Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
119/13.8TBMDB.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: NOVAÇÃO
DECLARAÇÃO DE VONTADE
SOCIEDADE COMERCIAL
LIBERALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – A novação, como causa extintiva das obrigações, consiste na convenção pela qual as partes extinguem uma obrigação pela criação de uma nova obrigação em lugar dela, sendo essencial que os interessados realmente queiram extinguir a obrigação primitiva por meio da contracção da nova obrigação.
II – A vontade de substituir a antiga obrigação pela contracção de um novo vínculo há-de resultar de uma declaração expressa por palavras, por escrito ou por qualquer outro meio de manifestação da vontade.
III - Visando as sociedades comerciais a obtenção de lucros, em princípio, todos os actos que constituírem uma liberalidade pura poderão estar feridos de nulidade, por a sociedade não ter capacidade jurídica (capacidade de gozo) para os praticar, ficando ressalvadas as liberalidades a que se refere o n.º 2 do art.º 6.º do C.S.C..
IV – É à sociedade comercial que cabe o ónus da prova de que o acto praticado (liberalidade e prestação de garantia) extravasa do seu objecto por não servir os seus interesses.
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES -
A) RELATÓRIO
I.- M, residente em…Mondim de Basto, intentou a presente acção, com processo comum, sob a forma ordinária, contra “E & Filhos, Ld.ª”, sociedade comercial com sede em Mondim de Basto, pedindo (para o que ora interessa), a condenação desta:
a) A pagar-lhe, a ela Autora, a quantia € 82.426,35 (oitenta e dois mil, quatrocentos e vinte e seis euros, e trinta e cinco cêntimos); e
b) a pagar-lhe ainda os juros de mora devidos e vencidos relativos ao montante acima referido, à taxa média anual de quatro por cento, contados desde o dia 01 de Maio de 2003, o que perfaz até 15 de Julho de 2013, o valor de € 33.684,15 (trinta e três mil, seiscentos e oitenta e quatro euros e quinze cêntimos), e bem assim os juros vincendos até efectivo e integral pagamento.
Fundamentou alegando, em síntese, que o seu pai, E, constituiu/adquiriu várias participações sociais em várias sociedades comerciais, as quais, no ano 2000, cedeu, distribuindo-as pelos dez filhos.
No “acordo de família” que celebraram, ela, Autora, ficou com direito a receber a importância de € 82.426,35, tendo-lhe sido entregue um cheque neste valor e uma declaração assinada pelos irmãos A, B e F, na qualidade de sócios-gerentes da Ré, reconhecendo a dívida e comprometendo-se a pagá-la, em dinheiro ou em bens imóveis de igual valor.
Em 2001, contactou o irmão e sócio gerente da Ré, A, para que procedesse à construção de uma casa para si, o que este declinou.
Dando início à construção da casa, solicitou materiais de construção civil à sociedade comercial (do grupo) “D, Ld.ª”, tendo aquele seu irmão assumido perante os demais irmãos, que o valor da dívida da Autora contraída junto da supramencionada sociedade comercial seria liquidado pela Ré, até ao montante do crédito da Autora.
No ano de 2008 fizeram um acerto de contas, ficando a dívida fixada no valor de € 86.448,72.
O certo é que, alega, a Ré nunca liquidou a referida importância à “D, Ld.ª”, apesar das suas insistências.
Contestou a Ré, aceitando o “acordo de família” celebrado, e alegando que todos os irmãos, por si e na qualidade de sócios e gerentes das sociedades comerciais em que participavam, celebraram diversos acordos, um deles em 31 de Janeiro de 2011 pelo qual cederam quotas e procederam à sua divisão, e na sequência do mesmo acordo procederam ao “acerto de contas”, tendo sido emitida uma “DECLARAÇÃO” pela qual reconheceram que “os débitos e créditos existentes entre as sociedades identificadas no considerando a) são os existentes no quadro anexo …”.
Do “considerando a)” constam, além de outras, a Ré e a referida “D, Ld.ª” pelo que, afirma, com a outorga dos contratos supramencionados, ficaram saldadas todas as demais contas entre todas as sociedades e entre a família, “seja pelos contratos outorgados em 2010, seja pelo acordo familiar outorgado em 2000” pelo que nada deve à Autora, seja a que título for.
Na audiência prévia foram enunciados os temas de prova, e veio a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar à Autora “a quantia de € “82.426,35 (oitenta e dois mil quatrocentos e vinte e seis euros e trinta e cinco cêntimos), acrescida de juros à taxa legal de 4%, devidos desde 1.05.2003, até integral e efectivo pagamento”.
Inconformada, a Ré traz o presente recurso, pretendendo que a sentença seja revogada e substituída por outra que julgue totalmente improcedente a acção e a absolva do pedido.
Contra-alegou a Autora propugnando para que se mantenha o decidido.
