentes, nomeadamente, de definição de quem sejam os interessados e das indemnizações a atribuir-lhes, devem ser suscitadas e decididas, nesse processo especial, no decurso do mesmo. Sendo que, tal como também supra mencionado no Ac. desta Relação de 07-04-2016, “4. O processo de expropriação é, pela sua ampla publicidade, pelo direito de intervenção reconhecido a qualquer aparente interessado e pelos meios procedimentais e judiciais colocados ao dispor dos interessados para a invocação de qualquer vício ou irregularidade ocorridos na sua fase administrativa ou judicial, um processo universal, no sentido de que todas as questões relevantes ali devem ser suscitadas e decididas”. Assim, nomeadamente, a questão de saber se um “comodatário” de bens expropriados é, ou não, interessado, no dizer do art. 9º, do C.E. (que consagra o princípio da legitimidade aparente) e, se lhe assiste, ou não, o direito a ser indemnizado por força da expropriação e, em caso afirmativo, em que medida, é algo que tem de ser suscitado e decidido no processo de expropriação, não podendo, em princípio, sê-lo no âmbito de uma ação de processo comum.
Logo, argumentar que os comodatários, não sendo interessados para efeitos do CE, nunca poderiam reclamar os seus direitos nos processos de expropriação, antes tendo de o fazer através de uma acção autónoma, é negar a possibilidade de o poderem fazer, pois se acaso - como invocado pelo A. -, não é interessado para efeitos do art. 9º, do C.E. e não lhe assistia o direito a ser indemnizado à luz das normas que regulamentam o processo de expropriação (e por isso é que não exerceu os direitos que se arroga, no processo de expropriação), não vislumbramos então como possa, fora do processo de expropriação, no âmbito de uma ação autónoma, considerar-se interessado e titular do direito a ser indemnizado. Isto porque, a titularidade do direito a ser indemnizado por força de uma expropriação, parece-nos não poder encontrar-se senão no regime do Código das Expropriações. Sendo incongruente defender não ser interessado para efeitos do CE, mas ser interessado lesado num processo de expropriação. Então em que é que ficamos: é ou não interessado?
Ademais, o pretenso direito indemnizatório a que o Recorrente se arroga, não podendo ter tutela nos termos do art. 23º do CE já que os comodatários não são considerados interessados no âmbito de processo expropriativo, poderia ter qualquer outra tutela que o legislador ordinário lhe conferisse, sendo que o Recorrente nada alegou quanto aos factos constitutivos do seu direito de – com base numa suposta relação de comodato – peticionar o pagamento da justa indemnização. É que o Recorrente nunca alegou os factos constitutivos do seu direito, desde logo porque nunca demonstrou os exatos termos em que tal relação de comodato se estabeleceu. Nem tampouco se sabe se efetivamente existiu. Isto porque, o Recorrente não alegou todos os elementos essenciais para que se possa concluir que estamos perante um contrato de comodato, a saber: o carácter gratuito, a temporalidade e o dever de restituir. Em suma, a pretensa existência de uma relação jurídica de comodato não só, não foi invocada nem demonstrada nos processos expropriativos das parcelas em que alegadamente exerceria a sua exploração agrícola, nem tampouco o Recorrente logrou alegar e demonstrar nos presentes autos tal alegada relação jurídica de comodato.
Não merecendo, assim, este segmento decisório do Tribunal recorrido qualquer reparo, pois assenta em operações intelectuais válidas e justificadas.
Logo, não assistindo aqui razão ao Recorrente A., improcede nesta parte o recurso, com custas a pagar pelo mesmo.
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I – Ocorre erro de julgamento no tocante à apreciação do vício de erro sobre os pressupostos de facto, quando se decide com base em pressuposto factual inexistente.
II – A litigância de má fé tem de ser reconduzida à importância que o legislador lhe terá dado - a de um mero incidente. O que é suposto num processo, é que o tribunal se pronuncie sobre o pedido material formulado pelo autor, e pelo réu, caso este tenha reconvindo, sendo apenas incidentalmente que vai apreciar a conduta processual das partes envolvidas na lide, seja porque tal tenha sido suscitado pela outra parte, seja porque a gravidade da actuação de uma ou de ambas despoletou no julgador a necessidade de penalizar quem assim abusa do processo.
III – A expropriação configura-se como uma forma de aquisição originária, cuja tramitação está consagrada no Código das Expropriações com as características da publicidade, da universalidade e da suficiência, de onde decorre que todas as questões pertinentes para a delimitação da área a expropriar, da definição dos interessados e das indemnizações a atribuir devem ser decididas no decurso deste processo.
IV – A questão de saber se um “comodatário” de bens expropriados é, ou não, interessado, no dizer do art. 9º do C.E. (que consagra o princípio da legitimidade aparente) e, se lhe assiste, ou não, o direito a ser indemnizado por força da expropriação e, em caso afirmativo, em que medida, é algo que tem de ser suscitado e decidido no processo de expropriação, não podendo, em princípio, sê-lo no âmbito de uma ação de processo comum.
