Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
67/18.5T8VFL-G.G1
Relator: MARGARIDA FERNANDES
Descritores: INCIDENTE DE RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
VALOR DO INCIDENTE
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DA INSOLVÊNCIA
IMPUGNAÇÃO DOS CRÉDITOS RECLAMADOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário da relatora:

I - Para efeitos processuais o valor do incidente de reclamação de créditos previsto nos art. 128º a 140º do C.I.R.E. será o correspondente à utilidade económica do pedidos/reclamações, que coincide com o valor global dos créditos reconhecidos pelo administrador de insolvência.

II - O tribunal da insolvência, em sede de incidente de reclamação de créditos, no caso de impugnação destes, tem que verificar a sua natureza, proveniência, montantes e juros, pelo que vê a sua competência material alargada para conhecer todas as questões que sejam suscitadas.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

Em 06/09/2018 foi proferida sentença que declarou a insolvência de V. S., S.A. e nomeou Administrador de Insolvência (A.I.) o Dr. B. C..
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No Apenso de Reclamação de Créditos, em 29/01/2019, A.I. apresentou a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos nos termos do art. 129º do C.I.R.E..

Aí, se fez constar como crédito reconhecido, entre outros, o crédito global do Instituto de Financiamento ... IP – IF ... IP, no valor de € 17.134.505,12, referente a seis devoluções de apoios financeiros aí descritos e juros de mora dos processos aí referidos.
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Foi dado cumprimento ao disposto no art. 130º do C.I.R.E. tendo a insolvente apresentado impugnações a estes créditos nos seguintes termos:

