Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
18/19.0T9GMR.G1
Relator: CÂNDIDA MARTINHO
Descritores: CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
FINALIDADES DA PUNIÇÃO
SUBSTITUIÇÃO DE PENA DE PRISÃO
PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/06/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I – O crescente aumento das violações dos deveres de cumprimento das obrigações fiscais provoca uma forte censura social e acentua o sentimento comunitário no sentido do reforço na validade das normas violadas.
II - A reação penal neste tipo de ilícitos não se compadece com penas simbólicas que perpetuam um sentimento de impunidade, o que impede a interiorização por parte do agente da responsabilidade pelo ato danoso e adensa um sentimento generalizado de quase despenalização.
III - A substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade não imprime à arguida a cabal interiorização dos bens jurídicos protegidos, nem constitui desmotivação bastante para a afastar da prática de novos ilícitos, não apresentando assim potencialidades para realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
IV - Tal substituição levaria, de facto, a uma injustificada cedência perante a criminalidade e ao abalo da confiança da comunidade na inviolabilidade do direito.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. Relatório

1.
No processo comum singular 18/19.0T9GMR que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Guimarães, foi proferida sentença, nos termos da qual foi decidido condenar a arguida J. M., pela prática, na forma continuada, de um de crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 6º, 10, nº 1 e 2 e 105, nº 1 a 4 e 7, do RGIT (Lei 15/2001, de 5 de Junho), na pena 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, substituída por 480 (quatrocentas e oitenta horas) de trabalho a favor da comunidade.
Mais foi decidido condenar a demandada J. M. no pagamento ao Instituto da Segurança Social, I.P., da quantia de € 24.564,29, acrescida dos juros de mora à taxa legal prevista no artigo 3º nº 1, do DL 73/99, de 16 de março, e que sucessivamente estiver em vigor, contados desde a data do vencimento de cada uma das cotizações a que diz respeito, até efetivo e integral pagamento.

2.
Não se conformando com o decidido, veio o Ministério Público interpor o presente recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

«1. Por sentença datada de 20/04/2021, a arguida J. M. foi condenada, pela autoria de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelo artigo 107.º, nº1 e 105.º, n.º1 do RGIT, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, substituída por 480 (quatrocentos e oitenta) horas de trabalho a favor da comunidade.
2. É objeto da nossa discordância e, consequentemente, do presente recurso a substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, violando a sentença recorrida o disposto nos artigos 40.º, 58.º, 70.º e 71.º do Código Penal.
3. Com efeito, nem a suspensão da execução da pena de prisão nem a sua substituição por pena não privativa da liberdade realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
4. As elevadas exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, reflexo da elevada ilicitude da actuação da arguida, do valor consideravelmente elevado da prestação tributária em dívida, de não ressarcimento de qualquer dano e do extenso rol de antecedentes criminais, reclamam o cumprimento efectivo da pena de prisão.
5. Em todo o caso, ainda será admissível e salvaguardará a inserção familiar, social e profissional da arguida, o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação com fiscalização dos meios técnicos de controlo à distância, nos termos do disposto no artigo 43.º do Código Penal.
6. Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado, e, em consequência deverá a douta sentença recorrida ser revogada, na parte de que se recorre, e substituída por outra que condene a arguida J. M. na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios de controlo à distância, nos termos do disposto no artigo 43.º do Código Penal».

3.
A arguida veio responder ao recurso, concluindo nos seguintes termos:

«1. Carece de qualquer razão e fundamento o Recurso interposto pelo MP, pois a Douta sentença do tribunal a quo ao aplicar à arguida a pena de prisão de um ano e quatro meses, substituída por quatrocentos e oitenta dias de trabalho a favor da comunidade, não incorreu em violação por erro de interpretação do disposto nos artigos 40º, 58º, 70º e 71º do Código Penal.
2. A douta sentença está devidamente estruturada e fundamentada com base na interpretação e aplicação dos artigos 40º, 58º, 70º e 71º do Código Penal,
3. Decidiu e bem o Mmº Juiz a quo ao optar pela substituição da pena de prisão em prestação de trabalho a favor da comunidade,
4. Por a mesma alcançar, de forma e suficiente, as finalidades subjacentes à punição, encontrando-se suficientemente acauteladas as finalidades de prevenção geral e especial.
5. A simples censura do facto e a ameaça de prisão são suficientes para reparar o mal praticado e fazer com que a Arguida repense a sua actuação.
6. Além disso, a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade nos termos do artigo 58º, nº 1 e 3 do Código Penal que lhe foi aplicada tem a vantagem de lembrar à Arguida a sua conduta ilícita e a censura da mesma pela ordem jurídica, permitindo-lhe de forma mais persuasiva a interiorização dos valores comunitários.
7. Por tudo exposto, deve o presente Recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se o decidido na Douta sentença ora recorrida».

4.
Neste Tribunal da Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

5.
Cumprido o art. 417º,nº2, do C.P.P., a arguida não respondeu a esse parecer.

6.
Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art.419º,nº3,al.c), do diploma citado.

II. Fundamentação

A) Delimitação do Objeto do Recurso

Sendo pacífico na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, delimitando para o tribunal superior ad quem as questões a decidir e as razões que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que eventualmente existam, no caso vertente, atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente, a questão a decidir passa apenas por saber se a pena de prisão de 1 ano e 4 meses de prisão, ao invés de ser substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade, como foi, deve ser efetiva, a cumprir em regime de permanência da habitação, com fiscalização por meios de controlo à distância, nos termos do artigo 43º do C.Penal.

