Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
512/15.1PBVCT.G1
Relator: FÁTIMA FURTADO
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
AUSÊNCIA DO ARGUIDO A SESSÕES
OMISSÃO DA NOTIFICAÇÃO AO ARGUIDO
INVALIDADE DA AUDIÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/05/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I) A audiência de julgamento, que começa com os atos introdutórios, comporta várias fases e não termina com o encerramento da discussão – a que alude o artigo 361.º do Código de Processo Penal –, que é coisa diversa do encerramento da audiência, que em regra só ocorre com a leitura pública da decisão judicial (sentença ou acórdão) que conhece a final do objeto do processo.
II) O n.º 10 do artigo 113.° do Código de Processo Penal impõe que certos atos, pela sua importância e relação com as garantias do processo penal, sejam notificados não só ao defensor como também ao arguido. Como é o caso da própria notificação da data designada para a leitura da sentença, posto que também ela faz parte integrante da audiência de julgamento.
III) Constitui nulidade insanável, nos termos da al. c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal, a ausência do arguido nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade. Situação que também se verifica quando o arguido está ausente processualmente, em virtude de não lhe ter sido garantido o direito de estar presente, por não ter sido regularmente notificado da data da leitura da sentença.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.
(Secção Penal)
Relatora: Fátima Furtado; adjunta: Elsa Paixão.

I. RELATÓRIO
No processo comum singular n.º 512/15.1PBVCT, da instância local de Viana do Castelo, juiz 2, da comarca de Viana do Castelo, em que é arguido A. C., com os demais sinais dos autos, foi, em 3 de novembro de 2016, proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
«1-Julga-se procedente por provada a acusação pública deduzida e, em consequência:
Condena-se o arguido A. C. pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artº 143º, nº1 do C.P., nas penas de 120 (cento e vinte) dias de multa e de 90 (noventa) dias de multa à razão diária de 5 (cinco) euros.
Operando o cúmulo jurídico das penas aplicadas, condena-se o arguido A. C. na pena única de 160 (cento e sessenta) dias de multa à razão diária de 5 (cinco) euros, no montante global de 800 (oitocentos) euros.
Custas a cargo do arguido, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.
2-Julga-se parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante B. G. contra o demandado A. C. e, em consequência, condena-se o demandado a pagar ao demandante a quantia de 600 (seiscentos) euros a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a presente data e até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se o demandado do demais peticionado.
Não há lugar a custas – artº 4º, nº1, n) do RCP.
3-Julga-se parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil formulado pela demandante A. G. contra o demandado A. C. e, em consequência, condena-se o demandado a pagar à demandante a quantia de 500 (quinhentos) euros a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a presente data e até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se o demandado do demais peticionado.
Não há lugar a custas – artº 4º, nº1, n) do RCP.
Deposite.
Remeta boletim.»
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Inconformado, o arguido A. C. interpôs recurso, apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões:
«1 - A audiência de julgamento ocorreu na ausência do arguido/recorrente, invocando a nulidade insanável prevista no artigo 119, alínea c) do C.P.P.
2 – O arguido/recorrente não requereu, nem deu expressamente consentimento para que a audiência tivesse lugar na sua ausência – artigo 334º, n.º 2 do C.P.P.
3 – Com efeito, no âmbito dos presentes autos, o arguido/recorrente foi regularmente notificado para a data da audiência de julgamento, por carta depositada no receptáculo do seu domicílio.
4 - O arguido não compareceu no dia designado para o julgamento – 22/09/2016, sendo certo que conforme se atesta do teor da acta de julgamento de fls._ 205 e 206, o Ministério Público requereu o início na sua ausência, sem prejuízo de se designar nova data para a sua inquirição, nos termos do artigo 332º, n.º 2 do C.P.C.
5 - A Meritíssima Juiz proferiu despacho, considerando que a presença do arguido desde o inicio de julgamento não seria indispensável para a descoberta da verdade, pelo que, nos termos do n.º 2 e 3 do artigo 333º do C.P.P. entendeu que o mesmo deveria se deveria iniciar.
6 - Foi designada nova data para a continuação do julgamento (25/10/2016), tendo o arguido/recorrente sido notificado por carta, por depósito.