Em 08/02/2019 impugnou o crédito reconhecido pelo A.I. relativamente à Operação n° … (P A ..) , que resultou na celebração do contrato de financiamento com nº …/0, e à Operação n° … (P A …) que resultou na celebração do contrato de financiamento com nº …/0.
Alegou em relação à PA ... foi-lhe um subsídio não reembolsável no valor de 3.304.777,75€ para a instalação e colocação em funcionamento da Unidade de Produção de Cogumelos de …. Em relação à P A ... um subsídio não reembolsável no valor de 5.546.407,55€ para a instalação e colocação em funcionamento da Unidade de Produção de Substrato de …. Mais alegou já ter impugnado tais actos administrativos no TAF de Mirandela pedindo a anulação judicial dos mesmos, bem como de todos os actos e decisões subsequentes proferidos ou praticados nos supra referidos procedimentos administrativos, os PA ... e ....
A reclamante IF ... veio comunicar-lhe, a 21/05/2018, a resolução unilateral do Contrato de Financiamento nº …/0, bem como determinar a devolução da quantia de € 2.735.802,98, bem como a resolução unilateral do Contrato de Financiamento nº …/0 e consequente devolução da quantia de € 4.437.126,04.
Pretende a impugnante colocar em crise tais actos administrativos e consequentemente o reconhecimento que o AI fez dos créditos do IF ...,IP na lista do art. 129.°, com os seguintes fundamentos: a) falta de fundamentação das decisões de resolução que redunda em vício de violação de lei, sendo por isso anuláveis, por força do disposto nos artigos 114°, n° 2, alínea a), 151° nº 1 alínea d) e nº 2,153°, n° 1 e 2 e 163° todos do CPA; b) violação do direito de audiência prévia, o que implica a ilegalidade da decisão da impugnada, por violação de Lei, designadamente do disposto nos artigos 121°, 122° do CPA, e a anulabilidade da referida decisão, nos termos do artigo 163° do CPA; c) as decisões subsequentes aos referidos actos administrativos (quanto à elegibilidade das despesas) contrariam a posição inicialmente tomada e sustentada pela Impugnada violam o princípio da justiça e razoabilidade e bem assim da boa-fé (art. 9° e 10° do CPA); d) As decisões consubstanciam ainda abuso de direito da Impugnada, a violação do contrato de financiamento e violação de regulamentos comunitários que regem os apoios Comunitários; e) As decisões violam também os direitos da Devedora previstos e constitucionalmente garantidos nos artigos 13°, 12°, 16°, 17°, 20°, 52°, 80°, a), c), 81°, a), c), d), e) da CRP e tal actuação das Demandadas consubstancia um ato nulo, por ofensa "(a)o conteúdo de um direito fundamental", nos termos do artigo 161°, n° 2, al. d) do Código do Procedimento Administrativo; j) a actuação da credora reclamante é passível de tomar Estado civilmente responsável pelos actos de que resultem violação dos direitos, liberdades e garantias, devendo ambas as Rés, nos termos do art. 16° da lei 67/2007, ser condenadas a indemnizar a Autora por todos os prejuízos e danos provocados pela sua actuação.
Terminou pugnando: I. A presente impugnação ser julgada procedente, por provada, sendo anulados todos os actos administrativos bem como, quaisquer os actos subsequentes, com todas as consequências legais, por falta de fundamentação dos actos, sendo declarada a violação dos arts. 114º nº 2, 151° e 153° do CPA, cf. Art. 163° n° 1 do CPA; II. A presente impugnação procedente, por provada, sendo admitida a impugnação de todos actos administrativos e em consequência, serem os actos anulados, bem todos os actos subsequentes, com todas as consequências legais, por violação do disposto no art. 121º, 122° e 125° do CPA (violação do direito de audição prévia, omissão de realização de diligências complementares e falta de fundamentação do projecto de decisão) - violação de lei que inquina os actos de anulabilidade por padecerem de vício formal, cf. Art. 163° n. 1 do CPA; III. A presente impugnação ser julgada procedente, por provada, sendo anulados todos os atos administrativos por errónea ponderação dos factos ajuizados, consubstanciando a actuação da Impugnada a violação do contrato de financiamento e ainda dos regulamentos comunitários que regem os apoios comunitários; sem conceder, IV. A presente impugnação ser julgada procedente, por provada declarando-se a nulidade de todos os actos administrativos já que a Impugnada violou os direitos da Devedora previstos e constitucionalmente garantidos nos artigos 13º, 12º, 16º, 17º, 20º, 52º, 80º a), c), 81º a), c), d), e) da CRP, consubstanciando a sua actuação actos nulos, por ofensa "(a)o conteúdo de um direito fundamental", nos termos do artigo 161º n° 2, al. d) do Código do Procedimento Administrativo, com as inerentes consequências legais; Devendo, cumulativamente, Ser declarado, ao abrigo do disposto no artigo 169º n° 1 e n° 2 do CPPT ex vi artigo 50° do CPTA, o efeito suspensivo da eficácia das Decisões da Impugnada, uma vez que determinam o pagamento de quantia certa, sem natureza sancionatória, tendo sido prestada Garantia Bancária, ou, caso assim se não entenda, deve ao abrigo do artigo 189º n° 2 CPA, deve ser decretado o mesmo efeito suspensivo, uma vez que as decisões carecem de fundamentação, são infundadas e causam prejuízos irreparáveis à Devedora.
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Na mesma data a insolvente veio impugnar o crédito reconhecido pelo A.I. relativamente ao procedimento P A ..., cuja decisão foi a devedora notificada em 08/05/2018 com a referência …/2018 … que decidiu "resolver o contrato de financiamento n° …/0, bem como determinar a devolução da quantia de € 4.774.132,21.
Pugnou pela procedência da impugnação e anulação de todos os actos administrativos bem como de quaisquer os actos subsequentes, com todas as consequências legais, por falta de fundamentação, sendo declarada a violação dos arts. 114°, nº 2, 151° e 153° do CPA, cf. Art. 163° nº 1 do CPA, bem como a violação do disposto no art. 121°, 122° e 125° do CPA (violação do direito de audição prévia, por falta de notificação para o exercício da mesma omissão de realização de diligências complementares e falta de fundamentação do projecto de decisão).
Peticionou igualmente a anulação de todos actos administrativos por vício de violação de lei, nos termos do art. 163° nº 1 CPA, e sendo declarada a ineficácia da metodologia posteriormente definida em relação à PA..., uma vez que, o acto utilizado pela Impugnada para reavaliar as despesas, através da definição de metodologia que procurou definir como acto abstracto, é uma decisão concreta de alteração do projecto já numa fase final do projecto; e com fundamento na errónea ponderação dos factos ajuizados, consubstanciando a actuação da Impugnada a violação do contrato de financiamento e ainda dos regulamentos comunitários que regem os apoios comunitários;
Sem conceder, pugnou pela procedência da impugnação, declarando-se a nulidade de todos os actos administrativos já que as Rés violaram os direitos da Autora previstos e constitucionalmente garantidos nos artigos 13°, 12°, 16°, 17°, 20°, 52°, 80°, a), c), 81°, a), c), d), e) da CRP, consubstanciando a actuação da Impugnada actos nulos, por ofensa "(a)o conteúdo de um direito fundamental", nos termos do artigo 161°, n° 2, al. d) do Código do Procedimento Administrativo, com as inerentes consequências legais.
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Na mesma data a insolvente veio impugnar o crédito reconhecido pelo A.I. com base no ofício com a referência …/2018 …, através do qual a Impugnada decidiu: "determinar a resolução unilateral do contrato de financiamento n° …/0, bem como a devolução da quantia de 2.093.469, 99€".