O recurso, que é de apelação, tem efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II.- A Apelante/ré funda o recurso nas seguintes conclusões:
A) A presente apelação tem por objecto a douta sentença de fls. ... que condenou a Ré/Apelante a pagar à Autora/Apelada, a quantia de € 82.426,35 (oitenta e dois mil quatrocentos e vinte e seis euros e trinta e cinco cêntimos), acrescida de juros à taxa legal desde 01/05/2003, até integral e efectivo pagamento.
B) Ora, salvo o devido respeito, não pode a apelante concordar com tal sentença, porquanto:
1 - no processo foi produzida prova que impunha que a acção fosse julgada totalmente improcedente, absolvendo-se, em consequência, a apelante dos pedidos formulados pela apelada.
2 - O Tribunal a quo fez uma errada aplicação ou interpretação das normas jurídicas - artigos 762º, nº 1 e 770º, alínea a), do Código Civil e artigo 6º, do Código das Sociedades Comerciais -, à situação fáctica que se traz à douta apreciação de V.ªs Ex.ªs.
C) Na verdade, entende a apelante que foi produzida prova testemunhal bastante que permite concluir que a mesma pagou a quantia pedida pela apelada à sociedade “D, Lda.”.
D) Mais ficou provado, que foi acordado entre as partes que o pagamento seria efectuado pela apelante à sociedade “D, Lda.”, e não à apelada, e assim se considerando que a apelante cumpria a sua prestação para com a apelada.
E) A testemunha arrolada pela própria apelada, R, referiu, em audiência de julgamento, que a apelada aceitou que o pagamento lhe fosse feito mediante o levantamento e efectivo recebimento de materiais da sociedade “D, Lda.”, cujo preço seria pago a esta (e não à apelada) pela apelante.
F) Sendo que as testemunhas arroladas pela apelante, especialmente a testemunha F afirmou em audiência de julgamento, que a apelante pagou à sociedade “D, Lda” o preço dos materiais entregues por esta à apelada, para construção da sua casa.
G) Ficou provado que, a apelada construiu uma casa, com materiais de construção que lhe foram entregues pela sociedade “D, Lda”.
H) Que a apelada não pagou à “D, Lda.” tais materiais de construção.
I) Que tais materiais de construção foram pagos pela apelante à sociedade “D, Lda.”.
J) Ficou provado, também, que a apelada aceitou que o pagamento lhe fosse feito, como foi, mediante a entrega de materiais da sociedade “D, Lda.”, cujo preço seria pago a esta (e não à apelada) pela apelante.
K) Assim sendo, como é, só pode considerar-se que a apelante já efectuou o pagamento das quantias pedidas por via desta acção, à sociedade “D, Lda.”, tal como acordado e aceite pela apelada.
L) Por isso, o pagamento feito pela apelante à sociedade “D, Lda.” foi bem feito, devendo considerar-se válido e eficaz relativamente à apelada.
M) Assim dispõe o artigo 762º, nº 1, do Código Civil que: “1 – O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado.”.
N) Por sua vez, o artigo 770º, alínea a), do Código Civil, com aplicação no caso, estatui que: “A prestação feita a terceiro não extingue a obrigação, exceto:
b) Se assim foi estipulado ou consentido pelo credor;”.
O) Ora, no caso, como se deixou dito, a apelada, para além de consentir, acordou e aceitou que a prestação a si devida fosse paga pela apelante à “D, Lda.”, como foi.
Posto isto, vejamos ainda,
P) O pedido formulado na presente acção fundamenta-se no documento nº 11, junto com a petição inicial, denominado “Declaração”, assinado pelos então gerentes da apelante, no qual assumem dívidas de outras entidades, em nome da apelante.
Q) Ora, este documento contraria o estatuído no artigo 6º, nºs 1, 2 e 3, do Código das Sociedades Comerciais, que é uma norma imperativa.
R) Assim dispõe o referido artigo 6º, nº 3, do Código das Sociedades Comerciais, o seguinte: “Considera-se contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo.”.
S) Ora, desse documento e das obrigações no mesmo implicadas, resulta claramente que a apelante garantiu o pagamento de uma dívida, para benefício de outras entidades, sejam, a apelada e as sociedades aí referidas “M, Lda.”, “D, Lda.”, “J. & C.ª, Lda.” e a “D, Lda.”.
T) Assim, o negócio em causa na presente acção é contrário ao estatuído no artigo 6º, do Código das Sociedades Comerciais.
U) Pelo que, nos termos do artigo 294º, do Código Civil, o mesmo é nulo, devendo ser como tal declarado.
V) Tal nulidade foi tempestivamente arguida pela apelante, em audiência de julgamento, já que, as nulidades são arguidas a todo o tempo, por qualquer interessado, conforme resulta do artigo 286º, do Código Civil
X) Por tudo quanto ficou exposto, o Tribunal a quo só poderia e deveria ter julgado totalmente improcedente a acção e, em consequência, absolver a apelante do pedido de condenação ao pagamento à apelada da quantia de € 82.426,35, acrescida de juros.
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III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Como se extrai das conclusões acima transcritas, pretende a Apelante que:
- seja reapreciada a decisão da matéria de facto.
- seja reapreciada a decisão de mérito.