B) Com vista à apreciação da questão supra enunciada, importa ter presente o seguinte teor da sentença recorrida:

«A. FACTOS PROVADOS:

Da acusação:

1) A sociedade “X - Sociedade Unipessoal, Lda.” foi uma sociedade por quotas, que tem como objecto social a confeção de vestuário em série.
2)A sociedade encontrava-se inscrita na Segurança Social, sendo a contribuinte nº ……….
3)A arguida J. M. é a gerente da mencionada empresa desde a sua constituição em 13 de Agosto de 2013, sendo responsável pela sua gestão e administração.
4)Com efeito, apesar de apenas figurar da respectiva certidão permanente a arguida J. M. como gerente a partir de 15 de Abril de 2016 até ao presente, de facto e desde a data da sua constituição, apenas a arguida J. M. desempenha na e para a sociedade arguida as funções de gerente, sendo a mesma quem gere e administra esta empresa e, em nome e no interesse da mesma, decide todas as questões relacionadas com o seu giro comercial e decide de facto da afectação dos meios financeiros ao cumprimento das respectivas obrigações correntes, designadamente, das contribuições e quotizações à Segurança Social.
5) A sociedade, na qualidade de entidade empregadora, encontrava-se obrigada a entregar mensalmente na Segurança Social as declarações de remunerações relativas aos salários efectivamente pagos, no mês anterior, aos seus trabalhadores e gerentes.
6) Assim, no acto de pagamento dessas remunerações, devia proceder ao desconto prévio dos valores das cotizações devidas à Segurança Social, estando obrigada a entregar nos cofres da Segurança Social os valores retidos das remunerações efectivamente pagas aos trabalhadores e gerentes, mensalmente e entre os dias 10 e 20 do mês seguinte àquele a que as cotizações respeitavam.
7) A sociedade procedeu ao desconto das cotizações nas remunerações efectivamente pagas aos seus trabalhadores e gerentes, como legalmente estava obrigada.
8) Sucede, porém, que a arguida J. M., agindo por si e em nome, representação e interesse da sociedade, não procedeu à entrega dos montantes retidos dos salários efectivamente pagos aos trabalhadores e gerentes, na Segurança Social, nos prazos legalmente fixados, nem após ter sido, e bem assim a sociedade, notificada pessoalmente para proceder ao pagamento das quotizações em dívida no prazo de 30 dias, sob pena de o processo criminal prosseguir, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105º, nº 4, alínea b) do RGIT.
9) As contribuições retidas nas remunerações efectivamente pagas respeitam aos períodos de Outubro de 2013 a Fevereiro de 2014 e Abril de 2014 a Abril de 2015, e ascendem ao montante global de € 24.564,29 (vinte e quatro mil quinhentos e sessenta e quatro euros e vinte e nove cêntimos), conforme melhor discriminado no quadro que segue:
Mês referênciaQuotizações código 000 (11%) (€)Quotizações código 669 (11%) (€)Totais (€)
2013/10460,5552,46513,01
2013/111.054,2953,351.107,64
2013/121.355,1053,351.408,45
2014/01973,6453,351.026,99
2014/021.012,3153,351.065,66
2014/04969,1953,351.022,54
2014/051.009,2153,351.062,56
2014/061.012,7653,351.066,11
2014/071.002,9853,351.056,33
2014/082.144,1853,352.197,53
2014/091.010,9853,351.064,33
2014/101.076,7255,551.132,27
2014/111.080,2355,551.135,78
2014/122.138,6855,552.194,23
2015/011.091,7755,551.147,32
2015/021.210,9955,551.266,54
2015/031.222,1055,551.277,65
2015/041.319,6055,551.375,15
2015/051.166,5555,551.222,10

2015/061.166,5555,551.222,10
TOTAL23.478,381.085,9124.564,29

10) A arguida J. M. tinha conhecimento dos factos descritos, quis actuar da forma descrita, agindo por si e em nome, representação e interesse da sociedade, não entregando nos cofres da Segurança Social as importâncias retidas dos salários efectivamente pagos aos trabalhadores e gerente, obrigação que sabia sobre si legalmente impender, e integrando na sua esfera patrimonial benefícios patrimoniais a que sabia não ter direito, dos quais dispôs como coisa sua, afectando-os ao pagamento de débitos por si contraídos no exercício da sua actividade comercial, quando os mesmos, legalmente, pertenciam à Segurança Social.
11)Mais sabia a arguida que, ao agir da forma supra descrita, colocava em crise o regular funcionamento do sistema de Segurança Social e dos interesses por este servidos e que suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Mais se apurou:

12) A arguida confessou os factos.
13) A arguida foi renovando o seu propósito de não entregar à Segurança Social as cotizações retidas e referidas em 9), ao longo do período em causa, por razões de dificuldades de ordem económica que a sociedade, tendo canalizado as referidas cotizações para a satisfação de outros compromissos, designadamente para pagamento dos salários aos trabalhadores.

Da situação pessoal e económica da arguida:

14) A arguida é trabalhadora por conta de outrem auferindo o vencimento mensal de € 655,00.
15)Tem duas filhas ao seu cargo, de 16 e 11 anos de idade.
16) Recebe mensalmente a quantia de € 250,00, a título de pensão de alimentos devida às menores.
17) O agregado familiar vive em casa emprestada.
18) A arguida concluiu o 9º ano de escolaridade.
19) A arguida já sofreu as seguintes condenações:
a) Processo Comum (Tribunal Singular) nº 394/11.2IDBRG, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, pela prática, em Setembro de 2010, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 10, nº 1, do RGIT, tendo-lhe sido aplicada, por decisão de 14-02-2013, transitada a 08-04-2013, pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 6,50.
b) Processo Comum (Tribunal Singular) nº 236/12.1IDBRG, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, pela prática, em Dezembro de 2012, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 10, nº 1, do RGIT, tendo-lhe sido aplicada, por decisão de 24-02-2014, transitada a 26-03-2014, pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 6,00.
c) Processo Comum (Tribunal Singular) nº 721/11.2IDBRG, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, pela prática, em Novembro de 2011, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 10, nº 1, do RGIT, tendo-lhe sido aplicada, por decisão de 24-04-2013, transitada a 24-05-2013, pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 5,20.
d) Processo Comum (Tribunal Singular) nº 450/12.0IDBRG, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Guimarães – Instância Local – Secção Criminal – J1, pela prática, a 15-11-2012, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 10, nº 1, do RGIT, tendo-lhe sido aplicada, por decisão de 30-06-2014, transitada a 15-09-2014, pena de 380 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, tendo sido englobada naquela pena, as penas aplicadas nos processos 394/11.2IDBRG, 721/11.2IDBRG e 236/12.1IDBRG.
e) Processo Comum (Tribunal Singular) nº 20/14.8TAGMR, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Guimarães – Instância Local – Secção Criminal – J1, pela prática, a 01-02-2009, de um crime de abuso de confiança fiscal contra a segurança social, p. e p. pelos artigos 10, nº 1 e 107º, nº 1, do RGIT, tendo-lhe sido aplicada, por decisão de 27-05-2016, transitada a 27-06-2016, pena de 350 dias de multa, à taxa diária de € 6,00.
f) Processo Comum (Tribunal Singular) nº 51/14.8IDBRG, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Guimarães – Instância Local – Secção Criminal – J3, pela prática, a 15-05-2013, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 10, nº 1, do RGIT, tendo-lhe sido aplicada, por decisão de 26-10-2015, transitada a 25-11-2015, pena de 380 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, tendo sido englobada naquela pena, as penas aplicadas nos processos 394/11.2IDBRG, 721/11.2IDBRG, 236/12.1IDBRG e 450/12.IDBRG.
g) Processo Comum (Tribunal Singular) nº 387/14.8IDBRG, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Guimarães – Juiz 3, pela prática, a 16-05-2014, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º, nº 1, do RGIT, tendo-lhe sido aplicada, por decisão de 24-01-2017, transitada a 23-02-2017, a pena de 9 meses de prisão substituída por 270 dias de multa, à taxa diária de € 6,00;
h) Processo Comum (Tribunal Singular) nº 171/16.4IDBRG, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Guimarães – Juiz 4, pela prática, a 15-02-2016, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º, nº 1, do RGIT, tendo-lhe sido aplicada, por decisão de 03-05-2018, transitada a 29-01-2019, a pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, com a condição de pagar a prestação tributária em dívida;
i) Processo Comum (Tribunal Singular) nº 242/17.0IDBRG, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Guimarães – Juiz 4, pela prática, a 15-02-2017, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º, nº 1, do RGIT, tendo-lhe sido aplicada, por decisão de 09-04-2019, transitada a 20-05-2019, a pena de 1 ano e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, com a condição de pagar a prestação tributária em dívida;
j) Processo Comum (Tribunal Singular) nº 34/18.9IDBRG, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Guimarães – Juiz 1, pela prática, a 18-08-2017, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º, nº 1, do RGIT, tendo-lhe sido aplicada, por decisão de 06-03-2020, transitada a 30-06-2020, a pena de 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, com a condição de pagar a prestação tributária em dívida;
(…)