Pugnou pela procedência da impugnação, sendo anulado o acto administrativo bem como, quaisquer os actos subsequentes, com todas as consequências legais, por falta de fundamentação dos actos, sendo declarada a violação dos arts. 114°, nº2, 151° e 153° do CPA, cfr. Art. 163° nº 1 do CPA, bem como a violação do disposto no art. 121°, 122° e 125° do CP A (violação do direito de audição prévia, por omissão de realização de diligências complementares e falta de fundamentação do projecto de decisão) e vício de violação de lei que inquina os actos final de anulabilidade por padecerem de vício formal, cf. Art. 163° nº 1 do CPA.
Peticionou igualmente a anulação do acto administrativo (Decisão da Impugnada) por errónea ponderação dos factos ajuizados, consubstanciando a sua actuação a violação do contrato de financiamento e ainda dos regulamentos comunitários que regem os apoios comunitários, e sem conceder mais peticionou a declaração de nulidade do ato administrativo (Decisão da Impugnada) pois violou os direitos da Autora previstos e constitucionalmente garantidos nos artigos 13°, 12°, 16°, 17°, 20°, 52°, 80°, a), c), 81°, a), c), d), e) da CRP, consubstanciando a actuação da Impugnada actos nulos, por ofensa "(a)o conteúdo de um direito fundamental", nos termos do artigo 161°, n° 2, al. d) do Código do Procedimento Administrativo, com as inerentes consequências legais.
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Em 09/02/2019 a Insolvente veio impugnar o crédito reconhecido pelo A.I. relativamente ao projecto de investimento identificado como Operação n° …, que resultou na celebração do contrato de financiamento com nº …/0, entre a Autora e a 1ª Ré, cujo prazo de vigência e de execução decorre até 31/12/2020,
Pediu a anulação de tais actos, bem como de todos os actos e decisões subsequentes proferidos ou praticados no supra referido procedimento administrativo, o PA ..., com todas as demais consequências legais, com fundamento, entre outros, em: a) falta de fundamentação dos actos impugnados, em violação dos arts. 114°, nº 2, 151° e 153° do CPA, cf. Art. 163° do CPA; b). violação do direito de audição prévia, por omissão de realização de diligências complementares e falta de fundamentação dos projectos de decisão em violação do disposto no art. 121°, 122° e 125° do CPA, cf. Art. 163° do CPA; c). violação de lei, nos termos do art. 163° CPA, uma vez que, o acto utilizado pela Impugnada para reavaliar as despesas, através da definição de metodologia que procurou definir como acto abstrato, é uma decisão concreta de alteração do projecto já numa fase final do projecto; d). errónea ponderação dos factos ajuizados, consubstanciando a actuação da Impugnada violação do contrato de financiamento, e. violação dos direitos previstos e constitucionalmente garantidos nos artigos 13°,12°,16°,17°,20°,52°,80°, a), c), 81°, a), c), d), e) da CRP, consubstanciando a actuação das Rés um ato nulo, por ofensa "(a)o conteúdo de um direito fundamental", nos termos do artigo 161°, n° 2, al. d) do Código do Procedimento Administrativo.
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Em 09/02/2019 a insolvente veio impugnar o crédito reconhecido pelo A.I. com base no projecto de investimento identificado como Operação n° … que resultou na celebração do contrato de financiamento com nº …/0.
Pediu a anulação do acto impugnado, bem como todos os actos subsequentes, com todas as demais consequências legais, com fundamento, entre outros em: a) falta de fundamentação do ato impugnado, em violação dos arts. 114°, nº 2, 151° e 153° do CPA, cf. Art. 163° do CPA; b) violação do direito de audição prévia, por omissão de realização de diligências complementares e falta de fundamentação do projecto de decisão em violação do disposto no art. 121°, 122° e 125° do CPA, cf. Art. 163° do CP A; c) violação de lei, nos termos do art. 163. ° CPA, uma vez que, o acto utilizado pela Ré para reavaliar as despesas, através da definição de metodologia que procurou definir como ato abstracto, é uma decisão concreta de alteração do projecto já numa fase final do projecto; d) errónea ponderação dos factos ajuizados, consubstanciando a actuação da Ré abuso de direito, bem como responsabilidade contratual; e) violação dos direitos da Autora previstos e constitucionalmente garantidos nos artigos 13°, 12°, 16°, 17°, 20°, 52°, 80°, a), c), 81°, a), c), d), e) da CRP, consubstanciando um acto nulo, por ofensa"(a)o conteúdo de um direito fundamental, nos termos do artigo 161°, n° 2, al. d) do Código do Procedimento Administrativo; j) Sem prejuízo invocou ainda a caducidade do identificado procedimento.
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O A.I., em 01/03/2019 pronunciou-se dizendo que, no que concerne aos créditos do IF ..., estes apresentam natureza controvertida por se fundarem na prática de actos administrativos, objecto impugnação, pelo que deverão ser reconhecidos no montante total de € 17.134.505,12, com natureza comum, como consta da lista definitiva de créditos apresentada nos autos, mas sujeitos a condição suspensiva.
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IF ..., em 14/03/2019, aludindo às notificações da insolvente e A.I., pronunciou-se pugnando pelo reconhecimento dos seus créditos nos termos constantes da relação de créditos reconhecidos elaborada pelo A.I..
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Em 03/04/2019 foi proferido despacho que declarou que a notificação do IF ... pela insolvente não foi efectuada com a cominação prevista no art. 131º, nº 3 do C.I.R.E. pelo que se ordenou a notificação nestes termos.
Deste despacho foi interposto recurso que deu origem ao apenso F, o qual veio a ser julgado improcedente.
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Em 16/04/2019 IF ... pronunciou-se pugnando pela declaração de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria para conhecer, apreciar e decidir das “impugnações” da Insolvente relativamente aos créditos reconhecidos ao IF ... por o seu objecto, envolvendo a sindicância jurisdicional da legalidade dos actos administrativos praticados pelo IF ... no âmbito das Operações n° ..., n° 8162, n° ..., n° 7927, n° ... e n° ..., se achar legalmente reservada à jurisdição administrativa. E ainda pela declaração de litispendência de todas e de cada uma das “impugnações” da Insolvente relativamente aos créditos reconhecidos ao IF ... por o seu objecto (a sindicância jurisdicional da legalidade dos actos administrativos praticados pelo IF ... no âmbito das Operações n° ..., n° 8162, n° ..., n° 7927, n° ... e n° ...) estar a ser também conhecido, apreciado e decido em outras tantas acções administrativas instauradas pela Insolvente na jurisdição materialmente competente (a jurisdição administrativa) com vista à impugnação contenciosa de tais actos administrativos.
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Por o crédito do IF ... se mostrar impugnado o Tribunal designou data para tentativa de conciliação, a qual se realizou, mas não teve êxito.
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Foi permitido à insolvente que respondesse por escrito às referidas excepções tendo esta referido que a insolvência é um processo de execução universal tanto porque nela intervêm todos os credores da Insolvente, como porque nele é atingido, em princípio, todo o património da devedora (art°s 1º, 47º, nº 1 a 3, 128º, nº 1 e 3 e 149 nº 1 e 2 do C.I.R.E.). Para que os créditos sejam reconhecidos e pagos ao abrigo do processo de insolvência têm de estar forçosamente reconhecidos na relação de credores a que alude o artigo 129° do C.I.R.E. e não em qualquer outro processo estranho a esta lide.

