Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
302/16.4T8PRG.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
EXCEÇÃO DE INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A «exceptio non adimpleti contractus», constitui uma excepção dilatória de direito material, na medida em que, por um lado, se funda em razões de direito material ou substantivo e, por outro, porque não exclui definitivamente o direito da parte contra quem é oposta, antes o paralisa temporariamente, já que não nega o direito da parte contrária nem põe em causa o dever de cumprir a prestação, pretendendo apenas realizar a sua prestação quando o outro contraente levar também a cabo a respectiva contraprestação.
II- A «exceptio» desempenha, assim, uma dupla função: de garantia e de coerção.
No primeiro caso, porque permite ao «excipiens» garantir-se com as consequências, presentes ou futuras, do não cumprimento.
No segundo, porque constitui também um meio de pressão sobre o inadimplente, já que este só terá direito a haver do outro a contraprestação se e quando cumprir a prestação a seu cargo.
III- o princípio da simultaneidade do cumprimento de obrigações recíprocas que servem de causa uma à outra pode não existir por convenção das partes, como acontece, por ex., nos contratos de execução sucessiva ou prolongada/duradoura, em que a obrigação de uma parte é de cumprimento contínuo e a obrigação da outra parte é periódica ou fraccionada.
IV- No contrato de arrendamento, a obrigação de pagar a renda, imposta ao locatário, faz parte do sinalagma contratual da locação, na medida em que se contrapõe à obrigação fundamental, imposta ao locador, de proporcionar o gozo da coisa ao locatário.
V- Os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, pois que a diversidade de graus de jurisdição determina, em regra, que os tribunais superiores sejam apenas confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: “X – SERVIÇOS LINGUISTICOS, LDA”.
Recorrido: O. M..
Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real – Juízo Local Cível de Peso da Régua.

O. M., divorciada, NIF ………, residente na Av. … no Porto, intentou acção declarativa com processo comum contra:
1ª - “X – SERVIÇOS LINGUISTICOS, LDA”, pessoa colectiva nº ………, com sede na Av. …, em Peso da Régua, cuja representante legal é L. S., NIF ........., a citar na sede da pessoa colectiva.
- L. S., NIF ........., a citar na sede da pessoa colectiva e que intervém na qualidade de fiadora da primeira demandada E
- D. S., titular do cartão de cidadão nº …… e NIF ………, residente na Rua … em Lisboa e que também intervém na qualidade de fiador da primeira demandada.

A autora formula os seguintes pedidos:
a) Pede que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento e a condenação dos demandados a despejar e entregar o prédio livre de pessoas e bens.
b) Pede a condenação dos demandados a pagarem à Demandante as rendas já vencidas no valor de € 1.896,54 e as que se vencerem e não forem pagas na pendência da presente acção até efectivo despejo, nos termos do artigo 557.º do C.P.C., acrescidas de respectivos juros de mora à taxa legal, conforme o Artº 806º do Código Civil, calculados desde a data de vencimento de cada uma delas, bem como o dobro desse quantitativo se houver mora em restituir o locado nos termos do artigo 1045.º do Código Civil.

Fundamenta tais pretensões na circunstância de a locatária ter incorrido em mora no pagamento de rendas – a de Dezembro de 2016, paga apenas parcialmente, e a de Janeiro de 2017, não paga, ambas após o prazo contratualmente previsto.

Por seu turno, a sociedade ré apresentou contestação em que pugnou pela improcedência dos pedidos, com os seguintes argumentos:
- Na data em que a acção foi proposta o período de mora era inferior a dois meses, como impõe o artigo 1083.º, n.º 3, do Código Civil.
- A partir de Novembro de 2016, a ré passou a descontar € 200,00 à renda mensal, com o acordo da autora, porque esta, não obstante interpelada a fazê-lo, não entregou à ré a licença de utilização para a finalidade do contrato de arrendamento, não resolveu o problema dos maus cheiros, infiltrações e humidades no piso térreo, porque a autora não substituiu as persianas e as caixilharias do locado e porque a autora não limpou as sujidades da fachada exterior.
- A ré recusou o pagamento da renda de Janeiro de 2017 por aqueles problemas ainda não terrem sido resolvidos pela autora.

Com a contestação, a ré juntou comprovativo de depósito em 14.2.2017 a favor da autora de € 5.757,22, quantia correspondente às rendas peticionadas pela autora acrescidas de 50%, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 1041.º, n.º 1, 1042.º, e 1048.º, n.º 1, do Código Civil, e 17.º, 18.º e 19.º do NRAU, com vista a operar a caducidade do direito de resolução do contrato, para o caso de não ser atendida a invocada excepção de não cumprimento do contrato.
A ré apresentou pedido reconvencional contra a autora, alegando que a falta de resolução pela autora de alguns dos problemas que motivaram a redução da renda, em particular, as infiltrações de humidade e maus cheiros no piso térreo, lhe causaram prejuízos que pretende ver ressarcidos, traduzidos em despesas com obras e danos não patrimoniais de € 3.000,00.

Pediu ainda a devolução do depósito liberatório condicional que efectuou e do montante de € 200,00 de cada renda depositada.
Por fim, pediu a condenação da autora na alteração da licença de utilização e na realização das obras que identifica no locado.
A autora, por seu turno, em articulado posterior, para além do mais, rejeita a existência de fundamento para a excepção do não cumprimento do contrato porque a autora efectuou o pedido de licenciamento camarário em 2010 e porque realizou obras no locado em 2013, 2014 e 2016 na sequência das queixas recebidas da ré.
Alegou ainda que o depósito efectuado, para ter o efeito liberatório pretendido, deveria ter sido superior, no montante de € 6.141,35, e não apenas de € 5.767,22.
A autora requereu nesta fase a condenação da ré como litigante de má fé, em multa a ponderar e indemnização não inferior a € 500,00, por não ignorar o carácter infundado das suas pretensões.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu nos seguintes termos:
Em virtude dos motivos expostos:
a) Julgo parcialmente procedente a acção e, em consequência, condeno os réus no pagamento dos montantes das rendas em atraso, no valor total de € 1.548,27, e das rendas vincendas na pendência desta acção, devendo ser restituído aos réus o montante por si já entregue e depositado na medida em que exceda tais montantes.
b) Absolvo os réus do demais peticionado pela autora.
c) Julgo a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a autora a reparar as infiltrações na parede da sala da garagem contígua às escadas exteriores do edifício locado, bem como a pintar a mesma parede, absolvendo a autora do demais peticionado pelos réus.

Inconformado com tal decisão, apela Ré “X – SERVIÇOS LINGUISTICOS, LDA” e, pugnando pela respectiva revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões:
1 – A ré impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, pedindo que a mesma seja alterada para dela passarem a constar os seguintes factos dados como provados e eliminados os seguintes factos dados como não provados.
2 – Quanto aos factos provados: alterar a redacção do ponto 1, aditar os pontos 4, 17, 19 e 22, e renumerar os restantes pontos:
1. A autora e a ré celebraram a 25 de Novembro de 2011 um contrato de arrendamento, aquela na qualidade de senhoria e esta de arrendatária, sobre o prédio urbano sito na Avenida … em Peso da Régua, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ..., com início em 1 de Abril de 2012.
4. De acordo com a cláusula décima do contrato de arrendamento, o local arrendado destina-se exclusivamente a prestar a actividade de serviços linguísticos, tradução simultânea, guias, escolas de línguas pela segunda outorgante.
17. Porque deixou caducar o pedido efetuado em 21/11/2011, referido no número anterior, a autora, apenas em 16 de Fevereiro de 2016 pediu novamente, junto da Câmara Municipal, a alteração da utilização do locado;
19. Da existência de licença de utilização para fim não habitacional depende a candidatura da ré a projectos financiados por fundos.
22. No entanto, a autora tinha conhecimento da existência dessas salas e que a ré destinara a garagem existente no rés-do-chão a salas de aula e ensino de línguas.
3 – A redacção do ponto 1 dos factos provados deve ser alterada tendo em conta que:
. A data 25/11/2011 consta do art.º 1º da Petição Inicial, art.º 21º da Contestação e art.º 101º da Réplica, não impugnados pela parte contrária;
. A data 25/11/2011 consta, rasurada, do contrato de arrendamento junto aos autos, que não foi impugnado;
. O requerimento com pedido de alteração da licença de utilização deu entrada na Câmara em 21/11/2011;
4 – O ponto 4 deve ser aditado tendo em conta que:
. Foi alegado no art.º 27º da Contestação, não impugnado pela parte contrária e consta do contrato de arrendamento juntos aos autos com a Petição Inicial.
. a inclusão deste facto tem relevância na apreciação da atitude das partes quanto à questão da licença de utilização e e necessidade da sua alteração.
5 – O ponto 17 deve ser aditado tendo em conta que:
. Este facto foi alegado no art.º 43º da Contestação e consta do procedimento camarário junto aos autos com a ref. Citius 1557884 que a autora foi notificada, através do ofício datado de 27/02/2012 para, em 15 dias, juntar os elementos previstos no art.º 15º da Portaria 232/2008, sob pena de rejeição do pedido e que, nesse prazo, a autora não juntou nada, tendo deixado caducar o pedido.
. Este facto vem, ainda, demonstrado pela troca de e-mails junta aos autos com a ref. Citius 1532282, designadamente o e-mail que a autora dirigiu à ré no dia 17/02/2016 informando-a que “Finalmente foi ontem entregue o pedido elaborado com toda a documentação necessária para solicitar a alteração mencionada.”
6 – O ponto 19 deve ser aditado tendo em conta que:
. Consta do documento n.º 2 junto com a Contestação e vem alegado nos artigos 29º e 41º da Contestação, que não foram impugnados pela parte contrária;
. O facto de nunca terem sido rejeitadas candidaturas apresentadas pela ré a fundos europeus com fundamento na inexistência da licença de utilização para fins não habitacionais, não leva à conclusão de que tal licença não é exigível para a apresentação dessas candidaturas, o que parece ter sido confundido pela sentença em crise.
7 – O ponto 22 deve ser aditado tendo em conta que:
. Vem alegado no art.º 50º da Contestação que não foi impugnado pela autora na réplica.
. Decorre das variadas obras que a autora levou a cabo na garagem do locado e que se mostram provadas nos pontos 20, 30, 34, 35, 36, 37 e 38 da sentença;
. Demonstrado através do e-mail que a autora dirigiu à ré em 5 de agosto de 2015, junto aos autos através da ref. Citius 1532282.
8 – Factos não provados: retirar do elenco dos factos não provados os pontos A. e B. e ainda o ponto D., este último porque não se trata de um facto, mas de uma consequência jurídica.