7 - No dia 20/10/2016, ou seja, cinco dias antes da segunda data designada para continuação do julgamento, o arguido/recorrente informou os autos de que não poderia estar presente no julgamento por se encontrar a trabalhar em França, disponibilizando-se, contudo, para prestar declarações, entre os dias 23/12/2016 e 01/01/2017.
8 - A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo não se pronunciou sobre o teor do requerimento, continuando o julgamento na data agendada – 25/10/2016.
9 - A leitura da sentença foi designada para o dia 03/11/2016, para a qual o arguido/recorrente não foi notificado.
10 – Em abono da verdade, a audiência de julgamento iniciou-se sem que a Meritíssima Juiz tivesse tomado as diligências necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência (art. 333.º, n.º 1, do CPP), sendo obrigatória a sua presença, considerando-se apenas e tão só no despacho de fls._ que o julgamento deveria iniciar-se por não ser indispensável a presença do arguido.
11 - Iniciou-se, ainda, a segunda sessão de julgamento, sabendo o Tribunal a quo que o arguido/recorrente não poderia estar presente por se encontrar a trabalhar em França, decisão essa que contende com o exercício pleno do direito de defesa e o princípio da procura da verdade material que se impõe ao julgador.
12 - Ora, sendo obrigatória a presença do arguido em audiência, sem prejuízo do disposto no art.º 333° nºs 1 e 2, – v. art.º 332° nº 1 do CPP, o mesmo, poderia querer prestar declarações (embora a tal não seja obrigado e, sem que o seu silêncio possa ­desfavorecê-lo ) – art.º 343º nº 1 do CPP, podendo, naturalmente, a Meritíssima Juiz fazer-lhe perguntas sobre os factos que lhe sejam imputados e solicitar-lhe esclarecimentos sobre as declarações prestadas, bem como o Ministério Público, o advogado do assistente e o defensor podiam solicitar á Meritíssima Juiz que formulasse ao arguido perguntas - Art.º 345.º nºs 1 e 2 do CPP.
13 - Mesmo que a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo tenha considerado que a audiência poderia começar sem a presença do arguido/recorrente, mantinha este o direito a prestar declarações até ao encerramento da audiência.
14 – O facto de não ter sido requerida a audição do arguido/recorrente na segunda data designada, nos termos dos artigos 312º e 333º do C.P.P., não significa a exclusão da obrigatoriedade imposta ao tribunal, quando iniciar uma audiência sem a presença do arguido notificado para a sua data de realização, de tomar as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, tanto mais que na primeira data designada desconhecia que o mesmo se encontrava a trabalhar em França
15 – Esta tem sido a tendência da jurisprudência mais recente, designadamente da Relação de Guimarães, sendo que somente no caso de estas medidas não surtirem efeito é que se compreende o disposto no nº 5 do artigo 333º do C.P.P.
16 - Dispõe o artigo 118.º, n.º 1, do CPP que a violação ou inobservância das disposições da lei do Processo Penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, consagrando a alínea c) do artigo 119.º do C.P.P. que constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais, a ausência do arguido nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência.»
17 - Certo é que tendo-se realizado o julgamento na ausência do arguido/recorrente - acabando por ser por ser condenado pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física simples - apesar de notificado e de a esta ter faltado, sendo obrigatória a sua presença, o mesmo é nulo por ter ocorrido na sua ausência sem que a Meritíssima Juiz tenha tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência.
18 - Tal declaração implica a invalidade da audiência de julgamento e dos actos que dela dependem (designadamente, a sentença condenatória), devendo o mesmo tribunal proceder à respectiva repetição, nos termos do art. 122.º, n.ºs 1 e 2, do CPP.
19 - Para além destas disposições legais, violou o Tribunal a quo o artigo 32.º, n.º 1, 5 e 6 da Constituição da Republica Portuguesa e artigo 61º, n.º 1 do C.P.P.
20 - O facto do arguido/recorrente não ter sido notificado para a data designada para a leitura da sentença também constitui nulidade insanável tipificada na al. c) do art. 119º do CPP.
21- Nesse sentido, Acórdão da RELAÇÃO DE GUIMARAES, de 10-07-2014 – processo n.º 424/10.5GAPTL.G1 – in www.dgsi.pt, cujo sumário se transcreve:
“ I – A leitura da sentença integra a audiência de julgamento e exige a presença do arguido.