ESCOLHA DA PENA:
O crime em causa é punível com pena de prisão até três anos ou pena de multa até 360 dias, à taxa diária a fixar entre € 1,00 e € 500,00, se praticado por pessoa singular – artigos 105º nº 1, 107º nº 1 e 15º nº 1 do RGIT.
Sendo o crime punível com penal alternativa de prisão e multa, importa proceder à escolha da pena, para ulteriormente encontrar a sua medida concreta.
A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo que a medida da pena não poderá exceder a medida da culpa - artigo 40º nº1 e 2 do Código Penal.
Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – artigo 70º do Código Penal. Quer isto dizer, que sempre que o tribunal entender que as finalidades de prevenção geral e especial se encontram suficientemente acauteladas com a simples pena de multa, deve esta ser aplicada em detrimento da pena de prisão.
Com efeito, são as finalidades exclusivamente preventivas, especiais e gerais, que justificam a preferência por uma pena alternativa à de prisão (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora 2005, pág. 331).
Aliás, conforme Figueiredo Dias, são as necessidades de prevenção especial de socialização que prevalecem sobre a escolha do tipo de pena aplicar e que justificam, numa perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra as penas privativas da liberdade (página 332, obra citada). Só nas situações em que o tribunal considerar que a pena de prisão se revela necessária ou conveniente à ressocialização do arguido é que deverá afastar a aplicação da pena de multa.
Quanto à prevenção geral na determinação do tipo de pena a aplicar, ela apenas actuará sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico. Isto é, sempre que das circunstâncias do caso resultar que a aplicação de uma pena não detentiva é possível, ela só não será aplicada caso se entenda que a pena de prisão é absolutamente necessária à protecção de bens jurídicos e à estabilização das expectativas da comunidade na validade das normas.
Ora, nos crimes desta natureza, o bem jurídico prende-se com a necessidade de proteger a confiança do Estado em relação a quem tem a obrigação de deduzir e entregar a prestação tributária.
A tudo isto acresce que, no caso deste tipo de crime, a pena de prisão, quando esta surge como alternativa a uma pena de multa, pode assumir uma relevância que no direito penal em geral não tem, nem deve ter, justificando-se muitas vezes que se prefira aquela em detrimento da segunda (sobre esta preferência veja-se FIGUEIREDO DIAS, em “Breves Considerações Sobre o Fundamento, o Sentido e a Aplicação das Penas em Direito Penal Económico”, in “Direito Penal Económico”, CEJ (1985), p. 38 e ss.).
Isto porque, numa perspectiva meramente financeira, pode muitas vezes “compensar” a realização de um crime fiscal, se as consequências económicas que daí advierem, designadamente a aplicação de uma multa e as custas judiciais decorrentes do processo, forem inferiores aos proveitos daí retirados, pois como já em tempos referiu AUGUSTO SILVA DIAS, “na actividade económica a pena referindo-se à de multa constitui um factor de risco que, mediante um cálculo de custos e benefícios, poderá ser vantajoso assumir” (cfr. “O Novo Direito Penal Fiscal Não Aduaneiro”, no “Direito Penal Económico e Europeu”, Vol. II (1999), p. 258/9).
Com efeito, apenas a opção por pena privativa da liberdade permite satisfazer exigências de prevenção geral, como forma de consciencializar os cidadãos da importância que subjaz à actividade fiscal, bem como de erradicar a convicção de impunidade pela prática de infracções fiscais que grassa no domínio empresarial.
Conforme refere ANABELA RODRIGUES MIRANDA, in “Contributo para a fundamentação de um discurso punitivo em matéria penal fiscal”, “Direito Penal Económico e Europeu”, Vol. II (1999), p. 481, (…) a pena de prisão é, em abstracto, a pena mais adequada por ser a única capaz de responder às necessidades de promover a consciência ética fiscal, não se lhe podendo assacar os efeitos criminógenos que normalmente andam ligados a este tipo de pena. E, mais à frente refere que (…) é contra este modo de conceber as coisas que se impõe reagir, fazendo sentir aos agentes do crime económico e fiscal que abusam da confiança que neles é depositada, que os seus comportamentos ilícitos típicos são crimes e não simples irregularidades. E isso consegue-se de modo particularmente adequado e eficaz com as penas de prisão” (op. cit.).
Em face da banalização da prática dos crimes em análise, são de considerar prementes as exigências de prevenção geral pelo que a opção pela pena de prisão se impõe sempre que o benefício ilegítimo obtido pelo arguido, com o correspondente prejuízo para o Estado, seja significativo – cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, de 20-06-2011, publicado em www.dgsi.pt, referente ao crime de abuso de confiança fiscal mas aplicável ao caso dos autos).
Conforme é referido no Acórdão da Relação de Évora, de 19-03-2013, publicado em www.dgsi.pt: “I São elevadas as exigências de prevenção geral nos crimes de abuso de confiança contra a segurança social, atenta a importância que o pagamento das comparticipações sociais tem na construção e na estabilidade das sociedade contemporâneas, com elevado número de cidadãos reformados e em situação de dependência económica dessas prestações, colocando em causa a própria sobrevivência do Estado Social. II Por isso, a opção pela aplicação de pena de prisão, nesses casos, responde à estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma incriminadora.