9 – Quanto à decisão sobre a matéria de direito, importa alterar a sentença quanto ao julgamento dos seguintes aspectos jurídicos da causa:
10 – A Recorrente pretende que a exceção de não cumprimento do contrato por si alegada seja julgada procedente, uma vez que resultaram provados factos que impõem que assim seja proferida tal decisão.
11 – Com a procedência da exceção de não cumprimento do contrato e consequente direito da Ré/Recorrente reduzir a renda, a Autora/Recorrida não tem direito ao pagamento da totalidade das rendas vencidas e vincendas.
12 – A decisão impunha-se por força dos factos dados como provados nos pontos 4, 25, 26, 27 e 36.
13 – Destes factos resulta à saciedade que, por motivo não atinente à ré, esta sofreu diminuição do gozo da coisa locada, o que lhe dá o direito a reduzir a renda na proporção dessa diminuição – Cfr. art.º 1040º n.º 1 do CC.
14 - De acordo com os esclarecimentos prestados pelos senhores peritos na sequência da apresentação do relatório de peritagem, a sala encerrada tem a área de 19,70 metros quadrados, que, num total de € 223,05 metros quadrados da totalidade do edifício, representa 8,83% da totalidade do edifício arrendado.
15 - A percentagem da renda correspondente à parte do imóvel que a R. não pode utilizar em consequência do facto provado em 23, de 8,83%, corresponde à quantia de € 101,40.
16 Ou seja, a ré podia ter reduzido a renda paga à autora pela diminuição do gozo da coisa locada (encerramento de uma sala), no valor de € 101,40.

17 - A sentença colocada em crise deveria ter alterado esse valor alegado e pedido pela R., de € 200,00 para € 101,40, no entanto, não o fez.
18 - Independentemente do destino que a R. deu à sala encerrada (sala de aula, arquivo ou arrumo), é um facto provado e incontestável que tal sala foi encerrada e que não está a ser utilizada pela R., verificando-se, sem qualquer dúvida, uma diminuição parcial do gozo da coisa locada por culpa da A..
19 – A ré arrendou a totalidade do imóvel à autora; logo, desde que inserido no âmbito da finalidade do locado, a autora pode usar todo o locado e, se está privada da sua utilização na totalidade, tem todo o direito de reduzir a renda que paga.
20 - Se pela utilização de todo o locado paga a renda de € 1.148,27, estando impossibilitada de usar uma sua parte, correspondente a € 101,40 da renda paga, está no direito de reduzir a renda paga nesse valor.
21 – Acresce que, a ré foi autorizada pela autora a instalar salas de aula na garagem (ponto 4 dos factos provados) e só não tinha a competente licença de utilização para usar a garagem para esse fim por culpa da autora, que não diligenciou, como era sua obrigação legal e contratual, pela sua obtenção (tendo a ré solicitado à autora, diversas vezes, durante a vigência do contrato de arrendamento, a entrega dessa licença).
22 - Assim, seria profundamente injusto que a senhoria continuasse a receber a totalidade da renda, sem oferecer à inquilina a totalidade da fruição do locado (conforme por ambas acordado aquando da celebração do contrato), mais justa se apresentando a solução de redução da renda na mesma proporção da parte não utilizada.
23 - E constando dos autos elementos aritméticos que permitem aferir o valor dessa redução, só há que os aplicar ao caso dos autos.
24 - Portanto, em face do exposto, a exceção de não cumprimento do contrato e redução da renda alegada na alínea C) da Contestação deveria ter sido julgada procedente, por provada, apenas sendo devidas pela R. à A. as rendas vencidas e vincendas, deduzidas da quantia de € 101,40, cada uma, até à data em que for possível a abertura da sala existente na garagem e, nessa sequência, alterar a decisão vertida na alínea a) da sentença para dela passar a constar que a ação é julgada parcialmente procedente, condenando os réus no pagamento dos montantes das rendas em atraso no valor de € 1.244,07 (valor apurado de acordo com a seguinte expressão numérica: € 400,00 - (€ 101,40x2) + (€ 1148,27- € 101,40), e das rendas vincendas na pendência desta ação, deduzidas da quantia de € 101,40 cada uma, devendo ser restituído aos réus o montante por si já entregue e depositado na medida em que exceda tais montantes, só passando a ser devida pela ré a totalidade da renda, sem a dedução de € 101,40, após a A. dar integral cumprimento à reparação das infiltrações e pintura em que foi condenada na alínea c) da sentença.

