Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1207/15.1T8BGC.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: DECISÃO JUDICIAL
ININTELIGIBILIDADE
AMBIGUIDADE
ACIDENTE DE TRABALHO
MORTE
TRACTOR AGRÍCOLA
CAPOTAMENTO
FALTA DE CONDIÇÕES DE SEGURANÇA
AGRAVAMENTO DO DANO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/04/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – Uma decisão ininteligível é uma decisão incompreensível, inacessível ao intelecto e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diversas não se sabendo ao certo o que o juiz quis dizer, o que manifestamente não sucede no caso do dispositivo da sentença recorrida, que discrimina os montantes cuja responsabilidade pelo pagamento incumbe ao empregador, bem como os montantes cujo pagamento incumbe à seguradora, sem que de lado algum resulte que tais valores são cumuláveis.

II - Para que se verifique a responsabilidade agravada do empregador com fundamento na violação de regras sobre higiene e segurança no trabalho impõe-se a verificação dos seguintes requisitos: - que sobre o empregador recaia o dever de observar determinadas regras de segurança, cuja observância teria provavelmente impedido, a consumação do evento, omitindo assim o cuidado exigível a um empregador normal; - e que entre essa conduta omissiva e o acidente se verifique um nexo de causalidade adequada.

IV - A inexistência na máquina (tractor) de uma estrutura anti capotamento é causa adequada quer do evento, quer do agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado, determinantes da respectiva morte, por conseguinte, causa adequada do dano, o que é quanto basta para que seja de considerar a violação das regras de segurança como causa do acidente.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

Frustrada a tentativa de conciliação e com o patrocínio oficioso do Ministério Público veio M. P., viúva, residente na Rua …, Alfândega da Fé, por si e em representação do seu filho menor M. F. e R. C., maior, estudante, com aquela residente, intentar a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra Companhia de Seguros, S.A., com sede na Av…. Lisboa e Cooperativa Agrícola, com sede na Av. … Alfândega da Fé, na qual formula os seguintes pedidos:
“(…)serem os RR condenados a pagar aos AAA., até ao 3º dia de cada mês, no seu domicílio e com início em 22/07/2015:

I
a)- à A. M. P., ora viúva, pensão anual e vitalícia agravada no montante de €4.482,00 da responsabilidade da Ré empregadora;
b) aos AA. M. F. e R. C. pensão anual e temporária agravada montante de €5.975,30, responsabilidade da Ré empregadora, sendo os subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 de cada pensão anual, respectivamente pagos nos meses de mês de Maio e Novembro;
c) Subsidiariamente:
e para a hipótese de não se provar que o acidente ocorreu por violação das regras de segurança por parte da R empregadora, as seguintes pensões em singelo da responsabilidade da Ré seguradora:
a)- à A. M. P. ora viúva, pensão anual e vitalícia, no montante de €3.137,19, da responsabilidade da Ré seguradora;
b) aos AA M. F. e R. C. pensão anula e temporária, montante de €4.182,92, responsabilidade da Ré seguradora, sendo os subsídio de férias e de Natal, no valor de 1/14 cada da pensão, respectivamente pagos nos meses de Maio e Novembro;

II
a) o subsídio por morte, no montante de €5.533,70, sendo metade para a a. viúva e outra metade para os AA. menores;
b) despesas de transporte, no valor de €57,6;e
c) juros de mora à taxa legal.”

Tal como alega a sentença recorrida, a Autora foi casada com A. F., que sofreu um acidente de trabalho em 21/07/2015, quando prestava serviço sob as ordens, direcção e fiscalização da R. Cooperativa, que consistiu em ter sido esmagado pelo tractor que conduzia quando este capotou, ao passar por cima de uma pedra, sofrendo lesões que lhe determinaram a morte.
O acidente ficou a dever-se a violação de regras de segurança no trabalho por parte da empregadora, já que não providenciou pelas medidas de segurança necessárias ao trabalho a executar, designadamente, a instalação no tractor de estrutura anti capotamento e de retenção do condutor, medidas que teriam evitado o seu esmagamento.
O A. M. F. é filho do sinistrado e da A. M. P. e o A. R. C. e filho desta e enteado do sinistrado, encontrando-se a cargo deste à data da morte, com quem vivia em comunhão de mesa e habitação.
O sinistrado auferia a remuneração mensal de €655,00, acrescida de subsídio de refeição mensal de €77,00 e diuturnidades de €31,45 e a Ré tinha transferida para a Ré seguradora a sua responsabilidade infortunística emergente de acidentes de trabalho ocorrido com o pessoal ao seu serviço, neles se incluindo o sinistrado.
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Ambas as Rés contestaram.
A R. seguradora sustentou além do mais que o acidente se deveu, exclusivamente, à inobservância de condições de segurança adequadas a evitar o capotamento e reviramento do tractor e ao facto do terreno onde operava ter um declive acentuado e ser irregular. Mais alegou que o A. R. C. já atingiu a maioridade e não está a estudar, pelo que não tem direito à pensão.
A R. empregadora sustentou além do mais que o acidente não ocorreu por inobservância das condições de segurança, mas sim por acção da força mecânica da lança que acoplava uma cisterna ao tractor e que o fez elevar-se no ar e cair, resultado que não teria sido evitado pela existência de arco de protecção e de cinto de segurança. Mais alegou, que o subsídio por morte é uma prestação da responsabilidade da segurança social.
Os autos prosseguiram os seus trâmites normais, tendo-se tido lugar a audiência de discussão e julgamento com gravação da prova nela produzida, foi julgada a matéria de facto pela forma que consta de fls. 184 a 187, sem reclamação e por fim foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, julgo parcialmente procedente, por em igual medida provada, a presente acção e, em consequência,

1. Absolvo as RR. Companhia de Seguros, S.A. e Cooperativa Agrícola do pedido contra ambas formulado pelo A. R. C..

2. Condeno a R. Cooperativa Agrícola a pagar:
2.1 À A. M. P.,
- Uma pensão anual e vitalícia de €6.274,38 (seis mil duzentos e setenta e quatro euros e trinta e oito cêntimos), desde 22/07/2015, a pagar adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual e sendo os subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 da mesma pensão, pagos, respectivamente, nos meses de Junho e de Novembro;
- A quantia de €2.766,85 (dois mil setecentos e sessenta e seis euros e oitenta e cinco cêntimos) a título de subsídio por morte;
- A quantia de €57,60 (cinquenta e sete euros e sessenta cêntimos) a título de reembolso das despesas com deslocações obrigatórias;
- Juros de mora, à taxa legal, sobre todas as prestações, desde a data do respectivo vencimento, ou seja, desde 22/07/2015 quanto à pensão anual e vitalícia e subsídio por morte e desde a tentativa de conciliação quanto às despesas de deslocação, até integral pagamento
2.2 Ao A. M. F.,
- Uma pensão anual e temporária de €4.182,92 (quatro mil cento e oitenta e dois euros e noventa e dois cêntimos), desde 22/07/2015, a pagar adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual e sendo os subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 da mesma pensão, pagos, respectivamente, nos meses de Junho e de Novembro;
- A quantia de €2.766,85 (dois mil setecentos e sessenta e seis euros e oitenta e cinco cêntimos) a título de subsídio por morte;
- Juros de mora, à taxa legal, sobre todas as prestações, desde a data do respectivo vencimento, ou seja, desde 22/07/2015, até integral pagamento.

3. Condeno a R. Companhia de Seguros, S.A. a satisfazer de imediato, sem prejuízo do direito de regresso que lhe assiste sobre a R. empregadora, as seguintes prestações:
3.1 À A. M. P.,
- Uma pensão anual e vitalícia de €3.137,19 (três mil cento e trinta e sete euros e dezanove cêntimos), desde 22/07/2015, a pagar adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual e sendo os subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 da mesma pensão, pagos, respectivamente, nos meses de Junho e de Novembro;
- A quantia de €2.766,85 (dois mil setecentos e sessenta e seis euros e oitenta e cinco cêntimos) a título de subsídio por morte;
- A quantia de €57,60 (cinquenta e sete euros e sessenta cêntimos) a título de reembolso das despesas com deslocações obrigatórias;
- Juros de mora, à taxa legal, sobre todas as prestações, desde a data do respectivo vencimento, ou seja, desde 22/07/2015 quanto à pensão anual e vitalícia e subsídio por morte e desde a tentativa de conciliação quanto às despesas de deslocação, até integral pagamento
3.2 Ao A. M. F.,
- Uma pensão anual e temporária de €2.091,46 (dois mil e noventa e um euros e quarenta e seis cêntimos), desde 22/07/2015, a pagar adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual e sendo os subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 da mesma pensão, pagos, respectivamente, nos meses de Junho e de Novembro;
- A quantia de €2.766,85 (dois mil setecentos e sessenta e seis euros e oitenta e cinco cêntimos) a título de subsídio por morte;
- Juros de mora, à taxa legal, sobre todas as prestações, desde a data do respectivo vencimento, ou seja, desde 22/07/2015, até integral pagamento.
Custas pelo A. R. C. e pelas RR., na proporção do respectivo decaimento, ou seja, 11,29% para aquele e 88,71% para estas, sendo a responsabilidade de cada uma das RR. repartida na proporção da respectiva responsabilidade pelas prestações devidas aos AA., sem prejuízo da isenção de custas de que beneficia o A. R. C..
Notifique.
Registe.
Fixo à causa o valor de €155.429,18, correspondente à soma das seguintes parcelas:
-reservas matemáticas das pensões agravadas devidas aos AA. M. P. e M. F. (€90.539,30 + €41.758,09);
- reservas matemáticas da pensão agravada reclamada pelo A. R. C. (€17.540,49);
- subsídio por morte (€5.533,70); e
- despesas de deslocação (€57,60).
Cumpra-se o disposto no art. 137º do Cód. Proc. Trabalho.”
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A Ré empregadora inconformada argui a nulidade da sentença e interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:

