Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
797/12.5TVPRT-A.G2
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
DISPENSA DE PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
PEDIDO
OPORTUNIDADE DE APRESENTAÇÃO
ERRO NA QUALIFICAÇÃO DO MEIO PROCESSUAL
CORRECÇÃO OFICIOSA
DESPROPORCIONALIDADE ENTRE O SERVIÇO PRESTADO E O CUSTO COBRADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - A taxa de justiça é o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço.

2 - A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida depende da especificidade da situação processual, além da complexidade maior ou menor da causa e da conduta processual de cada uma das partes, por força do disposto no artº 6º, nº 7, do Regulamento de Custas Processuais (RCP).

3 - A teleologia da norma em causa não permite uma situação de intolerável desproporcionalidade entre a atividade judiciária despendida e o montante da taxa de justiça que é imputada ao requerente

4 - Nada tendo sido dito quanto a essa dispensa na sentença, pode a mesma ser decidida posteriormente, designadamente no momento em que se aprecie o requerimento de reclamação/reforma da conta de custas (sendo o erro na qualificação do meio processual corrigido oficiosamente pelo juiz).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

Na presente ação de Habilitação de adquirente ou cessionário que J. P. intentou e em que foram requeridos A. J., Caixa, SA, X – Sociedade de Investimentos Imobiliário, SA, Massa Insolvente de Quinta ... – Exploração de Atividades Turísticas, Lda., V. M., M. M., A. L. e I. S., após sentença que julgou improcedente o incidente, não habilitando o requerente como sucessor de A. J. (sentença confirmada por Acórdão deste Tribunal da Relação) e após notificação da conta (com valor a pagar de € 9.282,00), veio o requerente reclamar da mesma, por entender beneficiar da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, pedindo tal dispensa, subsidiariamente, a sua redução ou, ainda, subsidiariamente, o deferimento do pagamento em prestações das custas fixadas, no maior número legalmente permitido.

O oficial de justiça contador pronunciou-se, entendendo que a conta foi elaborada de harmonia com as disposições legais.

O Ministério Público promoveu o indeferimento do requerido quanto à reclamação da conta e acrescentou nada ter a opor ao pagamento das custas em 12 prestações mensais sucessivas.

Foi proferida decisão que indeferiu a reclamação e pedido de reforma da conta de custas, indeferiu, por intempestividade, o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, bem como da sua redução e autorizou o requerente a proceder ao pagamento das custas processuais da sua responsabilidade, agravadas de 5%, num sistema de 12 prestações mensais e sucessivas, ao abrigo do disposto no artigo 33.º, n.º 1, alínea b) do Regulamento das Custas Processuais.

O requerente interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes

Conclusões:

A. O recorrente vem, nos termos do artigo 31.º n.º6 do RCP recorrer da decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância no incidente de reclamação da conta de custas de parte.
B. O tribunal pronunciou-se no sentido de indeferir o pedido de dispensa ou subsidiariamente, redução do remanescente da taxa de justiçai por considerar intempestivo o pedido e por falta de fundamento legal.
C. Padece de ilegalidade a decisão proferida por violação do artigo 6.º n.º7 do RCP.
D. O artigo 6.º n.º7 do Regulamento das Custas Processuais contém um comando dirigido ao juiz no sentido de, oficiosamente e em conformidade com os pressupostos legais, poder dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça a considerar na conta final; não contém o preceito nenhum comando exigindo às partes que, antes da elaboração da conta, se lhes imponha em quaisquer circunstâncias requerer a dispensa.
E. A circunstância de o juiz poder agir oficiosamente no sentido da dispensa (ou redução) do pagamento do remanescente, antes da sentença ou decisão final, não implica que o benefício ou vantagem que para as partes advém da oficiosidade concedida ao juiz seja convertido num ónus, impedindo-as de requerer a dispensa com a notificação da conta que, essa sim, fixa o valor a pagar, designadamente quando apenas com a conta se fixa a base tributável em valor diverso do atribuído à causa pelos interessados.
F. A sentença e acórdão proferidos nos autos, apesar do inegável trabalho material de consulta e análise que um processo sempre implica, não revestiram particular complexidade.
G. Por outro lado, o comportamento processual do recorrente se desenrolou na mais completa normalidade e sem justificar qualquer reparo porquanto se limitou a usar os normais meios ao seu dispor e que tiveram por adequados à defesa dos seus interesses, não se vislumbrando qualquer violação dos deveres processuais respetivos, antes pelo contrário não sendo prolixos os articulados e desenvolvendo-se os autos estritamente de acordo com o figurino previsto para a ação.
H. Por fim, não esquecendo a vertente da avaliação da «utilidade económica da mesma resultante» ponderado o decaimento efetivo, é efetivamente desproporcional o valor fixado.
Termos em que, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão proferida nos termos expostos.