Acresce que,
25 – Devia ser julgada procedente a exceção de não cumprimento do contrato por falta de entrega da licença de utilização para fins não habitacionais e necessidade da sua alteração como fundamento para o pagamento parcial da renda de dezembro de 2016 e totalidade da renda de janeiro de 2017, num total de € 1.548,27 (400+1.148,27), e nas rendas que se venceram na pendência da ação e até à data em que a licença de utilização for alterada.
26 – Sobre este tema, foram dados como provados os factos 3, 14, 15, 16, 17, 18 e 19.
27 - Não há dúvidas - do teor da legislação em vigor à data da celebração do contrato de arrendamento celebrado entre a autora e a ré – que, para celebrar tal contrato, era necessária a licença de utilização do imóvel para o fim a que se destinava.
28 - Na data da celebração do contrato de arrendamento, o imóvel tinha licença de utilização para fins habitacionais, mas não tinha licença de utilização para fins não habitacionais, sendo este último o destino que ambas as partes acordaram que seria dado ao imóvel a arrendar, conforme cláusula décima inserta no mesmo.
29 - Consciente desse facto, a ré concordou e aceitou celebrar com a autora o contrato de arrendamento sem a licença de utilização emitida, apenas com o requerimento de pedido dessa alteração que tinha dado entrada na Câmara Municipal, nessa data.
30 - A ré insistiu várias vezes com a autora para que esta cumprisse a sua obrigação de lhe entregar a licença, o que a ré só fez após a instauração da presente ação.
31 - E porque a autora nunca entregou à ré a referida licença - que ficou provado só ter vindo a existir em finais do ano de 2016 - é que a ré invocou este (e outros factos que fizeram a autora incorrer em incumprimento das suas obrigações) para fundamentar a exceção de não cumprimento do contrato.
32 - Note-se que a ré, apesar de ter insistido várias vezes para que a autora lhe entregasse a licença, nunca deixou de lhe pagar a renda, com esse fundamento.
33 - Note-se, ainda, que só em novembro de 2016, já depois de vários avisos à autora de que o faria, e depois de esperar que esta resolvesse outras situações em falta (reparações, infiltrações) é que a ré reduziu a renda em € 200,00 como forma de reação ao incumprimento da autora.
34 - A este propósito, vide Acórdão da Relação do Porto de 11/04/2019, que refere que “a exceptio tem uma função coercitiva, uma vez que a invocação da mesma constitui um meio de pressão sobre o contraente inadimplente no sentido de este cumprir, de o compelir à execução da sua obrigação.”
35 - Parece mais do que legítimo e justo o recurso que a ré fez à exceção de não cumprimento do contrato, pois apesar de saber que o contrato de arrendamento teve início sem a necessária licença de utilização, também confiou que a autora iria tratar da obtenção da mesma, no entanto, ao contrário do que se comprometeu, deixou caducar o primeiro pedido e arrastou este processo durante anos a fio sem se preocupar em juntar os elementos em falta que lhe foram solicitados pela Câmara.
36 - Uma vez que a autora não lhe entregava a licença pretendida, a ré reduziu o valor da renda, exercendo o direito de não cumprir por inteiro a sua obrigação de pagar a renda, enquanto a autora não cumprisse também por inteiro a sua obrigação de lhe permitir o gozo do locado, com todas as obrigações acessórias daí decorrentes, como seja a de possuir licença de utilização adequada à finalidade do arrendamento.
37 - Andou mal a sentença agora em crise ao não reconhecer o direito da ré utilizar a exceção de não cumprimento do contrato.
38 - Em face do exposto, a exceção de não cumprimento do contrato alegada na alínea C) da Contestação deveria ter sido julgada procedente, por provada, apenas sendo devidas pela R. à A. as rendas vencidas e vincendas, após esta proceder à alteração da licença de utilização em conformidade com o existente no locado.
39 – O pedido reconvencional da ré para que a autora seja condenada a alterar a licença de utilização do locado, designadamente ao nível da garagem para fazer constar as duas salas de ensino de línguas devia ter sido julgado procedente.
40 – Alega o Tribunal “a quo” não ter ficado convencido da real necessidade e utilidade de alterar a licença de utilização na parte respeitante à garagem, uma vez que, de acordo com a perícia (fls. 221, referência citius 1909675 de 14/03/2019), a garagem não tem pé-direito suficiente para permitir o funcionamento de salas de aulas, já que as regras urbanísticas e de construção exigem um pé direito superior para tal finalidade.
41 - A sentença em crise alega que “…a ré não logrou provar ter o direito contratual a utilizar a garagem para salas de aulas, …”.
42 - Já deixámos dito supra vimos que tal afirmação é falsa, de acordo com o que consta do contrato de arrendamento, do alegado pelas partes e dos factos dados como provados.
43 - Na verdade, consta da cláusula 10ª do contrato de arrendamento, que o imóvel locado se destina a serviços linguísticos, tradução, tradução simultânea, guias, escolas de línguas, não tendo as partes feito constar do mesmo o local exato do imóvel onde seria exercida cada uma das actividades designadas para o seu fim.
44 - A ré poderia, caso quisesse, instalar salas de aulas para o ensino de línguas em qualquer parte do imóvel, pois a tal estava contratualmente autorizada.
45 - A ré não tinha obrigação alguma, nem a autora lhe exigiu que informasse previamente o local onde pretendia instalar as salas de aula.
46 - No entanto, a autora sabia perfeitamente, antes de juntar as plantas com a distribuição e áreas das salas e outros compartimentos do imóvel, ao pedido de alteração da utilização junto da Câmara, que tais salas de aulas existiam na garagem. Os técnicos por si contratados para instruir o pedido de alteração da licença de utilização, foram ao local e verificaram a existência de tais salas.
47 - No entanto, apesar disso, a autora não quis fazer constar das plantas e memória descritiva apresentada na Câmara, a existência de salas de aulas na garagem.
48 - Deveria e poderia tê-lo feito e não fez. E é isso que a ré pede em reconvenção.
49 - Mais uma vez a autora não cumpriu a sua obrigação de senhoria para com a ré, arrendatária.
50 - Por outro lado, segundo a prova pericial, a legalização é possível e é apontada como uma das soluções (alternativa), para a resolução deste problema.
51 - Assim, tendo em conta que:
e) A autora está legalmente obrigada a possuir licença de utilização para fins não habitacionais para o imóvel arrendado à ré – Cfr. Art.º 1070º n.º 1 do Código Civil e portaria que o regulamenta;
f) A autora autorizou a ré a efectuar obras de adaptação do locado ao fim a que ambas acordaram, no contrato de arrendamento, que o mesmo se destinava;
g) Após a celebração do contrato de arrendamento, e antes da elaboração das plantas e memória descritiva do edifício, a ré levou a cabo obras de adaptação do locado ao fim por ambas acordado, tendo instalado duas salas de aula no piso da garagem;
h) Após conclusão das obras levadas a cabo pela ré e da utilização que esta vem fazendo do piso da garagem (salas de aula), a autora apresentou na Câmara Municipal pedido de alteração da licença de utilização ao qual juntou as plantas e memória descritiva do edifício, e das quais não constam, no piso de garagem, as duas salas de aula.
52 - Perante esta sucessão de factos/acontecimentos, dados como provados nos autos, dúvidas não restam de que a autora não deu cumprimento à sua obrigação de senhoria, que era a de instruir o pedido de alteração da licença de utilização com as plantas e memória descritiva de acordo com a realidade existente no imóvel e que ela bem conhecia e não devia ignorar.
53 - Pelo que, a sentença em crise deveria condenar a autora a alterar a licença de utilização em conformidade com o existente no locado, designadamente ao nível da garagem do imóvel fazer constar a existência de duas salas destinadas ao ensino de línguas, e só proceder ao levantamento das rendas depositadas na Caixa ..., após dar cumprimento à presente condenação.
54 – A autora deve, ainda, ser condenada a substituir as persianas e as caixilharias em madeira, tendo em conta os factos dados como provados nos pontos 29 e 34.
55 – O Tribunal “a quo” entendeu ser “…desproporcionado exigir da autora a substituição das persianas e caixilharias em madeira. Embora as mesmas não confiram o mesmo grau de isolamento térmico que os materiais atuais conferem, a ré arrendou o locado quando ele já era vetusto, tendo aceite a antiguidade dos materiais e o seu carácter pouco isolador.”
56 - Não se contesta que a ré arrendou um edifício que, apesar de antigo, apresentava um bom estado de conservação.
57 - A ré não pretende que a autora faça uma renovação ao edifício, substituindo os materiais antigos por materiais novos, atuais e com maior eficiência térmica. Não. Nada disso é alegado e pedido na reconvenção (cfr. Artigos 61 e 62 da Reconvenção).
58 - O que a ré pede é que a autora - como lhe compete e é sua obrigação de senhoria - realize as obras que forem necessárias para conservar o edifício e permitir que a ré o utilize e frua, de acordo com o estabelecido no contrato.
59 - A este respeito cumpre referir o que a prova pericial disse a este respeito sobre o estado de conservação do imóvel, designadamente:
60 - Na página 6, imagem 6, “porta de acesso ao exterior, composta por uma folha simples e fina de madeira, vidro simples, ainda com problemas de calafetagem, por empeno da porta e do pavimento da soleira, diminuindo drasticamente a qualidade térmica do edifício”;
61 - Na página 8, “As janelas apresentam-se sem qualquer tinta/verniz fruto da acção do tempo. Também o betume na ligação do perfil de madeira ao vidro se encontra muito deteriorado, nalguns casos apresentando algumas zonas onde se destacou, estando mesmo em falta”;
62 – Na página 8, imagem 8, “…nas janelas exteriores existe falta de manutenção, no que se refere à substituição de betumes, pinturas e calafetagens, promovendo-se deste modo a ineficácia térmica e até a perenidade destes elementos compositivos do imóvel.”;
63 - Na página 9, imagem 9, “Foi aplicada espuma nas caixas de estores, contudo, por se tratar de um elemento flexível e com alguma volatilidade, o rompimento torna-se rápido, perdendo-se o efeito pretendido, logo ineficaz.”; “O estore do 2º piso do saguão encontra-se danificado, necessita de reparação/substituição;
64 - Na resposta ao quesito 19º, que perguntava se “Os eventuais «defeitos» que o imóvel apresente, em especial de isolamento, devem-se a falta de conservação, a intervenções (como seja o caso da espuma aplicada) ou a causas inerentes ao próprio imóvel?”, os peritos responderam “Ambos”;
65 - À pergunta constante do quesito 20º “Poderão os mesmos ser resolvidos definitivamente (e carecem de intervenção) ou deverão ser periodicamente revistos, como em qualquer outro locado?”, a resposta dos Senhores Peritos foi: “poderão e deverão ser periodicamente revistos;
66 - À pergunta ao quesito 24º “Existe alguma obra imprescindível e necessária a realizar no imóvel no sentido de corrigir a sua cabal utilização que não a conservação ordinária?”, a resposta dos peritos foi “Sim. A eliminação da infiltração junto das escadas e a manutenção das caixilharias.”
67 - E, por fim, na resposta ao quesito 2, na página 15 do relatório pericial, dizem os senhores peritos que “Poder-se-á considerar que a reparação / eliminação da infiltração na sala do R/C da garagem carece de alguma celeridade, bem como a manutenção das caixilharias de madeira.”.
68 - Nos esclarecimentos prestados por escrito (referência Citius n.º 1981595), os Senhores Peritos também referem que:
69 - Resposta ao pedido de esclarecimento 5º: “Foi ainda possível verificar que os estores localizados na zona do saguão, encontram-se inoperacionais, necessitando de ser substituídos.”
70 - Resposta ao pedido de esclarecimento 7º: “As acções ou actividades necessárias para repor o bom funcionamento do imóvel, e garantir também o aspeto estético e de durabilidade serão os seguintes: b) Reparação dos caixilhos de madeira, cujo betume está em muitos casos inexistente, e limpeza e protecção dos caixilhos, com tratamento primário e pintura, de modo a garantir estanqueidade necessária destes elementos, e a sua durabilidade. Limpeza dos caixilhos removendo as tintas antigas, e aplicar uma nova «capa» de protecção e posterior pintura, com as características semelhantes aos originais; substituição dos betumes antigos, secos e fissurados, por uma nova aplicação de betume. c) Reparação das caixas de estores, por forma a garantir a sua estanqueidade. Poderá haver situações em que seja necessária a substituição de algumas caixas de estore, já muito danificadas e deformadas devido à idade, utilização, mas também pela aplicação indiscriminada e pouco cuidada de espuma de poliuretano. Reparação ou mesmo substituição dos estores da zona do saguão, que não funcionam correctamente.”
71 - O imóvel objecto do contrato celebrado entre as partes foi arrendado em 2011 e a peritagem junta aos autos foi realizada em 2019.
72 - Ou seja, já passaram anos suficientes para que tivesse ocorrido, no imóvel da autora, o normal desgaste que todos os imóveis sofrem com o passar do tempo.
73 - As normas técnicas até aconselham que as obras de conservação e manutenção dos imóveis se realizem com uma periodicidade de 8 anos, conforme depoimento prestado pelos Senhores Peritos em sede de audiência de julgamento e também previsto no art.º 89 do DL 555/99 (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação).
74 - Não existem, assim, quaisquer dúvidas de que a autora deve ser condenada a proceder à reparação/substituição das persianas e caixilharias existentes no imóvel arrendado e só ser autorizada a levantar as rendas depositadas na Caixa ... após dar integral cumprimento a esta condenação.
75 – Alterando-se a sentença em crise quanto à matéria de facto, conforme pugnado nos pontos 2 e 8 das conclusões, e a decisão sobre a matéria de direito, conforme pugnado nos pontos 10, 24, 25, 38, 39, 53, 54 e 74 das conclusões.
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O Apelado apresentou contra-alegações concluindo pela improcedência da apelação.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:

- Apreciar a decisão da matéria de facto, apurando se ela deve ou não ser alterada e, como consequência, se deve ou não ser mantida a decisão recorrida.
- Analisar da verificação ou não da excepção de não cumprimento do contrato.
- Analisar da eventual procedência do pedido reconvencional por falta de alteração a licença de utilização do locado e relativamente à substituição das persianas e as caixilharias em madeira.
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III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

FACTOS PROVADOS:

Discutida a causa, resultaram provado e não provados na sentença recorrida os seguintes factos:
- Factos provados