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B) FUNDAMENTAÇÃO
IV.- O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:
a) julgou provado que:
1º - O pai da Autora, E, constituiu/adquiriu participações sociais de, várias sociedades comerciais, designadamente:
(a) D, LDA., pessoa colectiva n.º…, cujo objecto consiste na venda de materiais de construção, conforme resulta de teor de certidão permanente de fls. 15verso-17verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
(b) E E FILHOS, LDA., pessoa colectiva n.º…, cujo objecto consiste na actividade de construtor civil e obras públicas, construções de prédios, bem como construção de prédios para revenda, venda de materiais de construção, compra e venda de terrenos, conforme teor de certidão permanente de fls. 18-22, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
(c) D, LDA., pessoa colectiva n.º…, que tem por objecto o comércio por grosso de vinhos e derivados, aguardente, licores e outras bebidas alcoólicas e tabaco, exploração das redes e ramais de distribuição de gás ou comércio de gás ou comércio de combustíveis gasosos, conforme documento de fls. 22verso-27verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
(d) M, LDA., pessoa colectiva n.º…, com o seguinte objecto social: transportes públicos ocasionais de mercadorias por camionagem, conforme documento de fls. 32-36, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
(e) T, LDA., pessoa colectiva n.º…, entretanto extinta, que se dedicava à área de transportes.
(f) J. & CA, LDA., pessoa colectiva n.º…, entretanto extinta, cujo objecto consistia no comércio por grosso e a retalho de materiais de construção, ferragens, ferramentas, artigos para a agricultura, artigos de drogaria, electrodomésticos, calçado, artigos de mercearia e bebidas.
2º - Decorria o ano de 2000 e, após várias reuniões, o Pai da Autora decidiu ceder as suas quotas nas referidas sociedades comerciais, distribuindo-as entre os dez filhos…
3º - Por se sentir doente e incapaz para continuar a gerir as sociedades, como até àquela data havia feito.
4º - No verão de 2000, e em reuniões de família, foram efectuadas quer pelo Pai, quer pelos filhos várias contas para se acertarem as percentagens que a cada um caberia em cada uma das sociedades.
5º - O “acordo de família”, no que à Autora concerne, consistia em a mesma ficar como sócia da D, Lda. receber o montante peticionado nos autos, cujo valor encontrado resultou das cessões de quotas efectuadas na sequência deste acordo, dos direitos das mesmas e da valorização dos respectivos activos.
6º - Assim, em 22 de Dezembro de 2000, foram feitas as respectivas escrituras de cessão de quotas.
7º - Na D, LDA ficaram como sócios os dez irmãos, conforme resulta de escritura pública de aumento de capital, cessões de quotas, alteração parcial do contrato de sociedade, conforme documento de fls. 36verso-40verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
8º - Na E E FILHOS, LDA ficaram como sócios sete irmãos, de acordo com a escritura pública de aumento de capital, cessões de quotas, alteração parcial do contrato de sociedade e respectiva escritura pública de rectificação, conforme documentos de fls. 41-45 e 45verso-49verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
9º - Na D, LDA ficaram como sócios os mesmos irmãos que na E, LDA e ainda um outro sócio, o Senhor A, conforme documento de fls. 50-54, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
10º - Na M, LDA. ficaram como sócios oito irmãos…; bem como o Senhor A, conforme documento de fls. 57-61, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
11º - Na T, LDA. ficaram como sócios os mesmos irmãos que na E, LDA, e a Autora, conforme documento de fls. 61verso-65, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
12º - Na J. & CA, LDA. ficaram como sócios a própria sociedade, A, J, a D, LDA e A.
13º - Devido à confiança entre Irmãos foi combinado “fazer contas” do “acordo de família” mais tarde, em 2002.
14º - Em Abril de 2002 a Autora reuniu com os irmãos… e ainda com a irmã D, tendo sido reiterado que o preço, isto é, que a contrapartida ainda não recebida pela Autora seria: i) ficar sócia da D, LDA; ii) e receber € 82.426,35 (oitenta e dois mil, quatrocentos e vinte e seis euros e trinta e cinco cêntimos), que seriam assumidos pela Ré E & FILHOS, L.DA..
15º - O valor encontrado pelos Pais e Irmãos resulta: das cessões de quotas efectuadas; dos direitos que as quotas das sociedades tinham nas respectivas sociedades; da valorização de activos.
16º - Refeitas as contas em 30 de Abril de 2002 foi passado e entregue à Autora um cheque com data de 30 de Abril de 2003, e uma declaração de “compromisso de dívida” assinada por todos os gerentes da sociedade Ré E, LDA – A, B e F – de acordo com a qual a sociedade se comprometia a liquidar o valor em questão em numerário ou em bens imóveis de igual valor, conforme documento de fls. 65verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
17º - No acordo, e vontade de todos os irmãos, os gerentes e irmãos acederam que a dívida para com a Autora era da sociedade Ré, sendo assumida pela mesma.
18º - Foi, assim, acordado entre Pais, Filhos, Sócios e Sociedades que a dívida para com a Autora era da Ré E E FILHOS, LDA, que assumiu a dívida, actuando os gerentes como legais representantes da sociedade Ré à data.