Ora, no que concerne às necessidades de prevenção geral no presente caso, há que reconhecer que as mesmas são elevadas uma vez que este tipo de crime tem-se revelado frequente, sendo as contribuições sociais um meio prioritário na prossecução dos fins do Estado de Direito e uma obrigação para todos os cidadãos, cuja violação o legislador quis punir de forma severa e pedagógica pois que atendendo ao elevado número de cidadãos reformados e em situação de dependência económica dessas prestações fica necessariamente colocada em causa a própria sobrevivência do Estado Social.
Quanto às necessidades de prevenção especial, as mesmas são manifestamente prementes tendo em conta que a arguida foi já condenada por diversas vezes, entre crimes de abuso de confiança fiscal e crimes de abuso de confiança contra a segurança social e, aparentemente, não tem revelado vontade em dar outro rumo à sua vida, sendo de notar que praticou já os presentes factos em data posterior às condenações em pena de multa. Na verdade, ressalta dos factos provados, e dos antecedentes criminais, que a arguida revela ser incapaz de gerir uma empresa sem ser pela via do incumprimento das obrigações tributárias, ou seja, sem ser à custa do erário público. É de considerar, ainda, o valor global das cotizações retidas que é de valor razoável, pelo que tudo ponderado, e apesar da confissão da arguida e a sua boa inserção familiar e profissional, afigura-se-nos que apenas a pena de prisão será susceptível de acautelar as finalidades da punição, ou seja, as já referidas necessidades de prevenção geral e especial.

MEDIDA CONCRETA DA PENA:

Chegados ao momento de determinar a concreta medida da pena, impõe-se considerar que aquela determinação é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (cfr. artigo 71º nº 1, do Código Penal), ou dito de outro modo, a prevenção geral positiva ou de integração é a finalidade primordial, entendida esta como reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança, face à violação da norma.
Conforme Figueiredo Dias (Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora 2005, pág. 227 e ss.), a pena deve ser determinada no interior de uma moldura de prevenção geral positiva, cujo limite é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro desta moldura de prevenção geral positiva, a medida da pena será encontrada em função das exigências de prevenção especial positiva, ou seja, de ressocialização do agente. No entanto, a culpa do agente será sempre o limite inultrapassável da medida concreta da pena (cfr. artigo 40º nº 2 do Código Penal).
A medida da necessidade da tutela de bens jurídicos terá que ser encontrada em concreto, segundo as circunstâncias do caso em análise e não em abstracto, já que o carácter abstracto dessa necessidade foi previamente definido pelo legislador penal ao determinar a moldura penal abstracta aplicável.
Em conformidade com o disposto no artigo 71º, nº 2, do Código Penal, atender-se-á a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, exemplificando aquele normativo alguns factores concretos que relevam tanto pela via da culpa como pela via da prevenção.
Acresce que nos termos do artigo 13º do RGIT, na medida da pena atender-se-á ainda ao prejuízo causado pelo crime.

No presente caso, é de realçar o seguinte:

- a ilicitude revela-se acentuada, atento o número de prestações tributárias não entregues e o período de tempo durante o qual se manteve a reiteração da actividade criminosa, sendo o valor global das cotizações retidas e não entregues de valor razoável;
- o grau da culpa mostra-se acentuado, tendo em conta que a arguida agiu com dolo directo;
- as dificuldades económicas que rodearam a prática dos factos; - a boa inserção familiar e profissional da arguida;
- o não ressarcimento do dano causado, ainda que parcial;

As exigências de prevenção geral são, como já se disse, elevadas, tendo em conta que a prática deste tipo de crime é muito frequente.
Quanto às necessidades de prevenção especial há a evidenciar que são prementes face aos antecedentes criminais do arguido.
Pelo que tudo ponderado entende-se proporcional e adequado fixa a pena em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão.
Vejamos agora se a pena de prisão aplicada ao arguido deve ser substituída por alguma pena substitutiva.

Dispõe o artigo 50º, do Código Penal que “o tribunal suspende a pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão da execução da pena de prisão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou - ainda menos - «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. Decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência» - cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II, As Consequências Jurídicas do Crime, páginas 343 e seguintes.
Para que se possa decidir pela suspensão da execução da pena de prisão é necessário que se formule um juízo de prognose favorável sobre o futuro comportamento do arguido, ou seja, que se possa prever que aquele não cometerá no futuro outros crimes e que a ameaça da prisão realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Porém, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2012, atenta a obrigação legal da suspensão da pena de prisão nos crimes tributários estar sempre condicionada ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos, nos termos do artigo 14º, do RGIT, veio impor que se faça um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação da referida condição legal:

