Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1737/12.7TBVCT-D.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: MÚTUO
FIANÇA
CLÁUSULA PENAL
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
DEVER DE INFORMAR
ENTREGA DE DOCUMENTOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. . A cláusula onde se refere que o fiador é solidariamente responsável e principal pagador não reveste especial complexidade, pois que tais expressões resultam compreensíveis para uma pessoa com um grau de instrução médio, incumbindo às executadas alegar e provar ter um nível de instrução que não lhes permitiu entender o texto do contrato.
2. . A lei embora concedendo especial protecção ao aderente a cláusulas contratuais gerais, não deixa de exigir-lhe a adopção de um comportamento diligente, com o fim de obter o conhecimento real e efectivo das cláusulas que compõem o contrato.
3. . Não tendo a mutuante entregue antecipadamente uma cópia do contrato às executadas/fiadoras, mas facultando necessariamente o contrato para que as mesmas o assinassem e rubricassem todas as folhas, possibilitou às fiadoras o acesso a todas as folhas do contrato e como tal tiveram a oportunidade do ler o contrato e pedirem as explicações que tivessem por pertinentes, uma vez que a dimensão do texto do contrato era compatível com a sua leitura na ocasião.
4. . Não tendo as fiadoras pedido quaisquer esclarecimentos, nem mesmo quando lhes foi perguntado directamente se tinham algumas dúvidas, e tendo o mutuante facultado o acesso a todas as folhas do contrato, cumpriu o dever de comunicação a que estava adstrito.
5. . A cláusula onde se fez constar que os fiadores “dão antecipadamente o seu acordo a prorrogações do prazo e a moratórias que forem convencionadas entre a mutuante e os clientes”, não torna indeterminável o objecto da fiança, pois que delimita quais as alterações que podem estar contempladas e que poderão ser determinadas em cada momento.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