19º - A Autora, apesar de herdeira, não iria ser sócia da sociedade Ré, nem das sociedades D, LDA e J. & CA, LDA..
20º - Tendo como contrapartida, pela cedência da sua posição nas empresas, ficado como sócia da sociedade D, LDA e receberia o montante acordado entre Pais e Filhos, cujo pagamento se peticiona na presente acção.
21º - Este acordo foi, deste modo, feito no interesse da sociedade Ré e dos seus sócios, bem como da autora.
22º - Neste “acordo de família” as irmãs da Autora… também receberam um cheque com o montante que lhes era devido.
23º - Bem como uma declaração no mesmo sentido que a emitida à Autora.
24º - As declarações foram sendo devolvidas à sociedade Ré conforme se foram efectuando as quitações das correspondentes dívidas.
25º - Os Outorgantes actuaram como Pais e filhos, como sócios de todas ou de algumas das sociedades referidas e acordando, verbalmente e por escrito, como gerentes da sociedade Ré, e a Autora como cedente de direitos dos quais receberia um preço.
26º - Sendo que, no âmbito deste acordo de família, e por ser do interesse da autora, da sociedade e dos sócios, a Ré assume o pagamento da contrapartida à Autora.
27º - Pelos sócios-gerentes da E E FILHOS, LDA foi emitido e entregue um cheque no valor que era devido à Autora.
28º - E, tal como aconteceu com as suas irmãs, foi-lhe entregue uma declaração de “compromisso de dívida” assinada por todos os gerentes (…) de acordo com a qual a sociedade se comprometia a liquidar o valor em questão em numerário ou em bens imóveis de igual valor, conforme documento de fls. 65verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
29º - Na data de pagamento do cheque – dia 30 de Abril de 2003 – não foi o mesmo entregue para pagamento junto de uma Instituição Bancária.
30º - Pois o acordado verbalmente entre o Pai da Autora e todos os irmãos, e que consta da própria declaração, foi que nenhuma das irmãs depositaria o cheque entregue sem, em primeiro lugar, confirmar junto da gerência da E e FILHOS, LDA que o poderia fazer.
31º - Comprometendo-se a referida sociedade a liquidar os respectivos juros de mora, à taxa de juro praticada pelos Bancos, até ao efectivo e integral pagamento do valor em dívida.
32º - No entanto, a Autora e os irmãos e gerentes da sociedade Ré já haviam acordado, desde 2001, que a Autora poderia ir “retirando” materiais para construir uma casa, por conta deste encontro de contas a efectuar com a sociedade Ré.
33º - A Autora, em 2001, foi trabalhar para Mondim de Basto, para a D, LDA, tendo passado a ser sócia-gerente da mesma.
34º - Como passou a residir em Mondim de Basto a Autora pretendia construir uma casa.
35º - Dispondo já de uma parcela de terreno que havia sido doada pelo sogro.
36º - Pelo que, existindo já um projecto em fase de conclusão, apenas faltaria a construção.
37º - A Autora contactou, em 2001, o irmão e sócio-gerente da E E FILHOS, LDA, A, para que fosse esta empresa a proceder à construção da sua casa.
38º - Tendo-lhe sido dito pelo irmão que a sociedade não teria disponibilidade para tal.
39º - Após ter recebido o cheque, em 2002, solicitou ao irmão A, e gerente da sociedade Ré, que o cheque lhe fosse pago por necessitar de liquidez.
40º - Tendo-se deslocado ao escritório do irmão A, levando consigo o cheque e a declaração que lhe havia sido entregue, solicitando autorização para que o depósito do cheque fosse feito.
41º - O irmão A disse à Autora que o cheque não poderia ser depositado.
42º - E a Autora, nervosa e cansada de toda a situação, arremessou o cheque e a declaração para cima de mesa do irmão e saiu, razão pela qual não o tem em seu poder.
43º - Sendo que a Autora, face ao teor da declaração de 2002, não depositou o cheque.
44º - Uma vez que a E e FILHOS, LDA se mostrou indisponível para construir a casa da Autora esta requisitou material de construção da D, LDA, não liquidando de imediato o valor do mesmo.
45º - Embora todos os encargos relativos a mão-de-obra tenham sempre sido por si pagos.
46º - Como, aliás, já havia sido acordado antes de a Autora solicitar o depósito do cheque.
47º - Tendo sido acordado que a “requisição” de material poderia ser feita e que depois se fariam contas quanto aos materiais e valores em dívida.
48º - Algum tempo depois, o irmão A referiu perante os irmãos … que o valor da dívida da Autora para com a D, LDA seria liquidado pela E E FILHOS, LDA, tendo presente a dívida desta para com a Autora, sendo que o excedente, contabilizando o capital em dívida e os juros devidos, seria liquidado pela autora à D, LDA..
49º - Em 2008 a Autora deixou de exercer funções na D, LDA..
50º - Mas continuou a “requisitar” o material que necessitava, ultrapassando, inclusivamente, o valor em dívida da E E FILHOS, LDA para consigo.