Invocou a Jurisprudência do A.U.J. n° 1/2004, o qual dispõe que "transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287° do C.P.C."
Concluiu pela improcedência das excepções.
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Em 31/05/2019 foi proferido despacho saneador que fixou o valor desse apenso na quantia € 78.353.929,93 e julgou verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta declarando o tribunal comum incompetente para as impugnações apresentadas pela insolvente e consequentemente absolveu o credor IF ... da instância. Mais decidiu reconhecer tais créditos como o fez o A.I., i.e., como créditos comuns e sem condições.
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Em 11/07/2019 foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos.
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Não se conformando com decisão de 31/05/2019 veio a insolvente dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“I – QUANTO AO VALOR DA CAUSA

A) Determina o artigo 15.º, do CIRE, que “Para efeitos processuais, o valor da causa é determinado sobre o valor do activo do devedor indicado na petição, que é corrigido logo que se verifique ser diferente o valor real.”, pelo que é inequívoco que o valor da presente acção tem de equivaler ao valor do activo que se apure nos autos,
B) Neste mesmo sentido já se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto, no processo n.º 3184/15.0T8STS-H.P1, em 25 de Outubro de 2016, que determinou no seguinte: “O valor da acção de insolvência é determinado, nos termos do art. 15º do CIRE, sobre o valor do ativo do devedor, uma vez que este constitui a medida máxima de satisfação dos créditos que se intenta satisfazer no seu decurso. Não pode, pois, ser fixado na importância correspondente ao montante global dos créditos reconhecidos.”.
C) Pelo que se afigura totalmente desnecessário o recurso às normas gerais previstas no Código do Processo Civil, designadamente os artigos 296.º e 306.º, n.º 1, que apenas têm aplicação subsidiária, conforme determina o artigo 17.º, do CIRE e apenas em matérias que não contrariem o que determina o CIRE, quando existe um artigo específico no próprio Código.
D) Em face do exposto, deve o Despacho Saneador, na parte de que se recorre, ser revogado e substituído por outro que determine que o valor dos presentes autos é o equivalente ao valor do activo, conforme determina o artigo 15.º, do CIRE.