1. A autora e a ré celebraram a 25 de Novembro de 2010 um contrato de arrendamento, aquela na qualidade de senhoria e esta de arrendatária, sobre o prédio urbano sito na Avenida …, em Peso da Régua, descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ..., com início em 1 de Abril de 2011.
2. Nesse contrato, ficaram como fiadores os segundo e terceiro demandados, que renunciaram ao benefício de excussão prévia e assumiram solidariamente com a primeira demandada a obrigação do fiel cumprimento de toadas as cláusulas do contrato e de seus aditamentos legais até efectiva restituição do locado.
3. De acordo com a cláusula 1ª do contrato de arrendamento, o requerimento de pedido de licença de utilização do prédio objecto do contrato deu entrada na Câmara Municipal ... e ficou anexo ao contrato.
4. De acordo com a cláusula 12ª do contrato de arrendamento, a sociedade ré ficou autorizada a retirar do locado a porta da garagem que aí se encontra.
5. De acordo com a cláusula 13ª do contrato de arrendamento, a autora autorizou a sociedade ré a levantar paredes de pladur e a abrir portas no interior da garagem do locado.
6. De acordo com a cláusula 14ª do contrato de arrendamento, a sociedade ré ficou autorizada a realizar no locado e sob a sua responsabilidade as obras ou benfeitorias necessárias para adaptação do imóvel à actividade profissional referida na cláusula 10ª – serviços linguísticos, tradução, tradução simultânea, guias, escolas de línguas -, não podendo, contudo, alterar a estrutura do imóvel, levantando ou suprimindo paredes, portas ou janelas sem prévia autorização escrita da autora.
7. De acordo com a cláusula 18ª do contrato de arrendamento, a sociedade ré, no termo do contrato, entregará o locado no actual bom estado de conservação e limpeza, incluindo soalhos, forros, pinturas e vidros, e, bem assim, as respectivas instalações e canalizações de água, electricidade, comunicações, aquecimento, esgotos e demais equipamentos, ressalvado o desgaste proveniente da sua normal e prudente utilização e do decurso do tempo.
8. A renda estabelecida inicialmente foi de € 1.100,00 brutos, sobre a qual incidirão os respectivos descontos legais e deveria ser paga até ao dia 8 do mês anterior a que disser respeito.
9. Mercê das sucessivas actualizações, a renda agora é do valor de € 1.148,27.
10. No dia 9 de Novembro de 2016, os réus depositaram a quantia de € 1.422,40.
11. Em 2 de Dezembro de 2016, a autora emitiu um recibo da renda referente a Novembro de 2016 no valor de € 1.148,27.
12. Em 2 de Dezembro de 2016, a autora emitiu um recibo da quantia remanescente de € 748,27 brutos, referente à renda de Dezembro de 2016.
13. Nas datas de celebração e de início de vigência do contrato de arrendamento, o prédio objecto do mesmo encontrava-se licenciado apenas para utilização para fins habitacionais.
14. A sociedade ré solicitou várias vezes à autora que lhe entregasse uma cópia da licença de utilização do edifício locado para fins não habitacionais.
15. A autora solicitou à Camara Municipal a alteração do fim da utilização do locado em 21 de Novembro de 2011.
16. A autora foi notificada em 25 de Maio de 2016 pela Câmara Municipal da decisão de deferimento do pedido de alteração da finalidade da utilização do locado, tendo solicitado em 11 de Outubro de 2016 a emissão do respectivo alvará.
17. Durante a vigência do contrato de arrendamento, a sociedade ré candidatou-se a projectos financiados por fundos europeus e executou alguns, encontrando-se um em execução.
18. Das plantas juntas ao processo de licenciamento de utilização requerido pela autora não constam as duas salas existentes no rés-do-chão após as obras realizadas pela sociedade ré, constando arrecadação, arrumos e arquivo.
19. Em 2014, passou a fazer-se sentir um cheiro nauseabundo no espaço de garagem do locado.
20. Após a ré solicitar junto da autora a resolução do problema do mau cheiro do espaço de garagem, interveio no local uma equipa de técnicos que procedeu à limpeza do saneamento e selou as respectivas caixas existentes na garagem.
21. Na parede da sala existente na garagem contígua às escadas exteriores de acesso ao primeiro andar, surgiram entre 2012 e 2013 infiltrações de água que provocaram cheiro e manchas de humidade e o empolamento da pintura da parede.
22. A ré relatou este problema à autora.
23. Em virtude do descrito em 21, a ré teve de encerrar a sala de aula e abrir uma sala destinada ao ensino de línguas no primeiro andar do locado.
24. A sala situada no primeiro andar, referida em 23, tem capacidade para 12 alunos, ao passo que a sala que a que a ré teve de fechar na garagem tinha capacidade para 15 alunos.
25. As persianas do locado começaram a partir-se, a encravar e a ficar empenhadas e as caixilharias em madeira do locado estão empenadas, a partir e a ficar sem verniz, o que a ré comunicou à autora.
26. A ré informou a autora da existência de sujidade na fachada exterior do imóvel devido aos ninhos de pombas.
27. A ré sugeriu por contacto telefónico à autora descontar € 200,00 à renda mensal, em virtude do encerramento da sala da garagem.
28. No mês de Novembro de 2016, a ré decidiu pagar à autora as rendas dos meses de Novembro e de Dezembro, deduzidas, cada uma, de € 200,00.
29. A ré decidiu suspender o pagamento da renda do mês de Janeiro de 2017 até que a autora fizesse obras de resolução dos problemas acima descritos do locado e até que lhe fosse entregue a licença de utilização.
30. A autora substituiu parte das persianas do primeiro andar do locado.
31. Como os problemas do locado ainda não estavam totalmente resolvidos, a ré decidiu suspender o pagamento também da renda do mês de Fevereiro de 2017.
32. Com a reconversão para sala de aulas da sala do primeiro andar referida, a ré ficou sem sala exclusivamente dedicada a reuniões.
33. Alunos e pais reclamaram do mau cheiro da sala de aula da garagem.
34. Em Outubro de 2013, a autora realizou obras no locado que consistiram na revisão geral do locado, na pintura do rés-do-chão e na reparação das caleiras.
35. Em Fevereiro e Março de 2014, a autora aplicou isolante no locado e pintou.
36. Em Agosto de 2014, a autora picou o gesso da parede situada na garagem, afectada com a infiltração e humidade, aplicou novo gesso e pintou a parede de cor azul, reparou tampa de saneamento, lavou a parede junto das escadas e aplicou isolante transparente, retirou tubo de queda de águas pluviais e colocou novo tubo em alumínio.
37. Em Novembro de 2014, a autora efectuou as seguintes reparações no locado: reparação de parede interior e pintura, impermeabilizou parede de pedra, substituiu tubo das águas pluviais, colocou 7 metros de caleira com grelha, e colocou 3,5 metros de tubo de pvc para escoamento de caleiro.
38. Em Outubro de 2016, a autora procedeu ao desentupimento e conserto das canalizações, conforme solicitado pela ré, tendo o técnico que realizou a obra verificado entupimento com papel higiénico, toalhitas e outras sujidades.

Factos não provados.

Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão em contradição com os anteriores.

Nomeadamente, não se provou o seguinte:

A. Da existência de licença de utilização para fim não habitacional depende a candidatura da ré a projectos financiados por fundos europeus e a autorização pela DREN para a sociedade ré funcionar como estabelecimento particular de educação extra-escolar.
B. A autora apenas em 16 de Fevereiro de 2016 pediu junto da Câmara Municipal a alteração de utilização do locado.
C. A autora e a ré acordaram que a garagem seria destinada pela ré a duas salas de aula para o ensino de línguas.
D. É necessário alterar a licença de utilização do locado na parte respeitante à garagem, para prever salas de aulas de ensino de línguas.
E. O cheiro nauseabundo sentido no espaço de garagem continua a existir, embora menos intenso.
F. A autora nada fez para resolver o problema das infiltrações e humidades descrito em 21.
G. Por causa do estado da caixilharia em madeira, a ré tem de suportar com o aquecimento e o arrefecimento no interior do locado mais € 700,00 mensais em conta de electricidade.
H. A autora concordou com a redução da renda sugerida pela ré.
I. A ré teve de gastar € 584,25 com obras de adaptação de sala do primeiro andar a sala de aulas para substituir a sala da garagem que deixou de utilizar.
J. Alunos e pais reclamaram do encerramento da sala de aula da garagem.

Fundamentação de direito.

Cumpre antes de mais proceder à apreciação da impugnação da matéria de facto pretendida pela Apelante, pois sem a fixação definitiva dos factos provados e não provados não é possível extrair as pertinentes consequências à luz do direito.

Ora, como resulta do disposto nos artigos 640 e 662º do C.P.C., o recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto deve não só identificar os pontos de facto que considera incorrectamente como também especificar concreta e individualizadamente o sentido da resposta diversa que, em seu entender, a prova produzida permite relativamente a cada um dos factos impugnados.

A impugnação da matéria de facto traduz-se no meio de sindicar a decisão que sobre ela proferiu a primeira instância.

Contudo, nesta actividade, como se refere no acórdão da Relação de Guimarães, de 26/09/2018 (1), os poderes do Tribunal da Relação não podem ser restritivamente circunscritos à simples apreciação do juízo valorativo efectuado pelo julgador a quo, ou seja, ao apuramento da razoabilidade da convicção formada pelo juiz da primeira instância face aos elementos probatórios disponíveis no processo, devendo antes a Relação, fazendo jus aos poderes que lhe são atribuídos enquanto tribunal de segunda instância que garante um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, efectuar uma autónoma apreciação crítica das provas produzidas (em vista de formar uma convicção autónoma), alterando a decisão caso adquira, face a essa autónoma apreciação dos elementos probatórios a que há-de proceder, uma diversa convicção (2).

A análise crítica dos elementos probatórios (em ordem à justificação racional da decisão – elemento verdadeiramente estruturante e legitimador desta, que lhe confere a natureza de decisão, afastando-a do que seria uma simples imposição judicial) consiste na sua apreciação e valorização, tanto individual como conjugada (na sua relacionação reversiva – na sujeição dos elementos probatórios a mútuos testes de compatibilidade), à luz das regras da normalidade, da verosimilhança, do bom senso e experiência da vida (das leis da ciência, quando for o caso).

Esta apreciação transcende a averiguação da sinceridade dos depoentes e testemunhas – a decisão da matéria de facto assenta numa convicção objectivável e motivável, a que se acede por via da razão, alicerçada em elementos de lógica e bom senso.

Apreciação que também se não confunde ou resume a certificar o declarado pelas partes ou testemunhas ou o teor de determinado elemento probatório – aprecia-se quer da valia intrínseca de cada um dos elementos probatórios (da consistência, coerência e verosimilhança de cada um dos referidos elementos, tomado individualmente) e também a sua valia extrínseca (da conjugação e compatibilidade entre todos eles).

Os meios probatórios têm por função a demonstração da realidade dos factos, sendo que, através da sua produção não se pretende criar no espírito do julgador uma certeza absoluta da realidade dos factos, o que, obviamente implica que a realização da justiça se tenha de bastar com um grau de probabilidade bastante, em face das circunstâncias do caso, das regras da experiência da comum e dos conhecimentos obtidos pela ciência.