O MP entendeu dever manter-se o despacho recorrido.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato, nos próprios autos, com efeito suspensivo.
Foram colhidos os vistos legais.

A questão a resolver prende-se com a admissibilidade do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, após a elaboração e notificação da conta.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Os factos com relevo para a decisão constam do relatório supra.

O objecto do presente recurso circunscreve-se a determinar se foi tempestivo o requerimento no sentido da dispensa do remanescente da taxa de justiça, após a elaboração e notificação da conta.
Se poderá, ainda, nesse momento, ter cabimento, face à concreta e específica situação processual, o exercício do poder-dever conferido ao juiz pelo nº 7 do art. 6º do RCP, aprovado pela Lei 7/2012, de flexibilizar o montante global da taxa de justiça devida em procedimentos de valor particularmente elevado - adequando à efectiva complexidade da causa e ao comportamento dos litigantes o valor remanescente da taxa de justiça, a liquidar adicionalmente, na parte em que o valor da causa exceda o montante de €275.000.
O artº 6.º, n.º7, do Regulamento de Custas Processuais (RCP) estatui que “nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Trata-se de normativo cuja ratio legis emana do Preâmbulo do próprio RCP (Dec.Lei nº 34/2008, de 26.02 e republicação através da Lei nº 7/2012, de 13.02), no sentido de que a taxa de justiça é, agora com mais clareza, o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço.
Ou seja, “procurou adequar-se o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva, à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais (…) estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da acção, até um certo limite, e na possibilidade de correcção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa”.

Ora, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 530.º do Código de Processo Civil: “Para efeitos de condenação no pagamento da taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:

a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas”

Pode dizer-se que tal não ocorre no caso dos autos, em que os articulados não são extensos (a petição inicial tem 3 artigos), o processo não teve incidentes anómalos ou fora do comum e apenas foi ouvida uma testemunha em sede de audiência de julgamento, sendo a questão jurídica de complexidade normal.

Ora, se se tiverem em conta os critérios de razoabilidade, proporcionalidade e adequação que devem necessariamente condicionar o juízo aplicativo da referida norma flexibilizadora, não pode deixar de se concluir que a cobrança do remanescente da taxa de justiça violaria tais princípios.

Conforme se decidiu no Acórdão do STJ de 12/12/2013 (processo n.º 1319/12.3TVLSB-C.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego): “Considera-se, que a norma do citado nº 7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de € 275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação, feita à luz dos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.

Este n.º 7 do artigo 6.º do RCP consagra uma intervenção oficiosa do Juiz para salvaguardar um equilíbrio ou mínimo de proporcionalidade entre a taxa de justiça cobrada ao cidadão e o serviço que, através dos Tribunais, o Estado lhe proporciona. Esta intervenção não deve ser concebida como uma mera faculdade ou um poder discricionário. Do mesmo modo que, a outro nível, o Código do Processo Civil consagra hoje, no seu artigo 6.º, um dever de gestão processual para tentar conseguir “a justa composição do litígio em prazo razoável”, o Juiz deve aqui ponderar a complexidade da causa (ou falta dela) e a conduta processual das partes para garantir a adequação entre a taxa cobrada e o serviço prestado.

Existe, pois, um poder/dever de garantir a adequação das custas ao serviço prestado ao cidadão.

No nosso caso, não há qualquer pronúncia do Sr. Juiz quanto à eventual dispensa do remanescente da taxa de justiça, na sentença oportunamente proferida, e só após a elaboração da conta e sua notificação às partes, veio o autor reclamar da mesma – a questão, diga-se, não é susceptível de integrar a reclamação da conta, mas deve considerar-se como requerimento autónomo de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, o que é permitido pelo artigo 193.º, n.º 3 do CPC, que determina ao juiz que corrija oficiosamente o erro na qualificação do meio processual utilizado.