II – DA INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL EM RAZÃO DA MATÉRIA

E) O Tribunal “a quo” considerou-se incompetente para apreciar as impugnações apresentadas ao crédito reconhecido ao credor IF ..., I.P., por ser seu entendimento que o Tribunal competente será o Tribunal Administrativo e Fiscal.
F) Não pode aceitar a Recorrente tal entendimento por duas ordens de razão, primeiramente, porque a insolvência em que a Recorrente se encontra é um processo de execução universal, tal qual decorre do artigo 1º nº 1 do CIRE, devendo todos os credores reclamar eventuais créditos que detenham sobre a Insolvente, para que no âmbito de tal processo e exclusivamente em tal processo, os mesmos sejam pagos.
G) Estando-se perante um processo de execução universal naturalmente que o credor IF ..., I.P., tinha de reclamar o seu crédito, como o fez e a Insolvente e aqui Recorrente, não concordando com o valor reclamado e posteriormente reconhecido, teria de o impugnar, como fez, e assim, torna-se bem evidente que o valor, se litigioso, teria de ser obrigatoriamente dirimido e apurado em sede insolvencial.
H) Com efeito, não é concebível reconhecer-se um crédito, torná-lo inimpugnável no processo de insolvência, atribuir-lhe direito de voto bem como a possibilidade de ser pago ao abrigo de um plano de recuperação e/ou em sede de liquidação de activos e, paralelamente, estar este mesmo crédito a ser discutido no Tribunal Administrativo e Fiscal, cuja decisão final nunca poderia influir ou produzir efeitos no processo de insolvência pois a a unidade do sistema jurídico não pode permitir tal situação.
I)Isso mesmo se pode concluir compulsando o artigo 128.º, n.º 1, do CIRE que determina a obrigatoriedade de reclamação de créditos, por parte de todos os credores da Insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente.
J) Acrescentando o n.º 5, do citado artigo que a verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento. (realce nosso)
K) Fruto do exposto, outra conclusão não poderá ser alcançada senão que é o processo de insolvência o processo competente para apreciar e decidir a impugnação apresentada pela Recorrente ao crédito reconhecido ao credor IF ..., I.P.
L) Estando em causa o pagamento de um crédito, tem plena aplicabilidade o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, com o n.º 1/2014 - processo n.º 170/08.0TTALM.L1.S1 - publicado em Diário da República, em 25 de Fevereiro de 2014, que determinou que: “Tendo a verificação por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento – n.º 3 do art. 128.º, como antedito – a jurisdição conferida ao Tribunal/decisor da insolvência, neste conspecto, tem necessariamente implícita uma verdadeira extensão da sua competência material.
M)(É esclarecedora a oportuna ponderação de Maria Adelaide Domingos:‘ O carácter universal e pleno da reclamação de créditos determina uma verdadeira extensão da competência material do tribunal da insolvência, absorvendo as competências materiais dos Tribunais onde os processos pendentes corriam termos, já que o Juiz da insolvência passa a ter competência material superveniente para poder decidir os litígios emergentes desses processos na medida em que, impugnados os créditos, é necessário verificar a sua natureza e proveniência, os montantes, os respectivos juros, etc.’).”.
N)Por outro lado, e em corroboração do exposto, atente-se ao decidido no mencionado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, que determinou que: “Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência; - A partir daí, os direitos/créditos que a A. pretendeu exercitar com a instauração da acção declarativa só podem ser exercidos durante a pendência do processo de insolvência e em conformidade com os preceitos do CIRE – cujos momentos mais marcantes da respectiva disciplina deixámos dilucidados –, seja por via da reclamação deduzida no prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência (…e, no caso, a A. não deixou de o fazer), seja pela sua inclusão na listagem/relação subsequentemente apresentada pelo administrador da insolvência, não subsistindo qualquer utilidade, efeito ou alcance (dos concretamente peticionados naquela acção, que justifiquem, enquanto fundado suporte do interesse processual, a prossecução da lide, assim tornada supervenientemente inútil.”.
O) Acabando, por concluir, o identificado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência o seguinte: “1 – Negar a Revista, confirmando inteiramente o Acórdão impugnado, com custas pela recorrente. 2 – Uniformiza-se Jurisprudência, fixando o seguinte entendimento: Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.”.
P) Nesta conformidade, e no modesto entendimento da Recorrente temos que o Tribunal “a quo” andou mal ao se considerar incompetente em razão da matéria para decidir e apreciar a impugnação apresentada ao crédito reconhecido ao credor IF ..., I.P., absolvendo o credor da instância.