51º - É elaborado, nessa altura, um resumo das contas, em que são inclusivamente contabilizados, para além do valor em dívida, os juros que a E e FILHOS, LDA teria que liquidar naquela data, tudo conforme documento de fls. 66, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
52º -Documento que foi elaborado pelo irmão A, enquanto gerente da sociedade Ré.
53º - O documento, assinado pelo mesmo, foi remetido à Autora, sendo que contabilizados os juros devidos o montante em dívida ascendia à data a € 86.448,72 (oitenta e seis mil, quatrocentos e quarenta e oito euros, e setenta e dois cêntimos).
54º - Reconhecendo em 2009 ser a Ré devedora da referida quantia.
55º - Conforme combinado a E e FILHOS, LDA. pagaria directamente à D, LDA o valor em dívida para com a Autora.
56º - Em 31 de Dezembro de 2010, a Autora foi confrontada com o facto de o irmão A referir que a E E FILHOS, LDA. nada tinha a liquidar à D, LDA..
57º - Antes da referida data – 31 de Dezembro de 2010 – haviam sido realizadas algumas reuniões de família, em que um dos assuntos discutidos foi o valor das dívidas de irmãos e das empresas da família para com eles.
58º - Sendo que a dívida da Autora foi sempre mencionada e assumida pelo irmão A, em nome da E E FILHOS, LDA, até ao dia 31 de Dezembro de 2010.
59º - Ora, desde a data do “acordo de família”, em 2000, depois, com a entrega da declaração e do cheque, em 2002, e mais tarde, em 2009, que o gerente da Ré reconhece a existência da dívida, que sempre declarou que iria pagar.
60º - No final de 2009, e início de 2010, altura em que decorreram várias reuniões de família, a Autora, na presença de todos os irmãos, pediu novamente ao irmão e gerente da Ré que o valor em causa lhe fosse liquidado, mas sem sucesso.
61º - Os irmãos da autora… outorgaram, por si e na qualidade de sócios e gerentes das sociedades «D, Lda.», «E & Filhos, Lda.», e «D, Lda.» e «M, Lda.», documento que designaram de DECLARAÇÃO PARA ACERTO DE CONTAS, constante de fls. 87-89, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
b) julgou não provado que:
i) O acordo referido em 61º foi aceite pela autora.
Ficou ainda referido: “De consignar que na selecção dos factos supra, o tribunal teve em consideração as regras da distribuição do ónus da prova.
No tocante à demais factualidade, não foi a mesma considerada em virtude de se tratar de matéria relativa a impugnação motivada, irrelevante, de direito e/ou meramente conclusiva.”.
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V.- Como se alcança das conclusões C) e D) (as subsequentes conclusões até à I) são o desenvolvimento daquelas), a Apelante impugna a decisão da matéria de facto, pretendendo que, reapreciada esta decisão, se julgue provado que, na sequência do que ficara acordado, pagou à sociedade “D, Ld.ª” a quantia exigida pela Autora.
Posto que constasse dos “Temas de Prova” “Saber se nesse acerto de contas celebrado entre a Ré e a sociedade “D, Lda.” foi tomado em consideração o montante aqui reclamado pela Autora” (n.º 4), não foi levado à decisão qualquer facto (provado ou não provado) atinente a este tema de prova, sendo certo que o “pagamento”, por esta via, já havia sido invocado na contestação - como aí se alegou, através do “acerto de contas” que teve lugar em 31/01/2011, e no qual intervieram, dentre outras sociedades comerciais, a ora Apelante e a sociedade comercial “D, Ld.ª” (cfr. o facto n.º 61º).
Sem embargo, a questão de facto suscitada não tem interesse para a decisão do presente recurso como infra se demonstrará.
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VI.- 1.- Como se extrai da facticidade constante dos n.os 48º a 55º (matéria não controvertida), a A. M e a Apelante “E & Filhos, Ld.ª”, representada pelo seu sócio-gerente (e irmão daquela) A, e ainda a sociedade comercial (do “grupo”) “D, Ld.ª”, celebraram um acordo nos termos do qual a ora Apelante, reconhecendo o crédito da Autora, se comprometeu a liquidá-lo pelo pagamento “directo” à “D, Ld.ª” do débito que a Autora contraiu junto desta com a compra de materiais de construção civil.
Estamos, assim, perante uma convenção pela qual a antiga credora (a Autora) foi substituída por uma nova credora (a “D, Ld.ª”), vinculando-se a devedora (a Apelante/Ré) para com esta por uma nova obrigação.
2.- Com esta configuração a situação consubstancia uma novação, que é uma causa extintiva das obrigações, já que as partes acordaram na extinção de uma obrigação pela criação de uma nova obrigação em lugar dela – cfr. art.os 857.º a 862.º do C.C..
A novação é subjectiva quando ocorre a alteração dos sujeitos da relação creditória, tanto podendo traduzir-se na vinculação do devedor perante um novo credor, como na substituição do obrigado por um novo devedor, ficando exonerado o antigo - cfr. art.º 858.º do C.C..