Ora, a questão de saber até que momento pode ser decidida a dispensa que resulta da norma do artigo 6.º, n.º 7 do RCP, não tem sido pacífica na jurisprudência das Relações e do STJ.

Assim, decidiu-se no acórdão da Relação de Lisboa de 15 de Outubro de 2015 (processo nº 6431/09.3TVLSB-A.L1-6, disponível em www.dgsi.pt) que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça terá que ser formulada pela parte (caso o não tivesse feito anteriormente o juiz) em momento anterior à elaboração da conta de custas, pois que é isso que decorre da dita norma. Já para o acórdão da mesma Relação de Lisboa de 3 de Dezembro de 2013 (processo nº 1586/08.7TCLRS-L2-7, disponível também em www.dgsi.pt), “o teor literal desta norma parece dar a ideia de que a decisão deve ser tomada antes da elaboração da conta. Mas, salvo melhor opinião, não se vêem razões para que assim seja. Na verdade, entendemos que o juiz melhor poderá decidir após a elaboração da conta, pois fica então a conhecer o valor exacto dos montantes em causa. (…). Esta decisão pode ser tomada mesmo oficiosamente pelo juiz da causa” – ambos citados no Acórdão do STJ de 03/10/2017, processo n.º 473/12.9TVLSB-C.L1.S1 (José Rainho), in www.dgsi.pt.

Também neste Tribunal da Relação de Guimarães a jurisprudência se divide, entendendo que o requerimento terá que ser formulado em momento anterior à elaboração da conta, o Acórdão de 04-05-2017, processo n.º 4958/15.7T8GMR-J.G1 (Jorge Teixeira) e defendendo que poderá ser feito após a elaboração da conta, o Acórdão de 11/01/2018, processo n.º 501/07.0TBVPA-G.G1 (Margarida Sousa) - “Salvo o devido respeito por opinião contrária, “a circunstância de o juiz poder agir oficiosamente no sentido da dispensa (ou redução) do pagamento do remanescente, antes da sentença ou decisão final, não implica que o benefício ou vantagem que para as partes advém da oficiosidade concedida ao juiz seja convertido num ónus, impedindo-as de requerer a dispensa com a notificação da conta que fixa o valor a pagar, designadamente quando apenas com a conta se fixa a base tributável” (Acórdão do STJ de 12.10.2017)” e o Acórdão de 05-04-2018, processo n.º899/08.2TBFAF-A.G1 (José Alberto Moreira Dias – sem pronúncia concreta sobre esta questão mas aceitando conhecer do pedido quando ele foi efetuado depois da conta), todos em www.dgsi.pt e as decisões sumárias por mim proferidas nos processos 3298/11.5TJVNF-NA.G1 e 3504/15.7T8BRG.G2.

No Tribunal da Relação do Porto, em sentido favorável ao conhecimento da questão mesmo após a elaboração da conta, veja-se o Acórdão de 11/04/2019, processo n.º 1874/17.1T8VNG.P2 (Correia Pinto), disponível em www.dgsi.pt, onde são citados outros Acórdãos no mesmo sentido da Relação de Évora e da Relação de Coimbra.

Também o STJ se tem dividido quanto a esta questão, referindo-se o Acórdão de 13/07/2017, citado no despacho recorrido, proferido no processo n.º 669/10.8TBGRD-B.C1.S1 (Lopes do Rego), que vai no sentido de que o pedido de dispensa de pagamento do remanescente não pode ser apresentado e deferido após a efetivação da conta de custas. No mesmo sentido, o já citado Acórdão de 03/10/2017, processo n.º 473/12.9TVLSB-C.L1.S1 (José Rainho), ambos em www.dgsi.pt. Em sentido contrário, ou seja, de que o requerimento é tempestivo após a elaboração da conta, vejam-se os Acordãos de 14 de Fevereiro de 2017 proferido no processo n°1105/13.3T2SNT.Ll.Sl (Relator Júlio Gomes), in SASTJ, site do STJ e de 12 de Outubro de 2017 (Relator Salazar Casanova), in www.dgsi.pt, ambos citados no voto de vencida da Conselheira Ana Paula Boularot, proferido no processo n.º 1286/14.9TVLSB-A.L1.S2, de 11/12/2018 (Pinto de Almeida), in www.dgsi.pt.