II – O tribunal tem o poder de dar início à audiência de julgamento fora da presença do arguido, mas não o isenta do dever de o notificar pessoalmente da realização de qualquer sessão de julgamento suplementar, não prevista inicialmente.
III – Ocorre a nulidade insanável prevista na al. c) do art. 119º do CPP, se a leitura da sentença for feita em data não prevista inicialmente, sem a presença física do arguido, que não foi notificado para esse efeito.”
22 – Sem prescindir, à data dos factos (01/06/2015) o arguido/recorrente tinha 19 anos de idade, está assim abrangido pelo regime especial para jovens delinquentes, previsto no Decreto Lei 401/82 de 23 de setembro. (Institui o regime aplicável em matéria penal aos jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos).
23 – Acontece que a sentença recorrida revela uma omissão total de pronúncia relativamente à aplicação daquele regime legal.
24 – A douta sentença proferia é, assim, nula nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal, na parte respeitante à determinação da sanção aplicada (artigo 369º do Código de Processo Penal) pelo que deverá o tribunal recorrido, nomeadamente tendo em conta a idade do recorrente, fundamentar a aplicação (ou não) do regime penal especial de jovens adultos previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23/09, tomando em conta os factos apurados nos autos e, caso o entenda necessário, outros que repute necessário solicitar com vista a fundamentar devidamente a decisão que venha a tomar.
25 – Finalmente, é nula a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo nos termos do artigo 379º, n.º 1, alíneas a) e c) ambos do C.P.P, de acordo com o disposto nos arts. 374º, n.º 2 e 4, n.º 1 do mesmo código, pelo facto da mesma não se encontrar devidamente fundamentada de facto e de direito quanto à medida da pena aplicável ao arguido/recorrente.
26 - Imposição decorrente do disposto no art. 71º, n.º 3 do C. Penal, pois a douta sentença não indica os critérios utilizados na fixação da taxa diária da multa, nem os mesmos resultam, por qualquer forma, da matéria de facto provada, uma vez que se desconhecem as condições pessoais e situação económica do arguido (ausente durante todo o julgamento), designadamente se estuda, trabalha, trabalha, com quem vive, como se sustenta, que despesas tem, em que valor e como as provê, se tem rendimentos e a sua origem, qual o seu modo de vida,
27 - Condições sócio-económicas do arguido que o Tribunal a quo poderia e deveria ter averiguado nos termos do disposto nos artigos 340º e 370º e 371º todos do C.P.P, violando, assim, o Tribunal a quo os artigos 47º, n.º 2, 71º, n.ºs 2, al. d) e 3 do Código Penal e ainda o artigo 9º, n.º 1 do Decreto-Lei 401/82, de 23.09.»
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O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação de Guimarães por despacho datado de 9 de fevereiro de 2017.
O Ministério Público junto do Tribunal a quo e os assistentes B. G. e A. M. responderam, ambos pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida.
Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral adjunto proferiu douto parecer, igualmente no sentido de que o recurso não merece provimento.
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Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem resposta.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
Conforme é jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer Cfr. artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V..
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1. Questões a decidir
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, as questões a decidir são as seguintes:
. nulidades insanáveis, previstas no artigo 119.º, al. c) do Código de Processo Penal: julgamento na ausência do arguido e omissão de notificação do arguido da data designada para a leitura da sentença;
. omissão da aplicação do regime especial para jovens;
. nulidade da sentença por falta de fundamentação quanto à medida da pena.
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2. Factos Provados
Segue-se a enumeração dos factos provados e não provados, constantes da sentença recorrida:
«Feito o julgamento e com relevância para a decisão da causa, resultou provada a seguinte factualidade (considerando agora apenas a factualidade inerente aos crimes imputados ao arguido A. C., face à extinção do procedimento criminal quanto aos arguidos B. G. e P. P.):
1.No dia 01.06.2015, cerca das 13h, na Avenida …, junto à entrada do prédio com o n…, em …, num contexto de discussão, arguido A. C. depois de ter subido alguns degraus das escadas de entrada do prédio, saltou e desferiu um pontapé na face de B. G., projectando-o para o chão.
