Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
850/02.3GAFAF-A.G1
Relator: PEDRO FREITAS PINTO
Descritores: PENA DE PRISÃO
DESCONTO
MEDIDAS RESTRITIVAS DA LIBERDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I – O conceito de “detenção” constante do artigo 26.º, nº 1 da Decisão Quadro 2002/584, na aceção desta disposição, não designa uma medida restritiva mas sim uma medida privativa de liberdade.
II – A medida de fiança com condições, no âmbito de um processo de extradição, aplicada pelo Westminster Magistrates Court, que consistia nomeadamente na obrigação de permanência do arguido/recorrente dentro de casa na sua morada de residência (ou em qualquer outra morada que o tribunal lhe tenha dito para residir), todos os dias, entre a 00:00 (meia noite) e as 4:00 da manhã, constitui uma medida de natureza jurisdicional que não reveste a natureza de medida privativa da liberdade.
III – Consubstanciando apenas uma medida restritiva da liberdade, esse tempo de permanência de 4 horas noturnas diárias na habitação, não é de descontar ao cumprimento da pena de prisão efetiva aplicada em Portugal ao arguido.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – Relatório

Decisão recorrida
No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 850/02.3GAFAF, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Central Criminal de Guimarães, foi proferida no dia 28 de setembro de 2021, o seguinte Despacho, que se transcreve:

Por acórdão de 30.10.2003, transitado em julgado em 11.11.2003, o arguido P. J. foi condenado na pena única de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão (efectiva).
Em execução de MDE, o condenado foi entregue, pelas autoridades britânicas à Polícia Judiciária, e conduzido ao E.P. de Lisboa, para cumprimento da mencionada pena, em 27.05.2021 (cf. certidão a fls. 935).
Cumpre, pois, proceder à liquidação da referida pena, com observância do disposto nos artigos 61.º, 62.º, 80.º, 81.º e 82.º do Código Penal e no artigo 479.º do CPP.
Neste processo, o arguido, na sequência da sua detenção em 1.06.2003 (cf. fls. 91-91 v.º e 104-104 v.º), foi submetido à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, determinada por despacho de 2.06.2003 (cf. auto de 1º interrogatório judicial de arguido detido a fls. 95-100). Esta medida de coacção manteve-se ininterruptamente, desde o dia 2.06.2003 até ao dia 14.11.2003, data em que o acórdão condenatório proferido nos autos transitou em julgado.
O condenado também esteve privado da liberdade no Reino Unido, desde 16.06.2017 até 20.06.2017, data em que foi libertado sob fiança (cf. informação a fls. 928).
Desta feita, será descontado todo este período de privação da liberdade à pena única aplicada, que se computa em 5 (cinco) meses e 18 (dezoito) dias – cf. artigos 80.º, nº1, e 82.º do Código Penal.
Dos autos não constam elementos dos quais resulte que o condenado sofreu qualquer outra medida ou pena de privação da liberdade a relevar neste processo, não sendo considerado medida desta natureza a medida processual «fiança com condições», que lhe foi aplicada, em 17.12.2018, pelo Westminster Magistrates’ Court (cf. doc. a fls. 950-952 v.º).
Assim, homologa-se o cômputo da pena efectuado pelo Ministério Público em 24.09.2021 (ref.ª Citius nº175148213), nos seguintes termos:
- Metade da pena: 24.04.2022 (1 ano, 4 meses e 15 dias, descontados 5 meses e 18 dias).
- Dois terços da pena: 9.10.2022 (1 ano e 10 meses, descontados 5 meses e 18 dias).
- Fim da pena: 9.09.2023 (2 anos e 9 meses, descontados 5 meses e 18 dias).
*
Para efeitos de adaptação à liberdade condicional, nos termos do artigo 62.º do Código Penal, o período máximo de antecipação da liberdade condicional fixa-se em:
- 9.10.2021 – um ano antes de atingidos os dois terços da pena.
*
Notifique”.
*
Recurso apresentado

Inconformado com tal decisão, o arguido P. J. veio interpor o presente recurso no qual apresentou as seguintes conclusões, que se reproduzem:

“1. O arguido/recorrente P. J. foi condenado, nos presentes autos, na pena única de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão (efetiva), por acórdão proferido no dia 30 de Outubro de 2003, transitado em julgado no dia 11 de Novembro de 2003.
2. Entretanto, no âmbito da execução de um Mandado de Detenção Europeu, o arguido/recorrente foi entregue, pelas autoridades britânicas à Polícia Judiciária Portuguesa, no dia 27 de Maio de 2021, tendo o mesmo dado entrada, em tal data, no Estabelecimento Prisional de Lisboa, para cumprimento daquela pena.
3. Face à prisão do arguido/recorrente, o Ministério Público requereu a liquidação de tal pena, nos termos da sua douta promoção constante dos autos.