Conforme refere a citada Conselheira, que votou vencida, e num caso muito semelhante ao nosso, como, aliás, já acima tivemos oportunidade de dizer:

“Temos pois, como boa, a ideia de que nada obstaria a que se considerasse o requerimento apresentado, não como reclamação, mas como simples demanda de dispensa de pagamento das quantias contabilizadas a título de taxa de justiça exercitado no prazo de dez dias aludido no artigo 149° do CPCivil. Ademais, entendemos, sempre s.d.r.o.c, que aquele prazo de dez dias consignado no artigo 31° do RCProcessuais, para a dedução de reclamação e/ou pedido de reforma da conta, constitui o prazo de consolidação da conta de custas e, por isso, constituirá, também ele, o termo ad quem, para a dedução do pedido de dispensa a que alude o normativo inserto no artigo 6º, n°7 daquele Regulamento”.

Este é também o nosso entendimento.

Veja-se que a aferição judicial da justeza do montante da taxa de justiça remanescente relativamente à “especificidade da situação” não está submetida ao princípio da instância (não tem que ser requerida pela parte, que assim não tem qualquer ónus atinente e, deste modo, não está sujeita a ver precludida a possibilidade da prática de um ato processual que lhe competisse praticar), constituindo antes, aliás ainda em decorrência de exigências constitucionais que o RCP claramente visou acautelar, um verdadeiro poder-dever do juiz (princípio da oficialidade).

A teleologia da norma em causa não permite uma situação de intolerável desproporcionalidade entre a atividade judiciária despendida e o montante da taxa de justiça que é imputada ao requerente (relembramos que estamos perante uma ação de habilitação de cessionário com petição inicial de 3 artigos e inquirição de uma só testemunha em audiência de julgamento).

No acórdão de 03/10/2017, já atrás citado, o Conselheiro José Rainho, admite, aliás, que, em casos-limite a parte possa requerer e o juiz possa oficiosamente dispensar o pagamento da taxa de justiça remanescente para além do momento da conta final. “Estes casos-limite deverão, porém, corresponder a situações de gritante ou iníqua desproporcionalidade entre a atividade judiciária despendida e o montante da taxa de justiça que o Estado arrecada. Em tais hipóteses, não é só em nome de um inaceitável comprometimento do acesso à justiça que a dispensa deve ser admitida, mas essencialmente em nome do princípio do Estado de direito democrático consagrado no art. 2º da Constituição, e a que está submetido funcionalmente o relacionamento impositivo do Estado no confronto dos cidadãos”.

Este entendimento vem na esteira do já defendido pelo Conselheiro Júlio Gomes no Acórdão de 14/02/2017, a que já nos referimos, e onde se pode ler:

“[A]figura-se que a questão do prazo deve ser resolvida atendendo à função do Juiz e à intervenção que ao mesmo é exigida pelo n.º 7 do artigo 6.º do RCP.
Este preceito dispõe que “nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e se o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
É a esta luz que deve interpretar-se o n.º 7 do artigo 6.º do RCP: o mesmo consagra uma intervenção oficiosa do Juiz para salvaguardar aquele equilíbrio ou mínimo de proporcionalidade a que o Tribunal Constitucional se refere, entre a taxa de justiça cobrada ao cidadão e o serviço que, através dos Tribunais, o Estado lhe proporciona. Esta intervenção não deve ser concebida como uma mera faculdade ou um poder discricionário. Do mesmo modo que, a outro nível, o Código do Processo Civil consagra hoje, no seu artigo 6.º, um dever de gestão processual para tentar conseguir “a justa composição do litígio em prazo razoável”, o Juiz deve aqui ponderar a complexidade da causa (ou falta dela) e a conduta processual das partes para garantir a adequação entre a taxa cobrada e o serviço prestado.

Existe, pois, um poder/dever de garantir a adequação das custas ao serviço prestado ao cidadão. (…). Não tendo o juiz operado tal correcção e face a uma desproporção tão nítida – aliás reconhecida tanto pelo Acórdão recorrido, como pelo próprio Ministério Público nas suas contra-alegações – deve entender-se, até porque assim melhor se executam as decisões do Tribunal Constitucional na matéria e melhor se salvaguardam os princípios e direitos constitucionais consagrados nos artigos 20.º e 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, que o cidadão poderá, mesmo após a apresentação da conta de custas e em conformidade com o n.º 3 do artigo 31.º, reclamar da mesma conta, face a uma situação que pode revelar-se muito mais gravosa que, por exemplo, um erro de cálculo.