Mas, como é óbvio, e convirá realçar, a liberdade na apreciação da prova não equivale a uma apreciação arbitrária das provas produzidas, uma vez que o inerente dever de fundamentação do resultado alcançado impedirá a possibilidade de julgamentos despóticos.

À luz de tudo o exposto importa agora sindicar a decisão da matéria de facto.se as respostas impugnadas foram ou não proferidas de acordo com as regras e princípios do direito probatório aplicáveis.

Ora, como resulta do supra exposto, o Recorrente impugna a materialidade fixada na decisão recorrida alegando como fundamento que o Tribunal recorrido considerou como provados e não provados, respectivamente, os factos a seguir referidos, os quais, contudo, em seu entender, em respeito pela integridade da prova produzida nos autos, deveriam ter obtido uma resposta de sentido diverso e de sentido contrário.

A- Assim, em seu entender, os factos tidos como provados a seguir referidos deve se alterada a resposta dada ao facto nº 1) e aditados os demais, ou seja, os factos nºs 4), 17), 19) e 22), aos provados:
1. A autora e a ré celebraram a 25 de Novembro de 2011 um contrato de arrendamento, aquela na qualidade de senhoria e esta de arrendatária, sobre o prédio urbano sito na Avenida … em Peso da Régua, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ..., com início em 1 de Abril de 2012.

4. De acordo com a cláusula décima do contrato de arrendamento, o local arrendado destina-se exclusivamente a prestar a actividade de serviços linguísticos, tradução simultânea, guias, escolas de línguas pela segunda outorgante.
17. Porque deixou caducar o pedido efetuado em 21/11/2011, referido no número anterior, a autora, apenas em 16 de Fevereiro de 2016 pediu novamente, junto da Câmara Municipal, a alteração da utilização do locado;
19. Da existência de licença de utilização para fim não habitacional depende a candidatura da ré a projectos financiados por fundos.
22. No entanto, a autora tinha conhecimento da existência dessas salas e que a ré destinara a garagem existente no rés-do-chão a salas de aula e ensino de línguas.

Fundamenta a sua impugnação na seguinte argumentação:

- A redacção do ponto 1) dos factos provados deve ser alterada tendo em conta que:
. A data 25/11/2011 consta do art.º 1º da Petição Inicial, art.º 21º da Contestação e art.º 101º da Réplica, não impugnados pela parte contrária;
. A data 25/11/2011 consta, rasurada, do contrato de arrendamento junto aos autos, que não foi impugnado;
. O requerimento com pedido de alteração da licença de utilização deu entrada na Câmara em 21/11/2011;

– O ponto 4 deve ser aditado tendo em conta que:
. Foi alegado no art.º 27º da Contestação, não impugnado pela parte contrária e consta do contrato de arrendamento juntos aos autos com a Petição Inicial.
. a inclusão deste facto tem relevância na apreciação da atitude das partes quanto à questão da licença de utilização e e necessidade da sua alteração.
– O ponto 17 deve ser aditado tendo em conta que:
. Este facto foi alegado no art.º 43º da Contestação e consta do procedimento camarário junto aos autos com a ref. Citius 1557884 que a autora foi notificada, através do ofício datado de 27/02/2012 para, em 15 dias, juntar os elementos previstos no art.º 15º da Portaria 232/2008, sob pena de rejeição do pedido e que, nesse prazo, a autora não juntou nada, tendo deixado caducar o pedido.
. Este facto vem, ainda, demonstrado pela troca de e-mails junta aos autos com a ref. Citius 1532282, designadamente o e-mail que a autora dirigiu à ré no dia 17/02/2016 informando-a que “Finalmente foi ontem entregue o pedido elaborado com toda a documentação necessária para solicitar a alteração mencionada.”
– O ponto 19 deve ser aditado tendo em conta que:
. Consta do documento n.º 2 junto com a Contestação e vem alegado nos artigos 29º e 41º da Contestação, que não foram impugnados pela parte contrária;
. O facto de nunca terem sido rejeitadas candidaturas apresentadas pela ré a fundos europeus com fundamento na inexistência da licença de utilização para fins não habitacionais, não leva à conclusão de que tal licença não é exigível para a apresentação dessas candidaturas, o que parece ter sido confundido pela sentença em crise.
- O ponto 22 deve ser aditado tendo em conta que:
. Vem alegado no art.º 50º da Contestação que não foi impugnado pela autora na réplica.
. Decorre das variadas obras que a autora levou a cabo na garagem do locado e que se mostram provadas nos pontos 20, 30, 34, 35, 36, 37 e 38 da sentença;
. Demonstrado através do e-mail que a autora dirigiu à ré em 5 de agosto de 2015, junto aos autos através da ref. Citius 1532282.

B- Devem ainda ser retirados do elenco dos factos não provados os pontos A. e B., e ainda o ponto D., este último porque não se trata de um facto, mas de uma consequência jurídica:
A. Da existência de licença de utilização para fim não habitacional depende a candidatura da ré a projectos financiados por fundos europeus e a autorização pela DREN para a sociedade ré funcionar como estabelecimento particular de educação extra-escolar.
B. A autora apenas em 16 de Fevereiro de 2016 pediu junto da Câmara Municipal a alteração de utilização do locado.
D. É necessário alterar a licença de utilização do locado na parte respeitante à garagem, para prever salas de aulas de ensino de línguas.

Ora, como se referiu, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância (3).

Importa, porém, não esquecer que se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

A prova como demonstração efectiva (segundo a convicção do juiz) da realidade de um facto não é certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica) (4).

Assim, porque a prova como demonstração efectiva - segundo a convicção do juiz - da realidade de um facto “não é certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida - certeza histórico-empírica” -, é necessário fazer uma análise crítica dos elementos probatórios produzidos nos autos, isto é, apreciá-los e valorizá-los de forma conjugada, relacionando-os reversivamente (testando a compatibilidade entre uns e outros), tudo isto à luz das regras da normalidade, da experiência da vida e dos ensinamentos da ciência.

O legislador ao determinar a afirmar que a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto, designadamente, se a prova produzida ou documento superveniente impuseram decisão diversa – artigo 662, nº1, do C.P.C. -, pretendeu que o tribunal de 2.ª instância fizesse novo julgamento da matéria de facto, fosse à procura da sua própria convicção e, assim, se assegurasse o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto.

O Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição (5), está em posição de proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que neste âmbito a sua actuação é praticamente idêntica à do Tribunal de primeira Instância, apenas cedendo nos factores da imediação e da oralidade.

Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.

Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a- formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada” (6).

E é á luz do que se acaba de expender que importa agora sindicar a decisão da matéria de facto, averiguando se as respostas impugnadas foram proferidas de acordo com as regras e princípios do direito probatório e com o que os meios de prova produzidos nos autos, impõem concluir.

Isto considerado, e começando pela requerida alteração da redacção do facto nº 1, dos provados, quanto à data da celebração do contrato, além de ter sido admitido o erro pela própria Recorrida, temos que, quer do próprio conteúdo da alegação, quer da documentação junta ao autos (a data 25/11/2011 consta do art.º 1º da Petição Inicial, art.º 21º da Contestação e art.º 101º da Réplica, não impugnados pela parte contrária, bem como, do contrato de arrendamento junto aos autos, que não foi impugnado), resulta como incontroverso que o contrato foi celebrado 25/11/2011.

E assim sendo, tudo levando a acreditar que se esteja perante um mero lapso de escrita, determina-se se proceda à sua rectificação fazendo constar do aludido facto a data de 25/11/2011.

Alega a Recorrente dever ser aditado aos factos provados o seguinte facto:
4. De acordo com a cláusula décima do contrato de arrendamento, o local arrendado destina-se exclusivamente a prestar a actividade de serviços linguísticos, tradução simultânea, guias, escolas de línguas pela segunda outorgante.

Como fundamento alega que um tal facto foi alegado e não impugnado, e a sua inclusão nos provados tem relevância na apreciação da atitude das partes quanto à questão da licença de utilização e e necessidade da sua alteração.

Quanto a esta materialidade, é também nosso entendimento o de que, no contexto da demais demonstrada, ela carece de qualquer relevância para a decisão da causa, pois que, resulta já demonstrado no ponto 6) e 10), dos factos provados, que a sociedade apelante “ficou autorizada a realizar no locado e sob a sua responsabilidade as obras ou benfeitorias necessárias para adaptação do imóvel à actividade profissional referida na cláusula” que são ”serviços linguísticos, tradução, tradução simultânea, guias, escolas de línguas -, não podendo, contudo, alterar a estrutura do imóvel, levantando ou suprimindo paredes, portas ou janelas sem prévia autorização escrita da autora”, ou seja, como e, em nosso entender, bem refere a Recorrida, está perfeitamente determinado o objecto do contrato de arrendamento pelo que não deve ser acrescentado tal ponto aos factos provados.

Mais alega a Recorrente dever também ser aditado aos provados o seguinte facto:

17. Porque deixou caducar o pedido efetuado em 21/11/2011, referido no número anterior, a autora, apenas em 16 de Fevereiro de 2016 pediu novamente, junto da Câmara Municipal, a alteração da utilização do locado;

Isto porque, conforme alega, este facto foi alegado no art.º 43º da Contestação e consta do procedimento camarário junto aos autos que a autora foi notificada, através do ofício datado de 27/02/2012 para, em 15 dias, juntar os elementos previstos no art.º 15º da Portaria 232/2008, e ainda resulta, demonstrado pela troca de e-mails junta aos autos.

Ora, relativamente a esta factualidade, e sem embargo do alegado pela Recorrente, sendo certo que, como e bem refere a Recorrida, dos temas da prova consta a necessidade de alteração da licença de utilização, o certo é que, não foram alegados factos, nem dos autos consta prova consistente e demonstrativa de quaisquer factos que permitam concluir que a Ré tenha adoptado qualquer conduta negligente no sentido de alteração das finalidades do imóvel.

E assim sendo, improcede também nesta parte a impugnação factual.

Relativamente à licença de utilização pretende a apelante a inclusão de novo ponto nos Factos Provados, sob o nº 19, deles passando a constar seguinte facto:
“Da existência de licença de utilização para fim não habitacional depende a candidatura da ré a projectos financiados por fundos”.