I - Relatório
AA e mulher, BB, CC e mulher, DD, vieram deduzir oposição à execução comum que contra eles ( e outros) lhes moveu a EE, S.A. peticionando a procedência da oposição e a absolvição dos executados do pedido exequendo.
A exequente deduziu oposição, impugnando os factos alegados pelos executados.
Procedeu-se a julgamento e a final foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a oposição deduzida pelos executados AA e CC e parcialmente procedente a oposição deduzida por BB e DD, e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução, mantendo a fiança prestada pelas executadas, mas nos termos gerais, devendo ter-se em conta a acessoriedade da obrigação das executadas/fiadoras relativamente aos obrigados principais.
A EE não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Analisada atentamente a decisão proferida pelo douto Tribunal a quo sobre a matéria de facto, a ora Apelante considera incorrectamente julgados os seguintes pontos de facto: alínea f) dos factos dados como provados; artigo 30.º da contestação, dado como não provado; artigo 31.º da contestação, dado como não provado; artigo 36.º da contestação, dado como não provado.
2. A resposta dada à referida materialidade constante da alínea f) dos factos dados como provados e dos artigos 30.º e 31.º da contestação não reflecte, minimamente, o resultado da prova produzida, tendo descurado, em absoluto, a resposta positiva dada à factualidade constante das alíneas c) (in fine), d) e e) dos factos provados, assim como a factualidade expressa no contrato dado à execução.
3. Do depoimento do executado AA e do testemunho de Carlos … resulta, quanto a nós de forma clara, evidente e inequívoca, que o contrato dado à execução e a que se faz menção na alínea a) dos factos provados, foi entregue aos executados/fiadores antes da respectiva subscrição na agência da EE, para que fossem recolhidas e reconhecidas as assinaturas dos representantes legais da sociedade mutuária e para que do seu conteúdo tomassem todos os fiadores conhecimento.
4. Mas mais do que dos referidos testemunhos, a materialidade vinda de aludir resulta do título dado à execução.
5. Com efeito, do cotejo do mesmo decorre que as assinaturas de AA e de Cláudia …, na qualidade de legais representantes da sociedade mutuária, foram reconhecidas por Advogado, com menções especiais presenciais, no dia 23 de Dezembro de 2008, sendo que apenas no dia 26 de Dezembro de 2008 foi o referido clausulado assinado pelos fiadores, nas instalações da EE, tal qual promana do documento de conferência de assinaturas.
6. Tudo isto para concluir que, de acordo com os depoimentos supra transcritos, os quais secundam a materialidade temporal narrada pelo título dado à execução, o contrato dado à execução esteve na posse dos executados/fiadores antes da respectiva subscrição, para que dele tomassem conhecimento e para que pudessem providenciar pelo reconhecimento das assinaturas do AA e da Cláudia, na qualidade de legais representantes da sociedade mutuária.
7. Posto isto, o Tribunal recorrido devia ter dado como provado que a exequente facultou às executadas BB e DD, antes de assinarem, o acordo descrito na alínea a) dos factos provados, já que o respectivo original foi entregue, também para conhecimento pelos demais executados, ora ao CC, ora ao AA, os quais, diga-se, são ora marido e pai, ora genro e marido, daquelas.
8. Deveria, também, o tribunal a quo, tanto mais que reconhece na alínea c) dos factos dados como provados que os executados AA e CC já antes da assinatura do contrato foram informados sobre o clausulado do acordo, ter dado como provado que previamente à assinatura do contrato foi facultado – através do CC ou do AA – o contrato de mútuo a contratar, para que dele todos os outorgantes pudessem tomar cabal conhecimento.
9. Pelas razões expostas, deve modificar-se a resposta aos referidos factos, nos termos supra mencionados.
10. Também a resposta negativa dada à factualidade constante do referido art. 36.º da contestação merece o protesto da Apelante EE.
11. Analisada a prova produzida em juízo entendeu o douto Tribunal recorrido, e quanto a nós bem, dar como provada a seguinte materialidade:
d) “As executadas BB e DD apuseram as suas assinaturas no acordo referido na alínea a) depois de um representante da exequente, nas instalações desta, lhes ter perguntado se havia dúvidas em relação ao mesmo;
e) Não tendo sido solicitado qualquer esclarecimento por esta executadas.”
12. Ora, segundo um juízo de razoabilidade, e recorrendo ao conceito de bonus pater familias, forçoso é concluir que as referidas executadas, ao se manterem silentes quando questionadas quanto à existência de dúvidas acerca do clausulado dos autos, demonstraram ter completo e efectivo conhecimento do conteúdo do contrato que assinaram.
13. Não se compreende, portanto, como pode o Tribunal a quo dar como provada aquela materialidade, e como não provada a factualidade alegada no art. 36.º da contestação, 14. É que, à luz de um juízo de normalidade, esta última é consequência lógica, directa e irrefutável daquela primeira.
15. A fundamentação da resposta dada ao artigo 36.º da contestação revela, sem margem para dúvidas, que o Tribunal recorrido, também quanto a este facto concreto, não revelou a prova testemunhal produzida em juízo, e, mais do que isso, descorou a demais factualidade dada como provada, necessariamente conducente à conclusão de que as executadas demonstraram ter completo e efectivo conhecimento do conteúdo do contrato que assinaram,
16. Já que, a ser de outro modo, e tomando por bitola a diligência esperada de um bom pai de família, teriam, certamente, suscitado questões quanto ao clausulado a subscrever.
17. Assim, atendendo aos citados depoimentos, conjugados com a prova documental junta aos autos, deveria o Tribunal recorrido ter julgado como provado que as executadas demonstraram ter completo e efectivo conhecimento do conteúdo do contrato que assinaram.
18. Não o tendo feito, o Tribunal recorrido decidiu mal, em manifesto e notório erro de apreciação da prova.
(DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE DIREITO)
19. O Tribunal recorrido delimita o thema decidendum a dirimir nos presentes autos à “existência/validade da cláusula 21 do acordo descrito na alínea a) do ponto II.1. relativamente a cada um dos executados, tendo em conta o que é alegado einvocado no requerimento de oposição: as cláusulas contratuais gerais constantes do acordo não foram dadas a conhecer aos executados”.
20. a lei impõe o cumprimento de certas exigências específicas para permitir a inclusão de cláusulas contratuais gerais num contrato singular, exigências, essas, que também se aplicam às cláusulas contratuais gerais inseridas em contratos individualizados (cfr. art 1.º/n.º2 do DL 446/85 de 25/10, na redacção introduzida pelo DL 249/99).
21. No caso dos autos, considera o Tribunal a quo que os deveres de comunicação e de informação não foram cumpridos quanto às executadas BB e DD.
22. Salvo o devido respeito, não podemos concordar com tais asserções.
23. Alterando-se a decisão proferida quanto à matéria de facto dada como provada, nos termos alvitrados pela apelante, forçoso será, desde logo, concluir, por igualdade de razão, que os referidos deveres de comunicação e de informação foram cumpridos também quanto às executadas BB e DD.
24. Com efeito, e alterando-se a resposta dada aos artigos 31.º, e 32.º da contestação, assim como à alínea f) dos factos dados como provados, teremos como assente nos autos que o contrato dado à execução foi fornecido às executadas DD e BB, antes de as mesmas o subscreverem, para que dele pudessem tomar efectivo conhecimento.
25. Na verdade, tal qual decorre da prova produzida em juízo e resulta do contrato dado à execução, a exequente, aqui apelante, entregou o contrato dos autos, ora ao executado AA, ora ao executado CC, para que do mesmo dessem conhecimento aos demais executados, de entre os quais se contam as executadas DD e BB, ora sogra e esposa, ora esposa e filha, daqueles.
26. Logo, as mesmas, à semelhança dos demais executados, tiverem tempo para ler e analisar atentamente o conteúdo do contrato e para, se dúvidas houvessem, pedir os pertinentes esclarecimentos.
27. O dever de comunicação visa possibilitar ao aderente o conhecimento antecipado da existência de cláusulas que irão integrar o contrato, bem como o conhecimento do seu conteúdo. Isto pelo aderente que, como diz a lei (parte final do n.º 2 do art. 5.º), use de comum diligência.
28. E o que se verificou, claramente, no caso dos autos, foi a falta de diligência das executadas/embargantes, ora apeladas, que se limitaram a subscrever o contrato, sem ponderar sobre o respectivo conteúdo e alcance, pelo que só de si se podem queixar.
29. E não se argumente que por o conteúdo do documento não ter sido explicado às executadas/embargantes, a apelante violou o dever de informação.
30. Para tal, seria necessário demonstrar que as executadas/embargantes tivessem solicitado a prestação de esclarecimentos à exequente, o que não se verificou.
31. Bem pelo contrário, questionadas quanto à existência de dúvidas acerca do teor do contrato a subscrever, as executadas/embargantes nada disseram, demonstrando, assim, ter pleno e efectivo conhecimento do conteúdo do clausulado que logo depois assinaram.
32. A EE provou, como lhe cabia, ter cumprido o dever de comunicação ao entregar, com antecedência, o contrato dos autos, possibilitando às executadas, ora apeladas, tomar conhecimento de forma completa, de todo o conteúdo do contrato – isto, se a conduta das mesmas tivesse sido diligente, que não foi.
33. Deste modo, tendo a EE cumprido o dever de comunicação que sobre si impendia, ao entregar, com antecedência, o contrato dos autos, e tendo as executadas, ora apeladas, BB e DD usado de conduta negligente, já que quando questionadas acerca da existência de dúvidas sobre o teor do contrato dado à execução, nada disseram, mal andou o Tribunal a quo ao determinar a exclusão da cláusula 21 da economia contratual e, bem assim, ao estipular que a fiança prestada pelas executadas vindas de aludir se mantém nos termos gerais.
34. Violou a douta decisão recorrida os artigos 5.º e 6.º do DL 446/85, devendo, como tal, ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente improcedente a oposição à execução aduzida nos autos pela executadas BB e DD, mantendo-se na economia contratual a referida cláusula 21.
Sem prescindir,
35. Ainda que a decisão proferida quanto à materialidade dada por provada e por não provada se mantenha inalterada, improcedendo, nesse parcial, o recurso ora interposto pela EE, impõe-se, mesmo assim, alterar a decisão de direito proferida pelo Tribunal recorrido.
36. No que à assunção da fiança importa, diz-se na referida cláusula 21 (al. a) que “as pessoas identificadas para o efeito no início do contrato constituem-se fiadores solidários e principais pagadores de todas e quaisquer quantias que sejam ou venha a ser devidas à EE pelos Clientes, no âmbito do contrato de empréstimo (…)”.
37. Como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.05.2007 (processo n.º 05B3756, disponível in www.dgsi.pt), com relação a cláusula essencialmente idêntica à ora transcrita, a ideia de fiança e de fiador está, desde há muito, no domínio do senso comum, sabendo qualquer pessoa que se é fiador de alguém é chamado a pagar quando esse alguém não cumpre a obrigação a que se vinculou.
38. Tal cláusula, diversamente do que se pretender fazer crer, e no que respeita à assunção da qualidade de fiador e à renúncia do benefício da excussão prévia, afigura-se, quanto a nós, à luz de um juízo de normalidade que se pretende imparcial, de simples compreensão.
39. Com efeito, nenhuma expressão pode ser mais clara do que a empregue naquela alínea a) – “(…) constituem-se fiadores, solidários e principais pagadores (…)”.
40. Tal cláusula, mesmo a considerar-se meritória do epíteto de cláusula contratual geral, não envolve, salvo o devido respeito, qualquer complexidade, não se podendo aceitar que as executadas DD e BB não a tenham conhecido já que, também subscreveram o contrato.
41. Afigurando-se, tal possibilidade, tanto mais dúbia e gravosa quando o contrato dos autos, apesar de intitulado de mútuo, teve como fito a reestruturação de dívidas emergentes de financiamentos anteriormente contratados com a EE, e de que também estas executadas eram garantes.
42. De resto, e não tendo as executadas, aqui apeladas, compreendido o alcance de tal cláusula, atinente à fiança constituída e que directamente lhes diz respeito, não faria qualquer sentido a sua assinatura voluntária do contrato.
43. Menos sentido fazendo, ainda, que, não tendo compreendido o alcance de tal cláusula, de fácil compreensão, questionadas quanto à existência de dúvidas, as mesmas nada dissessem.
44. E, se não procuraram saber das exactas condições em que também se obrigaram, tal dever-se-á à sua irreflexão, não a podendo esgrimir contra quem se procurou acautelar contra eventual incumprimento do devedor.
45. Contendendo com as regras da boa-fé, exigíveis aos contraentes, se o fiador, no momento de ser chamado a cumprir, tendo assinado voluntariamente o contrato onde se obrigou também, pudesse, sem mais, invocar a violação dos falados deveres para se eximir àqueles a que, pela sua assinatura, se vinculou (veja-se, neste sentido, entre muitos outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.2011, proc. n.º 1582/07.1TBAMT-B.P1.S1 e de 06.12.2011, proc. n.º 669/07.5TBPTM-A.E1.S1).
46. E, assim, não constituindo a referida cláusula 21 cláusula que envolva um exigente conhecimento dos conceitos técnico jurídicos, ou uma complexa teia de direitos e deveres recíprocos a demandar exigente esforço interpretativo, o dever de comunicação e de informar não pode ser erigido em dogma para que, invocada a sua violação, o aderente se desvincule das obrigações assumidas.
47. Sendo certo que, tendo as ora apeladas usado da diligência que, face ao vínculo que assumiram, lhes era exigível, não podiam ter deixado de bem compreender o alcance das assinaturas que no documento voluntariamente apuseram, aceitando o teor da cláusula que impugnam.
48. Não nos encontramos, pois, mesmo a admitir-se a mencionada cláusula contratual geral, perante violação dos mencionados deveres de comunicação e de informação, com exclusão, face às executadas/embargantes, da cláusula que as vincula como fiadoras, que renunciaram ao benefício da excussão prévia.
49. A decisão recorrida perfilha-se, assim, como redutora e totalmente desprovida de critérios de aplicação da lei e de interpretação jurídica, resultando numa solução material inadequada e desproporcionadamente onerosa para a EE, que vê, por via da completa subversão das regras da boa-fé contratual, judicialmente admitida a assunção dos deveres de comunicação e de informação vindos de aludir como dogmas que permitem que aderentes negligentes vejam limitados os termos em que prestaram fiança.
50. É, pois, violadora das disposições legais constantes dos artigos 5.º e 6.º do DL 446/85 e do art. 227.º do Código Civil, devendo, por isso, ser substituída por outra que julgue totalmente improcedente a oposição à execução aduzida nos autos pelas executadas BB e DD, mantendo-se na economia contratual a referida cláusula 21, com a consequente validade da fiança nos termos aí prestados.