Deste modo, consegue-se realizar a justiça material, face a uma questão em que a contraparte não sofre qualquer prejuízo, sendo certo que, nas palavras do Tribunal Constitucional, “a manifesta desproporção entre o valor cobrado de taxa de justiça e o custo implicado na acção, que registou uma tramitação muitíssimo reduzida, dela não decorrendo para o autor o benefício inerente ao elevado montante peticionado reclama, pois, (…) que se censure (…) o critério normativo que permitiu um tal resultado”.

Em conclusão, e com o devido respeito por opinião contrária, entendemos que, não tendo tal dispensa ficado consignada na sentença, o momento oportuno para a pronúncia quanto à mesma não pode deixar de ser o despacho que se pronuncia sobre a peticionada reclamação/reforma da conta. É o momento para o juiz ter uma intervenção moderadora, impedindo uma qualquer situação de injustiça face à desproporcionalidade entre o montante de custas finais apurado e a concreta factualidade resultante do processo.
Pelo que é de julgar procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido, e concedendo-se a requerida dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido e deferindo-se o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Sem custas.
***
Guimarães, 10 de julho de 2019

Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas (vencido)
Alexandra Rolim Mendes


Vencido. Em recente acórdão, datado de 27/06/2019, proferido no Recurso de Apelação n.º 523/14.4TBBRG-H.G1, do qual fui relator, o Colectivo tomou a posição contrária à que fez vencimento, nos termos e com os fundamentos que se transcrevem (sacrificando a sinteticidade à clareza da exposição):