V – Tendo tido a oportunidade de, ao longo dos processos de expropriação, fazer valer os direitos de que se arroga e sendo o processo de expropriação aquele em que tinham de ser suscitados e apreciados esses direitos; na medida em que, o A. que alega ser "comodatário" das parcelas expropriadas que compunham a sua exploração agrícola não exerceu os seus direitos nesses processos e já neles os não possa exercer (nomeadamente, por ali já se ter proferido decisão final transitada em julgado), precludiu-se a possibilidade de, posteriormente, os vir exercer através de uma acção indemnizatória autónoma ou, na medida em que ainda possa exercer os seus direitos nos processos de expropriação, é neles que terá de os exercer, por ser através dessa forma de processo especial que, tais direitos têm de ser, e podem ser, exercidos.
VI – Não é processualmente possível, configurando-se como uma excepção dilatória inominada, a interposição de uma acção indemnizatória autónoma, quando correu/corre processos de expropriação tendo por objecto as mesmas parcelas de terreno.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar:
- procedente o recurso quanto ao primeiro segmento decisório, que se revoga, devendo os autos baixar ao Tribunal a quo, para que aí seja dado prosseguimento ao pedido de litigância de má-fé formulado pelo A.; e
- improcedente o recurso quanto ao segundo segmento decisório, assim se confirmando a decisão recorrida.
Custas do recurso pelo A. e R., na proporção de 3/4 e 1/4, respectivamente.
Notifique.
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Guimarães, 24-11-2022

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Maria Cristina Cerdeira)


[i] Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Vila Real - JC Cível - Juiz 2
[ii]Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES, datado de 07.04.2016, tendo por Relator Jorge Seabra, proferido no âmbito do processo n.º 918/11.5TBBCL.G1, disponível em www.dgsi.pt.
[iii] Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES, datado de 07.04.2016, tendo por Relator Jorge Seabra, proferido no âmbito do processo n.º 918/11.5TBBCL.G1, disponível em www.dgsi.pt.
[iv] Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES, datado de 27.04.2017, proferido no âmbito do processo n.º 206/16.0T8VPA.G1, consultável em www.dgsi.pt.
[v] Aresto do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, datado de 12.12.2013, tendo por Relator Lopes do Rego, proferido no âmbito do processo n.º 873/03.5TBMCN.P1.S1 e disponível em www.dgsi.pt.
[vi] Aresto do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12.12.2013, tendo por Relator Lopes do Rego, proferido no âmbito do processo n.º 873/03.5TBMCN.P1.S1 e disponível em www.dgsi.pt.
[vii] Neste sentido, veja-se o já amplamente referido aresto do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12.12.2013, tendo por Relator Lopes do Rego, proferido no âmbito do processo n.º 873/03.5TBMCN.P1.S1 e disponível em www.dgsi.pt.
[viii] Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES, datado de 27.04.2017, proferido no âmbito do processo n.º 206/16.0T8VPA.G1, consultável em www.dgsi.pt.
[ix] Neste sentido, cfr. Ac. do STJ de 29-06-2017, prolatado no Proc. nº 825/15.2T8LRA.C1.S1 e acessível in www.dgsi.pt.
[x] O erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa. Por outras palavras, o erro consiste num desvio da realidade factual ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.
[xi] Neste sentido, cfr. Ac. da RL de 26-06-2014, prolatado no Proc. nº 1524/10.7TBCSC.L1 e acessível in www.dgsi.pt.
[xii] Neste sentido, vd. Ac. desta Relação de 27-04-2017, prolatado no Proc. nº 206/16.0T8VPA.G1 e acessível in www.dgsi.pt.
[xiii]Cfr. o supra mencionado Acórdão desta Relação de 27-04-2017.
[xiv] Neste sentido, vd. o Acórdão desta Relação de 07-04-2016, proferido no Proc. nº 918/11.5TBBCL.G1 e disponível em www.dgsi.pt.
[xv] Cfr. ainda o supra mencionado Acórdão desta Relação de 27-04-2017.
[xvi] Aresto do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, datado de 12.12.2013, tendo por Relator Lopes do Rego, proferido no âmbito do processo n.º 873/03.5TBMCN.P1.S1 e disponível em www.dgsi.pt.
[xvii] Aresto do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12.12.2013, tendo por Relator Lopes do Rego, proferido no âmbito do processo n.º 873/03.5TBMCN.P1.S1 e disponível em www.dgsi.pt.
[xviii] Neste sentido, veja-se o já amplamente referido aresto do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12.12.2013, tendo por Relator Lopes do Rego, proferido no âmbito do processo n.º 873/03.5TBMCN.P1.S1 e disponível em www.dgsi.pt.