Isto porque, em seu entender, consta do documento n.º 2 junto com a Contestação e vem alegado nos artigos 29º e 41º da Contestação, que não foram impugnados pela parte contrária, sendo que, O facto de nunca terem sido rejeitadas candidaturas apresentadas pela ré a fundos europeus com fundamento na inexistência da licença de utilização para fins não habitacionais, não leva à conclusão de que tal licença não é exigível para a apresentação dessas candidaturas, o que parece ter sido confundido pela sentença em crise.

No que concerne a tal materialidade, como e bem alega a Recorrida, foi dado como provado que a Apelante/Ré:
“17. Durante a vigência do contrato de arrendamento, a sociedade ré candidatou-se a projectos financiados por fundos europeus e executou alguns, encontrando-se um em execução”.

E assim sendo, como inelutável resulta não assistir à Apelante qualquer razão, uma vez que a mesma se candidatou a projectos financiados por fundos europeus e foi contemplada com tais financiamentos, independentemente de possuir ou não licença de utilização.

Improcede, assim, também neste aspecto a impugnação.

Ainda relacionado com a licença de utilização, pretende a Apelante a inclusão de mais um ponto nos factos provados, sob o nº 22), com seguinte conteúdo:
No entanto, a autora tinha conhecimento da existência dessas salas e que a ré destinara a garagem existente no rés-do-chão a salas de aula e ensino de línguas”.

Ora no que concerne a tal factualidade afigurasse-nos como evidente não revestir a mesma qualquer interesse para a decisão da causa, já que nada de relevante acrescenta àquela que já se encontra demonstrada, pois, como decorre do facto 18), dos provados, resulta demonstrado que “das plantas juntas ao processo de licenciamento de utilização requerido pela autora não constam as duas salas existentes no rés-do-chão após as obras realizadas pela sociedade ré, constando arrecadação, arrumos e arquivo”.

Por último entende ainda a Recorrente que devem ainda ser retirados do elenco dos factos não provados os pontos A. e B., e ainda o ponto D., este último porque não se trata de um facto, mas de uma consequência jurídica.

No que concerne a este aspecto temos que, considerado que, como supra se referiu, por um lado, não foram alegados factos, nem dos autos consta prova consistente e demonstrativa de quaisquer factos que permitam concluir que a Ré tenha adoptado qualquer conduta negligente no sentido de alteração das finalidades do imóvel, e, por outro, como inelutável resulta que, uma vez que a Autora se candidatou a projectos financiados por fundos europeus e foi contemplada com tais financiamentos, independentemente de possuir ou não licença de utilização, dúvidas não podem restar que a factualidade ínsita nas als. A) e B), dos factos não provados, não logrou adesão de prova.

Acresce que, salvo o muito e devido respeito, contrariamente ao alegado pela recorrente, pese embora pode constituir uma decorrência da interpretação de eventuais normas legais ou regulamentares aplicáveis, nada tem de conclusivo, pois que, sempre seria necessário demonstrar a necessidade dessa licença e, como se refere na decisão recorrida, “quanto à necessidade da licença para o funcionamento da escola perante a DREN, nenhuma prova se carreou para o processo”.

Por tudo o exposto, na procedência parcial da impugnação da matéria de facto, determina-se apenas a rectificação do facto 1), dos provados, nos termos supra referidos, indeferindo-se, nos demais aspectos, a impugnação factual efectuada.

Do ponto de vista da fundamentação jurídica alega a Recorrente que, tendo resultado provados factos que impõem seja proferida tal decisão, deveria o tribunal recorrido ter julgado procedente a excepção de não cumprimento do contrato por si alegada.

E, em seu entender, uma tal decisão impunha-se por força dos factos dados como provados nos pontos 4, 25, 26, 27 e 36, pois que, destes factos resulta à saciedade que, por motivo não atinente à Ré, esta sofreu diminuição do gozo da coisa locada, o que lhe dá o direito a reduzir a renda na proporção dessa diminuição, nos termos do disposto no artigo 1040º n.º 1 do CC.

De acordo com os esclarecimentos prestados pelos senhores peritos na sequência da apresentação do relatório de peritagem, a sala encerrada tem a área de 19,70 metros quadrados, que, num total de € 223,05 metros quadrados da totalidade do edifício, representa 8,83% da totalidade do edifício arrendado, sendo a percentagem da renda correspondente à parte do imóvel que a R. não pode utilizar em consequência do facto provado em 23, de 8,83%, corresponde à quantia de € 101,40, ou seja, a ré podia ter reduzido a renda paga à autora pela diminuição do gozo da coisa locada (encerramento de uma sala), no valor de € 101,40.

Na verdade, independentemente do destino que a R. deu à sala encerrada (sala de aula, arquivo ou arrumo), é um facto provado e incontestável que tal sala foi encerrada e que não está a ser utilizada pela R., verificando-se, sem qualquer dúvida, uma diminuição parcial do gozo da coisa locada por culpa da A., já que esta foi autorizada pela autora a instalar salas de aula na garagem (ponto 4 dos factos provados) e só não tinha a competente licença de utilização para usar a garagem para esse fim por culpa da autora, que não diligenciou, como era sua obrigação legal e contratual, pela sua obtenção (tendo a ré solicitado à autora, diversas vezes, durante a vigência do contrato de arrendamento, a entrega dessa licença).

Acresce ainda que, em seu entender, em razão dos factos dados como provados ínsitos nos nºs 3, 14, 15, 16, 17, 18 e 19., devia ser julgada procedente a excepção de não cumprimento do contrato por falta de entrega da licença de utilização para fins não habitacionais e necessidade da sua alteração como fundamento para o pagamento parcial da renda de Dezembro de 2016 e totalidade da renda de Janeiro de 2017, num total de € 1.548,27 (400+1.148,27), e nas rendas que se venceram na pendência da acção e até à data em que a licença de utilização for alterada.

Com efeito, dúvidas inexistem de que, do teor da legislação em vigor à data da celebração do contrato de arrendamento celebrado entre a autora e a Ré, para celebrar tal contrato, era necessária a licença de utilização do imóvel para o fim a que se destinava, sendo que, na data da celebração do contrato de arrendamento, o imóvel tinha licença de utilização para fins habitacionais, mas não tinha licença de utilização para fins não habitacionais, sendo este último o destino que ambas as partes acordaram que seria dado ao imóvel a arrendar, conforme cláusula décima inserta no mesmo.

Consciente desse facto, a Ré concordou e aceitou celebrar com a autora o contrato de arrendamento sem a licença de utilização emitida, apenas com o requerimento de pedido dessa alteração que tinha dado entrada na Câmara Municipal, nessa data, e apenas em Novembro de 2016, já depois de vários avisos à autora de que o faria, e depois de esperar que esta resolvesse outras situações em falta (reparações, infiltrações) é que a ré reduziu a renda em € 200,00 como forma de reação ao incumprimento da autora.

E assim sendo, entende a Recorrente, ser legítimo e justo o recurso que a ré fez à excepção de não cumprimento do contrato, pois apesar de saber que o contrato de arrendamento teve início sem a necessária licença de utilização, também confiou que a autora iria tratar da obtenção da mesma, no entanto, ao contrário do que se comprometeu, deixou caducar o primeiro pedido e arrastou este processo durante anos a fio sem se preocupar em juntar os elementos em falta que lhe foram solicitados pela Câmara.

Ora como é consabido, a figura da excepção de não cumprimento do contrato, conhecida na denominação latina como «exceptio non adimpleti contractus» e que, quando reportada ao incumprimento parcial ou defeituoso é também designada por «exceptio non rite adimpleti contractus», encontra-se prevista e regulada nos arts. 428º a 431º.

Segundo o nº 1 do primeiro destes preceitos, “se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”.

É a partir desta definição (noção) legal que a doutrina e a jurisprudência vêm desenhando e caracterizando este instituto (figura) jurídico.

Desde logo, trata-se de figura que tem o seu campo de aplicação/funcionamento ligado aos contratos sinalagmáticos (que conferem direitos e obrigações a ambos os contraentes) já que permite que uma das partes do contrato recuse a realização da sua prestação enquanto a outra não cumprir a contraprestação respectiva, constituindo, assim, uma excepção dilatória de direito material, na medida em que, por um lado, se funda em razões de direito material ou substantivo e, por outro, porque não exclui definitivamente o direito da parte contra quem é oposta, antes o paralisa temporariamente - o «excipiens» não nega o direito da parte contrária nem põe em causa o dever de cumprir a prestação; pretende tão-só realizar a sua prestação quando o outro contraente levar também a cabo a respectiva contraprestação. E não é de conhecimento oficioso, tendo se ser invocada expressamente pela parte que dela se quer aproveitar.

Justifica-se por razões de boa fé, de equidade e de justiça, uma vez que visa evitar que uma das partes tire vantagens sem suportar os encargos correlativos.

Para que não seja contrária à boa fé, a «exceptio» só pode operar quando se verifique uma tripla relação entre o incumprimento (total ou parcial, ou defeituoso) do outro contraente e a recusa de cumprir por parte do excipiente: uma relação de sucessão, uma relação de causalidade e uma relação de proporcionalidade.

A primeira significa que não pode recusar a prestação, invocando a «exceptio», a parte no contrato que primeiramente caiu em incumprimento.
A segunda significa que deve haver um nexo de causalidade ou de interdependência causal entre o incumprimento da outra parte e a suspensão da prestação do excipiente.
A terceira significa que a recusa do «excipiens» deve ser equivalente ou proporcionada à inexactidão da contraparte que reclama o cumprimento, de tal modo que, se a falta for de pouca relevância, não será legítimo o recurso à «exceptio».

Embora, por regra, tenha o seu campo de aplicação no âmbito das obrigações contratuais essenciais ou principais, nada impede, porém, o seu funcionamento nas obrigações acessórias emergentes do contrato, desde que entre elas haja interdependência e correspectividade.

