Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
618/16.0T8PTL.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: PER
PLANO DE REVITALIZAÇÃO
RECUSA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
CREDORES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – O processo especial de revitalização, introduzido pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, constitui uma reorientação do CIRE que, desviando-se do processo de insolvência como instrumento na prossecução dos interesses dos credores através da liquidação do património do devedor, dá prevalência à recuperação deste, privilegiando a sua manutenção no giro comercial.
II – O juiz, mesmo oficiosamente, deverá recusar a homologação do plano de revitalização se verificar ter havido violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, como lho impõe o art.º 215.º do C.I.R.E..
III – Não estabelecendo o C.I.R.E. um critério de avaliação sobre a negligenciabilidade da violação das regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do plano de revitalização, cumpre recorrer ao critério geral constante do art.º 195.º do C.P.C.: não é negligenciável a violação se ela interfere com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou que se visam proteger.
IV – Excluem-se do direito de votar os credores cujos créditos não sejam modificados pela parte positiva do plano (art.º 212.º, n.º 2, alínea a) do C.I.R.E.), deste modo se evitando que os credores que não afectados possam impor o plano aos credores por ele afectados.
V - Um dos princípios fundamentais estruturantes do Processo Especial de Revitalização é o da igualdade de todos os credores – par creditio creditoris –, constituindo a sua inobservância uma violação não negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo, sendo, por isso, fundamento de recusa de homologação do plano, nos termos do art.º 215.º do C.I.R.E..
VI – A enunciação do princípio da igualdade consagrada no art.º 194.º, n.º 1 do C.I.R.E. tem na sua génese a proibição do arbítrio, não admitindo diferenciações de tratamento sem uma justificação razoável, baseada em razões objectivas.
VII – Viola o princípio da igualdade de credores o plano que prevê o reembolso dos créditos das instituições bancárias no prazo de 10 anos, com pagamento de juros à taxa Euribor a 12 meses, acrescida de 3%, mesmo no período de carência, e o reembolso dos créditos dos fornecedores num prazo de 16 anos, 50% nos primeiros 15 e os restantes 50% no último, com o perdão total dos juros vencidos e vincendos.
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO
I.- T, requereu processo especial de revitalização propondo-se negociar com os seus Credores um plano de recuperação.
As negociações culminaram com a aprovação do plano proposto, que obteve a adesão da maioria dos credores representativa da percentagem dos créditos para tanto necessária.
A Credora A requereu, porém, nos autos a não homologação do plano alegando, em síntese, violação do princípio da igualdade dos credores por terem sido beneficiados os titulares de créditos comuns provenientes de contratos de “leasing” e os créditos comuns da titularidade de instituições de crédito, para os quais estão previstas melhores condições de pagamento do que as que o plano prevê para os créditos comuns detidos por fornecedores. Alegou ainda insuficiência do plano por prever que os créditos comuns serão satisfeitos em prestações mensais e sucessivas sem estabelecer o montante de cada uma das prestações.
Foi proferido douto despacho que considerou haver razões objectivas que justificam a diferenciação e homologou o plano aprovado pelos credores.
Inconformada, traz a supramencionada Credora o presente recurso pedindo a revogação daquela decisão e a sua substituição por outra que recuse a homologação do plano.
Contra-alegou a Devedora propugnando para que se mantenha a decisão de homologação.
O recurso foi recebido como de apelação com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II.- A Credora/Apelante funda o seu recurso nas seguintes conclusões:
i.- O plano de revitalização proposto pela devedora estabelece, injustificadamente, três regimes distintos de satisfação de créditos de natureza "comum", por alegadamente ser "imperativo a manutenção e até eventual reforço de financiamento por parte de tais instituições bancárias";
ii.- no que respeita aos créditos comuns que têm por fonte contratos de "leasing", propõe o Plano que "ao valor reclamado serão capitalizados os juros vencidos desde a data da reclamação de créditos até à data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano, às taxas contratuais"; que no decurso do período de carência de capital (12 meses após o trânsito em julgado), terá lugar ao pagamento de juros em prestações mensais, vencendo-se a primeira prestação 30 dias após a data do trânsito em julgado da sentença; que a taxa a aplicar será a de Euribor 12M+3%, com taxa mínima igual ao Spread; que os créditos serão pagos em 120 prestações mensais sucessivas; e que não haverá quanto aos créditos "perdas de garantias existentes" (opção A); ou (opção B) cumprimento dos contratos nos respetivos termos;
iii.- no que respeita aos créditos comuns na titularidade de instituições de crédito, e caso não optem pela "Opção A" prevista para os créditos que têm por fonte os contratos de leasing, propõe o Plano que "ao valor reclamado e reconhecido, acrescerá juros contados desde a data da reclamação até à data do trânsito em julgado da sentença da homologação do Plano às taxas contratadas"; que no decurso do período de carência de capital (12 meses após o trânsito em julgado), terá lugar o pagamento de juros, cuja taxa a aplicar será a da Euribor a 12M acrescida de 3%, sendo que, caso o indexante tenha um valor negativo, deverá ser considerado taxa de zero, vencendo-se a primeira prestação trinta (30) dias após a data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano; que os créditos serão pagos em 120 prestações mensais sucessivas, acrescidas de pagamento de juros mensais, calculados à taxa Euribor a 12M acrescida de 3%, sendo que, caso o indexante tenha um valor negativo, deverá ser considerado taxa de zero; manutenção das garantias existentes;
iv.- no que respeita aos créditos comuns detidos por fornecedores, propõe o plano 1) o pagamento de 50% do capital em dívida, em 180 prestações mensais e sucessivas, com inicio após o decurso do período de carência; 2) um período de carência de 12 meses, iniciados após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de revitalização; 3) o perdão de juros vencidos e vincendos; 4) o reembolso de 50% do capital no final do período referido na alínea a) (pagamento bullet);