Como refere o Prof. Antunes Varela, essencial para haver novação “é que os interessados queiram realmente extinguir a obrigação primitiva por meio da contracção de uma nova obrigação” (in “Das Obrigações em Geral”, vol. II, 4.ª ed., pág. 221, que seguiremos de perto).
Escreveram ainda os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela: “Para que haja novação, objectiva ou subjectiva, é necessário que uma obrigação nova venha substituir a antiga, e só é nova a obrigação quando haja uma alteração substancial nos seus elementos constitutivos. Não basta, para isso, que se alterem, por ex. a data do cumprimento, se aumente ou reduza a taxa de juro, se majore ou reduza o preço, ou se dê por finda uma garantia, etc. É preciso que seja outra a obrigação e não seja apenas modificada ou alterada a obrigação existente” (in “Código Civil Anotado”, vol. II, 2.ª Ed. Revista e Actualiz.ª, págs. 129-130).
Decidiu neste sentido, v. g., o Ac. do S.T.J. de 31/03/2009 (ut proc.º 08A3353, Cons.º Azevedo Ramos, in www.dgsi.pt).
Decorre do disposto no art.º 859.º do C.C. que a vontade de substituir a antiga obrigação pela contracção de um novo vínculo há-de resultar de uma declaração expressa, dando conta o Prof. Antunes Varela ter sido deliberada a fórmula usada naquele preceito legal, repisando que só haverá novação quando, por palavras, por escrito ou por qualquer outro meio de manifestação da vontade (art.º 217.º, n.º 1 do C.C.) as partes tenham feito significar quererem substituir a antiga obrigação pela criação de uma outra em seu lugar, não sendo suficientes os singelos factas concludentia próprios da declaração tácita.
O art.º 860.º do C.C. estabelece outro requisito essencial da novação: a existência e a validade do vínculo primitivo e a validade do vínculo contraído em seu lugar.
Com efeito, a novação fica sem efeito se a primeira obrigação estava extinta ao tempo em que a segunda foi contraída assim como se aquela vier a ser declarada nula ou anulada – cfr. o n.º 1.
Talqualmente, subsistirá a obrigação primitiva se a nova obrigação for declarada nula ou anulada, nos termos do que dispõe a 1.ª parte do n.º 2.
E, como defende o Prof. Antunes Varela, “a sanção legal procede, mesmo que a novação se tenha dado por substituição do credor, sinal de que a novação não constitui, por si própria, nenhum negócio abstracto” (ob. cit. pág. 229).
Em resultado da extinção da obrigação antiga, o novo crédito não está sujeito aos meios de defesa que podiam ser opostos àquela, salvo se as partes tiverem convencionado o contrário – cfr. art.º 862.º do C.C..
Enfim, como resumidamente refere o Ac. do S.T.J. de 01/07/2003, “para que se possa falar de novação, além das condições gerais de validade dos contratos, são necessários os seguintes requisitos: existência de uma obrigação válida; que a nova obrigação seja validamente constituída; intenção de novar expressamente declarada.” (ut proc.º 03A935, Cons.º Pinto Monteiro, in www.dgsi.pt).
3.- Tendo assentado a sua tese na validade dos acordos constitutivos da sua obrigação de satisfazer a importância peticionada, a Apelante/Ré, na última sessão da audiência de julgamento, e já depois de produzidas as provas, arguiu a nulidade da declaração onde ficou objectivada aquela obrigação fundamentando no art.º 6.º do Código das Sociedades Comerciais (C.S.C.).
Conhecendo desta questão, o Tribunal a quo, chamando a atenção para o abuso do direito, julgou-a improcedente por considerar que a Apelante/Ré tinha capacidade jurídica para a prática do acto por ele respeitar a “um acordo para aumento de capital, cessão de quotas e alteração parcial do contrato de sociedade”, acrescentando “o que facilmente se constata é que tal outorga, na realidade, permitiu uma concreta arrumação de poderes e distribuição de forças entre as diversas sociedades de um determinado grupo, o que sempre implicaria a prestação recíproca das necessárias compensações, o que tudo, como é bom de ver, se enquadra nos interesses e poderes societários, no caso da ré, designadamente contribuindo para a sua melhor gestão e organização interna” e termina referindo que “o acordo em apreço não tem qualquer enquadramento no âmbito de uma liberalidade, nem envolve a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades”.
Em sede de recurso (conclusões P) e sgs.), firmando-se no n.º 3 do supramencionado art.º 6.º, insiste a Apelante/Ré que do documento “assinado pelos então gerentes”, no qual “assumem dívidas de outras entidades”, resulta claramente que (ela) “garantiu o pagamento de uma dívida, para benefício de outras entidades, sejam, a apelada e as sociedades aí referidas “M, Lda.”, “D, Lda.”, “J. & C.ª, Lda.” e a “D, Lda.”.
De acordo com o nº. 2 do artº. 12º. da Constituição, as pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres compatíveis com a sua natureza.