Igualmente as embargantes BB e DD interpuseram recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:
1ª Artº 637.° nº 2 - FUNDAMENTO ESPECíFICO DA RECORRIBILlDADE
- a fiança não se deve manter para as apelantes nem requer nos termos gerais e acessórios, relativamente à dos obrigados principais, e
- é nula a cláusula 21 do contrato de mútuo dado à execução.
2ª - Entende-se que, sendo o fiador um terceiro que garante o cumprimento das obrigações a cargo do contraente principal, se lhe impõe a extensão do ónus de comunicação e de informação que recai sobre o credor, já que as razões que estiveram na génese da constituição de um regime específico para os contratos onde estão inseridas cláusulas contratuais gerais são inteiramente transferíveis para a prestação de garantias, mormente a fiança, integrante de tais contratos.
3ª - Atente-se que dos dizeres do item "21 GARANTIA(S)" do contrato dado à execução não decorre qual ou quais as obrigações concretamente assumidas pelas fiadoras,
4ª - Remetendo-se, genericamente, para o dito contrato de empréstimo a sua determinação pois é nele que estão inseridas as referidas cláusulas contratuais gerais a par de outras de carácter específico, como são, entre outras, a 3ª, 5ª, 6ª, 8ª,9ª e 12ª.
- Ora, como se vê das als. f) e g) dos "Factos Provados IJ a exequente não só não facultou às ora apelantes, antes de assinarem, uma cópia do acordo em apreço, 6ª - como nenhum seu representante lhes explicou ou leu o teor da cláusula 21 desse acordo, no momento em que apuseram as suas assinaturas na folha do texto do acordo,
7ª - Sem conhecimento do concreto teor das referidas cláusulas contratuais gerais, as fiadoras ficaram sem poder antecipadamente aquilatar da extensão e conteúdo do que assumiram quando apuseram as suas assinaturas no espaço destinado aos fiadores.
8ª - E, se a exequente não quis ter o incómodo de facultar às fiadoras uma cópia do acordo ou de, ao menos, lhos ler, como era sua obrigação, não poderá entender-se, salvo melhor opinião, corno o fez o Tribunal a quo, que aquelas não se poderão livrar da fiança, embora valendo nos termos gerais, uma vez que apuseram a sua assinatura no espaço do acordo encimada pela palavra fiadores que é legível.
9ª - Não ficou provado, e o ónus de o fazer recaía sobre a oponida, que as fiadoras tivessem lido tal palavra FIADORES ou que alguém lhes tivesse falado nela, ou que alguém a tivesse mencionado, durante todo o tempo em que estiveram nas instalações da exequente e fora dela.
10ª .- Ora esta razão era mais que justificável, quanto mais não fosse face ao principio da boa-fé contratual (art.° 227º CC) para que o tipo de responsabilidades que as fiadoras estavam a assumir lhes fosse comunicado pela exequente/oponida, nos termos que os art.º 4º e 5º do D.L. n.º 446/85 de 25/10, acabam por concretizar e densificar.
11ª - Daí que se entenda que a fiança se não deva manter para as apelantes, nem sequer nos termos gerais e acessórios, relativamente à dos obrigados principais.
12ª - Ao entender de maneira diferente violou o tribunal a que o disposto nos art.ºs 4.°, 5,° e 8.° do D.L nº 446/85 de 25 de Outubro e 227° CC.
13ª- A cláusula “21-1 FIANÇA" do contrato dado à execução não permite a determinabilidade do objecto da fiança.
14ª - Com efeito, o preenchimento dos termos da relação garantida é deixado nas mãos dos intervenientes no contrato de que emerge a relação garantida, sendo certo que as garantes não têm possibilidade de controlar as alterações que depois da sua assinatura, venham a ser acordadas entre a " Caixa e os Clientes",
15ª - Por isso, nos termos do art.º 280.°/1 CC, as garantias cujo objecto é indeterminável são nulas, já que o que o ordenamento jurídico quer impedir é que a concretização das prestações devidas por força da garantia seja remetida ao puro arbítrio de outrem.
16ª - A redacção da cláusula 21 não permite às apelantes avaliar no futuro o conteúdo da sua obrigação, conhecer os seus limites ou, pelo menos, os critérios objectivos que lhes facultem tal conhecimento.
17ª - Está-se perante uma fiança, com objecto indeterminável, sem conhecimento previsível, no momento da sua estipulação.
18ª - É nula a cláusula 21 por força do disposto no art.º 280.° /1 CC.
19ª - A declaração de nulidade tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado. (Art.º 289.° CC)
20ª - A nulidade é invocável a todo o tempo e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.(Art.º 286.° CC)
Termos em que, e no mais que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, e substituindo-se por outra que, julgando procedente a oposição, absolva as fiadoras, ora recorrentes, de todo o pedido e declare extinta a execução que corre contra elas, com as legais consequências.