v.- Os designados "fornecedores" são detentores de 47,44% dos créditos em dívida, enquanto que as instituições de crédito (incluída a N) são apenas detentores de 36,96% da dívida;
vi.- Por isso, é ininteligível a razão pela qual é estabelecido um regime mais benéfico, dentro da mesma classe, para os referidos credores, certo que estes têm um peso na dívida inferior aos designados "fornecedores", e não assumem, de modo a justificar a diferenciação, qualquer compromisso com a devedora para o futuro, designadamente em matéria de financiamento (celebração de novos contratos ou sua renovação);
vii.- Mesmo sem a assunção de qualquer responsabilidade para com a devedora no futuro, as instituições de crédito são "brindadas" com a satisfação da totalidade dos seus créditos cerca de 5 anos antes dos demais credores da mesma classe, sendo-lhes ainda garantida, pelo menos, caso assim optem, a remuneração (juros) acordada no âmbito dos contratos que constituem a fonte dos créditos reclamados; já os demais credores comuns, impõe-se-lhes, em comparação com as instituições de crédito, mais cinco anos para a satisfação de 50% dos seus créditos, o perdão de juros vencidos e vincendos e o risco de, vencida a obrigação de reembolso planeada, e que corresponde a 50% dos créditos que detêm, a devedora não disponha de meios suficientes para o fazer, certo que tal reembolso tem por medida a quantia de cerca de € 439.000 (quatrocentos e trinta e nove mil euros) a satisfazer num único momento, o que é absolutamente inverosímil;
viii.- A manutenção dos bens locados na posse da devedora não dependerá, certamente, da postergação do princípio da igualdade entre os credores, mas antes da aprovação de um Plano que conduza à sua revitalização;
ix.- O plano proposto viola o princípio da igualdade entre os credores, porquanto estabelece diferenciações não justificadas por razões objectivas, consubstanciando uma violação grave, não negligenciável, das regras aplicáveis, pelo que não deveria ser homologado;
x.-O plano de revitalização oferece aos titulares de créditos que têm por fonte contratos de leasing celebrados com a devedora duas opções em alternativa (vide, páginas 21 a 23 do Plano), cabendo aos credores designar a sua escolha - cfr., página 30 e 31, idem);
xi.- O Plano é, porém, omisso quanto ao prazo que os ditos credores têm para exercer o seu direito de opção e qual a opção a aplicar no caso de o direito (de escolha) não ser exercido pelo respetivo titular, o que consubstancia uma nulidade, que se invoca, que deveria ter obstado à homologação do Plano;
xii.- A situação da recorrente ao abrigo do Plano de Revitalização é menos favorável do que aquela que resultaria da ausência de qualquer Plano, designadamente, em comparação daquela que resultasse da insolvência da devedora e execução universal do seu património, razão pela qual deveria a homologação do Plano ser recusada, ao abrigo do disposto no artigo 216.º, n.º1, al. a), do CIRE;
xiii.- O Plano de revitalização prevê que os credores comuns sejam satisfeitos em prestações mensais sucessivas, mas não estabelece a medida de cada uma daquelas prestações, o que possibilita, no limite, que cada prestação possa ter por medida um valor diminuto (ex., € 0,01), e que a devedora reserve o direito de só na última prestação pagar o remanescente.
xiv.- O Plano, nessa medida, não define claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores;
xv.- Esta insuficiência, por violar o disposto no artigo 195.º, n.ºs 1 e 2, do CIRE, consubstancia uma violação não negligenciável de normas aplicáveis ao seu conteúdo, pelo que a homologação do Plano deveria ter sido recusada;
xvi.- Para efeitos de votação, contagem e apuramento dos votos, o Sr. Administrador Judicial Provisório decidiu, implicitamente, decisão essa «coberta» pelo despacho ora impugnado, que o número/percentagem de votos de cada credor seria proporcional ao valor dos respetivos créditos incluídos na Lista, independentemente da classificação dos mesmos e/ou da sua sujeição a qualquer condição, suspensiva ou resolutiva;
xvii.-Em conformidade com a decisão, na contagem e apuramento da votação foi considerado o voto N e da CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL na proporção do valor dos "seus" créditos classificados sob condição, os quais, não obstante não constituídos (por faltar a verificação da condição a que estavam sujeitos), passaram a corresponder a 18,943% do total do capital representado;
xviii.- Determina o artigo 73.º, n.º 2, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), aplicável por analogia ao Processo Especial de Revitalização, que "o número de votos conferidos por crédito sob condição suspensiva é sempre fixado pelo Juiz, em atenção à probabilidade da verificação da condição", pelo que a decisão do Sr. Administrador Judicial Provisório sobre a matéria exorbitou as respetivas competências (cfr., artigos 17.º-A a 17.º-I, do CIRE), e constitui, como tal, uma decisão ilegal, o que expressamente se invoca;
xix.- Não tendo sido fixado pelo juiz o número de votos conferidos pelos créditos sob condição suspensiva reclamados pela N e pela CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL SA (cfr., fls .... do processo), e sendo nulo, como se peticiona, o ato praticado pelo Sr. Administrador Judicial provisório, bem como o despacho que o «cobre», por contrários a uma disposição legal, careciam estes credores dos direitos de voto atribuídos, pelo que o seu «voto» não deve ser atendido para efeito de contagem e apuramento da votação;
xx.- Ainda que assim não se entenda, considerando o Tribunal «ad quem» que o Sr. Administrador Judicial Provisório tem no âmbito de um processo especial de revitalização tal competência (i.e., de fixação do número de votos conferidos por crédito de condição suspensiva), verifica-se, compulsados os autos, que o mesmo não fixou o número de votos conferidos pelos créditos reclamados pela N ou pela Caixa, ou, pelo menos, não teve em conta, nessa eventual fixação, a probabilidade da verificação da condição a que tais créditos estão sujeitos, razão pela qual, tendo faltado a fixação ou sendo esta nula (v.g., por inobservância do critério legal; i.e., da probabilidade da verificação da condição), devia o voto ser desconsiderado para qualquer efeito.
xxi.- Desconsiderados os votos como se pugna, verifica-se que o Plano sufragou apenas 49,028% dos votos emitidos, votos estes relativos a credores cujos créditos representam 43,15% dos créditos incluídos na lista, razão pela qual a homologação do Plano deveria ter sido recusada - cfr., artigo 17.º-F, n.º3, do CIRE.
xxii.- Ao decidir como decidiu, violou o Tribunal a quo, entre outros, os artigos 17.º-F, n.º3, 194.º, 195.º, 200.º, 215.º e 216.º do CIRE.