“No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Contudo, este segmento decisório carece de ser lido em conjugação com a sua argumentação para se perceber a sua amplitude. Ora, pensamos que o que foi decidido foi no sentido de acoplar à opção pela pena suspensa a necessária e obrigatória condição de pagamento das dívidas tributárias. Isto é, além do que foi supra referido, deverá perguntar-se se o arguido tem condições para fazer o pagamento das dívidas. Só passando por todos esses testes é que o julgador pode optar pela pena suspensa. E se não os passar deverá até reponderar tudo o que até aí tinha efectuado, afastando a aplicação da pena suspensa.
Conforme referido no citado Acórdão: Nada impede que concluindo o julgador pela impossibilidade de cumprimento, se repondere a hipótese de optar por pena de multa, pois o processo de confecção da pena a aplicar não é um caminho sem retorno, que avaliar todas as hipóteses e dar um passo atrás, se necessário, encarando todas as soluções jurídicas pertinentes, conforme estabelece o artigo 339.º, n.º 4, do CPP. (…).
Ora, o que é de aplicação automática é a condição, não a suspensão, que demanda formulação de lógico juízo prévio; para que se verifique a imposição do condicionamento necessário é que antes se tenha optado exactamente pela suspensão, uma suspensão com contornos especiais, mas exactamente por isso a merecer maiores cuidados. (…) A escolha da pena de substituição é um prius em relação à imposição da condição. Prevendo a penalidade a alternativa prisão/multa, incidindo a opção sobre a pena de prisão, de duas, uma: ou é eleita a pena de prisão efectiva ou a pena de substituição, a pena suspensa. Mas porque no caso a suspensão ficará subordinada a condição com contornos pré-definidos, a opção não pode ser cega, tem que ser ponderada, avaliada, porque senão deixa de ser um poder dever, o exercício de um poder vinculado, sem necessidade de específica fundamentação. (…) Feita a escolha, a adopção da medida de substituição, cessa a liberdade de punição, porque imposta é a subordinação à condição; o juiz fica subordinado, amarrado, ao incontornável passo seguinte, que é a impor a subordinação ao pagamento. Mas porque assim é, será nesse primeiro momento, em que é possível o exercício de liberdade, que poderá avaliar do sucesso da medida e mesmo cogitar sobre o regresso ao estádio anterior e pensar sobre a escolha de pena que temporariamente, como mero exercício de raciocínio, não foi tida então em consideração e tomada como boa solução.
Dito isto, entende-se que, sendo embora elevadas as exigências de prevenção geral e especial, não se impõe a prisão efectiva da arguida, uma vez que mostra-se social, familiar e profissionalmente inserida, para além de, aparentemente, ter deixado de ser gerente de empresas, pelo que considera-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão são suficientes para reparar o mal praticado e para fazer com que a mesma, no futuro, repense a sua actuação.
Será ainda de realçar que a reprovação pública inerente à pena suspensa e o castigo que ela envolve aplicada num processo-crime e em audiência satisfazem o sentimento jurídico da comunidade e, consequentemente, as exigências de prevenção geral de defesa da ordem jurídica, atendendo ainda ao espírito legislativo implementado pela recente reforma do Código Penal de alargamento do âmbito de aplicação desta pena substitutiva da pena de prisão como forma de promover a reintegração social do condenado.
Quanto ao juízo de razoabilidade sobre a imposição legal de condicionar a suspensão ao pagamento da prestação tributária e demais acréscimos legais, cremos que, face ao valor das prestações tributárias em causa e ainda em dívida, bem como a situação económica da arguida, sendo de notar que as penas de prisão em que foi condenada, foram suspensas na sua execução, com a condição de pagar as respectivas prestações tributárias, parece-nos irrazoável a formulação de um juízo no sentido de que a arguida reúne ou poderá vir a reunir condições económicas para satisfazer as prestações tributárias em causa, ainda que se pensasse em suspender a pena de prisão pelo período máximo de 5 anos.
A propósito do referido Acórdão Uniformizador, refere-se no Acórdão da Relação do Porto, de 05-03-2014, publicado em www.dgsi.pt: “De acordo com tal uniformização de jurisprudência, o tribunal não deve suspender a pena de prisão concretamente determinada, pela qual tivesse optado inicialmente, quando a concreta situação económica do arguido não permita prognosticar que o arguido virá a satisfazer ao Estado a prestação tributária e legais acréscimos que, nos termos do artigo 14.º n.º 1, do RGIT, condiciona obrigatoriamente a suspensão da pena. Nessas hipóteses, pode ler-se na fundamentação do mesmo AFJ, o tribunal deve voltar a ponderar a aplicação da pena principal de multa ou a aplicação de pena de substituição diversa da suspensão da prisão quando a pena de prisão concretamente determinada o permita.
Resulta do artigo 58º, do Código Penal que no caso de ser aplicada pena de prisão em medida não superior a 2 anos, pode operar-se a substituição da mesma por prestação de trabalho a favor da comunidade, sempre que for de concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e se o arguido aceitar tal substituição.
A arguida, conforme resulta da acta da audiência de julgamento, manifestou concordância na aplicação desta pena de substituição, conforme o prescreve o artigo 58º, nº 5, do Código penal.
A prestação de trabalho a favor da comunidade evita a execução de penas de prisão de curta duração e promove a assimilação da censura do acto ilícito mediante a construção de um trabalho socialmente positivo, a favor da comunidade, assente na adesão do próprio arguido.
Ao mesmo tempo, apela a um forte sentido de co-responsabilização social e de reparação simbólica.
Ora, atentas as considerações já expendidas a propósito da fixação da medida da pena, afigura-se que no caso em apreciação, apesar dos antecedentes criminais e do facto da arguida ter sido já condenada pela prática deste crime, mas em pena de multa, a aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade satisfaz as finalidades da punição, nomeadamente a protecção de bens jurídicos e a reintegração da arguida na sociedade, com as vantagens de responsabilizar a sociedade civil pela reintegração da mesma e de permitir que esta compense a sua falha para com a sociedade em geral.
Além do mais a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade tem a vantagem de lembrar e relembrar à arguida a sua falta e a censura da mesma pela ordem jurídica, permitindo-lhe de forma mais persuasiva a interiorização dos valores comunitários.
Assim, deverá a arguida cumprir 480 horas de trabalho – artigo 58º, nº 1 e 3, do Código Penal.
(…)”.