4. Por douto despacho, proferido no dia 28 de Setembro de 2021, a M.ª Juíza do Tribunal a quo, homologou a promoção do Ministério Público, relativa à liquidação daquela pena única de 2 anos e 9 meses de prisão (efetiva), em que o arguido, aqui recorrente, foi condenado nos presentes autos, tendo concluído que, àquela, apenas deveria ser descontado os períodos temporais que se passam a descriminar:
“(…..)
Neste processo, o arguido, na sequência da sua detenção em 1.06.2003 (cf. fls. 9191 v. e 104-104 v.), foi submetido à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, determinada por despacho de 2.06.2003 (cf. auto de 1º interrogatório judicial de arguido detido a fls. 95- 100). Esta medida de coação manteve-se ininterruptamente, desde o dia 2.06.2003 até ao dia 14.11.2003, data em que o acórdão condenatório proferido nos autos transitou em julgado.
O condenado também esteve privado da liberdade no Reino Unido, desde 16.06.2017 até 20.06.2017, data em que foi libertado sob fiança (cf. informação a fls. 928).
Desta feita, será descontado todo este período de privação da liberdade à pena única aplicada, que se computa em 5 (cinco) meses e 18 (dezoito) dias — cf. artigos 80º n.º 1 e 82º do Código Penal.
Dos autos não constam elementos dos quais resulte que o condenado sofreu qualquer outra medida ou pena de privação da liberdade a relevar neste processo, não sendo considerado medida desta natureza a medida processual «fiança com condições», que lhe foi aplicada, em 17.12.2018, pelo Westminster Magistrates Court (cf. doc. a fls. 950 a 952 vº).
Assim, homologa-se o cômputo da pena efetuado pelo Ministério Público em 24.09.2021 (ref.ª Citius n.º 175148213), nos seguintes termos:
- Metade da pena: 24.04.2022 (1 ano, 4 meses e 15 dias, descontados 5 meses e 18 dias).
- Dois terços da pena: 9.10.2022 (1 ano e 10 meses, descontados 5 meses e 18 dias).
- Fim da pena: 9.09.2023 (2 anos e 9 meses, descontados 5 meses e 18 dias).
Para efeitos de adaptação à liberdade condicional, nos termos do artigo 62º do Código Penal, o período máximo de antecipação da liberdade condicional fixa-se em:
- 9.10.2021 — um ano antes de atingidos os dois terços da pena.
Notifique.
D.N. ao cumprimento do disposto no artigo 477º, do CPP, como promovido.
Guimarães, 28/09/2021”
5. Salvo o devido respeito, que é muito, por tal douto despacho, o arguido/recorrente não se conforma com o seu teor, uma vez que, no seu entendimento, no mesmo não foi tido na sua devida conta o tempo em que esteve detido, no Reino Unido, in casu, não foi devidamente contabilizado, em tal douto despacho, a medida detentiva - “condição de recolher obrigatório” - a que esteve submetido, na sua residência, quatro horas por dia, durante o período temporal compreendido entre o dia 17 de Dezembro de 2018 e o dia 27 de Maio de 2021, o que corresponde a uma detenção de 901 dias.
6. Na verdade, o arguido/recorrente, no período compreendido entre os dias 17 de Dezembro de 2018 e 27 de Maio de 2021, esteve sujeito à condição de recolher obrigatório, entre as 00:00 e as 04:00 horas, sendo que tal período de privação da liberdade de 4 horas diárias não foi tido na sua devida conta, aquando da elaboração e correspetiva homologação da liquidação da pena em que foi condenado, nos presentes autos, omissão que teve como consequência que o mesmo esteja, desde há cerca de cinco meses, ilegalmente e indevidamente preso à ordem dos presentes autos.
7. Isto é: o arguido/recorrente esteve efetivamente detido (preso), durante o referido período temporal, compreendido entre o dia 16 e o dia 20 de Julho de 2017, à ordem do mandado de extradição requerido pela Justiça Portuguesa, conforme se constata pelo teor da informação de fls. 928, dos autos.
8. Por outro lado, no dia 17 de Dezembro de 2018, o Tribunal de “Westminster Magistrates Court”, concedeu ao arguido/recorrente, a referida medida coativa denominada “Fiança de Imigração” (cfr. doc. a fls. 950 a 952 - vs), ficando assim, o mesmo, sujeito às seguintes condições coativas e de vigilância:
(…..)
§ Condições:
1. Deverá permanecer dentro de casa na sua morada de residência (ou em qualquer outra morada que o tribunal lhe tenha dito para residir) “todos os dias” entre a 00:00 (meia noite) e as 4:00 da manhã.