No que se refere à capacidade de gozo das sociedades comerciais, o art.º 6.º do C.S.C. reconhece-a relativamente a todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, excluindo do seu âmbito os direitos e obrigações vedados por lei ou que sejam inseparáveis da personalidade singular.
Visando as sociedades comerciais a obtenção de lucros (cfr., para as sociedades civis, o art.º 980.º do C.C.), em princípio, todos os actos que constituírem uma liberalidade pura (v. g. doações) poderão estar feridos de nulidade, por a sociedade não ter capacidade jurídica para os praticar, excluindo-se, por força do nº. 2 daquele art.º 6.º, as liberalidades que possam ser consideradas usuais segundo as circunstâncias da época e as condições da própria sociedade, as quais não são consideradas como contrárias ao seu fim - dão-se como exemplos as prendas de Natal, os brindes de uma campanha publicitária, os quais, destinando-se a dar conhecimento do produto, potenciam a sua venda junto do consumidor, e o mecenato, que, mais não seja, contribui para a melhoria da imagem da empresa e, nessa medida, cria sensibilidades no público para a privilegiar na aquisição dos seus produtos em situações de igualdade com uma concorrente.
Sem embargo, e como vem sendo reconhecido, aquele princípio da especialidade tem sido desconsiderado porque, como escreve o Prof. Menezes Cordeiro, desde que os seus fins sejam lícitos, “as sociedades constituem-se livremente, de acordo com o figurino que os particulares interessados lhes queiram imprimir”, pelo que a falta de capacidade para a prática de qualquer acto pode ser ultrapassada pela via do seu pacto social e das decisões dos seus órgãos (in “Código das Sociedades Comerciais Anotado”, 2ª. ed., págs. 91-96). O mesmo Autor defende não haver razão para excluir as doações do âmbito da capacidade das pessoas colectivas, salvo se houver uma norma a proibi-las (in “Direito das Sociedades”, vol. I – Parte Geral, Almedina, 3.ª ed. Ampliada e actualiz.ª pág. 382).
Como referem os Profs. Alexandre Mota Pinto et Al., a liberalidade “implica, em regra, a ideia de generosidade ou espontaneidade, oposta à de necessidade ou de dever, mas é compatível com um fim ou motivo interesseiro”, para concluírem que “uma liberalidade não usual (por exemplo, por causa do seu valor) pode ainda ser necessária ou conveniente à prossecução do fim da sociedade. E, se assim for, ainda será válida” (in “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, Almedina, vol. I, págs. 113-114).
Por outro lado, e como se sabe, o referido artº. 6º., do C.S.C. transpõe para a ordem jurídica interna a 1ª. Directiva nº. 68/151/CEE, do Conselho, de 09/03/1968, que visa coordenar as garantias para a protecção dos interesses dos sócios das sociedades e de terceiros, a qual dispõe, no artº. 9º., que a sociedade se vincula perante terceiros pelos actos realizados pelos seus órgãos, mesmo se tais actos forem alheios ao seu objecto social, salvo se “eles excederem os poderes que a lei atribui ou permite atribuir a esses órgãos”.
Podendo os Estados-Membros legislar no sentido de a sociedade não ficar vinculada quando aqueles actos ultrapassem os limites do objecto social, terão de impor a esta o ónus da prova de que o terceiro sabia, ou não o podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias, que o acto ultrapassava esse objecto, não constituindo prova bastante a simples publicação dos estatutos.
Acresce que, ainda nos termos do nº. 2 daquele artº. 9º., são sempre inoponíveis a terceiros as limitações aos poderes dos órgãos da sociedade que resultem dos estatutos ou de uma resolução dos órgãos competentes, mesmo que tenham sido objecto de publicação.
Resulta, pois, daquele dispositivo comunitário que é à sociedade que cabe o ónus da prova do conhecimento do terceiro de que o acto praticado extravasa do seu objecto.
A nossa jurisprudência assim vem decidindo – cfr., v.g., o Ac. do S.T.J. de 21/09/2000, que julgou não poder ser considerado nulo o acto ou negócio jurídico praticado pelos sócios-gerentes, com o fundamento de que, considerado o princípio da especialidade, a sociedade não tem capacidade de gozo para o realizar, e invocando a sociedade que não tinha qualquer interesse naquele acto “cabe-lhe o ónus da prova dessa falta de interesse” (in C.J., Acs. do S.T.J., ano VIII, tomo III, págs. 36-40).
Relativamente ao n.º 3 do mencionado art.º 6.º, que considera contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, mas salvaguarda as hipóteses da existência de “justificado interesse próprio da sociedade garante” e a de “se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo”, refere o Ac. do S.T.J. de 26/09/2013 “nem sempre a assunção cumulativa de dívidas se traduz numa garantia de pagamento de dívidas de terceiro” e “tal como a cessão de créditos e a sub-rogação por efeito do pagamento de terceiro, também a transmissão singular das dívidas pode corresponder à satisfação jurídica de necessidades práticas, ainda que menos frequentes do que as determinantes da transmissão do lado activo da relação creditória” pelo que “tudo está em saber se existe ou não justificado interesse próprio dessa sociedade garante” (in C.J., Acs. do S.T.J., ano XXI, tomo III, págs. 75-79).