2.Nas mesmas circunstâncias de tempo e local, o arguido A. C. deu um pontapé na zona do tórax de A. G., tendo esta colocado as mãos sobre o peito para se proteger, atingindo-a, então, nos membros superiores.
3.Em consequência directa e necessária da actuação do arguido A. C., B. G. sofreu dores, equimose na face, escoriações na região lombar, edema e equimose no membro inferior esquerdo, lesões essas que lhe determinaram 6 dias de doença sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional.
4.Em consequência directa e necessária da actuação do arguido A. C., A. G. sofreu dores, e equimoses nos membros superiores, lesões essas que lhe determinaram 5 dias de doença sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional.
5. Ao agir do modo descrito, teve o arguido A. C. o propósito conseguido de molestar o corpo de B. G. e de A. G., causando-lhes dores e lesões da natureza das verificadas.
6. O arguido agiu livre, deliberada, e conscientemente, bem sabendo que a respectivas condutas era proibidas e penalmente punida.
7.O arguido não tem antecedentes criminais.
8.Reside e trabalha em França.
9.Em consequência da conduta do arguido, os demandantes sentiram, para além de dores, nervosismo e humilhação e sofreram perturbações no sono.
Com relevância para a decisão da causa, não se provou que:

1. Que os ferimentos causados no demandante B. G. só desapareceram ao fim de uma semana.
2. Que ainda hoje quando se fala no assunto os demandantes ficam emocionalmente perturbados.
3. Que as perturbações no sono duraram mais de uma semana, adormecendo os demandantes à custa de calmantes e sempre por curtos períodos de tempo, o que fazia com que andassem muito cansados e nervosos sem paciência para nada e ninguém, evitando o contacto e convívio social.
4. Que os demandantes se tenham sentido constrangidos e ainda hoje se sintam, perante as pessoas que presenciaram os factos.»
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3. APRECIAÇÃO DO RECURSO
O arguido/recorrente A. C. começa por arguir a ocorrência de nulidades insanáveis, previstas no artigo 119.º, al. c) do Código de Processo Penal, que se reportam à realização do julgamento na sua ausência e omissão de notificação da data designada para a leitura da sentença.
Vejamos.
Em matéria de audiência de julgamento, ressalta das normas processuais penais a regra geral da obrigatoriedade da presença do arguido, nos termos do artigo 332.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. Só podendo o julgamento decorrer na sua ausência nos casos previsto nos artigos 333.º, n.ºs 1 e 2 e 334.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma.
Porém, mesmo nestes casos excecionais, a possibilidade de prosseguimento da audiência na ausência do arguido está sempre dependente da sua prévia e regular notificação para comparecer e da advertência da possibilidade de a audiência se realizar na sua ausência, mesmo que não compareça.
O que decorre, desde logo, do direito que o arguido tem de estar presente em todos os atos processuais que lhe digam respeito e de prestar declarações até ao encerramento da audiência, conforme estabelecem os artigos 61.º, n.º 1, alínea a) e 333.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, respetivamente.
Note-se também, a propósito, que mesmo iniciando-se o julgamento na ausência do arguido, na data para que foi notificado, caso continue numa nova data, também dela tem o arguido de estar ou ser notificado, sem o que se impediria, na prática, a materialização daqueles direitos Neste sentido, cfr, por todos, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2009.03.03, CJ, 2009, II, 135.

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Cominando a lei com nulidade insanável – no artigo 119.º, al. c), do Código de Processo Penal – a ausência do arguido nos casos em que a lei determinar a obrigatoriedade da sua presença.
Revertendo agora diretamente ao caso em apreço, decorre dos autos que:
. O Arguido foi constituído como tal em 1 de outubro de 2015, na mesma data tendo prestado Termo de Identidade e Residência, nele mencionando como sua residência a «Rua …, n.º.. … », indicando para receber notificações a mesma morada.
Na mesma altura, e em conformidade com o n.º 3 do artigo 196.º do Código de Processo Penal, o Arguido tomou conhecimento:
«a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado.
b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado.
c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada, exceto se este comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada aos serviços onde os autos se encontrarem a correr nesse momento.
d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legítima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º.
e) De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena.» (Fls. 78 e 79 do Inquérito A apenso).