2. A sua condição de recolher obrigatório será monitorizada de forma eletrónica. O serviço de monitorização eletrónica irá zelar pelo cumprimento da condição de recolher obrigatório. Deverá usar sempre um dispositivo de identificação eletrónico pessoal durante a vigência da presente condição de fiança. Não deverá retirar nem de forma alguma adulterar o equipamento de monitorização. Deverá permitir o acesso à equipa de monitorização para que esta conclua ó processo de admissão e seguir quaisquer instruções aceitáveis-que lhe sejam dadas.
3. Deverá entregar o seu cartão de identificação expirado ao Agente de Ligação da Acusação [PLO - Prosecution Liaison Officer] no Tribunal da Magistratura de Westminster (Feito); Viajar: não deverá sair nem tentar sair de Inglaterra e País de Gales.
4. Deverá manter o seu telemóvel com o número ……. ligado, totalmente carregado e consigo 24 horas por dia,
5. Deverá residir e dormir todas as noites em …..
6. Deverá pagar a quantia de 1.000£ até às 16:00 do dia 18/12/2018 no tribunal.
7. Não deverá requerer documentos de viagem internacionais nem estar na posse de quaisquer” – (Fim de citação – sublinhados e negritos da nossa autoria).
9. Ora, face a tais condições, dúvidas não restam de que o arguido/recorrente, durante o período compreendido entre as 00:00 e as 04:00, esteve sujeito a uma medida coativa restritiva da sua liberdade, a qual visou garantir que o mesmo se apresentasse perante o Tribunal de “Westminster Magistrates Court”, quando para o efeito fosse convocado e que não fugisse do Reino Unido, até à sua extradição para Portugal, ao abrigo do pedido de extradição solicitado no referido Mandado de Detenção Europeu,
10. pelo que, e assim sendo, tal medida coativa deverá ser entendida e comparada a uma verdadeira prisão domiciliária, com vigilância eletrónica, nomeadamente terá de ser equiparada ao estatuído no artigo 201º, do Código de Processo Penal.
11. Atendendo a que, o arguido/recorrente, durante as referidas 4 horas, esteve absolutamente impedido na sua liberdade de movimentos, de livre circulação e de livre determinação da sua vida, pois estava expressamente proibido de se ausentar da sua residência e de fugir do Reino Unido, fosse para que efeito fosse, sendo para o efeito vigiado através de pulseira eletrónica, situação paradigmática de um verdadeiro estado de detenção.
12. Sendo certo que, fora de tal horário, o arguido/recorrente, apesar de poder deslocar-se para trabalhar e para tratar dos seus assuntos diários pessoais, continuava permanentemente sujeito a vigilância pelos serviços da Justiça Britânica, nomeadamente estava controlado através da referida monitorização eletrónica.
13. Ora, atento o anteriormente invocado, salvo o devido respeito por posição contrária, o arguido/recorrente entende que deve ser descontado, na pena em que foi condenado nos presentes autos, o período de 2 anos, 5 meses e 10 dias (17/12/2018 a 27/05/2021), em que esteve sujeito à aludida medida de privação da liberdade, no Reino Unido.
14. Conforme defende o ilustre Conselheiro Rodrigues da Costa, na sua declaração de voto, no acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, com o n.º 3/2009, Publicado no Diário da República, I- Série, de 17/02/2009, sobre a natureza do instituto do desconto e o recurso à analogia para as privações de liberdade, não expressamente previstas no artigo 80º, do Código Penal,
15. na esteira da douta fundamentação de tal voto de vencido, o arguido/recorrente entende que também a medida a que esteve sujeito no Reino Unido, antes de ser deportado para Portugal, assume uma verdadeira privação da liberdade (sendo ou não considerada prisão ou detenção), em tudo idêntica às demais contempladas no artigo 80º, do Código Penal.
16. Na verdade, não constituindo o artigo 80º, n.º 1, do Código Penal, norma incriminatória ou definidora de qualquer estado de perigosidade ou determinativa de correspondente pena ou medida de segurança, não pode deixar de ser tida como uma daquelas «normas negativas» que garante ou favorece os direitos das pessoas, pelo que não suscita objeção de princípio a sua aplicação analógica.
17. Ou seja, o arguido/recorrente entende que o Tribunal a quo deveria ter procedido ao “desconto” do tempo em que esteve “detido” ou “sujeito” à aludida medida de “Fiança de Imigração“, no Reino Unido, por existir uma identidade material entre a sujeição de um condenado a uma proibição de se ausentar da sua residência, com controlo eletrónico (medida claramente similar à medida de coação Obrigação de Permanência na Habitação, prevista no artigo 201º, do Código de Processo Penal) e as privações de liberdade previstas no artigo 80º do Código Penal.
18. Como defende o ilustre Prof. Eduardo Correia, in “Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal”, Vol. II, a pag. 166, nesta matéria: “…o que se trata é de procurar assegurar que “qualquer efeito já sofrido pelo delinquente deve ser considerado na sentença posterior”.