Em sentido idêntico já se havia pronunciado o Ac. do S.T.J. de 22/04/1997, ao deixar referido que “a assunção de dívida não pressupõe de per si uma natureza gratuita, dado que os seus requisitos e efeitos hão-de ser definidos em função da sua causa, ou seja, do negócio gratuito ou oneroso em que a assunção se integra” (in C.J., Acs. do S.T.J., ano V, tomo II, págs. 60-64).
Os Profs. Alexandre Mota Pinto et Al., defendem que a assunção de dívida não está sujeita à proibição do n.º 3 mas antes à do n.º 2, porque “a sociedade assume a dívida como própria”, o que consideram ser “mais grave do que garantir o pagamento” (ob. cit., pág. 114, nota 18).
O documento a que a Apelante se arrima, constante de fls. 65v.º, e ao qual se reporta o n.º 16º da facticidade provada, complementado pelos n.os 17º a 21º, tem o seguinte teor: “Os Abaixo assinados:… Declaram na qualidade de Sócios Gerentes da Sociedade por Quotas “E & Filhos Ldª” … entregam nesta data a M e Marido um cheque da C.CA.M. … no valor de 82.426,35 … para pagamento de uma dívida desse mesmo montante, resultante da cedência das contas que seus pais lhe deu 5,3% de cada Empresa nas Firmas: E & Filhos Lda __ M Lda ___ D Lda ___ J. & Cª Lda ___ Saindo nesta Empresas e aumentando na Drogaria, resultou o valor acima citado” (itálico introduzido).
Mais ficou a constar do documento que se o cheque acima referido não viesse a ser pago em dinheiro, receberia a Autora “um ou mais Imóvel de igual valor, que a Empresa tenha disponível e possa dispensar”.
Do teor deste documento resulta, claramente, que a Apelante não garantiu o pagamento de uma dívida mas assumiu a responsabilidade desse mesmo pagamento.
E nem pela interpretação puramente literal nem pelo critério normativo da impressão do destinatário é possível conhecer-se a natureza e a abrangência do acordo subjacente à criação da dívida já que no facto n.º 15 ficou assente que o referido valor resulta: das cessões de quotas efectuadas; dos direitos que as quotas das sociedades tinham nas respectivas sociedades; da valorização de activos.
Fica, pois, sem se saber se a dívida era pessoal dos sócios ou de alguma das demais sociedades mencionadas no documento, o que impede saber, com rigor, se estamos perante um acto gratuito.
Cabia à Apelante a alegação e prova dos factos concretos atinentes à densificação daqueles conceitos mas, como se referiu, ela limita-se a alegar ter garantido “o pagamento de uma dívida para benefício de outras entidades”, o que, em termos de fundamentação de facto, equivale a falta de alegação.
Improcede, pois, a arguição de nulidade da obrigação.
Destarte, mostram-se preenchidos todos os pressupostos da novação: a obrigação original é válida; a nova obrigação foi validamente constituída; a intenção de inovar foi expressamente declarada – refira-se que o acordo de pagamento dos materiais à “D, Ld.ª” em substituição do pagamento da dívida à Autora foi estabelecido entre os (irmãos) sócios-gerentes de ambas as sociedades comerciais – a Apelante e a “D, Ld.ª”, como se alcança, designadamente, do facto n.º 48º.
Deste modo conclui-se que a obrigação assumida pela Apelante perante a Autora extinguiu-se com o acordo de pagamento da obrigação que a mesma Autora tinha contraído junto da “D, Ldª”, que, após esse acordo, passou a ser a credora da Apelante.
Assim, a pretensão da Autora é improcedente por não ter legitimidade substantiva para exigir o pagamento de uma dívida da qual já não é credora.
Atento o princípio do dispositivo não pode este Tribunal emitir uma decisão que não tenha correspondência com o pedido que vem formulado nos autos – cfr. art.º 609.º, n.º 1 do C.P.C. -, ou seja, condenar a Apelante/Ré a pagar à “D, Ldª” a quantia reclamada.
Ainda que com fundamento diverso cumpre, pois, absolver a Apelante/Ré do pedido aqui formulado pela Autora.
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VII.- Como a verdadeira e actual credora não está no processo (o seu pedido de intervenção foi rejeitado), saber se o “encontro de contas” abrangeu ou não a dívida da Autora é questão que não cabe aqui dirimir.
E uma vez que os factos apurados foram suficientes para fundamentar a decisão de direito, não se justifica ampliar a matéria de facto, nos termos pretendidos.
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C) DECISÃO
Considerando tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em revogar a decisão impugnada absolvendo a Apelante dos pedidos formulados pela Autora.
Custas da acção e da apelação pela Autora e pela Apelante/Ré na proporção de metade.
Guimarães, 26/01/2017
(escrito em computador e revisto)

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(Fernando Fernandes Freitas)


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(Lina Aurora Castro Bettencourt Baptista)


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