C) Apreciação do recurso

Sem por em causa a concreta pena de 1 ano e 4 meses de prisão aplicada à arguida, insurge-se o Ministério Público com a sua substituição pela prestação de trabalho a favor da comunidade, reclamando no sentido de que tal pena de prisão terá de ser efetiva.
Alega, para o efeito, que “as elevadas exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, reflexo da elevada ilicitude da actuação da arguida, do valor consideravelmente elevado da prestação tributária em dívida, do não ressarcimento de qualquer dano e do extenso rol de antecedentes criminais, reclamam o cumprimento efectivo da pena de prisão”.
Não obstante, tendo em conta a inserção familiar, social e profissional da arguida, concluiu o recorrente que as mencionadas exigências ficarão asseguradas com o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação com fiscalização dos meios técnicos de controlo à distância, nos termos do disposto no artigo 43.º do Código Penal.
Vejamos o que aduziu o tribunal recorrido para concluir pela aplicação da mencionada pena de substituição.
«Vejamos agora se a pena de prisão aplicada ao arguido deve ser substituída por alguma pena substitutiva.
Dispõe o artigo 50º, do Código Penal que “o tribunal suspende a pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão da execução da pena de prisão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou - ainda menos - «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. Decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência» - cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II, As Consequências Jurídicas do Crime, páginas 343 e seguintes.
Para que se possa decidir pela suspensão da execução da pena de prisão é necessário que se formule um juízo de prognose favorável sobre o futuro comportamento do arguido, ou seja, que se possa prever que aquele não cometerá no futuro outros crimes e que a ameaça da prisão realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Porém, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2012, atenta a obrigação legal da suspensão da pena de prisão nos crimes tributários estar sempre condicionada ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos, nos termos do artigo 14º, do RGIT, veio impor que se faça um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação da referida condição legal:
“No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Contudo, este segmento decisório carece de ser lido em conjugação com a sua argumentação para se perceber a sua amplitude. Ora, pensamos que o que foi decidido foi no sentido de acoplar à opção pela pena suspensa a necessária e obrigatória condição de pagamento das dívidas tributárias. Isto é, além do que foi supra referido, deverá perguntar-se se o arguido tem condições para fazer o pagamento das dívidas. Só passando por todos esses testes é que o julgador pode optar pela pena suspensa. E se não os passar deverá até reponderar tudo o que até aí tinha efectuado, afastando a aplicação da pena suspensa.
Conforme referido no citado Acórdão: Nada impede que concluindo o julgador pela impossibilidade de cumprimento, se repondere a hipótese de optar por pena de multa, pois o processo de confecção da pena a aplicar não é um caminho sem retorno, há que avaliar todas as hipóteses e dar um passo atrás, se necessário, encarando todas as soluções jurídicas pertinentes, conforme estabelece o artigo 339.º, n.º 4, do CPP. (…).
Ora, o que é de aplicação automática é a condição, não a suspensão, que demanda formulação de lógico juízo prévio; para que se verifique a imposição do condicionamento necessário é que antes se tenha optado exactamente pela suspensão, uma suspensão com contornos especiais, mas exactamente por isso a merecer maiores cuidados. (…) A escolha da pena de substituição é um prius em relação à imposição da condição. Prevendo a penalidade a alternativa prisão/multa, incidindo a opção sobre a pena de prisão, de duas, uma: ou é eleita a pena de prisão efectiva ou a pena de substituição, a pena suspensa. Mas porque no caso a suspensão ficará subordinada a condição com contornos pré-definidos, a opção não pode ser cega, tem que ser ponderada, avaliada, porque senão deixa de ser um poder dever, o exercício de um poder vinculado, sem necessidade de específica fundamentação. (…) Feita a escolha, a adopção da medida de substituição, cessa a liberdade de punição, porque imposta é a subordinação à condição; o juiz fica subordinado, amarrado, ao incontornável passo seguinte, que é a impor a subordinação ao pagamento. Mas porque assim é, será nesse primeiro momento, em que é possível o exercício de liberdade, que poderá avaliar do sucesso da medida e mesmo cogitar sobre o regresso ao estádio anterior e pensar sobre a escolha de pena que temporariamente, como mero exercício de raciocínio, não foi tida então em consideração e tomada como boa solução.
Dito isto, entende-se que, sendo embora elevadas as exigências de prevenção geral e especial, não se impõe a prisão efectiva da arguida, uma vez que mostra-se social, familiar e profissionalmente inserida, para além de, aparentemente, ter deixado de ser gerente de empresas, pelo que considera-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão são suficientes para reparar o mal praticado e para fazer com que a mesma, no futuro, repense a sua actuação.
Será ainda de realçar que a reprovação pública inerente à pena suspensa e o castigo que ela envolve aplicada num processo-crime e em audiência satisfazem o sentimento jurídico da comunidade e, consequentemente, as exigências de prevenção geral de defesa da ordem jurídica, atendendo ainda ao espírito legislativo implementado pela recente reforma do Código Penal de alargamento do âmbito de aplicação desta pena substitutiva da pena de prisão como forma de promover a reintegração social do condenado.
Quanto ao juízo de razoabilidade sobre a imposição legal de condicionar a suspensão ao pagamento da prestação tributária e demais acréscimos legais, cremos que, face ao valor das prestações tributárias em causa e ainda em dívida, bem como a situação económica da arguida, sendo de notar que as penas de prisão em que foi condenada, foram suspensas na sua execução, com a condição de pagar as respectivas prestações tributárias, parece-nos irrazoável a formulação de um juízo no sentido de que a arguida reúne ou poderá vir a reunir condições económicas para satisfazer as prestações tributárias em causa, ainda que se pensasse em suspender a pena de prisão pelo período máximo de 5 anos.
A propósito do referido Acórdão Uniformizador, refere-se no Acórdão da Relação do Porto, de 05-03-2014, publicado em www.dgsi.pt: “De acordo com tal uniformização de jurisprudência, o tribunal não deve suspender a pena de prisão concretamente determinada, pela qual tivesse optado inicialmente, quando a concreta situação económica do arguido não permita prognosticar que o arguido virá a satisfazer ao Estado a prestação tributária e legais acréscimos que, nos termos do artigo 14.º n.º 1, do RGIT, condiciona obrigatoriamente a suspensão da pena. Nessas hipóteses, pode ler-se na fundamentação do mesmo AFJ, o tribunal deve voltar a ponderar a aplicação da pena principal de multa ou a aplicação de pena de substituição diversa da suspensão da prisão quando a pena de prisão concretamente determinada o permita.
Resulta do artigo 58º, do Código Penal que no caso de ser aplicada pena de prisão em medida não superior a 2 anos, pode operar-se a substituição da mesma por prestação de trabalho a favor da comunidade, sempre que for de concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e se o arguido aceitar tal substituição.
A arguida, conforme resulta da acta da audiência de julgamento, manifestou concordância na aplicação desta pena de substituição, conforme o prescreve o artigo 58º, nº 5, do Código penal.
A prestação de trabalho a favor da comunidade evita a execução de penas de prisão de curta duração e promove a assimilação da censura do acto ilícito mediante a construção de um trabalho socialmente positivo, a favor da comunidade, assente na adesão do próprio arguido.
Ao mesmo tempo, apela a um forte sentido de co-responsabilização social e de reparação simbólica.
Ora, atentas as considerações já expendidas a propósito da fixação da medida da pena, afigura-se que no caso em apreciação, apesar dos antecedentes criminais e do facto da arguida ter sido já condenada pela prática deste crime, mas em pena de multa, a aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade satisfaz as finalidades da punição, nomeadamente a protecção de bens jurídicos e a reintegração da arguida na sociedade, com as vantagens de responsabilizar a sociedade civil pela reintegração da mesma e de permitir que esta compense a sua falha para com a sociedade em geral.
Além do mais a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade tem a vantagem de lembrar e relembrar à arguida a sua falta e a censura da mesma pela ordem jurídica, permitindo-lhe de forma mais persuasiva a interiorização dos valores comunitários.
Assim, deverá a arguida cumprir 480 horas de trabalho – artigo 58º, nº 1 e 3, do Código Penal.
(…)”.
Ora, escolhida a pena de prisão e concretamente determinado o seu quantum, no passo seguinte o tribunal deve proceder à sua substituição, por tal lhe ser legalmente imposto, se a execução da prisão não for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes (art.45 do C.Penal), ou porque, face às penas de substituição legalmente previstas, acaba por concluir que uma dessas penas satisfaz de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
As penas de substituição podem ser agrupadas em dois blocos: em penas de substituição em sentido próprio, de carácter não institucional ou não detentivo, por serem cumpridas em liberdade [as penas de multa de substituição (art. 45º), de suspensão de execução da prisão (art. 50º) e de prestação de trabalho a favor da comunidade (art. 58º)] e em penas de substituição em sentido impróprio, de carácter institucional ou detentivo, por serem cumpridas intramuros (atualmente apenas o regime de permanência na habitação) após a abolição da prisão por dias livres e do regime de semidetenção, levada a cabo pela Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto.
Face à pena concretamente fixada, 1 ano e 4 meses de prisão, é legal e abstratamente admissível o regime de permanência na habitação (art.43, do C.Penal), a suspensão da execução da pena de prisão (art.50º,do C.P) e a prestação de trabalho a favor da comunidade (art.58º, do mesmo diploma).