19. Motivo pelo qual, o princípio jurídico-penal geral do “desconto” encontre previsão nos artigos 80º a 82º, ambos do Código Penal.
20. Abrangendo, assim, tal “princípio fundamental, não apenas a prisão preventiva mas outros efeitos já sofridos pelo mesmo facto” - (cfr. Eduardo Correia, in Obra Citada).
21. Apesar de tal desconto não estar expressamente e literalmente previsto nos aludidos artigos 80º e 82º, ambos do Código Penal (normativos que constituem a Secção IV do Capítulo IV do Código Penal, que tem a epígrafe “Desconto”) a sujeição à referida medida de “Fiança de Migração”, cujo conteúdo intrínseco constitui uma privação efetiva da liberdade do visado, tal não permite concluir tout court que foi intenção do legislador excluir daquelas normas o princípio geral que consagra (o princípio do desconto).
22. A ausência de consagração legal expressa da tal privação da liberdade, com controlo eletrónico, na previsão do artigo 80º, do Código Penal, não constitui, nem pode constituir, um argumento inequívoco que afaste a sua aplicação e que obste ao desconto no presente caso.
23. Razões pelas quais entende o arguido/recorrente que a sua sujeição a prisão domiciliária, nos termos melhor explicitados anteriormente, no Reino Unido, tal como a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação servem finalidades análogas a qualquer uma destas medidas de coação (in casu finalidades de natureza exclusivamente cautelar).
24. Pelo que, se em relação a estas medidas de coação a lei determina que se proceda ao desconto (das medidas de coação no cumprimento da pena), desconto imposto pela mera decorrência da identidade fáctica de que decorre a privação da liberdade, como justificar então a exclusão do desconto num caso como o em causa nos presentes autos?
25. Não se olvidando que é de reconhecer tanto a identidade material das medidas como ainda a analogia quanto às suas finalidades.
26. Nesta conformidade, o arguido/recorrente entende que o Tribunal a quo deveria ter procedido ao desconto dos 2 anos, 5 meses e 10 dias, correspondente ao período de duração da sua sujeição, no Reino Unido, à aludida medida de privação de liberdade “Fiança de Imigração“, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 80º e 82º, ambos do Código Penal.
27. Para além de mais entender que a referida medida denominada Fiança de Imigração, com vigilância eletrónica, a que esteve sujeito, no Reino Unido, durante o período temporal situado entre o dia 17 de Dezembro de 2018 (data em que lhe foi concedida aquela medida coativa) e o dia 27 de Maio 2021 (data em que entregue, pelas autoridades britânicas à Polícia Judiciária e conduzido ao Estabelecimento Prisional de Lisboa), o qual corresponde a dois anos, 5 meses e 10 dias de privação da sua liberdade (ou seja 901 dias), configura uma verdadeira medida coativa da sua liberdade, in casu a uma prisão/detenção domiciliária com vigilância através de uma pulseira eletrónica.
28. Pelo que, face ao exposto, o referido período de prisão de 2 anos, 3 meses e 12 dias, que alegadamente o arguido/recorrente terá ainda de cumprir, nos termos decididos na douta decisão/recorrida, proferida pelo Tribunal a quo, já foi largamente ultrapassado (in casu, foi ultrapassado em 2 meses e doze dias de prisão), devendo, por tal motivo, o mesmo, ser imediatamente restituído à liberdade, conforme o requerido, no passado dia 14 de Julho de 2021, sob pena de - caso assim se não entenda – se estar a violar o princípio constitucional da liberdade, estatuído no artigo 27º, n.º 1 e n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, o qual aqui se invoca para todos os legais efeitos.

Sem prescindir.
29. Por dever de patrocínio e por mera cautela, apenas para o caso de esse Alto e Venerando Tribunal da Relação vir a entender que não assiste razão ao arguido/recorrente, no que invocou no Item anterior, cumpre, ainda, alegar o que se vai descriminar de seguida.
30. Resulta do teor do douto despacho, ora/recorrido, que:
(…..)
“ Cumpre, pois, proceder à liquidação da referida pena, com observância do disposto nos artigos 61º, 62º , 80º, 81º e 82º, do Código Penal e no artigo 479º, do CPP.
Neste processo, o arguido, na sequência da sua detenção em 1.06.2003 (cf. fls. 9191 v. e 104-104 v.), foi submetido à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, determinada por despacho de 2.06.2003 (cf. auto de 1º interrogatório judicial de arguido detido a fls. 95-100). Esta medida de coação manteve-se ininterruptamente, desde o dia 2.06.2003 até ao dia 14.11.2003, data em que o acórdão condenatório proferido nos autos transitou em julgado.
O condenado também esteve privado da liberdade no Reino Unido, desde 16.06.2017 até 20.06.2017, data em que foi libertado sob fiança (cf. informação a fls. 928).