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III.- A Devedora, respondendo aos fundamentos invocados, alegou que:
A. Foi manifestamente clara ao manifestar inequivocamente que precisa obrigatoriamente dos bens em leasing, designadamente onde labora e dos veículos com que efectua a entrega das mercadorias para a manutenção da actividade.
B. Sem o imóvel e sem os veículos a aqui recorrida não terá possibilidades de manter a sua actividade e dessa forma continuar a laborar para pagar a todos os seus credores.
C. Sendo certo que como se tratam de contratos de leasing, a aqui recorrida nem sequer é a proprietária dos mesmos, pelo que, para continuar a poder utilizar tais bens que, como se disse, são imprescindíveis à continuidade da actividade, tem forçosamente que cumprir tais contratos.
D. Do mesmo modo e de forma a garantir a continuidade da empresa que depende, em larga medida, da continuidade da confiança das instituições financeiras, com eventuais reforços de financiamento foi igualmente proposto um tratamento diferenciado a tais credores.
E. A alegada violação do art. 200° do CIRE é manifestamente infundada, o que se comprova pelo simples facto de todos os credores nessas condições terem manifestado a sua opção no próprio momento do voto, como se pode ver dos votos juntos pelo Exmo. Sr. Administrador Judicial Provisório.
F. Foi por si expressa e inequivocamente assumido no decurso de todas as negociações, constando igualmente em sede do Plano, que parte do seu património está em regime de locação, pelo que só com o cumprimento dos contratos passará, a final, para si a propriedade desses mesmos bens, sendo certo que não obstante estarem em leasing, contabilisticamente constituem activo da sociedade.
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IV.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Como se extrai das conclusões acima transcritas a Apelante suscita as seguintes questões:
1 – Saber se houve violação do princípio da igualdade dos credores;
2 – Saber se houve incumprimento da obrigação imposta pelo art.º 200.º do CIRE;
3 – Saber se se verifica insuficiência de conteúdo do plano.
4 – Saber se foi constituída maioria de créditos suficiente para a aprovação do Plano.
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B) FUNDAMENTAÇÃO
V.- Resulta dos autos a seguinte facticidade com interesse para a apreciação do presente recurso:
1.- Quer na lista provisória de créditos, quer na lista definitiva, constam como reconhecidos (dentre outros) os seguintes créditos:
- “Caixa Económica Montepio Geral”, crédito comum “sob condição”, no valor total de € 83.029,91. Sob a epígrafe “Condições Suspensivas ou Resolutivas” consta: “O reconhecimento do direito de crédito encontra-se dependente do cumprimento do contrato de locação financeira”, e sob a epígrafe “Fundamento” consta: “Contrato de Locação Financeira Imobiliária – Rendas Vincendas e Valor Residual”.
- N”, crédito garantido “sob condição”, no valor total de € 76.763,91. Sob a epígrafe “Garantias e Privilégios” consta: “Penhor sobre 1.000 acções da N no valor nominal de 1€ cada”. Sob a epígrafe “Condições Suspensivas ou resolutivas” consta: “O reconhecimento do direito de crédito encontra-se dependente da verificação do pagamento da garantia ainda não executada pelo beneficiário”, e como “Fundamento” vem indicado “Garantias Autónomas”.
2.- No Plano de Recuperação aprovado, relativamente ao crédito da “N”, acima referido, consta: “O crédito só se torna vencido e exigível na medida da verificação da respectiva condição, sendo que a medida proposta para pagamento do crédito será a mesma prevista para as instituições bancárias, cujo crédito foi reconhecido mediante a natureza comum” (cfr. n.º 7.6.1., a fls. 970).
3.- O pagamento para as instituições bancárias será feito nos seguintes termos:
“a) Ao valor reclamado e reconhecido acrescerá juros contados desde a data da reclamação até à data do trânsito em julgado da sentença da homologação do Plano às taxas contratadas.
b) Período de carência de capital de 12 meses, iniciados após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de revitalização;
c) No decurso do período de carência, terá lugar ao pagamento de juros em prestações mensais, cuja taxa a aplicar será a da Euribor a 12 M acrescida de 3%, sendo que, caso o indexante tenha um valor negativo, deverá ser considerado taxa de zero, vencendo-se a primeira prestação trinta (30) dias após a data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano;
d) Após o período de carência, terá lugar o pagamento de 100% do capital em dívida, em 120 prestações, mensais e sucessivas, acrescido do pagamento de juros mensais, calculados à taxa Euribor a 12M acrescida de 3%, caso o indexante tenha um valor negativo, deverá ser considerado taxa de zero.
e) Manutenção das eventuais garantias já prestadas.” (cfr. ponto 7.3.2, a fls. 968 e 969).
4.- Relativamente ao crédito da “Caixa Económica Montepio Geral, acima referido em 1., são propostas duas opções de pagamento:
- “OPÇÃO A – Consolidação da dívida num só contrato de mútuo:
Consolidação da dívida num só contrato de mútuo com pagamento de 100% do capital + juros vencidos, ou seja, ao valor reclamado serão capitalizados os juros vencidos desde a data da reclamação de créditos até data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano, às taxas contratuais;
Período de carência de capital de 12 meses, iniciados após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de revitalização;
No decurso de carência período de capital, terá lugar ao pagamento de juros em prestações mensais, vencendo-se a primeira prestação trinta (30) dias após a data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano;
A taxa a aplicar será a da Euribor a 12 M +3%, com taxa mínima igual ao spread;
Prazo: até 120 prestações mensais e sucessivas;
Sem perda de garantias existentes.
- OPÇÃO B – Cumprimento do contrato de leasing em autonomia com os demais contratos de financiamento titulados pelo respectivo Credor.
Propõe-se o cumprimento do contrato de leasing nos termos contratos e cujo cumprimento se encontra em curso.” (cfr. ponto 7.3.1. a fls. 967 e 968).
5.- Na “Declaração de Voto” que aquele Banco Credor fez chegar ao Sr. Administrador Judicial Provisório (A.J.P.), votando favoravelmente a aprovação do plano, escolheu a “Opção B – 7.3.1” (cfr. fls. 1008 dos autos).