III – DO RECONHECIMENTO DO CRÉDITO E A SUA QUALIFICAÇÃO

Q) Decidiu o Tribunal “a quo” reconhecer ao credor IF ..., I.P., um crédito no valor de €17.134.505,12 (dezassete milhões, cento e trinta e quatro mil e quinhentos e cinco euros e doze cêntimos) sem qualquer prévio escrutínio, como comum e incondicional.
R) Não pode o Tribunal “a quo”, sem uma prévia apreciação da impugnação apresentada, decidir sobre o reconhecimento do crédito em causa e muito menos o poderá qualificar como incondicional/definitivo.
S) Foi decidido não conhecer do mérito da impugnação apresentada por se entender existir “in casu” uma situação de incompetência em razão de matéria, mas, por outro lado, admite-se a inclusão desse mesmo crédito, manifestamente litigioso, na lista de credores e sem qualquer condição.
T) Tal entendimento para além de contraditório, parece prefigurar uma evidente violação do principio da igualdade entre credores, previsto no artigo 194.º, do CIRE, criando uma situação de excepção que não se encontra minimamente escudada na lei, já que todos os demais credores que viram os seus créditos impugnados vão ser judicialmente escrutinados previamente a verem o seu valor definitivamente reconhecido na lista de credores, violando-se inclusivamente o princípio da igualdade ínsito na Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 13.º, que determina que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.”.
U) Mesmo que se entendesse que este Tribunal era materialmente incompetente para dirimir esta impugnação, o que por mera cautela e dever de patrocínio se tem de admitir, nunca poderá o crédito reconhecido ao credor em causa, por litigioso ser reconhecido sem qualquer condição, pois estamos, para mais, perante um crédito, repete-se, não escrutinado e que representa 21,87%, dos créditos reconhecidos, o que poderá facilmente ditar a “sorte” do processo de recuperação actualmente em curso.
V) Nesta conformidade e atento tudo quanto supra se expôs nas presentes alegações, deve o despacho saneador, nas partes de que se recorre, ser revogado e substituído por outro que corrija os vícios apontados e identificados, designadamente no que diz respeito ao valor da causa, da competência material e da inclusão e qualificação do crédito do credor IF ..., I.P.
W) O Meritíssimo Juiz “a quo” violou no Douto Despacho Saneador ora recorrido, o disposto nos artigos 1º nº 1, 15º, 17º, 128º nºs 1 e 5e 194º do CIRE, 296º e 306º do CPC, 13º da Constituição da República Portuguesa, bem como o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 1/2014.”

Pugna pela revogação da decisão proferida e consequentemente ser fixado à presente acção o valor equivalente ao do activo, ser considerado o Tribunal a quo o competente para decidir da impugnação apresentada pela Recorrente ao crédito reconhecido ao credor IF ..., I.P. e caso assim não se entenda e subsidiariamente ser o crédito reconhecido ao credor IF ...., I.P., como comum e sob condição do que vier a ser decidido em sede administrativa.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do/a recorrente (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., as questões a decidir são:

A) Apurar qual o valor do incidente de reclamação de créditos em processo de insolvência;
B) Conhecimento da excepção de incompetência material oposta pelo IF ... IP à impugnação apresentada pela insolvente;
C) A qualificação do crédito do IF ..., IP.
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II – Fundamentação

Os factos que relevam para a decisão a proferir são os que constam do relatório que antecede.
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A) Valor do incidente de reclamação de créditos em processo de insolvência Insurge-se a insolvente contra o valor da causa dizendo que, nos termos do art. 15º do C.I.R.E., o valor desta é o valor do activo do devedor indicado na petição, o qual é corrigido logo que se verifique ser diferente do valor real.

IF ... pronunciou-se concordando com o valor fixado pelo tribunal recorrido.

Vejamos.

A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica do pedido (art. 296º nº 1 do C.P.C.).

Contudo, importa distinguir valor da causa para efeitos processuais, i.e., para determinar a competência, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal, do valor das mesmas para efeito de custas judiciais, sendo que este é fixado de acordo com o previsto no Regulamento de Custas Judiciais (R.C.J.).

No que concerne ao primeiro conceito, se com a acção se pretende obter uma quantia certa em dinheiro é este o valor da causa (art. 297º nº 1 do C.P.C.).