Desta feita, será descontado todo este período de privação da liberdade à pena única aplicada, que se computa em 5 (cinco) meses e 18 (dezoito) dias — cf. artigos 80º nº 1 e 82º do Código Penal.
Dos autos não constam elementos dos quais resulte que o condenado sofreu qualquer outra medida ou pena de privação da liberdade a relevar neste processo, não sendo considerado medida desta natureza a medida processual «fiança com condições», que lhe foi aplicada, em 17.12.2018, pelo Westminster Magistrates Court (cf. doc. a fls. 950 a 952 vº)” – (Fim de citação – sublinhados e negritos da nossa autoria).
31. Ou seja, a M.ª Juíza do Tribunal a quo fundamentou a sua douta decisão de apenas considerar o desconto dos aludidos 5 meses e 18 dias de prisão, referentes ao período compreendido entre o dia 16-06-2017 e o dia 20-06- 2017 (privação da liberdade no Reino Unido) e 5 meses e 13 dias (período situado entre o dia 2-06-2003 e o dia 14-11-2003, data em que o recorrente esteve submetido à medida de coação prisão domiciliária, em Portugal), na pena única de prisão em que foi o arguido/recorrente condenado, nos presentes autos, para os efeitos do disposto nos artigos 80º e 82º, ambos do Código Penal, baseando-se apenas e exclusivamente na informação constante de fls. 928, dos autos.
32. Ora, salvo o devido respeito, que é muito, o arguido/recorrente não se conforma com tal conclusão, nomeadamente pelos seguintes motivos: segundo o despacho do Tribunal de “Westminster Magistrates Court” , proferido no dia 18 de Dezembro de 2018, apenas nesta última data foi deferida ao arguido/recorrente a denominada “Fiança de Imigração”, com vigilância eletrónica, a que o mesmo esteve depois sujeito, no Reino Unido, durante o período temporal situado entre tal data e o dia 27 de Maio 2021; por outro lado, resulta do teor dos autos que, em tal período temporal, compreendido entre o dia 21 de Junho de 2016 e o dia 18 de Dezembro de 2018, o arguido esteve detido à ordem do Proc. com o n.º 01180272891510, do Tribunal de “Westminster Magistrates Court”, por força do Mandado de Detenção Europeu, emitido pela Justiça Portuguesa, conforme se constata pelo teor do documento de fls. 950 a 952 vº, dos autos; sendo que, naquele documento, de fls. 950º a 952º, dos autos, informa-se que o arguido/recorrente esteve efetivamente detido, à ordem do Proc. com o n.º 01180272891510, do Tribunal de “Westminster Magistrates Court”, dando-se nota de tal detenção, na última página daquele documento, nomeadamente que existe um processo de extradição, quando se afirma o seguinte: “Proc. n.º 011802728915/1 - Extradição - Detido mediante um mandado da Parte 1”.
33. Nesta conformidade, é forçoso concluir que o arguido/recorrente esteve detido, à Ordem da Justiça Britânica, durante o período compreendido entre o dia 21 de Junho de 2016 e o dia 18 de Dezembro de 2018.
34. Em suma: o arguido/recorrente esteve efetivamente detido à ordem dos citados autos de Extradição, com o n.º 011802728915/1, durante 2 anos, 5 meses e 17 dias.
35. Motivo pelo qual, mais uma vez, o arguido/recorrente entende que o período temporal em que esteve detido à ordem dos citados autos de Extradição, com o n.º 011802728915/1, o qual corresponde a 887 dias, configura uma verdadeira medida coativa da sua liberdade, in casu corresponde a uma prisão e/ou detenção, a qual terá de ser descontada, na liquidação da pena em que foi condenado, nos presentes autos, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 80º e 82º, ambos do Código Penal.
36. Nesta conformidade, o referido período de prisão de 2 anos, 3 meses e 12 dias de prisão que, alegadamente, o arguido/recorrente terá ainda de cumprir, nos termos decididos na douta decisão, ora recorrida, já foi, também por esta via, largamente ultrapassado (in casu, foi ultrapassado em 2 meses e 5 dias de prisão), devendo, por tal motivo, o recorrente, ser imediatamente restituído à liberdade, conforme o requerido, no passado dia 14 de Julho de 2021, sob pena de - caso assim se não entenda – se estar a violar o princípio constitucional da liberdade, estatuído no artigo 27º, n.º 1 e n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, o qual se invoca para todos os legais efeitos.
37. Pelo exposto, deverá esse douto e alto Tribunal, ad quem, revogar o douto despacho, ora recorrido, ordenando-se em sua substituição a imediata libertação do arguido, aqui recorrente, para todos os legais efeitos”.
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Resposta ao recurso por parte do Ministério Público.