6.- No documento sob o título “Acta de Abertura dos Votos” consta, além do mais, o seguinte: “Iniciada a diligência, … foram abertos e analisados os votos remetidos pelos credores reclamantes e reconhecidos nos autos, pelo que, tomando em consideração a totalidade dos votos emitidos, aferiu-se que os votos emitidos perfazem 86,951% do total de credores relacionados com direito de voto, representando os votos favoráveis 67,971% dos votos emitidos, …”
7.- A acompanhar o documento acima referido foram ainda enviadas as comunicações escritas dos votos e um exemplar da lista definitiva dos credores na qual estão assinalados os que votaram a favor e os que votaram contra, e ainda aqueles que se abstiveram, com a indicação da percentagem correspondente a cada um daqueles créditos, terminando com a indicação dos resultados acima referidos.
8.- Do documento acima referido resulta que os votos dos credores “Caixa Económica Montepio Geral” e “N”, relativos aos créditos supra mencionados em 1., foram contabilizados pela totalidade – 1 euro/1 voto.
9.- No PER, e sob a epígrafe “Medidas Necessárias à Execução” consta: “é indispensável que as instituições financeiras mantenham a sua confiança na actividade económica da empresa devedora, respaldando eventuais necessidades pontuais de apoio à tesouraria, mormente em caso de atraso no recebimento por parte dos seus clientes. Sendo certo, porém, que a necessidade de entre-ajuda entre a sociedade aqui requerente e as instituições financeiras não exige destas qualquer vinculação” (cfr. ponto 5.2, a fls. 962).
10.- Enquanto que o pagamento dos créditos de natureza comum das instituições bancárias será feito nos termos acima referidos em 3., de acordo com o Plano de Recuperação, os “Créditos Comuns – Fornecedores” far-se-á nos seguintes termos:
“a) Pagamento de 50% do capital em dívida, em 180 prestações mensais e sucessivas, com início após o decurso do período de carência;
b) Período de carência de 12 meses, iniciados após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de revitalização;
c) Perdão de juros vencidos e vincendos;
d) Reembolso de 50% do capital final do período referido na alínea a) (pagamento bullet)” (cfr. ponto 7.4, a fls. 969).
11.- No “mapa de pagamentos” vêm referidos os montantes das prestações anuais, sem quantificação das prestações mensais (cfr. fls. 981).
12.- Ainda no PER é justificada a “derrogação” do princípio da igualdade no que concerne à forma distinta de pagamento dos créditos reconhecidos mediante natureza comum pela “imperial necessidade da empresa devedora continuar a manter na sua posse os bens em regime de leasing imobiliário”.
Mais se refere “ser imperativo” para a “manutenção” da actividade da Revitalizanda “a manutenção e até eventual reforço de financiamento” por parte das Instituições Bancárias.
E acrescenta-se que “a destrinça” entre “créditos comuns – Banca” e “créditos comuns – Fornecedores” “vai permitir à empresa fundo de maneio e liquidez para assumir todos os seus compromissos, não defraudando nenhum credor, que verá a totalidade do capital em dívida devidamente liquidado, sem qualquer perdão” (cfr. fls. 976/977).
13.- Sob o título “Outros Meios de Execução do Plano” ficou a constar que:
“b) O acordo fica sujeito à condição resolutiva do pagamento, no prazo, das prestações acordadas.
c) O plano de liquidação fica sujeito à cláusula de “regresso de melhor fortuna”, entendendo-se por esta que uma vez cumpridos os pagamentos … serão satisfeitos todos os credores na medida em que viram os seus créditos reduzidos, caso a empresa apresente uma situação económico-financeira que o permita” – cfr. fls. 974.
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VI.- 1- O processo especial de revitalização, introduzido pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, constitui uma reorientação do C.I.R.E. que, desviando-se do processo de insolvência como instrumento na prossecução dos interesses dos credores através da liquidação do património do devedor, dá prevalência à recuperação deste, privilegiando a sua manutenção no giro comercial.
Como expressamente refere a Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, de 25 de Outubro, e ficou referido na “Exposição de Motivos” que acompanhou a proposta de Lei n.º 39/XII, que viria a dar origem à referida Lei n.º 16/2012, de 30 de Abril, o memorando de entendimento celebrado com a “Troika” previa que fosse adoptado um conjunto de medidas com o objectivo de promover a introdução de mecanismos de reestruturação extrajudicial de devedores que, encontrando-se em situação financeira muito difícil, ainda sejam susceptíveis de recuperação.
Numa época em que a crise económico-financeira do País se reflectia (reflecte) no elevadíssimo número de insolvências de empresários e empresas, aumentando o empobrecimento do tecido económico português pelo desemprego que gera e pela extinção de oportunidades comerciais que o surgimento de novas empresas dificilmente recupera, o Governo (de então), aproveitando a experiência de outros Países, apresentou um instrumento que quis célere e eficaz na revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou mesmo em situação de insolvência iminente, desde que possam ainda ser recuperados - cfr. n.º 1 do art.º 17.º-A e 17.º-B do CIRE.
Foi assim criado um procedimento extrajudicial de recuperação de devedores, visando promover as negociações destes com os seus credores com vista à obtenção de um acordo extrajudicial de recuperação dos primeiros e o prosseguimento da sua actividade económica.
Trata-se de um processo voluntário (a iniciativa é, apenas, do devedor, não sofrendo nenhuma consequência se o não requerer) e tendencialmente extrajudicial, visto que as negociações do devedor com os credores se desenvolvem sob a orientação e com a fiscalização apenas do administrador judicial provisório, sendo ainda genuinamente autocompositivo já que o primado é o da vontade das partes – dos credores, mas também, em certa medida, do devedor.
O PER, refere Luís M. Martins, “permite ao devedor negociar com os credores e, dentro dos limites da autonomia das partes e da lei, alcançar um acordo que permita a sua revitalização mantendo a sua atividade, regular as obrigações assumidas e que se vierem a vencer e evitar a deterioração dos seus ativos e rendimentos mantendo-os na sua esfera jurídica” (in “Processo de Insolvência”, Almedina 2013, 3.ª ed., pág. 101).
2.- Sem embargo, apesar do primado das partes constituir o princípio estruturante do processo, e apesar das suas características específicas, ele não deixa de ser um processo judicial.