1) A sentença ora impugnada padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c) do CPC, ex vi art. 1.º, n.º 2, al. a) do CPT, por ocorrência de ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível, in casu no seu segmento condenatório.
2) Cabem no âmbito daquela norma os casos em que da sentença seja possível extrair sentidos diversos, ambíguos, sem que seja possível alcançar o seu verdadeiro alcance, e que possam resultar em interpretações erróneas pelas partes.
3) “Uma sentença é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado, traduzindo-se a obscuridade na ininteligibilidade e a ambiguidade na possibilidade de à decisão serem razoavelmente atribuídos dois ou mais sentidos diferentes. – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-04-2002, in www.dgsi.pt.
4) Com efeito, o douto tribunal condena, em primeiro lugar, a Apelada, enquanto entidade empregadora, a: pagar à Apelada M. P. uma pensão anual e vitalícia de 6.274,38€, subsídio por morte no valor de 2.766,85€, e 57,60€ a título de despesas com deslocações obrigatórias, bem como juros de mora à taxa legal, e a pagar ao Apelado M. F. uma pensão anual e temporária de 4.182,92€, subsídio por morte no valor de 2.776,85€, e juros de mora à taxa legal, com base no artigo 18.º, n.º 4, al. a) da LAT, pensão anual aquela correspondente à totalidade da remuneração do sinistrado.
5) Vem depois, em segundo lugar, condenar a R. Companhia de Seguros, S.A. (seguradora), no pagamento “de imediato, sem prejuízo de direito de regresso” à Apelada M. P. de uma pensão anual e vitalícia de 3.137,19€, e de subsídio por morte e despesas obrigatórias quantias de iguais valores aos referidos supra; e no pagamento ao A. M. F. de uma pensão anual e temporária de 2.091,46€, e novamente subsídio por morte de igual valor ao referido supra, com fundamento nos artigos 47.º, n.º 1, al. g), 57.º, n.ºs 1, als. a) e c), 59.º, n.º 1, al. a), e 60.º, da LAT, pensão aquela desta feita calculada com base apenas em determinada percentagem da retribuição do sinistrado.
6) A condenação da Apelante, com apoio no artigo, 18.º, n.º 4, al. a) da LAT, tem como fundamento a culpa ou responsabilidade da empregadora na origem do acidente de trabalho.
7) Certo é que em primeiro lugar a Mmª Juiz a quo refere que a R. Seguradora é responsável pelo pagamento das indemnizações que seriam devidas aos AA. ora Apelados caso não houvesse actuação culposa da entidade empregadora, conforme dispõe até o artigo 79.º, n.º 3, da LAT.
8) Porém, isto não dissipa a ambiguidade a que ora nos referimos.
9) Pois que da forma como a condenação na sentença se encontra redigida, poderá o normal observador retirar o sentido de que a R. seguradora pagará a pensão devida nos termos dos artigos 59.º e 60.º da LAT, com isso obtendo direito de regresso sobre a Apelante enquanto entidade empregadora; e que esta terá de pagar aos Apelados beneficiários do direito, uma outra pensão, independente da que for paga pela seguradora, correspondente à do artigo 18.º, n.º 4, al. a), da LAT!
10) A pensão paga pela entidade empregadora não pode representar uma prestação autónoma a cargo desta, mas apenas uma agravação da pensão que seria devida nos casos de ausência de culpa do empregador.
11) Pois que, com efeito, o regime anterior relativo aos direitos dos sinistrados no âmbito de acidentes de trabalho, resultante da Lei 100/97, previa, no seu artigo 37.º, a responsabilidade directa da entidade empregadora pelos montantes devidos quando existisse responsabilidade do empregador, e a responsabilidade da entidade seguradora apenas a título subsidiário.
12) Actualmente, daquele regime de responsabilidade subsidiária passou-se para um regime de responsabilidade principal da seguradora, o que terá visado facilitar aos beneficiários do direito a exigência do mesmo, sempre sem prejuízo do direito de regresso da seguradora sobre a entidade empregadora.
13) Mas não se vê como a intenção de o legislador de facilitar o acesso dos beneficiários ao seu direito possa interpretar-se como significando que os mesmos têm direito a duas pensões e ao pagamento das prestações devidas tanto pela entidade empregadora como pela entidade seguradora.
14) O espírito da lei há de ter um mínimo de correspondência no seu texto, nos termos do artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil, e não se vislumbra tal interpretação como legítima quer em termos de literalidade, quer em termos de teleologia da lei.
15) Sendo que deve o intérprete sempre presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados – art. 9.º, n.º 3 do Código Civil.
16) O que o artigo 18.º da LAT representa é, nestes termos, uma norma excepcional face às que constam dos artigos 59.º e 60.º do mesmo diploma, criando assim um regime do mesmo cariz de excepção para quando exista culpa do empregador, face às situações em que ela não existe.
17) Não pode de forma alguma permitir o pagamento dos montantes devidos por duas vezes, uma a cargo da entidade empregadora, outra a cargo da entidade seguradora.
18) Pois que assim se veriam os Apelados beneficiários ressarcidos duas vezes, através da seguradora e da entidade empregadora, sendo que esta, por sua vez, se iria ver obrigada a pagar 10.457,30€ aos Apelados e ainda 5228,65€ à R. seguradora quando vier esta a exercer o direito de regresso!
19) Ora, a nulidade da sentença pode também decorrer da sua obscuridade ou ambiguidade que torne a decisão ininteligível (artº 615 nº 1, c), 2ª parte, do nCPC). A obscuridade traduz-se num dificuldade de percepção do sentido da expressão ou da frase: a sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; a ambiguidade resolvesse na possibilidade de atribuir vários sentidos a uma expressão ou frase: a decisão é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. No primeiro caso não se sabe o que o juiz ou juízes quiseram dizer; no segundo, hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos – embora, em última análise, a ambiguidade seja uma forma especial de obscuridade, dado que se dado passo do acordão é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo, qual o pensamento dos juízes. Como quer que seja, a obscuridade ou a ambiguidade só produzem nulidade se forem causa de ininteligibilidade da decisão – sendo certo, em boa lógica, que se a sentença é são obscura é porque contém algum passo cujo sentido seja ininteligível.
20) E esta ambiguidade, no caso presente, cobre quer a condenação na pensão, quer os subsídios por morte e as despesas de deslocação obrigatórias, visto que tal condenação surge quer para a Apelante, quer para a R. seguradora, sem que se compreenda quem, e exactamente em que termos, é que deve efectuar o pagamento, quando, e como funcionará o direito de regresso.
21) Certo é que também se poderá interpretar a sentença no sentido de que a R. seguradora deve satisfazer de imediato as prestações a que foi condenada, e a R. empregadora apenas a diferença entre a pensão “regular” e a pensão “agravada”, e entregar tudo o resto em eventual acção de regresso à R. seguradora; porém, este é um dos dois sentidos que é possível retirar da condenação, sendo que a mesma pode igualmente ser lida conforme já se expôs – ou seja, de que tanto a R. seguradora como a entidade empregadora devem proceder ao pagamento daquelas quantias aos beneficiários, e que a R. seguradora poderá ainda vir accionar o seu direito de regresso.
22) Assim, a sentença, nos moldes em que foi redigida, pode redundar na cobrança coerciva de montantes que de forma alguma serão devidos pela Apelante, cobrança essa que poderá ser exigida quer pela R. Seguradora, quer pelos Apelados beneficiários.
23) Urge suprir a nulidade apontada, no sentido de resultar claro na sentença impugnada que a entidade empregadora é responsável apenas pelo pagamento, aos Apelados beneficiários, dos montantes que não estiverem a cargo da R. seguradora, ou seja, da diferença entre a pensão prevista no artigo 18.º e aquelas que resultam dos artigos 59.º e 60.º da LAT, bem como o pagamento dos restantes montantes apenas em sede de direito de regresso daqueloutra R., de forma a remover todas as ambiguidades e interpretações erróneas que possam resultar da mesma sentença.
24) Entende a Apelante que não estão preenchidos os requisitos da agravação previstos no artigo 18.º da LAT, o que constitui a segunda parte do presente recurso.
25) De facto, o artigo 18.º da LAT prevê uma agravação das obrigações devidas na ocorrência de acidente de trabalho a nível do pagamento da pensão anual ou da indemnização diária devida por morte aos familiares do sinistrado, a qual será calculada com base na totalidade da retribuição daquele, quando o acidente haja sido provocado pelo empregador, ou resultar da inobservância da parte deste de regras sobre saúde e segurança no trabalho, por oposição à pensão que é devida em caso de inexistência de culpa do empregador, a qual é calculada com base numa percentagem da mesma retribuição, ao abrigo por exemplo dos artigos 59.º e 60.º da LAT.