Na primeira instância, a Magistrada do Ministério Público, notificada da admissão do recurso apresentado pelo arguido, apresentou resposta defendendo que o período de recolhimento de quatro horas diárias é uma decisão administrativa – fiança com condições – aplicada pelas autoridades judiciárias do Reino Unido, sem correspondência a medida de coação privativa da liberdade no âmbito dos presentes autos ou a privação da liberdade, na execução do MDE, para efeitos do desconto nos termos do artº80º e 82º do Código Penal, ao contrário da privação da liberdade sofrida pelo condenado entre 16 e 20.07.2017 correspondente a 5 dias de prisão e devidamente descontados à pena de prisão nos termos da liquidação da pena de prisão em apreço, concluindo assim pela improcedência do recurso.
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Tramitação subsequente

Neste Tribunal da Relação de Guimarães, o processo foi com vista ao Ministério Público, tendo o Exmº. Senhor Procurador-Geral Adjunto, elaborado Parecer, no qual refere que a medida processual «fiança com condições» que foi aplicada ao arguido em 17/12/2018, pelo Westminster Magistrates Court, não pode ser considerada medida ou pena privativa de liberdade a ter em conta na liquidação, por ter caráter administrativo sem correspondência às medidas de coação ou pena privativas de liberdade para efeito de desconto no cumprimento das penas nos termos dos artºs 80º e 82º do CP, devendo assim improceder o recurso.
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Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº2 do CPP não tendo sido apresentada qualquer resposta.
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Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
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II – Fundamentação.

Cumpre apreciar o objeto do recurso.

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas essas questões, as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal (1).
A única questão que se coloca à apreciação deste tribunal é a de saber o que deve relevar para efeito de desconto no cumprimento da pena de prisão.
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Para tanto há que considerar a seguinte factualidade:

A) - Por acórdão de 30 de outubro de 2003, transitado em julgado em 11 de novembro de 2003, o arguido P. J. foi condenado na pena única de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão efetiva.
B) - Em execução de MDE, foi entregue, pelas autoridades britânicas à Polícia Judiciária, e conduzido ao E.P. de Lisboa, para cumprimento da mencionada pena, em 27 de maio de 2021.
C) - O arguido, na sequência da sua detenção em 1 de junho de 2003 foi submetido à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, determinada por despacho de 2 de junho de 2003, que se manteve ininterruptamente até ao dia 14 de novembro de 2003.
D) - Esteve privado da liberdade no Reino Unido, desde 16 de junho de 2017 até 20 de junho de 2017.
E) - Por decisão proferida no dia 17 de dezembro de 2018, proferida pelo Westminster Magistrates Court, foi-lhe concedida fiança com as seguintes condições:
“1. Deverá permanecer dentro de casa na sua morada de residência (ou em qualquer outra morada que o tribunal lhe tenha dito para residir), todos os dias, entre a 00:00 (meia noite) e as 4:00 da manhã.
2. A sua condição de recolher obrigatório será monitorizada de forma eletrónica. O serviço de monitorização, eletrónica irá zelar pelo cumprimento da condição de recolher obrigatório. Deverá usar sempre um dispositivo de identificação eletrónico pessoal durante a vigência da presente condição de fiança. Não deverá retirar nem de forma alguma adulterar o equipamento de monitorização. Deverá permitir o acesso à equipa de monitorização para que esta conclua o processo de admissão e seguir quaisquer instruções aceitáveis-que lhe sejam dadas.
3. Deverá entregar o seu cartão de identificação expirado ao Agente de Ligação da Acusação [PLO - Prosecution Liaison Officer] no Tribunal da Magistratura de Westminster (Feito); Viajar: não deverá sair nem tentar sair de Inglaterra e País de Gales.
4. Deverá manter o seu telemóvel com o número ……… ligado, totalmente carregado e consigo 24 horas por dia.
5. Deverá residir e dormir todas as noites em ao …...
6. Deverá pagar a quantia de 1.000£ até às 16:00 do dia 18/12/2018 no tribunal.
7. Não deverá requerer documentos de viagem internacionais nem estar na posse de quaisquer".
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Pretende o recorrente que esta medida de “Fiança com condições” iniciada em 17 de dezembro de 2018 e que se prolongou até ao dia 27 de maio de 2021, data em que foi entregue pelas autoridades britânicas à Polícia Judiciária, e conduzido ao E.P. de Lisboa, para cumprimento da mencionada pena, seja considerada para efeito de desconto, o recolher obrigatório a que esteve submetido, na sua residência, quatro horas por dia, na pena de prisão que lhe foi aplicada.
Considera que tal corresponde a uma detenção de 901 dias, por ter de ser descontada por inteiro, esse período de 4 horas diárias entre a meia noite e as 4 horas da madrugada previsto naquela Condição 1ª.