A EE contra-alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões:
1. A pretensão recursiva das executadas/recorrentes BB e DD sustenta-se, em súmula, nos seguintes fundamentos: i) As apelantes não têm conhecimento (por não lhes ter sido comunicado ou informado) do concreto teor das cláusulas 3.ª, 5.ª, 6.ª, 8.ª, 9.ª e 12.ª, a quais apelidam de cláusulas contratuais gerais, pelo que ficaram sem poder aquilatar a extensão e conteúdo do que assumiram quando apuseram as suas assinaturas no espaço destinado aos fiadores; ii) a fiança não se deve manter para as apelantes porquanto não ficou provado que as mesmas tivessem lido a palavra fiadores ou que alguém lhes tivesse falado nela durante todo o tempo em que estiveram nas instalações da exequente e fora delas; iii) a redacção da cláusula 21 não permite às apelantes avaliar no futuro o conteúdo da sua obrigação, pelo que estaremos perante uma fiança com objecto indeterminável, com a consequente nulidade da referida cláusula 21.
2. Tais fundamentos assentam em premissas evidentemente erradas.
3. Os fundamentos melhor identificados nas alíneas a) e c), assentam no pressuposto de que as cláusulas do contrato dado à execução, designadamente, as cláusulas 3.ª, 5.ª, 6.ª, 8.ª, 9.ª e 12.ª merecem o predicado de cláusulas contratuais gerais.
4. Assim não o é.
5. O Tribunal recorrido delimitou o thema decidendum a dirimir nos presentes autos à “existência/validade da cláusula 21 do acordo descrito na alínea a) do ponto II.1 relativamente a cada um dos executados, tendo em conta o que é alegado e invocado no requerimento de oposição: as cláusulas contratuais gerais constantes do acordo não foram dadas a conhecer aos executados”.
6. Delimitada assim a questão a apreciar nos autos, deve ter-se por assente que no entender do douto Tribunal a quo a única cláusula meritória do epíteto de cláusula contratual geral e, como tal, sujeita ao respectivo regime, é a mencionada cláusula 21 do contrato dado à execução.
7. As aqui apelantes não se insurgem contra tal segmento decisório, pelo que não podem, agora, para fundamento da sua pretensão recursiva, tomar como assente e pacífico que as demais cláusulas constantes do contrato dado à execução são cláusulas contratuais gerais.
8. A matéria de classificação de um contrato como de adesão, ou de determinadas cláusulas como cláusulas contratuais gerais, e mais propriamente, a prova de que não houve negociação prévia, é matéria de excepção, e no caso em apreço, era fundamento de oposição como facto impeditivo do direito da exequente, pelo que o respectivo ónus da prova impendia sobre as opoentes, aqui apelantes.
9. No que ao caso ora em apreço concerne, verifica-se que as opoentes não lograram obter prova das características que conduziriam à classificação do contrato que integra o título executivo como contrato de adesão, sendo certo que, de acordo com a decisão prolatada, reitera-se, apenas merece o predicado de cláusula contratual geral a cláusula 21 do referido contrato.
10. Já pelo contrário, logrou a EE provar que o contrato em questão foi especificamente negociado com vista à reestruturação de dívida emergente de financiamentos anteriormente contratados com a EE.
11. Tanto assim o é que o Tribunal a quo deu como provado na alínea c) dos factos provados que “as cláusulas 3. 5. 6. 7. e 8. do acordo supra referido foi negociado entre a exequente, Caixa, e os executados Mário Jorge de Sousa Maciel e Moisés Araújo de Sousa (…)”.
12. Isto para concluir que não impendia sobre a EE nenhuma obrigação de informação e/ou comunicação do conteúdo das mencionadas cláusulas 3.ª, 5.ª, 6.ª, 8.ª, 9.ª e 12.ª do contrato dado à execução.
13. Ademais, diga-se que as apelantes bem sabiam, como sabem, a extensão e conteúdo da obrigação por si assumida, tanto mais que o contrato dado à execução serviu o fito de reestruturar dívidas pelas quais as mesmas já respondiam,
14. Cifrando-se, por conseguinte, e exactamente, em monta necessária à liquidação dessas obrigações.
15. Acresce que, e diversamente do que as apelantes pretendem fazer crer, tão pouco foi dado como provado que o conteúdo de tais cláusulas não lhes foi lido ou explicado, pois que as alíneas g) e h) dos factos provados circunscrevem-se ao teor da mencionada cláusula 21.
16. Assim, e porque assentes em errados pressupostos, não podem merecer acolhimento os fundamentos recursivos apresentados pela apelantes e melhor identificados em a) e c).
17. Já quanto ao fundamento mencionado na alínea b), atento o teor da decisão proferida nos autos, seja na sua vertente factual, seja na sua vertente de direito, carece o mesmo, em absoluto, de qualquer razão de ciência.
18. Diga-se, em abono da verdade, que a tese segundo a qual seria necessário provar que as fiadoras leram a palavra “FIADORES” ou que alguém lhes tivesse falado nela para que a fiança se mantivesse quanto às apelantes, afigura-se absolutamente perniciosa, contendendo, de forma directa, com o hasteado princípio da boa-fé.
19. Com efeito, e tal qual decorre dos autos, provou-se que as apelantes BB e DD apuseram as suas assinaturas no contrato dado à execução depois de um representante da EE, nas instalações desta, lhes ter perguntado se havia dúvidas em relação ao mesmo, não tendo sido solicitado qualquer esclarecimento por estas executadas.
20. Não tendo as executadas, aqui apeladas, compreendido o alcance de cláusula atinente à fiança constituída e que directamente lhes diz respeito ou apreendido, sequer, a qualidade em que firmavam o contrato, não faria qualquer sentido a sua assinatura voluntária do mesmo.
21. Menos sentido fazendo, ainda, que, não tendo compreendido o alcance de tal cláusula ou em que qualidade assinavam no contrato, questionadas quanto à existência de dúvidas, as mesmas nada dissessem.
22. E, se não procuraram saber das exactas condições em que também se obrigaram, tal dever-se-á à sua irreflexão, não a podendo esgrimir contra quem se procurou acautelar contra eventual incumprimento do devedor,
23. Contendendo com as regras da boa-fé, exigíveis aos contraentes, se o fiador, no momento de ser chamado a cumprir, tendo assinado voluntariamente o contrato onde se obrigou também, pudesse, sem mais, invocar a violação de deveres de informação ou comunicação para se eximir àqueles a que, pela sua assinatura, se vinculou (veja-se, neste sentido, entre muitos outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.2011, proc. n.º 1582/07.1TBAMT-B.P1.S1 e de 06.12.2011, proc. n.º 669/07.5TBPTM-A.E1.S1).
24. Sendo certo que, tendo as ora apeladas usado da diligência que, face ao vínculo que assumiram, lhes era exigível, não podiam ter deixado de bem compreender o alcance das assinaturas que no documento voluntariamente apuseram, aceitando a qualidade de fiadores que assumiram, com todas as consequências que daí promanam.
25. Como tal, deve, igualmente cair por terra o fundamento recursivo identificado na al. b), 26. Devendo, por conseguinte, ser julgada improcedente, pela sua totalidade, a presente apelação.