Cabendo na competência exclusiva do administrador judicial provisório orientar e fiscalizar o decurso dos trabalhos e a sua regularidade, e, na falta de acordo, definir as regras a que hão-de obedecer as negociações – cfr. n.os 8 e 9 do art.º 17.º-D do C.I.R.E. (como o serão todas as normas legais infra citadas sem menção do Diploma respectivo), não pode o juiz interferir no processo negocial, mas, no momento em que tenha de decidir se homologará ou não o acordo, não deixará de verificar se houve algum atropelo aos princípios, ou inobservância das normas imperativas, que regem o processo, podendo recusar a homologação do plano ainda que ele tenha obtido a adesão da maioria qualificada dos credores.
Com efeito, como se dispõe no n.º 5 do art.º 17.º-F, o juiz decide se deve homologar o plano ou recusar a sua homologação, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no Título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º.
Deste modo, o juiz, mesmo oficiosamente, deverá recusar a homologação do plano especial de revitalização (PER), se verificar ter havido violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, como lho impõe o referido art.º 215.º.
Normas procedimentais, de acordo com JOÃO LABAREDA e LUIS CARVALHO FERNANDES, “são todas aquelas que regem a actuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram apresentadas – incluindo, por isso, as relativas à sua própria convocatória e funcionamento – e, bem assim, as relativas ao modo como ele deve ser elaborado e apresentado”.
Normas relativas ao conteúdo serão “todas as respeitantes à parte dispositiva do plano” e ainda “aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar”.
Como critério geral apontam os mesmos Autores que são não negligenciáveis “todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza”, e são negligenciáveis, ou seja, passíveis de desconsideração, “as infracções que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia ser afastadas com o consentimento do protegido”.
Propugnam ainda aqueles Autores, no que têm sido seguidos pela jurisprudência e pela doutrina, pelo recurso ao critério geral constante do art.º 195.º do C.P.C.: - interessa averiguar se a nulidade cometida é susceptível de interferir na boa decisão da causa, “o que significa valorar se interfere ou não com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger – nomeadamente, no que respeita à tutela devida à posição dos credores e do devedor nos diversos domínios em que se manifesta -, tendo em conta o que é, apesar de tudo, renunciável” (in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2.ª ed., págs. 826-827).
De acordo com o disposto no art.º 216.º, o juiz pode ainda não homologar o plano se tal lhe for solicitado, designadamente, por qualquer credor, ficando, porém, este com o ónus da prova de que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas (alínea a) do n.º 1) ou que o plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar (alínea b) do n.º 1).
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VII.- Isto considerado, cumpre passar à apreciação das questões suscitadas pela Apelante, começando pela última que, a proceder, retira utilidade à apreciação das restantes.
1.- Nas conclusões xvi a xxi refere a Apelante que o Sr. A.J.P. decidiu, de forma implícita, que para efeitos de votação, contagem e apuramento de votos o número/percentagem de votos de cada credor seria proporcional ao valor dos respectivos créditos incluídos na Lista, independentemente da classificação dos mesmos e/ou da sua sujeição a qualquer condição, suspensiva ou resolutiva.
Ora, como nos termos do art.º 73.º, n.º 2 a fixação do número de votos conferidos por crédito sob condição suspensiva é da competência do juiz, a decisão do Sr. A.J.P. é ilegal porque exorbita das suas competências.
Assim, sendo nulo o acto praticado pelo Sr. A.J.P., porque contrário a uma disposição legal, careciam os credores “N” e “Caixa Económica Montepio Geral, S.A.” dos direitos de voto atribuídos, pelo que o seu voto não deve ser atendido para efeito de contagem e apuramento da votação.
Acrescenta ainda que se se vier a considerar que o Sr. A.J.P. tem competência própria para o efeito, então, como não fixou o número de votos conferidos pelos créditos reclamados por aquelas Credoras ou, “pelo menos, não teve em conta, nessa eventual fixação, a probabilidade da verificação da condição a que tais créditos estão sujeitos” deviam os votos ser desconsiderados para qualquer efeito.
Em resultado desta desconsideração, conclui, o Plano sufragou apenas 49,028% dos votos emitidos pelo que a homologação devia ter sido recusada.
Cumpre apreciar.
1.- É inequívoco que as normas que respeitam às votações, designadamente o invocado art.º 73.º, só se aplicam subsidiariamente.
Com efeito, quanto a esta parte rege, em primeiro plano, o disposto no n.º 3 do art.º 17.º-F (com a redacção que lhe foi dada pelo art.º 4.º do Dec.-Lei n.º 26/2015, de 6 de Fevereiro) que estabelece:
“Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano de recuperação que:
a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 17.º-D recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou
b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções”.
Não se faz a correspondência entre os créditos e o número de votos pelo que, como vem referido, há que aplicar o critério constante do n.º 1 do art.º 73.º, ainda que ele se destine a regular o sistema de votação na Assembleia de Credores. Assim, os créditos “conferem um voto por cada euro ou fracção”.
Dispõe o n.º 2 que “O número de votos conferidos por crédito sob condição suspensiva é sempre fixado pelo juiz, em atenção à probabilidade da verificação da condição”.
CATARINA SERRA, advogando a aplicação do disposto na 1.ª parte do n.º 1, “sob pena de não existir qualquer critério para a atribuição do número de votos a cada crédito”, afasta a hipótese de aplicação da parte final do mesmo n.º 1 e das alíneas respectivas.
No que se refere ao n.º 2 escreve: “Afirmar a aplicabilidade desta norma pressuporia que se reconhecesse a possibilidade de reclamação de créditos sob condição suspensiva. A melhor solução é, porém, a contrária”. E esclarece: “A verdade é que só são susceptíveis de reclamação os créditos existentes ou os que se constituam até ao despacho de “abertura” do PER, que é a altura a partir da qual se produzem os principais efeitos processuais (cfr. art. 17.º-E, n.º 1). Assim, ou a condição se verifica até lá e o crédito pode ser reclamado mas já não é condicional ou a condição não se verifica até lá e o crédito não pode ser reclamado”, extraindo daqui a conclusão de que, “em princípio” o plano de recuperação não vinculará estes credores pois “quem não tem a qualidade de credor, pelo menos condicional, e não pode participar nas negociações não é abrangido para os efeitos da norma do art. 17.º-F, n.º 6” (in “O Processo Especial de Revitalização na Jurisprudência”, Almedina, 2016, págs. 88-89).