Nos termos do art. 304º nº 1 do C.P.C. O valor dos incidentes é o da causa a que respeitam, salvo se o incidente tiver realmente valor diverso do da causa, porque neste caso o valor é determinado em conformidade com os artigos anteriores.
Em sede de processo de insolvência rege o disposto no art. 15º do C.I.R.E., segundo o qual Para efeitos processuais, o valor da causa é determinado sobre o valor do activo do devedor indicado na petição, que é corrigido logo que se verifique ser diferente o valor real.
A ratio deste preceito é explicada por Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3º ed., Quid Juris, p. 130, nos seguintes termos: “Tendo em conta que o valor do ativo do devedor constitui a medida máxima da satisfação dos créditos que se intenta satisfazer no decurso do processo de insolvência, a solução aqui adotada adequa-se àqueles critérios”.
Para efeitos de custas, no que ao processo de insolvência diz respeito, rege o art. 301º e ss do C.I.R.E..
Nos termos do art. 301º do C.I.R.E. “Para efeito de custas, o valor da causa no processo de insolvência em que a insolvência não chegue a ser declarada ou em que o processo seja encerrado antes da elaboração do inventário a quer se refere o art. 153º é o equivalente ao da alçada da Relação, ou ao valor aludido no artigo 15º, se este for inferior; nos demais casos o valor é o atribuído ao activo no referido inventário, atendendo aos valores mais elevados dos bens, se for o caso”.
E dispõe o art. 303º do mesmo diploma: “Para efeitos de tributação, o processo de insolvência abrange o processo principal, (…) a liquidação do activo, a verificação do passivo, (…) e quaisquer outros incidentes cujas custas hajam de ficar a cargo da massa, ainda que processados em separado.” E dispõe o art. 304º do mesmo diploma: “As custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente ou do requerente, consoante a insolvência seja ou não decretada por decisão transitada em julgado.”
Feitos estes considerandos, e revertendo ao caso em apreço, verificamos que o valor da causa para efeitos processuais, enquanto processo principal de insolvência, é o previsto no art. 15º do C.I.R.E., mas o valor do incidente de reclamação de créditos previsto nos art. 128º a 140º do mesmo diploma, será o correspondente à utilidade económica do(s) pedido(s)/reclamações que coincide com o valor global dos créditos reconhecidos pelo administrador de insolvência, i.e., € 78.353.929,93 nos termos do art. 296º nº 1, 304º nº 1 ex vi art. 17º do C.I.R.E..
Assim sendo, improcede a apelação nesta parte.
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B) Incompetência material do tribunal recorrido

O Tribunal a quo julgou verificada a excepção de incompetência material declarando-se incompetente para conhecer das impugnações formuladas pela insolvente com fundamento na legalidade dos actos administrativos praticados pelo IF ... e absolveu este credor da instância.

Vejamos.

Dentro do prazo fixado para o efeito na sentença de declaração de insolvência devem os credores da insolvência reclamar, por requerimento endereçado ao A.I., a verificação dos seus créditos indicando a sua proveniência, data de vencimento, montante do capital e juros, as condições a que estejam subordinadas, a sua natureza, comum, subordinada, privilegiada ou garantida, e neste caso os bens ou direitos objecto de garantia, e taxa de juros de mora aplicável (art. 128º nº 1 do C.I.R.E.).
Nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações o A.I. apresenta a lista dos credores reconhecidos e não reconhecidos (art. 129º do C.I.R.E.).
Nos 10 dias seguintes pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz com um de três fundamentos: indevida inclusão ou exclusão de créditos, incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos (art. 130º nº 1 do C.I.R.E.).
O A.I. e qualquer interessado que assuma posição contrária, incluindo o devedor, pode responder, mas, se a impugnação se fundar na indevida inclusão de certo crédito, na omissão de indicação das condições a que se encontra sujeito ou no facto de lhe ter sido atribuído um valor excessivo ou uma qualificação de grau superior à correcta, apenas o titular do crédito pode responder (art. 131º do C.I.R.E.).
As listas de créditos reconhecidos e não reconhecidos, as impugnações e respostas são autuadas num único apenso e juntamente com o parecer da comissão de credores são apresentados ao juiz para saneamento do processo, eventuais diligências probatórias, eventual julgamento e sentença (art. 132º a 140º do C.I.R.E.).
Revertendo ao caso em apreço, o A.I. fez constar como crédito reconhecido, entre outros, o crédito global do IF ... IP, no valor de € 17.134.505,12, referente a seis devoluções de apoios financeiros e juros de mora.
A insolvente impugnou cada um dos créditos parcelares pedindo a anulação, nulidade dos actos administrativos ou suspensão de eficácia das decisões do IF ... IP dizendo que as correspondentes acções encontram-se pendentes no tribunal administrativo.
Antes de mais, afigura-se-nos que verdadeiramente a insolvente não impugnou os referidos créditos nos termos e para os efeitos do art. 130º nº 1 do C.I.R.E., designadamente não pugnou pela inexistência dos mesmos, tendo optado por invocar vícios dos actos administrativos subjacentes.
De qualquer modo, para conhecer destas impugnações é materialmente competente o tribunal recorrido.
Com efeito, o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores (art. 1º nº 1 do C.I.R.E.).
Sendo um processo de execução universal é essencial apurar os bens que integram o património do devedor, quem são os credores e montante e natureza dos seus créditos.