26) A Mmª Juiz a quo considerou assim que a inexistência de dispositivo anti-capotamento no tractor que veio a tombar, provocando a morte do sinistrado, representou uma violação de uma concreta regra de segurança no trabalho, imposta pelo artigo 23.º do Decreto-Lei 50/2005.
27) Considerou também que tal omissão da parte da Apelante seria culposa, “ainda que na vertente de mera negligência, pois sobre a R., na qualidade de empregadora, impendia o dever de proporcionar ao seu trabalhador as condições de segurança impostas pela lei”.
28) “Para se poder considerar que um dado acidente de trabalho foi provocado pelo empregador impõe-se a demonstração da violação das regras de segurança, da culpa e do nexo de causalidade entre o acidente e a violação das ditas regras.” – Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29-09-2016, proc. 185/13.6TTBJA.C1, in www.dgsi.pt (destacado nosso).
29) Ou seja, ao passo que o acidente de trabalho, conforme a definição que é dada pelo artigo 8.º da LAT, se funda meramente num acontecimento naturalístico, sem necessidade de imputação a qualquer sujeito, a agravação do artigo 18.º parte de uma filosofia inerente à responsabilidade civil.
30) Exige-se assim um facto ilícito e culposo da parte do empregador, gerador de danos, e um nexo de causalidade entre a actuação culposa do empregador e esses mesmos danos.
31) É precisamente na concretização do nexo de causalidade que se verifica a incorrecção da orientação do tribunal recorrido, quer face à prova produzida e à matéria de facto fixada, quer face às normas legais aplicáveis.
32) Com efeito, entendeu o douto tribunal a quo que para a produção do acidente terão contribuído uma série de condições naturalísticas, desde o peso da cisterna acoplada ao tractor, a pedra sobre a qual passou a roda direita da referida cisterna e a cova do terreno sobre a qual passou a roda esquerda, que provocaram a queda da cisterna para o lado esquerdo, a falta de cinto de segurança (que impediu que o sinistrado que conduzia o tractor se mantivesse no lugar) e a inexistência da referida protecção anti-capotamento.
33) Certo é que depois a douta sentença recorrida se limita a afirmar que “em face das circunstâncias apuradas, a inobservância da regra de segurança que impunha, no caso concreto, o uso da estrutura anti-capotamento, não é juridicamente indiferente à produção do evento lesivo e das suas consequências danosas”, afirmando-se no mesmo aresto que o uso correcto do dispositivo referido poderia ter evitado a produção do acidente, impedindo o reviramento do tractor em mais de um quarto de volta, como também teria diminuído o risco de esmagamento do sinistrado.
34) Ora, não se pode concordar com esta interpretação da lei e dos factos realizada pelo tribunal a quo.
35) Em boa verdade, e em primeira linha, “quem invocar os fundamentos previstos naquele art. 18.º n.º 1, como facto constitutivo de direitos tem, em princípio, o ónus da prova dos factos respectivos (342 n.º 1 do Código Civil).” – cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra já supra invocado.
36) Trata-se de orientação já bastante seguida pela jurisprudência nacional, da qual o aresto do Tribunal da Relação de Coimbra citado é apenas dos mais recentes – v., entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15-12-2011 (proc. 222/03.2TTLRS-A.L2.S1), de 29-10-2013 (proc. 402/07.1TTCLD.L1.S1) e de 02-12-2013 (proc. 4734/04.2TTLSB.L2.S1) e do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-02-2011 (proc. 64/07.6TTVFX.L1-4), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
37) Ou seja, aos Apelados ou à R. seguradora caberia alegar e provar que a inexistência de uma estrutura anti-capotamento foi causa adequada do evento danoso.
38) No tocante à dinâmica do acidente em respeito ao requisito do nexo de causalidade, os factos que importam reter são sobretudo os que resultam enumerados sob os números 40 (de que a existência de uma “cabine” evitaria o esmagamento do sinistrado sob o peso do veículo, e de que a existência de cintos de segurança evitariam que o mesmo fosse projectado para fora do seu assento) e 43 (de que o arco de segurança é uma estrutura de protecção e o seu uso correto diminui o risco de esmagamento).
39) Para prova daqueles factos, a Mmª juiz a quo baseou-se, essencialmente, no depoimento do colega do sinistrado, tractorista, de nome V. R., e no relatório da ACT junto aos autos, bem como no depoimento dos peritos averiguadores ao serviço da R. seguradora e da técnica da ACT que elaborou o relatório referido.
40) A maior parte destas testemunhas, porém, não chegou a qualquer conclusão evidente, afirmando desde logo que a instalação do arco de segurança “poderia” ter evitado o esmagamento, ainda que não o reviramento do veículo; nenhuma delas detinha conhecimento técnico suficiente para alcançar tal conclusão, tendo as suas observações sido limitadas a raciocínios de senso comum e a meras presunções – não a juízos técnicos e científicos sérios e assentes em conhecimento adequado quanto ao funcionamento dos sistemas ROPS ou anti-capotamento.
41) Aliás, as testemunhas que presenciaram o acidente, e portanto detentoras de maior conhecimento sobre os factos em causa, foram quem mais peremptoriamente afirmou que a instalação do arco de segurança, naquela situação, de nada valeria (v. impugnação da matéria de facto nas alegações).
42) Foi também referido que o arco não estaria colocado porque um dos trabalhadores o teria removido para poder lavrar debaixo das árvores, e por outra que em certos terrenos era necessário remover o arco.
43) Já quanto aos peritos averiguadores da R. seguradora, um deles elaborou o seu relatório sem falar sequer com as testemunhas presenciais, e o outro limitou-se a expor considerações sobre a utilidade dos arcos de segurança que um fabricante dos mesmos lhe disse, não podendo de forma alguma serem valorados os depoimentos da forma que o foram.
44) E na ausência de prova da relação entre a inexistência do arco e o esmagamento do sinistrado, não fica provado o nexo de causalidade, no sentido reclamado pela norma do artigo 563.º do Código Civil.
45) Existindo várias condições que presidiram ao incidente, conforme resultou provado na própria sentença, não podem estas ser simplesmente arredadas todas estas condições, na medida em que todas poderão ter contribuído para a ocorrência do sinistro (e sendo que nenhuma delas pode ser imputada a qualquer actuação da Apelante com excepção da inexistência de sistema anti-capotmento), para virar o foco apenas para uma.
46) Deverão assim aqueles factos provado sob os artigo 40.º e 43.º ser considerados como não provados, o que se mantém perante uma análise cuidada quer da prova produzida em audiência, quer da restante factualidade provada, considerada na sua globalidade.
47) E em boa verdade, mesmo que não seja alterada a decisão sobre a matéria de facto, deveria ter sido diferente a orientação do tribunal a quo.
48) Denote-se logo em primeiro lugar até que ao quesito 38.º do despacho saneador (“caso o tractor estivesse equipado com arco de segurança não capotaria ou, caso capotasse, como ocorreu, o arco de segurança evitaria que o sinistrado ficasse esmagado por debaixo do mesmo?”) foi dada a resposta, no despacho de decisão sobre a matéria de facto, de que “o arco de segurança é uma estrutura de protecção e o seu uso correcto diminui o risco de esmagamento” (que veio a redundar no facto provado n.º 43 na sentença recorrida).
49) O que coincide com a prova já referida, no sentido de que objectivamente, o arco de segurança diminui o risco de capotamento.
50) Provado não ficou que nas concretas circunstâncias do caso, o arco de segurança teria sido suficiente para prevenir o infortúnio que foi a morte do sinistrado, o que aliás é até confirmado pelas declarações de uma testemunha presencial do acidente.
51) Com efeito, “nesta parametrização, e partindo da situação real posterior ao facto, a falta de observação pela empregadora daquelas regras sobre segurança no trabalho poderia ser, em abstrato, condição da eclosão do acidente, mas não há entre os dois factos uma ligação que, segundo a regras comuns da vida, permita afirmar que, existindo o primeiro, provavelmente, se daria o segundo. Isto é, no contexto de um juízo de probabilidade ex post, nada autoriza a concluir que o incumprimento das sobreditas regras sobre segurança no trabalho foi causa adequada daquele concreto acidente, pois este poderia eclodir mesmo que a ré tivesse cumprido os deveres de proteção e organização do trabalho em causa.” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-10-2016, proc. 443/13.0TTVNF.G1.S1, in www.dgsi.pt (com destacado nosso).