No caso vertente, face à impossibilidade de condicionar a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento da prestação tributária em dívida e demais acréscimos, nos termos do artigo 14º do RGIT, impossibilidade essa decorrente de outras condenações sofridas pela arguida pela prática do mesmo tipo de crime e que ficaram condicionadas ao pagamento das respetivas prestações tributárias em dívida, considerou o tribunal recorrido, que apesar dos antecedentes criminais da arguida e do facto da mesma já ter sido condenada pela prática deste crime, mas em pena de multa, a aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade ainda satisfazia as finalidades da punição, nomeadamente a proteção de bens jurídicos e a reintegração da arguida na sociedade, para além de que tal pena “ tem a vantagem de lembrar e relembrar à arguida a sua falta e a censura da mesma pela ordem jurídica, permitindo-lhe de forma mais persuasiva a interiorização dos valores comunitários”.
Ora, nos termos do artigo 40º do C.Penal, as finalidades da punição reconduzem-se à proteção de bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade.
E, como refere Figueiredo Dias in Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1993, pág. 331, (…) são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação”.
Bem se compreende que assim seja: sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum exato daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena. (…)».
E conclui que «desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctiva das expetativas comunitárias».
Refere também Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 2ªed, Universidade Católica Portuguesa, pág.266, que «a escolha das penas é determinada apenas por considerações de natureza preventiva, uma vez que as “finalidades da punição” são exclusivamente preventivas (…). O tribunal deve, pois, ponderar, apenas as necessidades de prevenção geral e especial que o caso concreto suscite (…). A articulação entre estas necessidades deve ser feita do seguinte modo: em princípio, o tribunal deve optar pela pena alternativa ou de substituição mais conforme com as necessidades de prevenção especial de socialização, salvo se as necessidades de prevenção geral (rectius, a defesa da ordem jurídica) impuserem a aplicação da pena de prisão (…). Esta regra vale quer para a escolha entre penas alternativas quer para a escolha de penas substitutivas».
Sendo ponto assente que a substituição da pena de prisão por qualquer das penas de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial, único critério, portanto, a atender, o da prevenção, vejamos então se assiste razão ao recorrente quando defende que a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não permite assegurar as exigências de prevenção geral e especial sentidas no caso concreto.
Como evola do artigo 58º, n.º 1, do C. Penal, estando em causa uma pena de prisão não superior a 2 anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Ao nível do seu conteúdo punitivo, a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade assenta na perda, para o condenado, de uma parte substancial dos seus tempos livres, sem por isso o privar de liberdade, permitindo-lhe, consequentemente, a manutenção integral das suas ligações familiares, profissionais e económicas, ou seja, a sua integração social. Para além disso, esta pena substitutiva tem também um conteúdo socialmente positivo, enquanto se traduz numa prestação ativa a favor da comunidade.
Todavia, no caso vertente, propendemos no sentido de que esta pena substitutiva não permite assegurar tais exigências de prevenção, que o tribunal recorrido, aliás, e bem, considerou serem elevadas (as de prevenção geral) e manifestamente prementes as de prevenção especial.
De facto, pese embora a integração familiar, profissional e social da arguida e a circunstância de ter confessado os factos ( de pouco ou nenhum valor atenuativo atenta a prova documental junta aos autos), não pode olvidar-se a sua propensão para a pratica de crimes fiscais, o que foi uma constante nos últimos dez anos, como se retira das dez condenações já sofridas pela prática de crimes de abuso de confiança fiscal, um deles contra a segurança social, tendo os factos em apreço sido praticados posteriormente a quatro condenações (três delas em penas de multa e uma delas em pena de 9 meses de prisão substituída por 270 dias de multa, que acabou posteriormente por ser substituída em prestação de trabalho a favor da comunidade), vindo após os mesmos a sofrer mais seis condenações.
Ademais, não pode omitir-se a ausência de qualquer reparação ao Estado por banda da arguida, pese embora o tempo já decorrido após a pratica do último facto integrante da continuação criminosa.
E tanto basta para concluir-se por uma generalizada postura de indiferença relativamente ao desvalor jurídico deste tipo de atuações, a impor a sensibilização da comunidade jurídica para a gravidade destes comportamentos, ao nível da prevenção geral, postura essa que desaconselha, em absoluto, uma substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, como, aliás, uma suspensão da execução da pena de prisão, atentas as elevadas exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste tipo de crime, dando à arguida e à sociedade a errada noção de que se está perante ilícitos de menor dimensão, que de resto, do ponto de vista económico seriam muito lucrativos para os seus autores.
São cada vez mais e em maior número as violações dos deveres de cumprimento das obrigações fiscais, o que provoca uma forte censura social e acentua o sentimento comunitário no sentido do reforço na validade das normas violadas.
A banalização da prática do tipo de crimes em apreço, evidenciada pelos elevados índices de criminalidade fiscal tornam assim significativas e prementes as exigências de prevenção geral, tanto mais que está em causa um benefício significativo obtido pela arguida, com o correspondente prejuízo para o Estado (ainda não reparado).
Como defende Jorge dos Reis Bravo, in RPCC, Ano 9, fascº4, Outubro/Dezembro, 1999, pág.630, “o fenómeno da evasão fiscal, sendo uma realidade endémica e quase cultural, fez com que se reclamasse uma atitude mais firme e exigente por parte do Estado, no sentido de ser efetivado o cumprimento dos deveres fiscais, por todos os cidadãos e em condições de igualdade de tratamento”.
E dai que a reação penal neste tipo de ilícitos não se compadeça com penas simbólicas que perpetuam um sentimento de impunidade, o que impede a interiorização por parte do agente da responsabilidade pelo ato danoso e adensa um sentimento generalizado de quase despenalização.
Deste modo, na senda da posição assumida pelo recorrente, a substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade não é suficiente para satisfazer as finalidades preventivas que se fazem sentir.
Tal substituição não imprime à arguida a cabal interiorização dos bens jurídicos protegidos, nem constitui desmotivação bastante para a afastar da prática de novos ilícitos, não apresentando assim potencialidades para realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
E dai que assista razão ao recorrente quando afirma que “só o cumprimento da pena de prisão criará à arguida uma contramotivação suficientemente forte para a dissuadir de continuar na mesma senda de delinquência e, do mesmo modo, reafirmará a confiança da comunidade na norma violada. O cumprimento da pena de prisão efetiva é já reclamado pelas finalidades da pena, quer ao nível da prevenção especial de ressocialização, pois que a pena de prisão efetiva será a única forma da arguida se ressocializar para o direito e convencer da gravidade da conduta que praticou e da pena em que foi condenada, quer ao nível das necessidades de prevenção geral, que são elevadas”.
Tal substituição levaria, de facto, a uma injustificada cedência perante a criminalidade e ao abalo da confiança da comunidade na inviolabilidade do direito.
No entanto, na senda da posição sufragada pelo recorrente, cremos ser possível lançar mão do regime de permanência na habitação, mediante fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
A este respeito, importa ter presente o disposto no artigo 43º do C.Penal, de acordo com o qual uma pena de prisão efetiva não superior a 2 (dois) anos pode ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos do controlo à distância, sempre que o Tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de execução de pena de prisão e o condenado nisso consentir.
Esta norma foi introduzida pela Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, visando-se com o cumprimento da pena de prisão inferior a 2 anos em regime de permanência na habitação substituir as penas de substituição que implicavam o cumprimento de penas de curta duração, como a prisão por dias livres e o regime de semidetenção. Como se consignou na exposição de motivos da Proposta de Lei do Governo, nº 90/XIII, “o procedimento atual em matéria de aplicação de penas à pequena criminalidade não é substancialmente alterado. O juiz continuará a proceder a uma dupla operação. Verificado que tem perante si um crime provado e concretamente punido com pena de prisão até dois anos, começará por determinar se é adequada e suficiente às finalidades da punição alguma pena de substituição (multa, suspensão da execução, trabalho a favor da comunidade) ou se é necessário aplicar a pena de prisão. Nesta última hipótese, ficam à sua disposição duas possibilidades de execução, pela ordem seguinte: ou em regime de permanência na habitação, ou dentro dos muros da prisão, em regime contínuo.”.
Estamos assim perante uma verdadeira pena de substituição, em sentido próprio: tem um caráter não institucional, sendo cumprida em liberdade, e pressupõe a prévia determinação da medida da pena de prisão, que substitui, constituindo uma forma de combater a pena de prisão (cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, págs. 30-31).
Ora, tendo sido aplicada à arguida a pena de 1 ano e 4 meses de prisão, não há dúvida de que o pressuposto formal (pena de prisão efetiva não superior a 2 (dois) anos – artigo 43º, nº 1, alínea a) do Código Penal) se mostra preenchido, havendo, então, que ponderar se o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena, sendo como é incontroverso que o cumprimento da pena a coberto de tal regime é mais favorável do que em estabelecimento prisional.