Nos termos do art. 85º, nº 1, do C.I.R.E.: Declarada a insolvência, todas as ações em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa e todas as ações de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo.

Por sua vez, o art. 88º, nº 1, preceitua A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou prosseguimento de qualquer ação executiva intentada pelos credores da insolvência (...). No que diz respeito às acções declarativas pendentes, na sequência de divergência na jurisprudência, o S.T.J., pelo acórdão n.º 1/2014 de 8 de Maio de 2013 (publicado no D.R., 1ª série, n.º 39, de 25-02-2014), decidiu uniformizar a mesma no seguinte sentido: Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C..

Nos termos do art. 90º do C.I.R.E. os credores da insolvência, durante a pendência da insolvência, apenas poderão exercer os seus direitos nos termos deste código. Como vimos supra, todos os credores, se quiserem obter pagamento, têm o ónus de reclamar na insolvência a verificação dos seus créditos, quer o seu crédito esteja ou não reconhecido por sentença definitiva (art. 128º do C.I.R.E.). Será no apenso de verificação de créditos, que tem um carácter universal e pleno, que se se garantirá o princípio par conditio creditorum e se assegurará que a decisão que vier a ser proferida a todos vincula.

Pelo exposto, neste apenso, o tribunal da insolvência, em caso de impugnação, tem que verificar a natureza, a proveniência, os montantes dos créditos em causa, bem como dos respectivos juros, pelo que vê a sua competência material alargada para conhecer todas as questões que sejam suscitadas nas impugnações.


Neste sentido vide Maria Adelaide Domingos, Efeitos Processuais da Declaração de Insolvência sobre as Acções Laborais Pendentes, in Memórias do IX e X Congressos Nacionais do Direito do Trabalho, Instituto Lusíada de Direito do Trabalho, Almedina, 2007, p. 272, onde se lê: ocorre uma “verdadeira extensão de competência material do tribunal de insolvência que, absorvendo as competências materiais dos tribunais onde os processos pendentes corriam, o juiz da insolvência passa a ter competência material superveniente para poder decidir os litígios emergentes desses processos na medida em que, impugnados os créditos, é necessário verificar a sua natureza e proveniência, montantes, juros, etc”.

No mesmo sentido Ac. do S.T.J. de 06/11/2018 (Pedro da Lima Gonçalves), in www.dgsi.pt, onde se lê “O Juízo do Comércio onde pende o processo (…), mercê do caracter universal do processo de reclamação de créditos, absorve a competência material dos tribunais ondem pendem os litígios atinentes aos créditos que devem ser reclamados na insolvência”. No Ac. da R.L. de 19/10/2017 (Eduardo Petersen da Silva), in www.dgsi.pt, lê-se: “(…) na falta duma sentença proferida pelo Tribunal de Trabalho, é o Tribunal que declara a insolvência o competente para aplicar o direito laboral (…)”.

Assim sendo, impõe-se revogar a decisão recorrida nesta parte devendo o tribunal a quo conhecer as impugnações apresentadas pela insolvente quanto aos créditos do IF ... IP.
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C) A qualificação do crédito do IF ..., IP

Face ao supra decidido fica prejudicado o conhecimento da correcta qualificação deste crédito.
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Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:

I - Para efeitos processuais o valor do incidente de reclamação de créditos previsto nos art. 128º a 140º do C.I.R.E. será o correspondente à utilidade económica do pedidos/reclamações, que coincide com o valor global dos créditos reconhecidos pelo administrador de insolvência.
II - O tribunal da insolvência, em sede de incidente de reclamação de créditos, no caso de impugnação destes, tem que verificar a sua natureza, proveniência, montantes e juros, pelo que vê a sua competência material alargada para conhecer todas as questões que sejam suscitadas.
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III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, mantêm a decisão no que concerne ao valor do apenso de verificação de créditos, revogam no mais a decisão, e determinam que o tribunal recorrido conheça das impugnações apresentadas pela insolvente aos créditos do IF ... IP, bem como, se for esse o caso, qualifique o mesmo crédito.
Sem custas.
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Guimarães,19/09/2019

Relatora: Margarida Almeida Fernandes
Adjuntos: Margarida Sousa
Afonso Cabral de Andrade