Tendo em consideração que essa medida de fiança com condições foi aplicada pelo Westminster Magistrates Court, concordamos que não se trata de uma medida de carácter administrativo, como defende o Ministério Público, quer na primeira instância, quer neste tribunal de recurso, mas sim uma medida com natureza jurisdicional, como defende o recorrente.
Tal medida tinha como motivo, como consta do seu texto, assegurar a sua comparência em audiência nesse tribunal e foi proferida no âmbito do processo de extradição.
Questão idêntica à dos autos já foi apreciada em alguns acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça.
Assim, no Acórdão do S.T.J. de 3 de janeiro de 2013, (2) refere-se claramente que a medida tomada pelas autoridades judiciárias do Reino Unido – o “conditional bail” consistente na apreensão do passaporte e na imposição do dormir todas as noites em determinado local – só pode ser entendida num quadro jurídico e à luz de uma norma certamente equiparável ou correspondente à do n.º 4 do art. 26.° da nossa lei de incorporação dos princípios da Decisão-Quadro de 2002, pois de contrário, a ser entendida a situação imposta ao requerente, como caso de detenção, os tribunais britânicos ver-se-iam confrontados com a imposição de uma medida restritiva de liberdade que perdurou durante 4 anos, 4 meses e 6 dias, sendo que ao longo de mais de 4 anos não foi proferida uma decisão definitiva, pelo que estaria inexoravelmente ultrapassado o período de detenção previsto na Decisão-Quadro, acrescentando-se ainda nesse douto aresto que a “conditional bail” é uma medida restritiva de liberdade, uma figura próxima do TIR, tendo o sentido de o arguido se manter à disposição do tribunal quando para tal notificado – al. a) do n.º 3 do art. 196.º do CPP –, e pelo que toca à apreensão de passaporte configura-se como proibição e imposição de condutas, medida prevista no art. 200.º do CPP, sem integrar a figura da OPH, prevista no art. 201.º do CPP, inexistindo no Reino Unido o conceito de prisão domiciliária, tratando-se das condições materiais a que aludem os arts. 26.°, n.º 4, da Lei 65/2003, e 17.°, n.º 5, da Decisão-Quadro.
Por sua vez, o acórdão do S.T.J. de 14-02-2013 (3) salienta que as medidas processuais sofridas no estrangeiro, previstas no artigo 82.º do Código Penal, são apenas as fortemente limitadoras da liberdade do arguido, como a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação e só devem ser descontadas na pena a cumprir em Portugal as medidas processuais aplicadas no estrangeiro que tenham equivalência razoável às que existam entre nós suscetíveis de serem descontadas.
No acórdão do S.T.J. de 21 de novembro de 2012 (4) é também referido que não sendo certo que a medida a que o requerente esteve sujeito, no Reino Unido, no âmbito do mandado de detenção europeu, seja comparável à obrigação de permanência na habitação.
Aderimos à doutrina emanada destes doutos acórdãos, merecendo-nos especial concordância a declaração de voto do Senhor Juiz Conselheiro Carmona da Mota, nesse último Aresto, o qual muito claramente elucida que “o art. 80.1 do CP português («A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão) refere-se a medidas privativas - e não apenas restritivas - da liberdade. Daí que o art. 82.º do CPP («É descontada, nos termos dos artigos anteriores, qualquer medida processual ou pena que o agente tenha sofrido, pelo mesmo ou pelos mesmos factos, no estrangeiro») se refira apenas a medidas privativas - e não simplesmente restritivas - da liberdade”.
E parece-nos ser efetivamente esse o cerne da questão.
A obrigação de o recorrente ter de estar entre a meia noite e as 4 horas da madrugada na sua residência, é meramente restritiva da sua liberdade (como também sucede com a medida de Termo de Identidade e Residência prevista no artigo 196º do CPP ou até com a obrigação de apresentação periódica, prevista no artigo 198º do CPP em que o arguido, contrariando a sua liberdade vê-se obrigado a se apresentar a uma entidade judiciária ou a um certo órgão de polícia criminal em dias e horas preestabelecidos) e não uma medida privativa da liberdade, pelo que não é assim minimamente equiparável às medidas de detenção, prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação, previstas no artigo 80º do Código Penal para efeitos de desconto na pena de prisão.
Do mesmo modo, também não há assim lugar, por essa via, à dedução prevista no artigo 26º nº1 da DECISÃO-QUADRO do Conselho de 13 de Junho de 2002 relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros (2002/584/JAI) que prevê que o Estado-Membro de emissão deduza a totalidade dos períodos de detenção resultantes da execução de um mandado de detenção europeu do período total de privação da liberdade a cumprir no Estado-Membro de emissão, na sequência de uma condenação a uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade, o que no caso em apreço, se restringe aos 5 dias em que o recorrente esteve privado da liberdade no Reino Unido, de 16.06.2017 até 20.06.2017, data em que foi libertado sob fiança e que já foram atendidos pelo tribunal “a quo” aquando do despacho de liquidação da pena.