. Por despacho de 15 de abril de 2016 foi designado o dia 22 de setembro, pelas 09h30, para a realização de audiência de discussão e julgamento e, em caso de adiamento, o dia 29 de setembro de 2016, pelas 09h30. (Fls. 154)
. Em 5 de maio de 2016 foi expedido ao arguido notificação por via postal simples com prova de depósito, para a «Rua…… ». (Fls. 166 e 167)
Com data de 6 de maio de 2016, o carteiro declarou que nesse dia «depositou no recetáculo postal domiciliário da morada acima descrita a notificação a ele referente.» (Fls. 176)
. Em 22 de setembro de 2016 foi iniciada a realização da audiência de discussão e julgamento, tendo sido consignada a falta do arguido e proferido o seguinte despacho:
«Considero que a presença do arguido A. C. desde o início da audiência não é indispensável para a descoberta da verdade, pelo que, nos termos do disposto no art. 333º nºs. 2 e 3 do C.P.P. iniciar-se-á a realização da audiência na ausência do arguido, o qual será representado para todos os efeitos pelo seu ilustre defensor oficioso». (Fls. 206)
. No final da sessão da audiência do dia 22 de setembro de 2016 foi proferido despacho que designou, para a sua continuação, o dia 26 de outubro de 2016, pelas 09h30, dando sem efeito a 2ª data anteriormente designada.
. Dessa nova data foi o arguido notificado, por via postal simples com prova de depósito, para a morada «Rua … E… », expedida em 12 de outubro de 2016. (Fls. 214)
Tendo o carteiro, com data de 13 de outubro de 2016, declarado que nesse dia «depositou no recetáculo postal domiciliário da morada acima descrita a notificação a ele referente.» (Fls. 217)

O contexto processual que emana da súmula das ocorrências acabadas de descrever – relativo às sessões que tiveram lugar nos dias 22 de setembro de 2016 e 26 de outubro do mesmo ano – integra precisamente uma das exceções à obrigatoriedade da presença do arguido em audiência, prevista no artigo 333.º, n.º 1 do Código de Processo Penal «se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência».. Que se verifica quando o arguido tenha prestado Termo de Identidade e Residência (TIR), seja notificado da data designada para a realização do julgamento por via postal simples com declaração de depósito, na morada por ele indicada no TIR Em conformidade com o preceituado no n.º 3 do artigo 313.º do Código de Processo Penal. Sendo que, efetuada assim a notificação, a lei presume que o destinatário da carta depositada pelo serviço postal a recebeu e tomou conhecimento do respetivo conteúdo.. Note-se que a lei não exige que notificação do arguido para julgamento seja feita com referência à sua efetiva residência mas tão só à morada constante do TIR por ele prestado.; considerando o Tribunal que a sua presença em julgamento não «é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material».
Tendo, no caso dos autos, o arguido ausente estado sempre representado na audiência por defensor oficioso, que também não requereu a sua audição, nos termos do n.º 3 do artigo 333.º do Código de Processo Penal.
É certo que em 21.10.2016 foi junta aos autos uma mensagem enviada por correio eletrónico, a informar a falta do arguido à sessão da audiência do dia 26.10.2016, em virtude de se encontrar em França, a trabalhar; dando também conta que ele apenas estará em Portugal entre os dias 23.12.2016 e 01.01.2017, altura em que estará «disponível para ser ouvido».
Contudo, tal mensagem de forma alguma obsta à realização das duas sessões da audiência, designadamente da do dia 26 de outubro, na ausência do arguido. Desde logo porque essa comunicação não tem qualquer validade, por não conter a aposição da assinatura eletrónica do respetivo signatário, como impõe o n.º 5 do artigo 2.º da Portaria n.º 642/2004, de 16 de junho, que regula a forma de apresentação a juízo dos atos processuais enviados através de correio eletrónico. Mas, ainda que assim não fosse, a solução seria a mesma, já que naquela mensagem é apenas comunicada a falta do arguido à sessão da audiência do dia 26 de outubro, por trabalhar em França e informado o período em que ele virá a Portugal. Não sendo requerida a sua audição, nos termos do n.º 3 do artigo 333.º do Código de Processo Penal, nem esse desejo se podendo inferir daquela.