NUNO SALAZAR CASANOVA e DAVID SEQUEIRA DINIS não se referem especificamente aos créditos sob condição suspensiva, mas, para além dos credores cujos créditos não foram impugnados, e dos credores por créditos reconhecidos por decisão proferida na sequência da impugnação, acrescentam ainda “os credores pelos créditos que foram impugnados quando tenham requerido ao tribunal que tais créditos fossem computados nos termos e para os efeitos do n.º 3 do art.º 17.º-F in fine, “e o tribunal ainda não tenha proferido a respectiva decisão sobre o cômputo ou sobre a impugnação” e os que “o tribunal tenha decidido” computar, não tendo, todavia, proferido decisão sobre a impugnação, num regime parecido com o que consta do n.º 4 do referido art.º 73º. (in “PER – O Processo Especial de Revitalização”, Coimbra Editora, págs. 137-138).
Uma interpretação de acordo com o elemento literal do proémio do n.º 3 do art.º 17.º-F actual leva a concluir que, se estiver a apreciar o plano em momento anterior ao da prolação da decisão sobre a impugnação, o juiz poderá, motu proprio, computar os créditos impugnados se tiver elementos para fazer um juízo de prognose positivo sobre o seu reconhecimento.
A Relação de Lisboa, no Ac. de 25/11/2014, considerou que “a atribuição do número de votos aos créditos sob condição suspensiva não é uma competência exclusiva do juiz, podendo ser feita pelo Administrador Judicial Provisório se lhe for directamente pedido”, acrescentando que, não obstante, compete ao juiz “o controlo de tal atribuição aquando da apreciação para homologação ou não da aprovação do plano de revitalização”.
E continua o mesmo Ac. dizendo que “se a ponderação dos elementos de que dispunha sobre tais créditos fossem no sentido da probabilidade séria da verificação plena da condição, podia atribuir os votos pelo valor correspondente ao valor nominal dos créditos, competindo ao juiz aquilatar da correcção de tal decisão, e de eventual violação não negligenciável da norma procedimental” (ut Proc.º 1999/13.2TYLSB.L1, Desemb.ª Cristina Coelho, in www.dgsi.pt).
Foi no mesmo sentido o Ac. da Relação de Évora de 26/03/2015, no qual se afirma não haver obstáculo a que “seja o Administrador Judicial Provisório a fixar o número de votos aos créditos “sob condição”, tanto mais que é ele que detém todos os elementos necessários para o efeito e que participa nas negociações, orientando e fiscalizando o curso dos trabalhos, como também inexiste qualquer normativo legal no capítulo referente ao processo especial de revitalização que determine a aplicação do disposto no art.º 73.º, n.ºs 2 e 4 do CIRE, contrariamente ao que sucedeu com outras disposições legais” (ut Proc.º 1128/13.2TBBJA.E1, Desemb.ª Cristina Cerdeira, in www.dgsi.pt).
2.- Na situação sub judicio, e relativamente aos dois créditos sob condição suspensiva, da “Caixa Económica Montepio Geral” e da “N”, não resulta, dos elementos documentais enviados pelo Sr. A.J.P., a sua motivação, no que se refere à conferência do número de votos pelo valor dos créditos. Terá, porém, seguido o critério geral estabelecido na 1.ª parte do n.º 1 do art.º 73.º do C.I.R.E..
Sem embargo, e seguindo a posição defendida por CATARINA SERRA, temos de convir que, em bom rigor, aquelas Entidades não são (ainda) Credoras da Revitalizanda: a “N” porque a condição ainda se não verificou, já que a garantia ainda não foi “executada pelo beneficiário”. E, mais evidente ainda, a “Caixa Económica Montepio Geral” porque o crédito relacionado se refere a “rendas vincendas e valor residual”.
O crédito que lhes foi reconhecido, em bom rigor, (ainda) não existe.
Assim, uma vez que ambas são titulares de outros créditos sobre a Devedora, a sua integração na lista de credores tem pertinência mas apenas relativamente a estes.
Contudo, se retirarmos do volume global de créditos o valor daqueles, uma vez que o seu voto favorável sempre teria de ser considerado (conferindo-se-lhes um voto por cada euro ou fracção em relação aos outros créditos que detêm), não se alterava a relação “percentagem para efeitos de votação/percentagem de aprovação” que consta da “Acta” acima referida em 6., com o que nenhuma influencia teria no resulta final obtido: “aprovação do PER”.
Se partirmos da consideração de que tais créditos, porque constam da lista definitiva de credores, terão de ser levados em consideração, fazendo um juízo de prognose quanto à probabilidade da verificação da condição, nos termos do n.º 2 do art.º 73.º, teremos de concluir, até pelo comum do acontecer, ser forte a probabilidade de, obtendo ganho de causa, o beneficiário da garantia a vir executar, ficando, assim, a “Norgarante” com o crédito sobre a Revitalizanda no valor “reconhecido” dos € 76.763,91.
No que se refere à “Caixa Económica Montepio Geral” há fundamento legal para a excluir da votação (apenas quanto a este crédito, refira-se).
Com efeito, é inequívoco que continua a dever aplicar-se o disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 212.º (a matéria do n.º 1 está, como já ficou acima referido, actualmente regulada no n.º 3 do art.º 17.º-F), que exclui do direito de votar os credores cujos créditos não sejam modificados pela parte dispositiva do plano.
Pretende-se com esta delimitação negativa do universo da lista de créditos impedir que os credores que não são afectados pelo plano possam impô-lo aos credores afectados.
Ora, como se deixou referido, no que concerne a este crédito (sob condição) da “Caixa Económica Montepio Geral”, prevê o PER o pagamento integral do capital acrescido dos juros vencidos e vincendos (“opção A)” ou “o cumprimento do contrato de leasing em autonomia com os demais contratos de financiamento” (“opção B”), tendo sido, precisamente esta última a escolha da Credora.
Este crédito deve, pois, ser “deduzido da lista de créditos incluídos na lista para efeitos de voto”, como esclarece CATARINA SERRA (ob. cit. pág. 86), tal como se fez, de resto, com os créditos subordinados.