O tribunal “a quo” também efetuou o desconto relativo à medida de coação de obrigação de permanência na habitação aplicada ao decorrente, determinada por despacho de 2 de junho de 2003, que se manteve ininterrupta até ao dia 14 de novembro de 2003, não existindo nos autos quaisquer outros elementos, nomeadamente ocorridos no Reino Unido, que levem a que seja descontado na pena de prisão aplicada ao recorrente, qualquer outro período temporal, nomeadamente qualquer detenção ocorrida entre o dia 21 de Junho de 2016 e o dia 18 de Dezembro de 2018.
Realce-se por último, o Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 28 de julho de 2016, proferido no processo C 294/16 PPU, numa situação semelhante à dos autos, (embora até mais gravosa em termos de números de horas na habitação) e que teve por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Rejonowy dla Łodzi —Śródmieścia w Łodzi (Tribunal de Primeira Instância de Łódź — Cidade de Łódź, Polónia), por decisão de 24 de maio de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 25 de maio de 2016, no processo JZ contra Prokuratura Rejonowa Łódź — Śródmieście, e em que o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 26º, nº 1, da Decisão Quadro 2002/584 deve ser interpretado no sentido de que medidas como uma obrigação de permanência na habitação por um período de nove horas durante a noite, acompanhada de uma vigilância da pessoa em causa através de uma pulseira eletrónica, de uma obrigação de apresentação diária ou várias vezes por semana num posto de polícia a horas fixas, bem como de uma proibição de solicitar a emissão de documentos que permitam viajar para o estrangeiro, podem ser qualificadas de «detenção», na aceção deste artigo 26.o, nº 1., o qual refere no seu Considerando 40º “A este respeito, importa salientar, por um lado, que os termos «detenção» e «privação da liberdade» são utilizados indistintamente nas diferentes versões linguísticas do artigo 26.o, nº 1, da Decisão Quadro 2002/584 e, por outro, que estes conceitos são conceitos semelhantes, cujo sentido habitual remete para uma situação de reclusão ou de encarceramento, e não para uma simples restrição de liberdade de movimentos” e no seu Considerando 46º que “Assim, decorre do teor, do contexto e do objetivo do artigo 26.o, n.o 1, da Decisão Quadro 2002/584 que o conceito de «detenção», na aceção desta disposição, não designa uma medida restritiva mas uma medida privativa de liberdade, que não tem necessariamente de revestir a forma de um encarceramento”., para vir a final, a declarar “O artigo 26.o, n.o 1, da Decisão Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados Membros, conforme alterada pela Decisão Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, deve ser interpretado no sentido de que medidas como uma obrigação de permanência na habitação por um período de nove horas durante a noite, acompanhada de uma vigilância da pessoa em causa através de uma pulseira eletrónica, de uma obrigação de apresentação diária ou várias vezes por semana num posto de polícia a horas fixas, bem como de uma proibição de solicitar a emissão de documentos que permitam viajar para o estrangeiro não são, em princípio, atendendo ao tipo, à duração, aos efeitos e às modalidades de execução de todas esta medidas, de tal modo restritivas que delas possa resultar um efeito privativo de liberdade comparável ao que resulta de um encarceramento e que possam, portanto, ser qualificadas de «detenção», na aceção da referida disposição, o que, no entanto, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar”
Não existe assim, pelos motivos expostos, qualquer violação ao disposto no artigo 27º, n.º 1 e n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, que consagra o princípio constitucional do direito à liberdade, nem também existe violação de qualquer princípio geral de direito europeu.
Entende-se deste modo que nenhuma censura há a fazer ao despacho recorrido e que bem andou a Mmª Senhora Juíza “a quo” ao não efetuar o desconto pretendido pelo recorrente.
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III – Decisão.

Face ao exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido e em consequência, confirmam o douto Despacho recorrido.
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Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça - artigos 513.º, n.ºs. 1 e 3, do C.P.P. e 8.º, n.º 9, do R.C.P. e Tabela III anexa.
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Notifique.
Guimarães, 10 de janeiro de 2022.

(Decisão elaborada com recurso a meios informáticos e integralmente revista por ambos os subscritores, que assinam digitalmente)
Pedro Freitas Pinto (Relator)
Fátima Sanches (Adjunta)



1. Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 3ª Edição Atualizada, Universidade Católica Editora, 2009, anot. 3 ao art. 402º, págs. 1027/1028; Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995.,
2. Relator: Senhor Juiz Conselheiro RAUL BORGES, Ac. consultável como os demais citados no site www.dgsi.pt.
3. Relator : Senhor Juiz Conselheiro SOUTO DE MOURA.
4. Relator: Senhor Juiz Conselheiro MANUEL BRAZ