Por outro lado, também não foi cometida qualquer ilegalidade por não terem sido tomadas medidas para assegurar a presença do arguido em audiência, conforme foi já decidido por acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 9/2012 Publicado no DR nº 238, I Série, de 10 de dezembro de 2012, p. 6931., com o seguinte sumário:
«Notificado o arguido da audiência de julgamento por forma regular, e faltando injustificadamente à mesma, se o tribunal considerar que a sua presença não é necessária para a descoberta da verdade, nos termos do n.º 1 do artigo 333.º do CPP, deverá dar início ao julgamento, sem tomar quaisquer medidas para assegurar a presença do arguido, e poderá encerrar a audiência na primeira data designada, na ausência do arguido, a não ser que o seu defensor requeira que ele seja ouvido na segunda data marcada, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo.»
De tudo assim decorrendo que a ausência do arguido nas duas primeiras sessões da audiência não compromete a sua validade e eficácia. Não se verificando quanto a elas a nulidade da al. c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal, por a lei não exigir a comparência do arguido nessas sessões.
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Situação diversa já ocorre com a sessão da leitura da sentença, realizada no dia 3 de novembro de 2016, apenas na presença do defensor, mas na ausência do arguido, que para ela não foi convocada por qualquer meio, como ressalta dos autos.
É que, como já vimos supra, um dos direitos do arguido é precisamente o de estar presente a todos os atos processuais que lhe digam respeito, nos termos do artigo 61.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal. Sendo inequivocamente um desses atos o da leitura da sentença, que representa o culminar do procedimento penal.
Aliás, a este propósito, o n.º 10 do artigo 113.° do Código de Processo Penal é perentório a estabelecer que «As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado;»
Esta norma, de interesse e ordem pública, impõe que certos atos, pela sua importância e relação com as garantias do processo penal, sejam notificados não só ao defensor como também ao arguido. Como é o caso da própria notificação da data designada para a leitura da sentença, posto que também ela faz parte integrante da audiência de julgamento, da qual constitui o seu desfecho.
Note-se que a audiência, que começa com os atos introdutórios, comporta várias fases e não termina com o encerramento da discussão – a que alude o artigo 361.º do Código de Processo Penal –, que é coisa diversa do encerramento da audiência, que em regra só ocorre com a leitura pública da decisão judicial (sentença ou acórdão Consoante a constituição singular ou colegial do tribunal, nos termos do artigo 97.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Código de Processo Penal.) que conhece a final do objeto do processo.
Ora, constitui nulidade insanável, nos termos da al. c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal, a ausência do arguido nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade. Situação que também se verifica em casos como o dos autos, em que o arguido está ausente processualmente, em virtude de não lhe ter sido garantido o direito de estar presente, por não ter sido regularmente notificado da data da leitura da sentença Neste sentido, cfr. os acórdãos deste TRG, de 02.12.2013, proc. 503/10.9EAPRT-A.G1 503/10.9EAPRT-A.G1; de 11.07.2013, proc. n.º 2162/12.5TABRG.G1; de 10.07.2014, proc. n.º 424/10.5GAPTL.G1; e de 23.03.2015, proc. n.º 341/12.4TABRG.G1; bem como o acórdão do TRC de 08.10.2014, proc. n.º 22/14.4GBSRT.C1; todos disponíveis em www.dgsi.pt. .
Por conseguinte, nos termos do artigo 122.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, importa declarar essa nulidade Que foi arguida pelo recorrente, mas pode ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento, conforme disposto no n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo Penal ., que torna inválida a diligência de leitura da sentença realizada nos autos, bem como a própria sentença (por depender do ato nulo), ordenando-se, consequentemente, a repetição dos atos viciados.
Fica em consequência prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas no recurso.

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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta secção do Tribunal da Relação de Guimarães, em conceder provimento ao recurso, declarando-se a invalidade da sessão da audiência realizada no dia 3 de novembro de 2016, assim como da própria sentença, devendo os autos prosseguir seus termos com a repetição dos atos viciados.
Sem tributação.
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Guimarães, 5 de junho de 2017
(Elaborado e revisto pela relatora)