No caso vertente, atenta a inserção familiar, profissional e social da arguida, não se mostra necessário para a sociedade e para aquela que a pena seja cumprida em estabelecimento prisional.
De facto, não obstante as elevadas exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir, elas não impõem o cumprimento da pena de prisão pela arguida em meio prisional, ficando asseguradas com o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos à distância.
Tal mostra-se suficiente não só para evitar que a arguida reincida (dissuadir o agente da prática de novos crimes), como também para satisfazer aquele limiar mínimo da prevenção geral da defesa do ordenamento jurídico.
Contudo, com vista à sua execução, deverá o tribunal de 1ª instância diligenciar pela elaboração de relatório social pelos serviços de reinserção social, exigido para o efeito, bem como pela obtenção dos necessários consentimentos, tudo em conformidade com o disposto no art. 7.º, n.º 2 da Lei n.º 33/2010.

III. Dispositivo

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência:

- Revogar a sentença recorrida na parte em que decidiu substituir a pena de prisão pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.
- Decidir que a pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão imposta à recorrente nestes autos seja cumprida em regime de permanência na habitação, nos termos dos artigos 43º e 44º do Código Penal, devendo a primeira instância proceder a realização das diligências necessárias para o efeito.

Não é devida tributação.

(Texto elaborado pela relatora e revisto por ambos os signatários – art.94º,nº2, do C.P.P.)
Guimarães, 6 de dezembro de 2021

A Juiz Desembargadora Relatora
Cândida Martinho
O Juiz Desembargador - Adjunto
António Teixeira