Isto significa que, tal como acima se deixou referido, saindo este crédito da lista, ou seja, do volume global de créditos a atender para efeitos de voto, a desconsideração do seu voto não conduz à alteração da “percentagem para efeitos de votação/percentagem de aprovação”, daqui se inferindo que, também por esta via, o PER obteve aprovação por uma maioria superior a 2/3 da totalidade dos votos emitidos, sendo que o único crédito subordinado não foi considerado, como se vê de fls. 1002.
Improcede, assim, a conclusão xxi, que evidencia o lapso de desconsiderar a percentagem correspondente aos votos relativos àqueles créditos mas não efectuar a operação correspondente de dedução do valor destes no volume global de créditos a ter em consideração para efeitos de voto.
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VIII.- 1.- Aponta ainda a Apelante uma nulidade de conteúdo do PER por ser omisso quanto ao prazo que os credores a quem são oferecidas duas opções em alternativa têm para exercer o seu direito de opção.
O único credor que está nesta situação é a “Caixa Económica Montepio Geral”, e esta escreveu a sua opção (“opção B”) na carta em que formalizou o voto.
Destarte, se nulidade havia ela ficou sanada.
2.- Outra nulidade apontada é a de não estarem estabelecidos os valores das prestações mensais sucessivas previstas para o pagamento dos créditos comuns, o que permite à Devedora pagar um valor diminuto e só na última prestação pagar o remanescente.
É certo que, prevendo-se o pagamento fraccionado em prestações mensais, nem relativamente aos créditos das Instituições Bancárias nem aos créditos dos Fornecedores tais prestações vêm quantificadas, apenas se referindo no “mapa” o valor anual – cfr. fls. 981.
Terá pretendido a Devedora acautelar as oscilações da tesouraria que sempre se verificam ao longo do ano – dedicando-se à actividade de transportes rodoviários, as próprias condições atmosféricas podem originar paralisações das viaturas e, por outro lado, os pagamentos dos seus clientes podem sofrer atrasos.
Nessa medida evitou o que poderia ser uma fonte de conflito com os seus Credores, com imputações de incumprimento.
Ora, não há elementos que sustentem um juízo intencional de prejudicar os credores, designadamente efectuando pagamentos de valor diminuto ao longo do ano deixando o “grosso” do pagamento para a última prestação.
A boa fé de que se reclama, e que se lhe exige, permite pensar que a Devedora não seguirá a hipotizada prática de deixar para o último mês do ano o pagamento prestacional mais elevado, tanto mais que se trata de um mês particularmente exigente em termos de pagamento de salários e em que os transportes rodoviários se fazem com maior dificuldade.
Assim, é de concluir que a apontada omissão, a constituir irregularidade, deverá ser desconsiderada.
3.-A desconsiderar igualmente a alegação de desfavorabilidade da situação decorrente do PER em comparação com a que resultaria se não houvesse nenhum Plano – alínea a) do n.º 1 do art.º 216.º - por a Apelante não alegar factos que a sustentem, não constituindo fundamento consistente o valor dos activos - € 871.713,68 – que consta do Balanço, datado de 30/06/2015, já que este valor é meramente contabilístico e a Demonstração de Resultados indica um saldo negativo de € 82.625,42 – cfr. fls. 958 e 959.
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IX.- Invoca ainda a Apelante a violação do princípio da igualdade de todos os credores atento o tratamento diferenciado nos pagamentos dos créditos comuns das Instituições Bancárias e dos créditos, também comuns, dos Fornecedores – aquelas com o pagamento faseado em 120 prestações mensais (10 anos), com pagamento de juros mensais, calculados à taxa Euribor a 12M, acrescida de 3%, e os Fornecedores com o pagamento faseado em 181 prestações mensais (16 anos), sem pagamento de juros, prevendo o reembolso de 50% do capital em 180 prestações, e os outros 50% de uma só vez (“pagamento bullet”), apontando ainda a Apelante para o irrealismo da possibilidade de cumprimento desta última prestação atento o seu elevado valor – o mapa de pagamentos que acompanha o Plano aponta para os € 220.720,31 (fls. 981).
1.- Um dos princípios fundamentais estruturantes do Processo Especial de Revitalização é o da igualdade de todos os credores – par creditio creditoris.
Só o consentimento do credor afectado permite que se lhe dê um tratamento mais desfavorável em relação aos outros credores em idêntica situação – cfr. n.º 2 do art.º 194.º.
A inobservância deste princípio da igualdade constitui uma violação não negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo, sendo, por isso, fundamento de recusa de homologação do plano, nos termos do art.º 215.º.
Sem embargo, o conceito de igualdade não poderá ser entendido em termos absolutos, antes permitindo tratar de forma diferente situações que são diversas.
É assim que vem enunciado no n.º 1 do art.º 194.º: O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas.
Esta enunciação do princípio da igualdade tem na sua génese a proibição do arbítrio, não admitindo diferenciações de tratamento sem uma justificação razoável, baseada em razões objectivas.
Referem LUIS CARVALHO FERNANDES e LUIS LABAREDA, (fundando-se em jurisprudência que citam), que “a razão objectiva porventura mais clara que fundamenta a diferença de tratamento dos credores assenta na distinta classificação dos créditos, nos termos em que agora está assumida no art.º 47.º do Código”, e acrescentam “mas a ponderação das circunstâncias de cada situação pode justificar outros alinhamentos, nomeadamente tendo em conta as fontes do crédito”. Concluem afirmando que “o que está vedado é, na falta de acordo dos lesados, sujeitar a regimes diferentes credores em circunstâncias idênticas” (in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2.ª ed., pág. 753).
Numa situação em que uns credores obtinham a satisfação total do seu crédito enquanto que outros, com créditos da mesma natureza daqueles, sofriam uma ablação de 90%, considerou a Relação de Coimbra, no Ac. de 17/03/2015, que “o carácter estratégico de alguns credores é insuficiente, para derrogar o princípio da igualdade dos credores de uma mesma classe, dado que fez recair sobre alguns deles, de forma desproporcional, as perdas” (ut Proc.º 338/13.7TBOFR-A.C1, Desemb. Henrique Antunes, in www.dgsi.pt).