II – Objecto do recurso
Considerando que:

. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,

. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

as questões a decidir são as seguintes:

Da apelação da apelante EE:

. se a matéria de facto deve ser alterada, dando-se como não provada a alínea f) e como provados os factos constantes dos artigos 30º. 31º e 36º da contestação (que foram dados como não provados);
. se a decisão de mérito deve ser alterada, julgando-se totalmente improcedente a oposição, ainda que a matéria de facto não sofra alteração, por a cláusula 21 não revestir complexidade e se dever considerar que cumpriu os deveres de comunicação e informação.
Da apelação das apelantes das executadas oponentes BB e DD:
. se a obrigação de fiança não se deve manter nos termos acessórios em que foi configurada na sentença; e,
. se a obrigação de fiança é nula por indeterminação do seu objecto.

III – Fundamentação
Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
a) Nos autos de execução apensos aos presentes deu a exequente à execução o acordo, denominado pelas partes de contrato de mútuo, com o teor que melhor consta da cópia junta àqueles autos com o requerimento executivo dando-se o mesmo, aqui, por integralmente reproduzido;
b) Nos termos da cláusula 21 do supra referido acordo, “21. Garantia(s) (…) 21.1. – Fiança (…) a) As pessoas identificadas para o efeito no início do contrato constituem-se fiadores solidários e principais pagadores de todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas à EE pelos Clientes no âmbito do contrato de empréstimo, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos e dão antecipadamente o seu acordo a prorrogações do prazo e moratórias que forem convencionadas entre a EE e os Clientes; (…) b) Os fiadores renunciam ao benefício do prazo estipulado no artigo 782º do Código Civil e ao exercício das excepções prevista no artigo 642º do mesmo Código; (…) A presente garantia abrange as livranças, letras ou outros títulos cambiários emitidos, ou que o venham a ser, para titulação da operação de crédito garantida, nos termos do respectivo pacto de preenchimento”;
c) As cláusulas 3. 5. 6. 7. e 8.do acordo supra referido foi negociado entre a exequente, EE, e os executados AA e CC, encontrando-se estes últimos, já antes da assinatura do referido acordo informados sobre o clausulado restante do acordo;
d) As executadas BB e DD apuseram as suas assinaturas no acordo referido na alínea a) depois de um representante da exequente, nas instalações desta, lhes ter perguntado se ‘havia dúvidas’ em relação ao mesmo;
e) Não tendo sido solicitado qualquer esclarecimento por estas executadas;
f) A exequente não facultou às executadas BB e DDantes de assinarem, uma cópia do acordo referido descrito na alínea a);
g) Nem nenhum seu representante explicou ou leu o teor da cláusula 21 do acordo em causa, no momento em que as referidas executadas apuseram as suas assinaturas na folha do texto do acordo;
h) A exequente não negociou o teor da cláusula 21 com qualquer contraparte, encontrando-se a mesma já previamente redigida antes de qualquer negociação.
E foram considerados não provados os seguintes factos:
Da contestação: artigos 30º, 31º e 36º.