“A questão acima enunciada impõe a interpretação do disposto no n.º 7 do art.º 6.º do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.), que dispõe que “nas causas de valor superior a € 275 000 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Com efeito, na Tabela I, o último escalão da taxa de justiça que aí consta é o correspondente aos valores de € 250.000,01 a 275.000. A partir deste último valor, e de acordo com a nota ali constante, “ao valor da taxa de justiça acresce, a final, …”.
Como resulta do disposto no art.º 529.º, n.º 2 do C.P.C. e 6.º, n.º 1 do R.C.P., os critérios de ponderação na fixação do quantum da taxa de justiça foram o valor e a complexidade da causa.
De acordo com o disposto no n.º 7 do art.º 530.º do C.P.C., devem ter-se por de especial complexidade as causas que: “a) contenham articulados ou alegações prolixas; b) digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou c) impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosos.”.
A complexidade da causa e dos recursos pode levar a que o juiz, a final, decida pela aplicação de taxas de justiça de valores superiores, nos termos permitidos pelo n.º 5 do art.º 6.º e pelo n.º 7 do art.º 7.º, ambos do R.C.P.
Não estando expressamente prevista a aplicação de valores inferiores, o Tribunal Constitucional vem preconizando “a possibilidade de intervenção judicial no sentido da correcção, a final, dos montantes da taxa de justiça, quando da sua fixação unicamente em função do valor da causa resultem valores excessivos e desadequados à natureza e complexidade da causa” – cfr. e-book do CEJ “Custas Processuais – Guia Prático”, 4.ª ed. – Junho 2016, pág. 87-88.
A Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, procedeu à reforma do R.C.P., a qual foi justificada pelo compromisso assumido pelo Estado Português no Memorando de Entendimento celebrado com o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional, tendo em vista o programa de assistência financeira.
Em matéria de custas, o Estado Português obrigou-se, designadamente: “a imposição de custas e sanções adicionais aos devedores não cooperantes nos processos executivos; a introdução de uma estrutura de custas judiciais extraordinárias para litígios prolongados desencadeados pelas partes litigantes sem justificação manifesta; a padronização das custas judiciais; e a introdução de custas judiciais especiais para determinadas categorias de processos e procedimentos com o objectivo de aumentar as receitas e desincentivar a litigância de má fé” – cfr. a “Exposição de Motivos” da Proposta de Lei n.º 29/XII.
Visando atenuar a obrigação do pagamento de uma elevada taxa de justiça em acções de valor muito alto, sobretudo em situações em que haja uma desproporção manifesta entre o valor a pagar e o custo do serviço prestado, o legislador aditou o n.º 7 ao art.º 6.º do R.C.P. pelo qual introduziu um elemento de adequação da taxa de justiça ao caso concreto, nas causas de valor superior a € 275.000, dando poder (que será vinculado) ao juiz para dispensar o pagamento da taxa de justiça sempre que a situação o justifique, considerada a complexidade da causa e a conduta processual das partes.
Esta decisão, que tem sempre de ser fundamentada, deverá, pois, assentar em dois critérios: um de natureza objectiva, que é o da complexidade da causa, e o outro de natureza subjectiva, que é o da conduta processual das partes, cuja apreciação passará, necessariamente, pela avaliação do cumprimento dos deveres de cooperação das partes, de actuação de boa fé, e de correcção, respectivamente consagrados nos art.os 7.º; 8.º; e 9.º, do C.P.C..
O momento em que o juiz deverá apreciar a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça é o da decisão em que julga a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos, conforme o disposto no n.º 1 art.º 527.º do C.P.C., sendo que o n.º 6 do art.º 607.º do mesmo Cód., expressamente refere a condenação dos “responsáveis pelas custas processuais” como um dos segmentos decisórios que deve constar da sentença, sendo porém a omissão quanto a custas passível de correcção, mesmo por iniciativa do juiz, nos termos do art.º 614.º, n.º 1 do C.P.C..
Podendo/devendo o juiz fazê-lo oficiosamente, se o não fizer poderão as partes interessadas provocar a apreciação da questão da dispensa do pagamento pedindo a reforma da sentença, por simples requerimento, ou, se for admissível o recurso, incluindo-a nas alegações, como se alcança dos n.os 1 e 3 do art.º 616.º do C.P.C..
O prazo para requerer a reforma da sentença quanto a custas é o geral, de 10 dias (cfr. art.º 149.º do C.P.C.), e, sendo admissível recurso, o prazo é o da sua interposição, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 638.º do C.P.C..
De acordo com SALVADOR DA COSTA, “passado o prazo de recurso ou de pedido de reforma da decisão quanto a custas, não podem as partes, por exemplo, na reclamação do acto da contagem, impugnar algum vício daquela decisão, incluindo a sua desconformidade com a Constituição ou com algum dos princípios nela consignados” (in “Regulamento das Custas Processuais”, Almedina, 2012 – 4.ª ed., pág. 432).
Havendo a conta de ser elaborada em harmonia com o decidido quanto a custas, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 30.º do R.C.P., não poderá ela ser elaborada sem que a condenação em custas atinja a estabilidade, e por isso é que, uma vez contado o processo e liquidada a responsabilidade de cada uma das partes pelas custas, crê-se que não deverá ser admissível “retroceder” ao momento da decisão para apreciar a questão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