A «exceptio» desempenha uma dupla função: de garantia e de coerção.
No primeiro caso, porque permite ao «excipiens» garantir-se com as consequências, presentes ou futuras, do não cumprimento.
No segundo, porque constitui também um meio de pressão sobre o inadimplente, já que este só terá direito a haver do outro a contraprestação se e quando cumprir a prestação a seu cargo. (7)

Como diz claramente Calvão da Silva “(…) o princípio da simultaneidade do cumprimento de obrigações recíprocas que servem de causa uma à outra pode, (…), pode não existir por convenção das partes”, como acontece, por ex., “(…) nos contratos de execução sucessiva (ou prolongada/duradoura, acrescentamos nós) em que a obrigação de uma parte é de cumprimento contínuo e a obrigação da outra parte é periódica ou fraccionada” (8).

E logo acrescenta: “sempre que isto aconteça, a «exceptio …» não pode ser invocada pela parte que está obrigada a cumprir em primeiro lugar, mas já o pode ser por aquela cuja prestação deva ser realizada depois da outra parte”.

Ora isto tudo considerado, e revertendo agora à análise da situação vertente temos que, efectivamente, o fundamento em que a Ré alicerçou a excepção de não cumprimento na não fruição das salas de aulas instaladas na garagem.

E, assim sendo, considerado que nenhuma argumentação nova e consistente foi aduzida nas alegações recursórias, muito pouco ou mesmo nada haverá a acrescentar ao que a propósito refere a decisão recorrida e que é o seguinte:
(…)
Da leitura dos termos do contrato de arrendamento junto aos autos não é possível concluir que as partes acordaram que a garagem seria destinada pela ré a salas de aulas, já que do mesmo apenas resulta que a autora autorizou a ré a erguer em tal espaço paredes de pladur e colocar portas, o que é compatível com compartimentos e arrumos e arquivo igualmente. Acresce que, para além de a autora o ter negado peremptoriamente, a própria legal representante da sociedade ré afirmou nem sequer saber se disse à autora que pretendia instalar salas de aulas na garagem.
(…)
Analisando o contrato de arrendamento celebrado, em parte alguma se contempla a instalação de salas de aulas no espaço de garagem, sendo apenas autorizado à ré erguer paredes de pladur e colocar portas, o que, em tal tipo de espaço, poderia significar que a ré pretendia criar compartimentos de arrumos ou arquivo e não necessariamente que a ré pretendia instalar salas de aulas.
Por outro lado, não resultou sequer provado que a autora tenha autorizado em qualquer circunstância o funcionamento na garagem de salas de aulas.
De todo o modo, ainda que assim tivesse acontecido, tal autorização pouco valor teria, pois o piso de garagem nem sequer podia ser utilizado para esse fim, por falta de pé direito suficiente, como claramente resulta da perícia colegial feita e como a ré bem devia saber – melhor até do que autora, já que é empresária do ramo da prestação de serviços linguísticos há, pelo menos, 23 anos, como informou.
(…)
E, conclui a decisão recorrida “Assim sendo, invocar o direito a uma redução unilateral da renda por diminuição do gozo do locado, por não poder manter em funcionamento uma sala de aula na garagem, quando não foi a tal autorizada nem podia sê-lo, torna a sua pretensão improcedente.
(…)
“Simplesmente, não ficou demonstrado que a ré, em virtude do alegado, tenha deixado de poder exercer no locado a sua actividade ou sequer que tenha tido a necessidade de efectivamente recusar alunos, com o que o dever da autora de proporcionar o gozo da coisa locada à ré não foi incumprido”.
(…)
“Por fim, não é possível afirmar como pretende a ré que a não entrega antes da propositura da presente acção da licença de utilização para fins não habitacionais configure um incumprimento contratual por parte da autora. Desde logo, porque tal obrigação não consta do contrato de arrendamento, constando apenas que o requerimento de pedido de licença de utilização do prédio objecto do contrato deu entrada na Câmara Municipal ... e ficou anexo ao contrato. Reitera-se a este propósito que também a ré não devia sequer ter celebrado o contrato de arrendamento sem a licença de utilização para fins não habitacionais, não fazendo sentido imputar a respectiva falta apenas à autora. De todo o modo, ainda que assim não se entendesse, é importante lembrar que se provou que a autora, efectivamente, no ano de 2011, pediu à Câmara Municipal ... a alteração da finalidade da utilização – e não apenas em 2016, como alega a ré -, tendo o pedido sido deferido em 2016. Da leitura do processo administrativo junto aos autos, nada permite concluir que existiu uma atitude negligente da parte da autora”.
(…)

Daqui decorre ainda que, sendo certo que a valoração que foi efectuada na decisão recorrida assentou no facto de a aludida sala não poder funcionar como sala de aula, por ter sido esse o fundamento invocado, vir agora alegar-se que “Independentemente do destino que a R. deu à sala encerrada (sala de aula, arquivo ou arrumo), é um facto provado e incontestável que tal sala foi encerrada e que não está a ser utilizada pela R., verificando-se, sem qualquer dúvida, uma diminuição parcial do gozo da coisa locada por culpa da A.”, não altera a conclusão extraída, pois que, como igualmente decorre da decisão recorrida, não logrou adesão de prova que essa sala de aula encerrada não pudesse ser utilizada para outro fim, pois apenas se deu por demonstrada que a Ré teve de encerrar a sala de aula, e não também que tal sala não pudesse ser utilizada para arrumos ou para qualquer outro fim.

Aliás, tendo a Recorrente fundamentado a invocada excepção de incumprimento na não fruição das salas da garagem como o salas de aulas, e não para qualquer outra finalidade, a alegação agora na apelação de que esta excepção se deve ter por fundamentada no não uso puro e simples das salas da garagem, independentemente do destino que a R. deu à sala encerrada (sala de aula, arquivo ou arrumo), já que é um facto provado e incontestável que tal sala foi encerrada e que não está a ser utilizada pela R., constitui, em nosso entender, questão nova não invocada na acção.

Na verdade, e como é sabido, por decorrência do princípio do dispositivo, se por um lado, a decisão a proferir em 1ª instância apenas se pode pronunciar sobre a factualidade que tiver sido alegada pelas partes, e incidir sobre as questões concretas por elas suscitadas, por outro, também a decisão do recurso somente poderá abordar questões sobre as quais tenha incidido a decisão recorrida, isto, como é óbvio, sem embargo das questões de conhecimento oficioso.

Com efeito, os recursos ordinários mais não visam do que permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, o que tem directo reflexo na delimitação das questões que lhe podem ser dirigidas.

O ponto de partida do recurso é sempre uma decisão que recaiu sobre determinadas questões, visando-se com ele apreciar da manutenção, alteração ou revogação daquela, razão pela qual, enquanto meio de impugnação de uma decisão judicial, o recurso apenas pode incidir, em regra, sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo o tribunal ad quem confrontar-se com questões novas (9).

Os recursos constituem, assim, mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, pois que a diversidade de graus de jurisdição determina, em regra, que os tribunais superiores sejam apenas confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios (10).

Assim e também por esta razão a excepção invocada nunca poderia proceder.

E assim sendo, improcede nesta parte a presente apelação.

Mais alega a Recorrente que o pedido reconvencional da Ré para que a autora seja condenada a alterar a licença de utilização do locado, designadamente ao nível da garagem para fazer constar as duas salas de ensino de línguas devia ter sido julgado procedente.

Na verdade, conforme consta da cláusula 10ª do contrato de arrendamento, o imóvel locado se destina a serviços linguísticos, tradução, tradução simultânea, guias, escolas de línguas, não tendo as partes feito constar do mesmo o local exacto do imóvel onde seria exercida cada uma das actividades designadas para o seu fim, pelo que, a Ré poderia, caso quisesse, instalar salas de aulas para o ensino de línguas em qualquer parte do imóvel, pois a tal estava contratualmente autorizada, não estando a Ré obrigada, nem a autora lhe exigiu que informasse previamente o local onde pretendia instalar as salas de aula.

A autora sabia perfeitamente, antes de juntar as plantas com a distribuição e áreas das salas e outros compartimentos do imóvel, ao pedido de alteração da utilização junto da Câmara, que tais salas de aulas existiam na garagem.

Por outro lado, também não é verdadeira a conclusão referida na sentença, de que não é possível ou necessária a alteração da licença de utilização, porque a peritagem deixou claro que o piso da garagem não tem pé direito suficiente para ser licenciado para serviços, pois que, o relatório de peritagem, à pergunta sobre a necessidade de alteração da licença de utilização do locado em virtude das obras realizadas pela ré e autorizadas pela autora, respondeu que “legalmente, os dois espaços do r/c que não constam do respectivo licenciamento não deveriam ser utilizados ou em alternativa ser tentada a respectiva legalização”, pelo que, segundo a prova pericial, a legalização é possível e é apontada como uma das soluções (alternativa), para a resolução deste problema.

Acresce que, segundo a prova pericial, a legalização é possível e é apontada como uma das soluções (alternativa), para a resolução deste problema.

Assim, tendo em conta que:
e) A autora está legalmente obrigada a possuir licença de utilização para fins não habitacionais para o imóvel arrendado à ré – Cfr. Art.º 1070º n.º 1 do Código Civil e portaria que o regulamenta;
f) A autora autorizou a ré a efectuar obras de adaptação do locado ao fim a que ambas acordaram, no contrato de arrendamento, que o mesmo se destinava;
g) Após a celebração do contrato de arrendamento, e antes da elaboração das plantas e memória descritiva do edifício, a ré levou a cabo obras de adaptação do locado ao fim por ambas acordado, tendo instalado duas salas de aula no piso da garagem;
h) Após conclusão das obras levadas a cabo pela ré e da utilização que esta vem fazendo do piso da garagem (salas de aula), a autora apresentou na Câmara Municipal pedido de alteração da licença de utilização ao qual juntou as plantas e memória descritiva do edifício, e das quais não constam, no piso de garagem, as duas salas de aula.

É, assim, entendimento da Recorrente que perante esta materialidade dada como demonstrada, dúvidas não restam de que a autora não deu cumprimento à sua obrigação de senhoria, que era a de instruir o pedido de alteração da licença de utilização com as plantas e memória descritiva de acordo com a realidade existente no imóvel e que ela bem conhecia e não devia ignorar, pelo que, a decisão recorrida deveria ter condenado a Autora a alterar a licença de utilização em conformidade com o existente no locado, designadamente ao nível da garagem do imóvel fazer constar a existência de duas salas destinadas ao ensino de línguas, e só proceder ao levantamento das rendas depositadas na Caixa ..., após dar cumprimento à presente condenação.