Uma vez que a recuperação de uma empresa que se apresenta deficitária passa necessariamente por medidas que sacrificam o direito dos credores a obterem a satisfação do seu crédito, atendendo ao interesse público subjacente à recuperação, pelos prejuízos sociais que advêm da insolvência, poder-se-á fazer apelo ao princípio da proporcionalidade que legitima a restrição de direitos, liberdades e garantias.
Segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, que se baseiam em jurisprudência do Tribunal Constitucional, “o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: a) princípio da adequação (também designado por princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente previstos); b) princípio da exigibilidade (também designado princípio da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades ou garantias; c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa «justa medida», impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos” (in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, vol. I, 4.ª ed. revista, págs. 392/393).
A Relação do Porto, no Ac. de 16/12/2015, depois de afirmar que “o princípio da igualdade é um dos mais importantes que deve orientar o plano de recuperação” do devedor”, admite que possam existir “razões objectivas capazes de fundamentar alguma distinção de tratamento entre credores comuns”, devendo então a gravidade da violação “ser aferida pela dimensão da diferença de tratamento proposta, sendo que a sua desproporção é que pode tornar não razoável a sua imposição e injustificada a diferenciação prevista” (ut Proc.º 1222/14.2T8STS.P2, in www.dgsi.pt).
2.- Na situação sub judicio insurge-se a Apelante contra o facto de, sendo todos créditos comuns, as Instituições Bancárias verem o seu crédito satisfeito num período de 10 anos, e com o recebimento de juros, enquanto que os Fornecedores, para além de terem de aguardar 15 anos, para serem pagos de 50% do capital, e esteja previsto receberem os restantes 50% no 16º ano, não recebem quaisquer juros.
A justificação que deu a Devedora foi a de que para se manter em actividade é “imperativo” que se mantenha ou eventualmente se reforcem os financiamentos por parte das Instituições Bancárias.
O Tribunal a quo considerou justificada esta diferenciação atendendo ao volume de créditos das Instituições Bancárias e ainda ao facto de sem o apoio destas “a inviabilidade da requerente era manifesta”.
Com o respeito devido não podemos concordar com esta asserção.
Com efeito, se atentarmos bem no Plano facilmente extrairemos dele que os Credores Bancos, sendo titulares de créditos comuns, não têm qualquer sacrifício com o Plano: recebem juros, à taxa Euribor a 12 meses, acrescida de 3%, mesmo no decurso do período de carência, para além de receberem o capital por inteiro. Bem vistas as coisas, estaremos perante um acordo de reestruturação da dívida, e menos de um plano de revitalização, a exigir cedências dos credores.
Já os Credores Fornecedores, também eles titulares de créditos comuns, estão obrigados a perdoar os juros vencidos e vincendos, são-lhes pagos 50% do capital ao longo de muito mais tempo (180 prestações em vez das 120 daqueles), e os outros 50% numa 181.ª prestação.
Não consta do Plano que os Credores Bancos assumam, sequer, o compromisso de financiarem a Devedora, esta é que tenta concitar as suas boas graças, na esperança de eles o fazerem.
Ora, como refere o S.T.J. no Ac. de 24/11/2015, “Não duvidamos, pelo óbvio, que naqueles casos em que as instituições bancárias se vinculam a apoiar financeiramente o devedor em certos termos concretos, efetivos e programados (fixados no plano) que denotem, de forma minimamente significativa, a assunção de sacrifícios e de riscos para elas, tal possa constituir um fator justificador de uma diferenciação do regime de satisfação dos créditos no confronto de outros credores. Não assim quando, ao invés, o plano é omisso relativamente a tal, ou quando não mostra que exista qualquer efetiva, concreta e programada vinculação ao apoio financeiro, ou ainda quando em nada se revela na prática a existência de sacrifícios e riscos associados às operações financeiras que tais instituições bancárias se proponham favorecer. Repare-se, quanto a este último segmento, que a lei já beneficia à partida os credores financiadores do devedor com um privilégio creditório (nº 2 do art. 17º-H do CIRE), o que, logicamente, minimiza os seus riscos.”. E, tal como se verifica na situação sub judicio, também naquela “o Plano não contém qualquer menção acerca da efetiva, concreta e programada vinculação das entidades bancárias credoras a esse suposto apoio financeiro futuro. E a verificar-se tal vinculação, teria o Plano, ademais de indicar a sua existência, que expressar os respetivos termos, para que se pudesse ajuizar da bondade jurídica da diferenciação estabelecida. Efetivamente, e como resulta do nº 2 do art. 195º do CIRE, o plano deve conter todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz. Concordantemente, aduz-se no recente (8.10.2015) acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo n.º 1898/13.8TYLSB.S1 (Júlio Gomes), que “necessário se torna, desde logo, justificar no próprio plano o diferente tratamento, com a indicação das razões objetivas para essa diferença”.
E conclui o douto Aresto com a afirmação de que “o carácter estratégico de alguns credores é insuficiente para derrogar o princípio da igualdade dos credores de uma mesma classe quando faz recair sobre alguns deles, de forma desproporcionada, as perdas, ou seja, quando a revitalização do devedor é conseguida à custa do sacrifício grave ou severo de apenas alguns dos credores da mesma classe.” (ut Proc.º 212/14.0TBACN.E1.S1, Cons.º José Rainho, in www.dgsi.pt).
Esta longa citação serve para fazer significar a total adesão aos doutos fundamentos aduzidos, que, por se aplicarem à situação sub judicio, baseiam a decisão de recusar a homologação do Plano, considerando-o violador do princípio da igualdade dos credores, o que consubstancia uma violação não negligenciável das normas aplicáveis a seu conteúdo, a que alude o art.º 215.º do C.I.R.E..
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C) DECISÃO
Considerando tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o presente recurso de apelação, consequentemente revogando a decisão impugnada, recusando a homologação do Plano de Revitalização aprovado.
Custas da apelação e do PER pela Devedora.
Guimarães, 25/05/2017
(escrito em computador e revisto)

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(Fernando Fernandes Freitas)


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(Lina Aurora Castro Bettencourt Baptista)


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(Maria de Fátima Almeida Andrade)