É que, como vem sendo tradicionalmente entendido, a reclamação da conta apenas poderá ter como objecto a correcção de um erro do funcionário que elaborou a conta, seja referente às normas legais aplicáveis, seja às determinações do julgador, ou a lapso de escrita ou de cálculo - cfr. Acórdão do S.T.J. de 13/07/2017 (ut Proc.º 669/10.8TBGRD-B.C1.S1, Cons. Lopes do Rego, in www.direitoemdia.pt).
Como dá conta o recente Acórdão de 26/02/2019, “ainda que não sendo uniforme”, há no Supremo Tribunal de Justiça “uma corrente claramente maioritária no sentido de considerar que o requerimento de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente deve ser formulado antes da elaboração da conta de custas” (ut Proc.º 3791/14.8TBMTS-Q.P1.S2, Cons.º Henrique Araújo, in www.dgsi.pt).
Para além da (longa) lista de Arestos do S.T.J. constante daquele Acórdão, ao nível das Relações decidiram no mesmo sentido, dentre outros, (todos consultáveis em www.direitoemdia.pt ou em www.dgsi.pt), os Acórdãos desta Relação de Guimarães de 09/03/2017 (ut Proc.º 61/13.2TCGMR-a.G1, Desemb.ª Maria dos Anjos Nogueira); de 04/05/2017 (ut Proc.º 4958/15.7T8GMR-J.G1, Desemb. Jorge Teixeira); e de 24/04/2019 (ut Proc.º 1118/16.3T8VRL-B.G1, Desemb. Ramos Lopes). Da Relação do Porto de 28/02/2019 (ut Proc.º 1712/11.9TVLSB-B.L1-6, Desemb. Eduardo Petersen Silva). Da Relação de Coimbra de 15/01/2019 (ut Proc.º 3276/16.8T8LRA-A.C1, Desemb. Falcão de Magalhães), apenas para citar os mais recentes.
A corrente jurisprudencial propugnada pelas Apelantes, que considera que a dispensa do pagamento pode ser requerida após a elaboração da conta, em sede de reclamação, funda-se, dentre outros argumentos, na necessidade de correcção da desproporção entre o valor cobrado de taxa de justiça e o custo implicado na acção, e ainda no facto de o legislador não ter fixado qualquer prazo para a parte interessada provocar a decisão do juiz - cfr. o Acórdão do S.T.J. de 14/02/2017 (ut Proc.º 1105/13.3T2SNT.L1.S1, Cons.º Júlio Gomes, in www.direitoemdia.pt), e os que vêm mencionados na nota 4 do Acórdão de 26/02/2019, acima referido.
Sem embargo, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 527/2016, decidiu que “a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, introduzido pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas, não viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva, designadamente na dimensão de garantia de um processo justo, nem se vê que interfira com qualquer outro parâmetro constitucional”.
E fundamenta referindo ser evidente “o interesse na fixação de um momento preclusivo para o exercício da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça”, já que “sem tal fixação, a conta do processo não assumiria caráter definitivo, ficando como que suspensa de um comportamento eventual do destinatário da obrigação de custas não referenciado no tempo”. Assim, conclui, “a previsão de um limite temporal para o exercício daquela faculdade não se mostra arbitrária, sendo útil para a realização dos fins de boa cobrança da taxa de justiça.”.
Mais refere o mesmo Acórdão que esta interpretação “é coerente com a sucessão de atos do processo: a decisão final é proferida; depois transita em julgado; após o trânsito em julgado, o processo é contado; a conta é notificada às partes, que dela podem reclamar. Independentemente de qual seja a melhor interpretação do direito infraconstitucional (matéria sobre a qual não cabe ao Tribunal Constitucional emitir pronúncia), a fixação do apontado efeito preclusivo no momento em que o processo é contado tem coerência lógica com o processado (na medida em que a conta deverá refletir a referida dispensa)”, não se tratando, por isso de “um efeito que surpreenda pelo seu posicionamento na marcha processual.”.
Considerou ainda o Tribunal Constitucional no mesmo Acórdão que “a gravidade da consequência do incumprimento do ónus – que consiste na elaboração da conta sem a redução ou dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça – é ajustada ao comportamento omitido” já que “se a parte não deduziu o pedido correspondente, a conta é elaborada nos termos gerais decorrentes da tabela legal”, sendo entendimento uniforme o de que a reclamação da conta “não é meio adequado a fazer valer uma isenção, já que tal meio processual se destina unicamente a reagir à elaboração irregular da conta, não sendo esse o caso quando ela se mostra conforme à decisão condenatória e à lei (cfr. Acórdãos n.ºs 60/2016, 211/2013, 104/13 e 83/2013, entre muitos outros), raciocínio que, por identidade de razão, vale para o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça” (ut Proc.º 113/16, Cons.º José Teles Pereira, in www.direitoemdia.pt” ou “www.dgsi.pt)”.
Admitimos, como acima se deixou referido, que, em situações de gritante desproporcionalidade entre o serviço prestado e o custo cobrado, até para corrigir a desconformidade com a Constituição, poderá proceder-se ao reajustamento entre um e o outro.
A dificuldade que se nos revelou inultrapassável residiu em integrar a situação sub judicio numa “situação limite” dado que o processo subiu em recurso e conheceu decisão por um Tribunal Superior.
É suposto que o juiz e as partes, que estão patrocinadas nos autos por advogado, conheçam as tabelas anexas ao R.C.J. pelo que, afigura-se-nos, não poderá, salvo o devido respeito, argumentar-se que só com a elaboração da conta é que fica a saber-se qual o montante das custas a pagar (sem embargo de se não recusar que este montante possa constituir uma “surpresa” para quem tem o ónus de suportar o seu pagamento).

Fernando Fernandes Freitas