Da pretendida alteração da matéria de facto
Iniciemos a apreciação dos recursos pela pretendida alteração da matéria de facto, pois só depois desta estar fixada definitivamente é que cumprirá apreciar o seu enquadramento jurídico.
Nos termos do nº 1 do artº 662º do CPC a Relação deve alterar a decisão proferida se, designadamente, a prova produzida impuser decisão diversa.
A apelante EE deu de modo satisfatório cumprimento ao disposto no artº 640º do CPC.
Procedemos a audição integral dos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento.
Na alínea f) deu-se como provado que a EE - mutuante - não facultou às executadas -fiadoras- uma cópia do contrato de mútuo, em que é mutuária a sociedade FF, Lda.
Pelo executado CC, gerente da EE da agência de Barroselas, à data em que o contrato de mútuo foi subscrito, e fiador no contrato em causa, foi dito que nunca leu o contrato antes da ocasião em que compareceu na EE, na agência de Viana do Castelo, para o outorgar como fiador, não obstante ter dias antes da sua subscrição ter pedido telefonicamente uma cópia do mesmo ao Dr. Carlos …, gerente da agência da EE de Viana do Castelo, que nunca lhe foi entregue.
Mais referiu que só em Janeiro de 2010 é que teve conhecimento do clausulado do contrato. No dia da outorga não lhe foi lido o contrato e as pessoas presentes não tiveram conhecimento das cláusulas.
Pelo executado AA, sócio gerente da mutuária e também fiador, foi declarado que nunca teve o contrato consigo. Não era gerente de facto da mutuária, mas apenas de direito, tendo as gerentes de facto, a Natascha e a Sónia (a qual pensa que ainda seria gerente na altura) lhe pedido para assinar o contrato na qualidade de gerente, o que fez, tendo sido aquelas que trataram do reconhecimento das assinaturas.
Por sua vez, a testemunha António …, trabalhador da EE que interveio na negociação do contrato de mútuo, o qual resultou da reestruturação de uma dívida pré-existente da mutuária, a sociedade FF, Lda., referiu que tratou sempre dos assuntos relativos ao contrato com o executado CC e com o executado AA, o primeiro por ser o gerente da agência onde tinham sido celebrados os contratos que estavam em incumprimento e que importavam reestruturar, e por ser familiar de um dos sócios da mutuária (sogro do executado AA) e com o AA por ser um dos sócios gerentes da sociedade devedora. Mais referiu que informou telefonicamente tanto o AA como o CC de que iriam ser fiadores e principais pagadores.
Pela testemunha Carlos …, à época gerente da agência de Viana do Castelo onde o contrato dado à execução foi subscrito, foi referido que o contrato tem a data em que foi elaborado, pelos serviços da EE de Lisboa. A EE exige que as assinaturas dos sócios gerentes sejam reconhecidas presencialmente por notário ou por advogado e exige que as assinaturas dos avalistas tenham que ser feitas presencialmente perante dois funcionários da EE. O reconhecimento das assinaturas dos gerentes da FF Lda. foi efectuado antes da data em que os fiadores se deslocaram à agência da EE para assinar o contrato. Para o efeito do reconhecimento das assinaturas dos gerentes, entregou préviamente o contrato ao declarante CC ou ao declarante AA, o que já não consegue precisar, antes do dia em que os fiadores subscreveram o contrato. Ao que se recorda, foram eles que trouxeram o contrato no dia aprazado para a outorga pelos fiadores. No dia marcado para a assinatura por parte dos fiadores já não era o momento para explicar nada, porque já estava tudo tratado, mas ainda assim perguntou aos presentes se tinham dúvidas, nada tendo sido perguntado por estes. O contrato de mútuo em causa resultou da reestruturação de dívidas existentes, não tendo a EE entregue mais dinheiro à sociedade. O que se tratou foi de passar operações de curto prazo que estavam em incumprimento e a vencer juros muito elevados, para uma única operação com um prazo maior e com juros mais favoráveis. Toda esta operação foi tratada rapidamente, tendo sido pressionado pelo declarante Moisés nesse sentido, por causa dos elevados juros que se estavam a vencer.
Como resulta do depoimento das próprias testemunhas arroladas pela apelante EE, e foi dado como provado, não tendo sido posto em causa, parte das cláusulas do contrato foram negociadas com os executados CC e AA e foi a estes que foi dada informação sobre o clausulado do contrato. Em momento algum foi dito, por qualquer das testemunhas inquiridas em audiência, que a EE tivesse entregue directamente às apeladas BB e DD uma cópia do contrato antes da sua assinatura ou que tivesse fornecido uma cópia aos executados para lhes ser entregue. A testemunha Carlos …, cujo depoimento se nos afigurou credível e descomprometido, expressamente referiu que não entregou cópia dos contratos para os fiadores. Apenas entregou o original do contrato para que as assinaturas dos sócios gerentes da sociedade fossem reconhecidas.

Não enferma assim a decisão recorrida de qualquer erro do julgamento, relativamente à alínea f).

No que concerne ao artº 30º da contestação, mantém-se como não provado, porque se desconhece se a cópia foi entregue ao executado CC se ao executado AA, dado que a testemunha Carlos … não o conseguiu clarificar, e mantém-se também as respostas dadas aos artºs 31º e 36º, ambos da contestação, por falta de prova no sentido quesitado, tal como foi referido pelo Mmo Juiz a quo.

Não ocorreu assim qualquer erro de julgamento, tendo o Mmo.Juiz a quo efectuada uma adequada valoração da prova produzida, apreciando-a de acordo com as regras da experiência e da lógica.

Do Direito

Na sentença recorrida entendeu-se ser de excluir a cláusula 21ª do clausulado do contrato de mútuo, por força do disposto no artº 8º alínea a) do DL 446/85. Consignou-se a propósito o seguinte ”com efeito, a cláusula 21 e que implica a responsabilidade destas executadas na relação jurídica em apreço não é uma cláusula de leitura simples: trata-se de um texto técnico, com alusões a conceitos jurídicos complexos e tem, inclusivamente, referências disposições legais, o que, tudo junto, emprestam-lhe uma densidade técnica bastante complexa para quem não seja versado em direito contratual.

Por outro lado, da matéria de facto dada por provada demonstra que não só não foi entregue às executadas uma cópia, como estas não foram adequada e efectivamente informadas do alcance e sentido de tal cláusula.
No entanto, o que é certo é que as executadas BB e DD apesar de não terem sido informadas do teor de tal cláusula, compareceram nas instalações da exequente e assinaram o contrato de mútuo em causa, apondo as respectivas assinaturas no espaço cuja epígrafe, de forma legível, se pode ler fiadores. Afinal, não podem alegar que não sabiam ao que iam.
Ora, se parece evidente que o teor da cláusula 21 não se pode manter relativamente a estas executadas, por força do disposto no artigo 8º, alínea a), do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, devendo ser excluído da economia contratual, também nos parece, por assim ser justo, no sentido do que se vem expondo, que a fiança se mantenha, embora valendo nos termos gerais, ou seja, naqueles que prevê o Código Civil nos artigos 627º e seguintes, especialmente, nos do artigo 627º, nº 2, do Código Civil, sendo a obrigação destas executadas acessórias relativamente à dos obrigados principais. Procede a oposição destas executadas, pois, parcialmente.”

A cláusula 21ª do contrato de mútuo não foi negociada com qualquer das partes, pelo que tratando-se de uma cláusula que os destinatários não puderam influenciar, está sujeita à disciplina do DL 446/85.