Ora salvo o muito e devido respeito, também se nos no afigura que neste aspecto assista à Ré qualquer razão.

Na verdade, sendo certo que a decisão recorrida afirma “que a ré não logrou provar ter o direito contratual a utilizar a garagem para salas de aulas, para além de que a perícia deixou claro que o piso da garagem não tem pé direito suficiente para poder ser licenciado para serviços, nomeadamente de ensino”, a veracidade desta afirmação resulta de modo incontornável do confronto da prova pericial produzida nos autos, com os critérios legalmente definidos -DL n.º 38382/51, de 07 de Agosto -, pois que, tendo logrado adesão de prova que o pé-direito da garagem é de 2,37m., não cumpre a altura mínima do pé direito livre mínimo dos pisos destinados a estabelecimentos, não podendo, consequentemente, ser licenciado para serviços, nomeadamente de ensino.

E assim sendo, evidente resulta que não é possível licenciar a garagem para ali serem instaladas salas de aulas, razão pela qual, também nesta parte haverá a apelação de improceder.

Por último entende ainda a Recorrente que a Autora deve, ainda, ser condenada a substituir as persianas e as caixilharias em madeira, tendo em conta os factos dados como provados nos pontos 29 e 34.

Não se contesta que a ré arrendou um edifício que, apesar de antigo, apresentava um bom estado de conservação, e que se pretende que a autora faça não uma renovação ao edifício, substituindo os materiais antigos por materiais novos, actuais e com maior eficiência térmica.

O que a ré pretende é que a autora - como lhe compete e é sua obrigação de senhoria - realize as obras que forem necessárias para conservar o edifício e permitir que a ré o utilize e frua, de acordo com o estabelecido no contrato.

A este respeito cumpre referir o que a prova pericial disse a este respeito sobre o estado de conservação do imóvel, designadamente:

- Na página 6, imagem 6, “porta de acesso ao exterior, composta por uma folha simples e fina de madeira, vidro simples, ainda com problemas de calafetagem, por empeno da porta e do pavimento da soleira, diminuindo drasticamente a qualidade térmica do edifício”;
- Na página 8, “As janelas apresentam-se sem qualquer tinta/verniz fruto da acção do tempo. Também o betume na ligação do perfil de madeira ao vidro se encontra muito deteriorado, nalguns casos apresentando algumas zonas onde se destacou, estando mesmo em falta”;
– Na página 8, imagem 8, “…nas janelas exteriores existe falta de manutenção, no que se refere à substituição de betumes, pinturas e calafetagens, promovendo-se deste modo a ineficácia térmica e até a perenidade destes elementos compositivos do imóvel.”;
- Na página 9, imagem 9, “Foi aplicada espuma nas caixas de estores, contudo, por se tratar de um elemento flexível e com alguma volatilidade, o rompimento torna-se rápido, perdendo-se o efeito pretendido, logo ineficaz.”; “O estore do 2º piso do saguão encontra-se danificado, necessita de reparação/substituição;
- Na resposta ao quesito 19º, que perguntava se “Os eventuais «defeitos» que o imóvel apresente, em especial de isolamento, devem-se a falta de conservação, a intervenções (como seja o caso da espuma aplicada) ou a causas inerentes ao próprio imóvel?”, os peritos responderam “Ambos”;
- À pergunta constante do quesito 20º “Poderão os mesmos ser resolvidos definitivamente (e carecem de intervenção) ou deverão ser periodicamente revistos, como em qualquer outro locado?”, a resposta dos Senhores Peritos foi: “poderão e deverão ser periodicamente revistos;
- À pergunta ao quesito 24º “Existe alguma obra imprescindível e necessária a realizar no imóvel no sentido de corrigir a sua cabal utilização que não a conservação ordinária?”, a resposta dos peritos foi “Sim. A eliminação da infiltração junto das escadas e a manutenção das caixilharias.”
- E, por fim, na resposta ao quesito 2, na página 15 do relatório pericial, dizem os senhores peritos que “Poder-se-á considerar que a reparação / eliminação da infiltração na sala do R/C da garagem carece de alguma celeridade, bem como a manutenção das caixilharias de madeira.”.
- Nos esclarecimentos prestados por escrito (referência Citius n.º 1981595), os Senhores Peritos também referem que:
- Resposta ao pedido de esclarecimento 5º: “Foi ainda possível verificar que os estores localizados na zona do saguão, encontram-se inoperacionais, necessitando de ser substituídos.”
- Resposta ao pedido de esclarecimento 7º: “As acções ou actividades necessárias para repor o bom funcionamento do imóvel, e garantir também o aspeto estético e de durabilidade serão os seguintes: b) Reparação dos caixilhos de madeira, cujo betume está em muitos casos inexistente, e limpeza e protecção dos caixilhos, com tratamento primário e pintura, de modo a garantir estanqueidade necessária destes elementos, e a sua durabilidade. Limpeza dos caixilhos removendo as tintas antigas, e aplicar uma nova «capa» de protecção e posterior pintura, com as características semelhantes aos originais; substituição dos betumes antigos, secos e fissurados, por uma nova aplicação de betume. c) Reparação das caixas de estores, por forma a garantir a sua estanqueidade. Poderá haver situações em que seja necessária a substituição de algumas caixas de estore, já muito danificadas e deformadas devido à idade, utilização, mas também pela aplicação indiscriminada e pouco cuidada de espuma de poliuretano. Reparação ou mesmo substituição dos estores da zona do saguão, que não funcionam correctamente.”

Assim, tendo em conta que o imóvel objecto do contrato celebrado entre as partes foi arrendado em 2011 e a peritagem junta aos autos foi realizada em 2019, já passaram anos suficientes para que tivesse ocorrido, no imóvel da autora, o normal desgaste que todos os imóveis sofrem com o passar do tempo.

Por outro lado, as normas técnicas até aconselham que as obras de conservação e manutenção dos imóveis se realizem com uma periodicidade de 8 anos, conforme depoimento prestado pelos Senhores Peritos em sede de audiência de julgamento e também previsto no art.º 89 do DL 555/99 (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação).

Logo, e por tudo o acabado de referir entende a Recorrente que a autora deve ser condenada a proceder à reparação/substituição das persianas e caixilharias existentes no imóvel arrendado e só ser autorizada a levantar as rendas depositadas na Caixa ... após dar integral cumprimento a esta condenação.

Analisado o articulado inicial constata-se que o que aí se peticionado titulo reconvencional é, designadamente, e no aqui está agora em causa, a condenação da Autora a substituir as persianas e as caixilharias em madeira.

Vindo agora na apelação a Recorrente/ré alegar que, afinal, o que pretende é que a Autora - como lhe compete e é sua obrigação de senhoria - realize as obras que forem necessárias para conservar o edifício e permitir que a ré o utilize e frua, de acordo com o estabelecido no contrato, parece-nos que, e mais uma vez vem suscitar matéria e questões novas não invocadas na acção.

Com efeito, como e em nosso entender bem expende a Recorrida, o que a Ré pediu foi a substituição (por outras) das persianas e caixilharias e não a reparação das existentes e não que fossem realizadas “as obras que forem necessárias para conservar o edifício e permitir que a ré o utilize e frua, de acordo com o estabelecido no contrato”.

Por outro lado, e sem embargos deste aspecto, como e bem refere a decisão recorrida, “parece desproporcionado exigir da autora a substituição das persianas e caixilharias em madeira”, pois que, “Embora as mesmas não confiram o mesmo grau de isolamento térmico que os materiais actuais conferem, a ré arrendou o locado quando ele já era vetusto, tendo aceite a antiguidade dos materiais e o seu carácter pouco isolador”.

E assim sendo, improcede também nesta parte a presente apelação.


IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
- Determina-se se proceda à sua rectificação do 1), dos provados, fazendo constar do aludido facto a data de 25/11/2011, em vez de 25/11/2010.
-

Custas pela Apelante.
Guimarães, 05/ 11/ 2020.
Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.

Relator: Jorge Alberto Martins Teixeira.
Adjuntos: Desembargador José Fernando Cardoso Amaral.
Desembargadora Helena Gomes de Melo.



1. Cfr. Acórdão da Rel. De Guimarães, proferido no processo nº 702/18.5 T8BRG.G1. in www.dgsi.pt.
2. Defendiam-no a propósito do regime processual anterior ao introduzido pela Lei 41/2013, de 26/07, ao nível da doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, pp. 283 a 286 e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 227 (referindo que, por se encontrar na posse dos mesmos elementos de prova que a 1ª instância, a Relação, se entender, dentro do princípio da livre apreciação da prova, que aqueles elementos impõem uma decisão diferente sobre o ponto impugnado da matéria de facto, alterará a decisão que sobre ele incidiu – a reapreciação da prova pela Relação coincide em amplitude com a da 1ª instância); ao nível da jurisprudência (tirada no âmbito da vigência do anterior regime processual), p. ex., os Acórdãos do STJ de 01/07/2008, de 25/11/2008, de 12/03/2009, de 28/05/2009 e de 01/06/2010, no sítio www.dgsi.pt/jstj. Posição que doutrina e jurisprudência vêem mantendo (e veementemente reforçando) quanto ao regime processual vigente – p. ex., na doutrina Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, p. 298 a 303 (máxime 302 e 303) e na jurisprudência (por mais recente) o Acórdão do STJ de 8/01/2019, no sítio www.dgsi.pt/jstj.
3. Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, disponível em www.dgsi.pt.
4. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 191.
5. Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 266 “ A Relação actua como Tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal de primeira Instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova. Confrontada com os mesmos elementos com que o Tribunal a quo se defrontou, ainda que em circunstâncias não totalmente coincidentes, está em posição de formular sobre os mesmos um juízo valorativo de confirmação ou alteração da decisão recorrida… “;
6. Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, disponível em www.dgsi.pt.
7. Sobre todas estas características, vide, Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª ed., pgs. 408 a 414; Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed. revista e actualizada, pgs. 405 a 407; e Calvão da Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 1987, pgs. 329 a 338].
8. Cfr. Calvão da Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 1987, pgs. 331 e 332.
9. Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, pg. 94.
10. Cfr. Abrantes Geraldes, obra e local supra referidos.