52) Assim, e mesmo que se continuem a considerar provados aqueles factos, a verdade é que ainda assim não se pode imputar o resultado danoso à actuação da Apelante.
53) Dispõe o artigo 23.º, do Decreto-Lei 50/2005 de 25 de Fevereiro, que os equipamentos que transportem trabalhadores e que ofereçam risco de capotamento devem ser adaptados de forma a reduzir os riscos para os trabalhadores decorrentes do capotamento, através de estrutura que os impeça de virar mais de um quarto de volta.
54) Tal estrutura pode consistir, tão simplesmente, num arco de segurança, integrado nos denominados roll over protective structures (ROPS), normalmente instalado na frente ou traseira do veículo, que é suficiente para impedir a viragem do veículo nos termos legalmente requeridos – a que se costuma chamar “arco de Sto. António”.
55) Ficou dado como provado, sob os factos n.ºs 54 e 55, que, relativamente às circunstâncias concretas do acidente, quando a cisterna tombou, sem quebrar nem soltar a lança (que liga a cisterna ao tractor), o peso da mesma fez com que o tractor se virasse ao contrário, de uma só vez.
56) Nem sequer está em causa o efeito que os arcos de segurança visam evitar, ou seja, que o veículo se vire mais de um quarto de volta, pois, neste caso concreto e de acordo com a factualidade dada como provada, o tractor levantou no ar e virou não um quarto de volta, mas a 180 graus, de uma só vez, ficando de rodas no ar.
57) Isso mesmo resulta do depoimento da testemunha M. O., testemunha presente no momento do acidente.
58) Torna-se evidente que mesmo existindo o arco de segurança, nestas circunstâncias concretas, não impediria que o tractor se virasse de uma só vez, como ocorreu, já que a lança não se separou do tractor e o peso da cisterna fez com que o tractor se elevasse no ar.
59) Encontra-se provado, sob o facto n.º 37, que o tractor em questão dispunha de base para instalação do arco de segurança Anticapotamento, em parte alguma se fazendo menção a uma cabine – é necessário que não se confundam os conceitos; o facto é que a lei não mais exige do que os referidos arcos de segurança, que cumprem de forma segura e suficiente a função que lhes é cometida pela legislação aplicável.
60) Assim, o que foi dado como provado foi que se o sinistrado estivesse protegido “por uma cabine” não teria sido “esmagado pelo corpo do tractor”.
61) Ora, uma cabine, ou cabina, consiste necessariamente num compartimento – ergo, num espaço fechado, que rodeie o condutor do tractor, sendo que existem já vários modelos de tractor com esta estrutura montada, ou com a possibilidade de a montar.
62) Porém, a lei não exige que se vá tão longe; o mero arco anti-capotamento, para cuja instalação estava preparado o tractor em causa, é suficiente para impedir, em certos casos, o capotamento e o subsequente esmagamento pelo veículo, o que, aliás, resultou provado nos autos.
63) Os Apelados não lograram provar, assim, a existência do nexo de causalidade adequada; ou seja, não provaram que a existência do arco anti-capotamento evitaria o esmagamento do sinistrado, nas circunstâncias concretas em que o acidente ocorreu, mas apenas que uma cabine o faria, o que não é, nos termos já explicados, uma e a mesma coisa.
64) Em relação ao arco de segurança, existe apenas uma prova abstracta de que o mesmo é adequado a evitar o capotamento.
65) Assim, resultando apenas provado que a existência de uma cabine e não a existência de um arco de segurança, único sistema ROPS para o qual se encontrava preparado o veículo, impediria o esmagamento do sinistrado, não lograram os Apelados nem a R. seguradora provar o nexo de causalidade adequada entre a falta de instalação do arco anti-capotagem e a morte do sinistrado.
66) Aliás, conforme já referido, várias foram as circunstâncias naturalísticas que causaram o acidente, incluindo o facto de o condutor não ter ficado retido no posto de condução devido à inexistência de cinto de segurança – circunstância que a sentença considera não ser de imputar à Apelante enquanto violação de norma de segurança – e já não meramente o facto de o sinistrado ter ficado preso por baixo do veículo.
67) Ora, é insuficiente afirmar, nos termos em que faz a sentença recorrida, que “a inobservância da regra de segurança que impunha, no caso concreto, o uso da estrutura anticapotamento, não é juridicamente indiferente à produção do evento lesivo e das suas consequências danosas”.
68) Visto que também não é indiferente o facto de o sinistrado não dispôr de cinto de segurança ou qualquer outro dispositivo de retenção, o que levou a que não ficasse detido no seu lugar, tendo sido projectado; ou a inclinação do terreno e o trajecto percorrido pelo tractor e o peso da cisterna ao mesmo acoplado e a viragem desta.
69) Para preenchimento correcto do nexo de causalidade adequada, necessário era ter em atenção que foi principalmente a conjugação destas variáveis que deram causa à sua morte, e não meramente a inexistência de arco de segurança – e à excepção desta última, nenhuma delas é imputada ou imputável à Apelante.
70) Assim sendo, de todos os factores que deram origem ao acidente, não é possível isolar, em concreto e dadas as circunstâncias do facto, o desrespeito das regras de segurança pela Apelada como causa adequada da morte do sinistrado, que poderia ter ocorrido apenas, por exemplo, pela projecção deste do seu lugar decorrente da viragem da cisterna e do tractor em que se transportava, reclamando-se novamente a doutrina decorrente daquele aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 13-10-2016, já supra citado.
71) Por último, outra circunstância que também poderá ter contribuído para a produção daquele resultado – morte do sinistrado – foi o facto de, conforme o depoimento das testemunhas B. R. e J. X., aquele ter tentado saltar do tractor no momento do acidente.
72) Tais depoimentos mostram-se relevantes para perceber a dinâmica do acidente, sendo certo que a Mmª Juiz do Tribunal a quo deveria ter atendido também, como circunstância que contribuiu para o resultado do acidente, o facto de o sinistrado se ter tentado levantar para sair do tractor, o que aliás se revela um instinto natural, sendo certo que também poderia ter sido essa actuação a causadora do resultado morte e não a referida falta do arco de segurança.
73) Pelo que a douta sentença recorrida viola os artigos 23.º do Decreto-Lei 50/2005, 18.º da LAT e 563.º do Código Civil, devendo ser revogada e substituída por outra que considere que não há lugar à indemnização agravada por culpa do empregador, na ausência de prova da imputação em termos de causalidade adequada do dano ao facto ilícito.
Nestes termos e em face do exposto deve ser a decisão recorrida revogada e substituída por outra que:
a) altere a matéria de facto dada como provada sob os pontos 40 e 43 nos termos apontados, considerando em consequência como não existente a prova sobre o nexo de causalidade adequada entre a actuação da Apelante e a morte do sinistrado, absolvendo a Apelante do pedido em virtude da não aplicação do disposto no artigo 18.º da LAT;
b) ou, mesmo não se considerando alterada a decisão sobre a matéria de facto, absolva a Apelante do pedido, por violação do douto tribunal a quo das normas constantes dos artigos 18.º da LAT, 23.º do Decreto-Lei 50/2005 e 342.º e 563.º do Código Civil;
c) caso assim não se entenda, o que só por mero dever de patrocínio se consente, altere o segmento condenatório de forma a condenar a Apelante apenas no pagamento aos Apelados das quantias cujo pagamento não seja obrigação da R. Seguradora, verificada a nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. c) do CPC assim se fazendo
JUSTIÇA!”
Quer a Autora, quer a Ré Seguradora apresentaram resposta ao recurso, pugnando a Ré seguradora pela rejeição liminar da impugnação da matéria de facto, ou caso assim não se entenda pela improcedência total do recurso por não ter qualquer suporte fáctico ou jurídico e pugnando a Autora pela manutenção da sentença recorrida.
*
Cumprido o disposto na 1ª parte do n.º 2 do artigo 657.º do C.P.C. foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente (artigos 653º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, no recurso interposto pela Ré/Apelante sobre a sentença recorrida, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:
- Da nulidade da sentença.
- Modificação da decisão sobre a matéria de facto.
- Da culpa do empregador na ocorrência do acidente.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância deram-se os seguintes factos como provados:
Dos factos assentes