O regime proteccionista do DL nº 446/85 apenas tem por objecto as cláusulas contratuais gerais, excluídas do campo negocial discutido entre as partes, que se integram no contrato sem que a contraparte tenha tido qualquer possibilidade de influir nos respectivos termos, por gerar um certo desequilíbrio contratual, já assim não sucedendo no que às cláusulas particulares diz respeito, designadamente no que concerne às cláusulas que dizem respeito ao montante do financiamento, taxa de juros e plano de amortização, as quais estão sujeitas a negociações.

Dispõe o artº 8º alínea a) do DL 446/85 que consideram-se excluídas dos contratos singulares as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artº 5º.

O artº 5º nº 1 e 2 do DL 446/85 exige que as cláusulas contratuais devam ser comunicadas na íntegra, de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e a complexidade das cláusulas se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo.

O nº 3 do artº 5º faz recair o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva das cláusulas sobre o contratante que submete outrém às cláusulas contratuais gerais, que no caso é a EE.

Apurou-se que não foi entregue antes da assinatura do contrato uma cópia do contrato às executadas, nem que nenhum seu representante explicou ou leu o teor da cláusula 21 do acordo em causa, no momento da sua outorga pelas executadas.

Ao não ter entregue uma cópia do contrato antes da assinatura do contrato às apelantes BB e DD e ao não lhes ter lido a cláusula 21 nem explicado no momento em que as mesmas subscreveram o mesmo, violou a EE o dever de comunicação a que estava adstrita?

O dever de comunicação relativamente ao fiador abrange as cláusulas das quais resultam obrigações para o fiador, caso este não as tenha negociado com o credor, sendo irrelevante o facto de se destinarem originariamente ao devedor principal Cfr. se defende nos Ac. do TRL de 5.02.2002, 10.04.2003, 2.11.2006 e de 14.12.2006, do TRC de 17.11.2009 e do TRP de 9.11.2006, 16.11.2006, 19.05.2009 e de 12.11.2009, todos acessíveis em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser consultados todos os acórdãos que venham a ser citados, sem indicação de outra fonte e José Manuel Araújo Barros, Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, p.66 e 67.. O dever de comunicação é uma decorrência do princípio da boa fé constante do artº 227º do CC.

Com o dever de comunicação "procura o legislador possibilitar ao aderente o conhecimento antecipado da existência das cláusulas contratuais gerais que irão integrar o contrato singular, bem como o conhecimento do seu conteúdo, exigindo-lhe, para esse efeito, também a ele um comportamento diligente" Cfr. se defende no Ac. do STJ de 02-11-04, in CJ/STJ-Ano XII-tomo III, págs. 104 e segs.. O outorgante tem que ter, pelo menos, o conhecimento real e efectivo do teor dessas cláusulas, de forma a que possa decidir se quer ou não contratar nessas condições, destinando-se o dever de comunicação dessas cláusulas, de forma adequada e com a antecedência necessária, a combater o risco de desconhecimento de aspectos significativos do contrato. Mas a lei exige também exige que o aderente adopte um comportamento diligente, com o fim de obter o conhecimento real e efectivo das cláusulas que compõem o contrato. A lei quis proteger a parte mais fraca, mas tal não significa que considere merecedora de protecção as situações em que a falta de conhecimento das cláusulas é resultado de um comportamento negligente ou pouco diligente da parte que apesar de ter sido colocada na posição de poder conhecer as cláusulas não teve qualquer preocupação em assegurar-se do seu teor.

No caso a EE não entregou antecipadamente uma cópia do contrato às executadas, mas teve que facultar o contrato no dia da sua assinatura pelos fiadores, como prova a circunstância do mesmo se encontrar assinado na última página e rubricado pelos fiadores nas demais páginas. As apelantes ao rubricarem todas as folhas e ao assinarem a última, tiveram necessariamente de ter acesso a todas as folhas do contrato e como tal tiveram a oportunidade de ler o contrato e pedirem as explicações que tivessem por pertinentes, sendo que o contrato apenas tem 5 páginas escritas com caracteres de dimensões que se podem considerar normais e a última apenas contém as assinaturas de todos os fiadores, debaixo da expressão “fiadores”. Na primeira página consta a identificação de todos os outorgantes, a identificação da agência bancária, o nº do contrato, a finalidade, o código da finalidade e os prazos. Nas demais três páginas constam as cláusulas escritas, sendo perfeitamente identificável a cláusula relativamente à fiança, a nº 21. Não se está perante um contrato com um elevado número de páginas que só uma entrega antecipada do texto antes da outorga do contrato permitisse a sua leitura, por a sua leitura integral no momento da sua assinatura não ser compatível com o tempo geralmente destinado a estes acontecimentos.
As apelantes poderiam ter lido o contrato e poderiam ter inclusive pedido uma cópia do mesmo, como qualquer outorgante medianamente diligente. É do senso comum que não se deve assinar um contrato sem o ler. E não só não pediram quaisquer esclarecimentos, como também tendo-lhes sido perguntado directamente se tinham algumas dúvidas, nada perguntaram.

Com o devido respeito, não se considera a cláusula 21 relativa à responsabilidade dos fiadores de especial complexidade como considerou o Mmo Juiz a quo, pois que resulta compreensível para uma pessoa com um nível de instrução média o significado da expressão de fiador solidário e principal pagador, não tendo as executadas alegado e provado ter um nível de instrução que não lhes permitisse entender o texto do contrato. Assim ao entregar o contrato para assinar e rubricar às executadas e não sendo um contrato que pela sua extensão e complexidade exigisse um lapso de tempo não compatível com uma leitura naquele momento, a EE cumpriu o seu dever de comunicação. As apelantes na oposição que deduziram alegaram que a EE não lhes deu as cláusulas a ler, mas não o provaram.

Conforme se refere no Ac. do STJ de 24.03.2011 Proferido no proc. nº 1582/07 e que temos vindo a seguir de perto pela sua similitude com o caso dos autos, tratando-se igualmente de um recurso interposto pela fiadora de um contrato de mútuo bancário., a presença dos contratos assinados pressupõe que a recorrente os entendeu e, em conformidade com o disposto no artigo 6º do DL 446/85, a exequente apenas teria que informar a outra parte dos aspectos cuja aclaração se justificasse e prestar os esclarecimentos solicitados, antes da assinar.

E mostrando-se cumprido pela EE o dever de comunicação a que alude o artigo 5º nºs 1 e 2 do DL 446/85, não é caso de excluir do contrato a referida cláusula 21ª.