1- O sinistrado A. F. faleceu em 21/07/2015, no estado de casado com a ora A. M. P., nascida em 20/04/1972. (al. A).
2- O A. M. F. nasceu em 6/01/2005 e é filho de A. F. e M. P. (al. B).
3- R. C. nasceu em 5/1/1998 e é filho de M. P. e A. C.. (al. C).
4- Por contrato de seguro, na modalidade de prémio variável, titulado pela apólice n.º …, a Ré Cooperativa Agrícola transferiu a responsabilidade infortunística emergente de acidentes de trabalho ocorridos com os trabalhadores ao seu serviço para a Ré “Companhia de Seguros ”, incluindo o sinistrado A. F. pelo salário de €655,00 x14 meses, acrescido de subsídio de refeição de €77,00 x 11 meses/ano e diuturnidades de € 31,45 x 14 meses/ano (al. D).
5- Pelas 7,30 horas do dia 21de Julho de 2015, em Alfândega da Fé, A. F. trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré “ Cooperativa”, como operador de máquinas, mediante a retribuição mensal de €655,00, acrescida de subsídio de refeição de €77,00 e diuturnidades de € 31,45, conduzindo um tractor da Ré, no qual se encontrava atrelado uma cisterna de água, procedendo à rega de um amendoal pertencente à Ré Cooperativa (al. E).
6- Em tais circunstâncias de tempo e lugar, A. F. sofreu um acidente que consistiu em ter sido esmagado pelo tractor que conduzia por capotamento deste. (al. F).
7- Como consequência directa e necessária desse acidente, o sinistrado A. F. sofreu múltiplas lesões, melhor descritas no relatório da autópsia ao respectivo cadáver que consta de fls. 33 a 35, que foram causa da sua morte por asfixia mecânica por compressão extrínseca toraco-abdominal (al. G).
8- A R. empregadora não providenciou a instalação no tractor conduzido pelo sinistrado de uma estrutura de proteção anti-capotamento como arco de segurança ou ROPS (Roll Over Protect Structure) e de cinto de segurança ou outro dispositivo de retenção do condutor ao posto de condução (al. H).
9- Tratava-se do tractor de marca Landini Modelo DT85 F(4RM), matriculado em 1999-04-29, com a matrícula NG (al. I).
10- O funeral do sinistrado foi pago pela R. empregadora (al. J).
11- Por acordo outorgado entre a A. M. P. e A. C., homologado por sentença de 10/11/2009, proferida no processo nº 34-A/2000 do extinto Tribunal Judicial de Alfândega da Fé, ficou aquele obrigado a pagar ao seu filho R. C. a quantia mensal de €75,00 (setenta e cinco euros) a título de alimentos (al. K).
Das respostas à matéria controvertida
12- À data da morte do sinistrado, o A. R. C. Costa vivia consigo em comunhão de mesa e habitação (resposta ao quesito 1º).
13- O A. R. C. padece de epilepsia (resposta ao quesito 4º).
14- O seu padrasto o considerou e tratou sempre como seu filho, dando-lhe carinho e amor, que o tomou a seu cargo, educando, sustentando, vestindo, calçando, e pagando os seus estudos e medicamentos - que diariamente tem de tomar devido à doença neurológica de que padece (resposta ao quesito 5º).
15- O A. R. C. sempre viu e tratou o seu padrasto como seu verdadeiro pai, amando-o e respeitando-o (resposta ao quesito 6º).
16- O A. R. C. estuda há quatro anos em Mirandela, na escola E.., sendo os seus estudos, alojamentos, alimentação e demais encargos relacionados pagos pelo seu padrasto (resposta ao quesito 8º).
17- Após o falecimento do seu padrasto o A. R. C. mantém as despesas com o seu estudo, livros, material escolar/ musical, propinas, bem como mantém fora do período escolar as despesas de sobrevivência, saúde e outras, anteriormente suportadas pelo padrasto falecido (resposta ao quesito 9º).
18- À data da morte do seu marido a A. viúva encontrava-se desempregada e não auferia qualquer subsídio social ou rendimento de qualquer espécie, vivendo a A. e restantes membros do seu agregado familiar apenas do rendimento do trabalho do seu falecido marido (resposta ao quesito 10º).
19- Actualmente a A. está a trabalhar, na autarquia de Alfândega da Fé no âmbito do contrato de emprego de inserção de um ano e aufere um subsídio de valor igual ao IAS (€419,22) [resposta ao quesito 11º].
20- Os avós maternos do A. R. C. já haviam falecido à data da morte do sinistrado A. F. (resposta ao quesito 12º).
21- O A. R. C. tem um tio materno, Acácio, que vive num Lar e tem como único rendimento uma pensão de invalidez de €479,00 (resposta ao quesito 13º).
22- Além daquele e de uma outra tia materna, que vive na zona de Lisboa e trabalha num restaurante, o A. R. C. tem uma outra tia materna, com quem a A., sua mãe, está de relações cortadas há 16 anos, a qual não tem também qualquer rendimento e o marido desta tem como único rendimento uma pensão agrícola (resposta ao quesito 14º).
23- Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na alínea E), o tractor conduzido pelo sinistrado capotou (resposta ao quesito 17º).
24- A A., por não ter transportes colectivos que lhe permitissem estar à hora designada para a tentativa de conciliação, teve que se deslocar em viatura particular (resposta ao quesito 18º).
25- Nessa deslocação realizou desde a sua residência a esta cidade e vice- versa um total de 288 quilómetros (resposta ao quesito 19º).
26- O acidente ocorreu no Lugar da Serrinha, Alfandega da Fé (resposta ao quesito 20º).
27- A capacidade da cisterna atrelada ao tractor era de 5.000 litros, quantidade que transportava no início dos trabalhos de rega e que já tinham sido utilizados cerca de 150 litros do total (resposta ao quesito 21º).
28- A tal cisterna estavam acopladas duas mangueiras, operadas por dois colegas do sinistrado, de nomes J. X. e M. O. (resposta ao quesito 22º).
29- O terreno por onde o sinistrado conduzia o tractor tem um declive descendente e o piso é em terra, irregular e com pedras (resposta ao quesito 23º).
30- O sinistrado conduzia o tractor por entre uma plantação recente de amendoeira – com vista à sua rega (resposta ao quesito 24º).
31- A determinada altura, a roda do lado direito da cisterna passou por cima de uma pedra (resposta ao quesito 25º).
32- Devido a tal facto e, ainda, à circunstância da roda do lado esquerdo da cisterna ter passado numa pequena cova destinada à rega, esta tombou para o lado esquerdo, o que fez com que o tractor capotasse, em seguida, para o mesmo lado (resposta ao quesito 26º).
33- A cisterna rolou duas vezes sobre si mesma (resposta ao quesito 27º).
34- O tractor também rolou sobre si mesmo, uma vez, ficando imobilizado com as rodas para o ar (resposta ao quesito 28º).
35- O sinistrado não ficou retido no posto de condução (resposta ao quesito 29º).
36- O tractor esmagou o sinistrado, caído por debaixo de tal equipamento (resposta ao quesito 30º).
37- O tractor em questão dispunha de base para instalação do arco de segurança Anticapotamento (resposta ao quesito 31º).
38- O tractor facultado ao sinistrado para executar a tarefa de que fora incumbido tinha mais de 10 anos de uso e não tinha qualquer registo de verificação das suas condições de segurança e funcionamento (resposta ao quesito 33º).
39- A R. Patronal mantinha o A. a trabalhar bem sabendo que o tractor não dispunha de cintos de segurança (resposta ao quesito 34º).
40- Se o sinistrado estivesse protegido por uma cabine e/ou retido por cintos de segurança não seria cuspido nem esmagado pelo corpo do tractor (resposta ao quesito 35º).
41- Não foram elaboradas fichas ou procedimentos de segurança para a execução dos trabalhos em curso (resposta ao quesito 36º).
42- Não tendo sido detectados os riscos inerentes à actividade desenvolvida, designadamente, riscos de capotamento do tractor (resposta ao quesito 37º).
43- O arco de segurança é uma estrutura de protecção anti-capotamento e o seu uso correcto diminui o risco de esmagamento (resposta ao quesito 38º).
44- O sinistrado A. F. encontrava-se ao volante do tractor que há mais de dez anos conduzia com frequência (resposta ao quesito 39º).
45- A cisterna encontrava-se acoplada ao tractor através da respectiva lança (resposta ao quesito 40º).
46- O dia de trabalho tinha acabado de começar (resposta ao quesito 41º).
47- O trabalho consistia em regar todas as poças alinhadas que constituem uma plantação de amendoal da Ré (resposta ao quesito 42º).
48- O trabalhador A. F. encontrava-se ao volante do tractor e os seus colegas de trabalho encontravam-se atrás da cisterna (na parte de trás do tractor) com uma mangueira e, caminhando a pé, iam regando poça após poça a plantação (resposta ao quesito 43º).
49- As funções do trabalhador A. F. consistiam em avançar lentamente o tractor cerca de 5-8 metros de cada vez, e consequentemente chegar a cisterna à frente, sempre na rodeira, e todas as vezes que era necessário e aguardar sentado no tractor enquanto os colegas a pé regavam atras dele (resposta ao quesito 44º).
50- Este serviço fazia-se a uma velocidade extremamente lenta, ao máximo de 3 a 5 km/hora, uma vez que a rega é lenta e demorada e num piso com terras bem calcadas e assentes, que o trabalhador bem conhecia (resposta ao quesito 45º).
51- Nesse mês de Julho era a terceira vez que o trabalhador A. F. e seus colegas exerciam estas precisas funções, naquele preciso local, naquelas precisas condições (resposta ao quesito 46º).
52- O trabalhador A. F. conhecia perfeitamente o local e condições de trabalho, conhecendo o terreno e tendo já identificado os perigos do terreno, de modo que o próprio terreno já tinha marcado no solo os vestígios dos pneus do tractor devido às anteriores passagens naquele local (resposta ao quesito 47º).
53- O trabalhador A. F. tinha o cuidado de passar em cima das marcas anteriormente já deixadas pelas rodas do tractor no solo (resposta ao quesito 48º).
54- Quando a cisterna tombou, a lança pela qual estava acoplada ao tractor, não quebrou nem se soltou do mesmo (resposta ao quesito 52º).
55- O peso da cisterna fez com que o tractor se virasse ao contrário, de rodas no ar (resposta ao quesito 53.º).

IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

1. Da nulidade da sentença.

A Ré, Recorrente/Apelante veio arguir a nulidade da sentença prevista no artigo 615.º n.º 1 al. c) do CPC, por padecer de ambiguidade e obscuridade que a torna ininteligível.
Alega a Recorrente que o tribunal a quo ao condenar ambas as Rés (empregadora e seguradora) a pagar aos beneficiários duas prestações e prestações pode ser interpretada no sentido de que os beneficiários serão ressarcidos duas vezes, quer pela seguradora com pensões calculadas em singelo nos termos do artigo 59.º e 60.º da NLAT, quer pela empregadora com uma pensão correspondente ao salário integral do sinistrado, calculada nos termos do artigo 18.º da NLAT (pensão agravada), devendo por isso a condenação ser alterada no sentido de condenar a Ré Seguradora nos montantes da sua parte que são devidos nos termos do artigo 79.º n.º 3 da NLAT, sem prejuízo do direito de regresso e a Ré empregadora ser condenada a satisfazer apenas as prestações que não estejam a cargo da Ré Seguradora, devendo no imediato ser apenas condenada a pagar a pensão anual resultante da diferença calculada nos termos do artigo 18.º n.º 4 al. a) e a calculada nos termos dos artigos 59.º e 60.º da NLAT.
Dispõe a parte final da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil que: “É nula a sentença quando: para além do mais,(…) ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Trata-se de uma causa de nulidade da sentença não prevista na Lei Processual Civil precedente, que admitia, ao invés, a possibilidade, perante obscuridades ou ambiguidades da decisão, de dedução de pedido de esclarecimento ou aclaração do decidido.
Na Exposição de Motivos da Reforma (in Novo Código de Processo Civil, Porto Editora, 2013, pág. 38) esclarece-se que foi intenção do legislador na Reforma do Processo Civil operada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho eliminar o incidente de aclaração ou esclarecimento de pretensas e, nas mais das vezes, ficcionadas e inexistentes obscuridades ou ambiguidades da decisão reclamada – apenas se consentindo ao interessado arguir, pelo meio próprio, a nulidade da sentença que seja efetivamente ininteligível.
Como ensina Remédio Marques, in “Ação Declarativa À Luz Do Código Revisto”, 3.ª Edição, pág. 667, “a ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, seja da sua parte decisória, seja dos respetivos fundamentos”, e “ a obscuridade, de acordo com a jurisprudência e doutrinas dominantes, traduz os casos de ininteligibilidade da sentença.
Posição idêntica é manifestada por Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, pág. 693, referindo “ o pedido de aclaração tem cabimento sempre que algum trecho essencial da sentença seja obscuro (por ser ininteligível o pensamento do julgador) ou ambíguo (por comportar dois ou mais sentidos distintos)”.
E por fim como refere o Professor Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Volume V, pág. 151, que «A sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo, qual o pensamento do juiz», sendo que «A forma como a alínea a) do artigo 669º se encontra redigida («alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contenha»,) deixa claramente transparecer a ideia de que a aclaração pode ser requerida, tanto a propósito da decisão, como dos seus fundamentos (que também constituem parte integrante da sentença
Uma decisão ininteligível é uma decisão incompreensível, inacessível ao intelecto e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diversas não se sabendo ao certo o que o juiz quis dizer, o que manifestamente não sucede no caso do dispositivo da sentença cuja nulidade vem arguida.
Na verdade, resultando da interpretação conjugada dos artigos 18.º e 79.º n.º 3 da Lei n.º 98/2009 de 44/09 (doravante NLAT) que nos casos de ocorrência de acidente de trabalho com actuação culposa do empregador, quer a Ré seguradora, quer a Ré empregadora são responsáveis pelo pagamento aos sinistrados ou beneficiários das pensões e prestações previstas na lei, tendo estes o direito de exigir do Réu empregador a totalidade das prestações e da Ré seguradora parte das prestações (aquelas que seriam devidas sem o agravamento), mais não restava ao julgador do que nesta conformidade condenar as Rés no pagamento das quantias devidas, tal como efectivamente sucedeu.
Recaindo a responsabilidade pela reparação do acidente sobre ambas as Rés, - a obrigação da Ré seguradora na reparação em singelo do acidente resulta da celebração do contrato de seguro, sem prejuízo do direito de regresso sobre a empregadora; e a obrigação do empregador resulta da sua actuação culposa -, a condenação teria de incidir, como incidiu sobre ambas as Rés, nos montantes cuja responsabilidade pelo pagamento lhes é imputada, sendo certo que os beneficiários apenas receberão até ao máximo da pensão agravada e demais prestações devidas pela Ré empregadora.
Ora, existindo uma responsabilidade solidária entre as Rés na reparação do acidente, ainda que imperfeita, pois a empregadora é a responsável directa pelo pagamento de todas as prestações devidas em consequência do acidente e a seguradora é apenas mero garante de parte dessas prestações, podendo por isso exigir do empregador o pagamento das prestações e pensões que liquidar, não compete ao julgador determinar a quem é que os beneficiários devem exigir as pensões e prestações, nem pode determinar como é que as Rés pretendem cumprir com as respectivas obrigações, daí que o dispositivo que consta de decisão recorrida não é merecedor de qualquer reparo.
Na verdade, a condenação foi determinada de harmonia com o previsto nos citados artigos 18.º e 79.º n.º 3 da NLAT, dele não resultando qualquer duplicação de pensões, aliás como a Recorrente bem entendeu ao revelar-se conhecedora do regime aplicável.
Resulta claro do dispositivo da decisão recorrida os montantes cuja responsabilidade pelo pagamento incumbe ao empregador, bem como os montantes cujo pagamento incumbe à seguradora, sem que de lado algum resulte que tais valores são cumuláveis.
Ao contrário do defendido, a Recorrente/Apelante não é só responsável pelo pagamento da diferença dos montantes que não estiverem a cargo da seguradora, efectivamente é responsável pelo pagamento de todos os montantes simplesmente em primeira linha parte desses pagamentos devem ser de imediato liquidados pela Seguradora responsável, pois caso assim não fosse não vislumbra como poderia a seguradora ter direito de regresso sobre os pagamentos por si efectuados.
Em face do exposto teremos de concluir que a decisão recorrida não padece da arguida nullidade, pois da fundamentação direito constante da sentença conjugada com o dispositivo da sentença não fica qualquer dúvida quanto à natureza da condenação, não existindo qualquer situação duplicação de pensões e prestações, sendo certo que a condenação efectuada pelo tribunal a quo resulta da correta interpretação dos artigos 18.º e 79.º n.º 3 da NLAT.
Improcedem assim as conclusões do recurso enumeradas de 1 a 23.

2. Da impugnação da matéria de facto

A Recorrente/Apelante pretende a alteração da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova, designadamente dos depoimentos testemunhais gravados, sustentando no ponto 46 das suas conclusões recursórias, que a decisão proferida pela 1ª instância sobre a matéria de facto referente aos pontos de factos 40 e 43 quer da restante factualidade provada considerada na sua globalidade deve ser dada como não provada, o que decorre da análise cuidada da prova produzida em audiência.
A Ré Seguradora nas contra alegações apresentadas defendeu que deve ser rejeitada a impugnação da matéria de facto por falta de cumprimento do disposto no artigo 639º do CPC.