Não é crível que as apelantes não soubessem ao que fossem, nem que se não tivessem apercebido que iam ser fiadoras, estando tal expressão aposta no topo da página onde apuseram a sua assinatura, como também pelas suas relações familiares com os executados que tinham estado a negociar com a EE parte das cláusulas relativas ao contrato de mútuo e que tinham sido informados por esta sobre o clausulado restante do acordo.

Invocam também as apelantes que esta cláusula é nula por indeterminabilidade do seu objecto, nos termos do artº 280º do CC, pois que o preenchimento dos termos da relação garantida é deixado em seu entender nas mãos dos intervenientes no contrato de que emerge a relação de garantida, não tendo as garantes a possibilidade de controlar as alterações que depois da sua assinatura venham a ser acordadas entre a EE e os clientes, não lhes permitindo avaliar no futuro o conteúdo das suas obrigações.

O art. 280.º, nº 1 do CC considera nulo o negócio cujo objecto seja indeterminável. O objecto do negócio pode ser indeterminado, desde que seja determinável. A prestação é indeterminada mas determinável quando, embora não se sabendo, num momento anterior, qual o seu teor, exista, no entanto, um critério que possibilite determiná-la. Será indeterminada e indeterminável quando inexiste qualquer critério para proceder à sua determinação, caso em que será nula Cfr. se defende no Ac. do STJ de 06.12.2011, proferido no proc. 669/07.. A determinação da prestação pode ser confiada a uma ou outra das partes ou a terceiro; em qualquer dos casos deve ser feita segundo juízos de equidade, se outros critérios não tiverem sido estipulados (artº 400º nº1 do CC).

A lei admite a fiança por débitos futuros (art. 628.º, nº 2 do CC), sendo a questão de determinabilidade/indeterminabilidade decidida com recurso às regras de interpretação das declarações negociais. Apenas se exige para a validade do negócio jurídico que existam critérios objectivos de determinabilidade das possíveis responsabilidades assumidas pelo fiador como principal pagador.

A fiança, a que se poderá chamar de fiança genérica ou fiança omnibus, pode referir-se a obrigações já constituídas como a obrigações futuras, caracterizando-se por apresentar um conteúdo genérico, muito amplo, com variável grau de determinabilidade, suscitando fortes dúvidas a conclusão acerca da sua validade, justamente por vincular quem a presta de forma quase ilimitada, ou, pelo menos, subsistindo dificuldades para a definição dos limites da determinabilidade do seu objectoCfr. Ac. do STJ já citado proferido no proc.669/07. .

O Supremo Tribunal de Justiça decidiu no acórdão uniformizador de jurisprudência 4/2001, de 23.01.2001 Proferido no proc.00A193 e publicado no DR I série A, nº 57, de 8.03.2001. que “é nula, por indeterminabilidade do seu objecto, a fiança de obrigações futuras, quando o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentida, sem menção expressa da sua origem ou natureza e independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha”.

No caso em apreço, constata-se que a fiança prestada pelas apelantes, no momento da sua constituição, ficou com o seu objecto determinado, pois que se conhece o capital mutuado, o prazo, a taxa de juros contratada, o valor das comissões e a possibilidade de capitalização de juros, items expressamente referidos no acordo.

A questão que poderia levantar-se relativamente a indeterminabilidade do objecto , embora as apelantes não o refiram expressamente, coloca-se quanto à parte final da alínea a) da cláusula 21º no segmento em que se consignou que os fiadores “dão antecipadamente o seu acordo a prorrogações do prazo e a moratórias que forem convencionadas entre a EE e os clientes”.

Mas também aqui não concluímos pela indeterminabilidade da obrigação de fiança, pois que está perfeitamente circunscrito quais as alterações que podem estar contempladas e que poderão ser determinadas em cada momento. Na data da outorga do contrato está expressamente fixado e concretizado um critério objectivo que permite ao fiador conhecer os termos da sua obrigação. Diferente seria se se estivesse a exigir que os fiadores antecipadamente dessem o seu acordo a quaisquer alterações ao contrato Como se verificava na situação apreciada no Ac. do STJ que se tem vindo a citar, proferido no proc.669/07, em que a redacção da parte final da cláusula em causa era a seguinte, os fiadores “dão desde já o seu acordo a quaisquer alterações ao contrato designadamente da taxa de juro, prazo, moratórias ou outras que venham a ser fixadas ou convencionadas”, pelo que se considerou nula este segmento, por força do disposto no artº 292º do CC, por não ser possível ao fiador avaliar no futuro o conteúdo da sua obrigação, conhecer os seus limites ou, pelo menos, os critérios objectivos que lhe facultem tal conhecimento.

.

Ficam prejudicadas as demais questões suscitadas.
Sumário:
. A cláusula onde se refere que o fiador é solidariamente responsável e principal pagador não reveste especial complexidade, pois que tais expressões resultam compreensíveis para uma pessoa com um grau de instrução médio, incumbindo às executadas alegar e provar ter um nível de instrução que não lhes permitiu entender o texto do contrato.
. A lei embora concedendo especial protecção ao aderente a cláusulas contratuais gerais, não deixa de exigir-lhe a adopção de um comportamento diligente, com o fim de obter o conhecimento real e efectivo das cláusulas que compõem o contrato.
. Não tendo a mutuante entregue antecipadamente uma cópia do contrato às executadas/fiadoras, mas facultando necessariamente o contrato para que as mesmas o assinassem e rubricassem todas as folhas, possibilitou às fiadoras o acesso a todas as folhas do contrato e como tal tiveram a oportunidade do ler o contrato e pedirem as explicações que tivessem por pertinentes, uma vez que a dimensão do texto do contrato era compatível com a sua leitura na ocasião.
. Não tendo as fiadoras pedido quaisquer esclarecimentos, nem mesmo quando lhes foi perguntado directamente se tinham algumas dúvidas, e tendo o mutuante facultado o acesso a todas as folhas do contrato, cumpriu o dever de comunicação a que estava adstrito.

. A cláusula onde se fez constar que os fiadores “dão antecipadamente o seu acordo a prorrogações do prazo e a moratórias que forem convencionadas entre a mutuante e os clientes”, não torna indeterminável o objecto da fiança, pois que delimita quais as alterações que podem estar contempladas e que poderão ser determinadas em cada momento.

IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar procedente a apelação da apelante EE e improcedente a apelação das apelantes BB e DD e, em consequência, revogam a decisão recorrida, na parte em que julga parcialmente procedente a oposição deduzida pelas ora apelantes BB e DD e julgam totalmente improcedente a oposição deduzida pelas opoentes à execução.
Custas pelas apelantes.

Notifique.
Guimarães, 14 de Maio de 2015
Helena Melo
Heitor Gonçalves
Manso Rainho