Vejamos.
Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm atualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.
Dispõe o artigo 662.º n.º 1 do CPC. aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 87.º do C.P.T. e no que aqui nos interessa, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Por seu turno, o art. 640º do C.P.C. que tem como epígrafe o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe que
:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Assim quando se impugne a decisão proferida quanto à matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa, bem como, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
De harmonia com o previsto no n.º 2 do artigo 640º do C.P.C. no caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
“a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”
A criação de um tal ónus de alegação a cargo do recorrente, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação, encontra-se justificada no preâmbulo do Dec. Lei nº 39/1995, de 15.02 (que veio estabelecer a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida): “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
Como se escreveu no Acórdão do STJ, proferido no âmbito do Proc. n.º 1348/12.7TTBRG que incidiu sobre uma decisão deste Tribunal da Relação de Guimarães “cabe a quem recorre da matéria de facto, identificar o facto, que em concreto foi dado como provado (ou não provado) e que não deveria ter sido dado como tal, identificar a prova que apontava em sentido oposto, ou, pelo menos, em sentido diferente, e apresentar o facto tal como deveria ter sido dado como provado.
Existe atualmente um inequívoco e exigente ónus de alegação por parte de quem recorre, que tem, desde logo de apresentar a resposta que considera correta, às questões de facto impugnadas”.
Como refere António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, pág. 158, “a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) …;
b) …;
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc);
d) (…);
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.
(…) As referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.”
Os concretos pontos de facto submetidos a julgamento foram os constantes da base instrutória, assim terá de ser com referência aos concretos artigos da base instrutória que a impugnação se deve realizar.
É sobre a resposta dada aos factos que constam dos artigos da base instrutória que se pode aquilatar do bem ou mal fundado da decisão de provado ou não provado. É relativamente aos pontos de facto quesitados que deve ser proferida uma decisão e, logo, é essa decisão que pode ser impugnada. Deste modo, a decisão que deve ser proferida sobre as questões impugnadas, é a decisão de provado ou não provado relativamente à matéria quesitada.
A Recorrente em sede de impugnação terá que indicar os artigos da base instrutória que tem por incorretamente julgados, pois é aí que estão os concretos factos que, tendo sido alegados, foram submetidos a julgamento. E é a decisão que tais pontos de facto mereceram que pode ser impugnada.
Assim, a impugnação da matéria de facto, faz-se por referência aos artigos da base instrutória, porquanto aí se encontra a base que serviu de mote ao julgamento. E não por referência à enumeração constante da sentença.
A Recorrente/Apelante limitou-se nas suas alegações de recurso indicar os pontos que constam enumerados na sentença e que foram dados como provados no acervo factual apurado, sem estabelecer qualquer correspondência entre tal enumeração e os artigos da base instrutória eventualmente mal julgados, apenas concluindo que os mesmos não deviam ter sido dados como provados.
Acresce ainda dizer que, a recorrente limita-se a transcrever, de forma descontextualizada e vaga excertos dos depoimentos de 3 testemunhas, não indicando os exactos meios de prova que impunham decisão diferente, concluindo que os pontos de facto 40 e 43 devem ser dados como não provados.
Na verdade, nem nas alegações de recurso, nem nas extensas conclusões do mesmo a Recorrente indica ou transcreve os excertos dos depoimentos das testemunhas que impunham decisão diferente, designadamente de não provado, nem procede a qualquer análise crítica dos meios de prova valorizados pelo tribunal a quo e que impunham uma decisão diversa daquela a que chegou o referido Tribunal, sendo por isso vagas e insuficientes as alusões a eventual/pretenso erro na apreciação da matéria de facto controvertida, por inadequada valoração de provas produzidas, o que nos impede de podermos concluir pelo desacerto da decisão proferida.
A Recorrente limita-se assim a reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos de três testemunhas para concluir que o tribunal não podia dar como provados os pontos de facto 40 e 43, sem indicar os fundamentos por que pede a alteração da decisão, não dando assim cabal cumprimento ao disposto nos artigos 639.º, n.º 1 e 640.º, n.º 1 al. b), do CPC.
Como se refere no Acórdão desta Relação de Guimarães de 4/02/2016 proferido no Proc.º n.º 283/08.8TBCHV-A.G1 “Tal como se impõe, por mor do preceituado no nº 4 do art. 607º do Cód. Processo Civil, que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas), também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos.
Em suma a recorrente não observou devidamente os aludidos ónus de impugnação, quer por falta de indicação de onde se encontra o erro, quer por falta de análise crítica dos meios de prova considerados na sentença, limitando-se da analise descontextualizada de um ou outro depoimento a concluir que os mencionados pontos de facto devem ser dados como não provados.
Em face do exposto e porque consideramos que se mostra incumprida a condição de exercício do direito ao duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto prevista nos artigos 639.º n.º 1 e al. b) do n.º1, do artigo 640.º, do CPC, rejeita-se a impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pela Recorrente/Apelante.
Mas ainda que assim não entendêssemos ainda deixamos consignado o seguinte:

Em sede de impugnação da decisão de facto, cabe ao Tribunal de recurso verificar se o juiz a quo julgou ou não adequadamente a matéria de facto controvertida em face dos elementos a que teve acesso, de forma a verificar ou não um eventual erro de julgamento na apreciação/valoração das provas, aferindo-se da adequação, ou não, desse julgamento.
Ora, depois de termos analisado as provas afigura-se-nos dizer que a pretensão da recorrente sempre seria de improceder, pois não existe qualquer erro notório na apreciação da prova.
Na verdade, da conjugação da prova documental junta aos autos e não impugnada pela recorrente com a prova testemunhal produzida oralmente no decurso da audiência de julgamento foi construída a motivação apresentada pelo julgador da 1ª instância que de forma precisa, exaustiva e pormenorizada fundamentou a decisão relativamente à matéria de facto, a qual não merece qualquer reparo.
É assim de manter a matéria de facto dada como provada na 1ª instância, que se considera de definitivamente assente.
2. Da culpa do empregador na ocorrência do acidente.
É pacífico entre as partes que o sinistrado foi vítima de um acidente de trabalho.
Com efeito, o acidente ocorreu no local e no tempo de trabalho e o evento consistiu no capotamento do trator conduzido pelo sinistrado, que provocou o esmagamento daquele, tendo em consequência sofrido múltiplas lesões que ditaram a seu falecimento.
De tudo isto e em face do disposto no artigo 8º n.º 1 da NLAT podemos afirmar que o acidente em causa é um típico acidente de trabalho indemnizável.
A questão que se impõe apreciar é a de saber se o acidente ocorreu por inobservância culposa por parte do empregador de regras sobre segurança e saúde no trabalho adequadas a evitar o capotamento e reviramento do tractor.
Defende a Recorrente/Apelante que ainda que a matéria de facto se mantenha inalterada, como efectivamente veio a suceder, não se pode imputar o resultado danoso à actuação do empregador, uma vez que mesmo existindo o arco de segurança, nas circunstâncias concretas, não impediria que o tractor se virasse de uma só vez, como sucedeu, pois a lança não se separou do tractor e o peso da cisterna fez com que o trator se elevasse no ar e virasse a 180 graus de uma só vez, ficando de rodas no ar.
O artigo 18º da NLAT, sob a epígrafe “Atuação culposa do empregador”, dispõe no seu n.º 1, que “quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.”
Dispõe o n.º 4 do citado artigo que “sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por actuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes:

a) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, ou incapacidade temporária absoluta, e de morte, igual à retribuição;
b) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual compreendida entre 70% e 100% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;
c) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, tendo por base a redução da capacidade resultante do acidente.”
A responsabilidade agravada do empregador tem por base dois fundamentos, a saber:
- acidente provocado pela entidade empregadora ou seu representante, o que implica a verificação de um comportamento culposo da entidade empregadora ou seu representante.
- acidente resultar da falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho por parte da entidade empregadora.
A grande diferença entre estes dois fundamentos respeita à prova da culpa, que é indispensável na primeira situação e desnecessária na segunda.
No caso em apreço apenas está alegada a inobservância das regras sobre segurança no trabalho. Implicando a sua verificação a existência cumulativa dos seguintes pressupostos:
- Que sobre a entidade empregadora incumba o dever de observância de determinadas normas ou regras de segurança;
- Que a entidade empregadora não haja efetivamente, observado as normas ou regras de segurança, sendo-lhe imputável tal omissão.
- Que se demonstre o nexo de causalidade adequada entre a omissão e o acidente.
Importa assim apurar se o facto concreto pode ser havido em abstrato, como causa idónea ao dano ocorrido.
Em concordância com o defendido no Acórdão do STJ de 23/09/2009, Proc. n.º 107/05.8TTLRA.C1 e no qual se faz menção aos ensinamentos dos Professores Antunes Varela e Pessoa Jorge, de acordo com a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa o estabelecimento do nexo de causalidade juridicamente relevante para o efeito de imputação de responsabilidade, pressupõe que o facto ilícito praticado pelo agente, tenha atuado como condição da verificação de certo dano, apenas se exigindo que o facto não tenha sido, de todo em todo, indiferente para a produção do dano, dentro dos juízos de previsibilidade que decorrem das regras da experiência comum. O dano haverá que se apresentar como consequência normal típica ou provável do facto, mas havendo, para o efeito, que se ter em conta, não o facto e o dano isoladamente considerados, mas sim o processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, sendo este, processual factual, que caberá na aptidão geral e abstrata do facto para produzir o dano. E, não sendo embora indispensável, para que haja causa adequada, que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano, não sendo a responsabilidade afastada na hipótese de concorrência de causas, é todavia necessário que seja feita a prova do nexo de causalidade, no seu sentido naturalístico, o que compreende a prova de todas as circunstâncias que numa cadeia reacional de causalidade adequada, integram o processo que conduz ao evento danoso.
Como se tem entendido é necessária a prova das causas concretas que desencadearam o acidente ou seja, é necessário o conhecimento do concreto circunstancialismo relativo à dinâmica e às razões que levaram à ocorrência do acidente.
Incumbe ainda deixar consignado que para efeitos de aplicação do artigo 18º da NLAT cabe aos beneficiários, bem como à seguradora que pretenda ver-se desonerada da sua responsabilidade infortunística, o ónus de alegar e provar os factos que revelem que o acidente ocorreu por inobservância por parte da entidade empregadora de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, bem como os factos que revelem ter ocorrido, no concreto, a violação causal destas regras, nos termos previstos no artigo 342º n.º 2 do Código Civil.
É jurisprudência pacífica que o ónus de alegar e provar os factos que agravam a responsabilidade da entidade empregadora compete a quem dela tira proveito.
Tal como já deixámos expresso a lei exige, nesta matéria, que a violação de regras de segurança seja determinante do acidente, pelo que em primeira linha impõe-se apurar a concreta norma de segurança violada.
A sentença recorrida considerou a ora apelante responsável primária pela reparação do sinistro dos autos, de forma agravada, nos termos do art.18º nºs 1 al. a) da LAT, por ter violado as regras de segurança, designadamente o art. 23º nº 2 do DL 50/2005 de 25/02 ao ter em utilização pelo sinistrado um trator que não respeitava as prescrições mínimas de segurança e saúde relativas à utilização de equipamentos de trabalho pelos trabalhadores, mormente a inexistência no tractor de uma estrutura que o impedisse de virar mais de um quarto de volta ou seja uma estrutura de protecção anti-capotamento, que por não ter sido usada não cumpriu a função de evitar o reviramento do tractor, nem diminuiu o risco de esmagamento, o que foi causal da gravidade das lesões provocadas pelo evento, que determinaram a morte do sinistrado.
Analisemos as normas sobre segurança no trabalho invocadas.
O Decreto-Lei n.º 50/2005, 25 de Fevereiro, transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 89/655/CEE, do Conselho, de 30 de Novembro, alterada pela Diretiva n.º 95/63/CE, do Conselho, de 5 de Dezembro, e pela Diretiva n.º 2001/54/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho - artigo 1.º, n.º 1-, ali definidos como “qualquer máquina, aparelho, ferramenta ou instalação utilizado no trabalho” e sendo aplicável a todos os ramos de actividade dos sectores privado, cooperativo e social, administração pública directa e indirecta e a trabalhadores por conta própria - artigo 2.º, alíneas a) e b).
Nos termos no artigo 3.º do citado diploma, com a epígrafe “Obrigações do empregador”, prescreve que “para assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, o empregador deve: a) assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efetuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização; b) atender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e características específicas do trabalho, aos riscos existentes para a segurança e a saúde dos trabalhadores, bem como aos novos riscos resultantes da sua utilização; c) tomar em consideração os postos de trabalho e a posição dos trabalhadores durante a utilização dos equipamentos de trabalho, bem como os princípios ergonómicos; d) quando os procedimentos previstos nas alíneas anteriores não permitam assegurar eficazmente a segurança ou a saúde dos trabalhadores na utilização dos equipamentos de trabalho, tomar as medidas adequadas para minimizar os riscos existentes; e) assegurar a manutenção adequada dos equipamentos de trabalho durante o seu período de utilização, de modo que os mesmos respeitem os requisitos mínimos de segurança constantes dos artigos 10.º a 29.º e não provoquem riscos para a segurança ou a saúde dos trabalhadores.”
Por fim sob a epígrafe “Equipamentos que transportem trabalhadores e riscos de capotamento” estabelece o seu artigo 23.º que:

1 - Os equipamentos de trabalho que transportem um ou mais trabalhadores devem ser adaptados de forma a reduzir os riscos para os trabalhadores durante a deslocação, nomeadamente o risco de contacto dos trabalhadores com as rodas ou as lagartas ou o seu entalamento por essas peças. 2 - Os equipamentos de trabalho que transportem trabalhadores devem limitar os riscos de capotamento por meio de uma estrutura que os impeça de virar mais de um quarto de volta ou, se o movimento puder exceder um quarto de volta, por uma estrutura que garanta espaço suficiente em torno dos trabalhadores transportados ou outro dispositivo de efeito equivalente.
3 - As estruturas de protecção previstas no número anterior podem fazer parte integrante do equipamento.
4 - Se, em caso de capotamento, existir o risco de esmagamento dos trabalhadores entre o equipamento e o solo, deve ser instalado um sistema de retenção dos trabalhadores transportados, quando exista no mercado para o modelo de equipamento em causa.
5 - A instalação das estruturas de protecção previstas no n.º 2 não é obrigatória: a) Quando o equipamento se encontra estabilizado durante a sua utilização ou quando a concepção do mesmo impossibilita o seu capotamento; b) Em tractores agrícolas matriculados antes de 1 de Janeiro de 1994; c) Em outros equipamentos agrícolas e florestais para os quais não existam no mercado estruturas de protecção.”
Feito este enquadramento legal, impõe-se indagar da inobservância, por parte do empregador, das regras de segurança.
Com relevância para a apreciação desta questão provou-se o sinistrado conduzia o tractor por entre uma plantação recente de amendoeiras e o seu trabalho consistia em regar todas as poças alinhadas que constituem uma plantação de amendoal do empregador, tendo o tractor acoplada uma cisterna através da respectiva lança.
Mais se apurou que sinistrado encontrava-se ao volante do tractor e os seus colegas de trabalho encontravam-se atrás da cisterna atrelada ao tractor que tinha uma capacidade 5.000 litros, quantidade que transportava no início dos trabalhos de rega e que já tinham sido utilizados cerca de 150 litros do total. Os colegas de trabalho com duas mangueiras e caminhando a pé, iam regando poça após poça a plantação, consistindo as funções do sinistrado em avançar lentamente o tractor cerca de 5-8 metros de cada vez, e consequentemente chegar a cisterna à frente, sempre na rodeira, e todas as vezes que era necessário, aguardar sentado no tractor enquanto os colegas a pé regavam atrás dele.
Ficou ainda demonstrado que terreno por onde o sinistrado conduzia o tractor tem um declive descendente e o piso é em terra, irregular e com pedras. A determinada altura, a roda do lado direito da cisterna passou por cima de uma pedra e devido a tal facto e, ainda, à circunstância da roda do lado esquerdo da cisterna ter passado numa pequena cova destinada à rega, esta tombou para o lado esquerdo, o que fez com que o tractor capotasse, em seguida, para o mesmo lado. A cisterna rolou duas vezes sobre si mesma e o tractor também rolou sobre si mesmo, uma vez, ficando imobilizado com as rodas para o ar e o sinistrado não ficou retido no posto de condução e o tractor esmagou-o, caído por debaixo de tal equipamento. Quando a cisterna tombou, a lança pela qual estava acoplada ao tractor, não quebrou nem se soltou do mesmo, tendo sido o peso da cisterna que fez com que o tractor se virasse ao contrário, de rodas no ar.
Referimos ainda que o tractor em questão tinha mais de 10 anos de uso e não tinha qualquer registo de verificação das suas condições de segurança e funcionamento, mas dispunha de base para instalação do arco de segurança anti capotamento, sendo este uma estrutura de protecção anti capotamento e o seu uso correcto diminui o risco de esmagamento. O empregador mantinha o A. a trabalhar, que conduzia com frequência aquele tractor, bem sabendo que este não dispunha de cintos de segurança.
Por fim, provou-se ainda que o empregador não providenciou a instalação no tractor conduzido pelo sinistrado de uma estrutura de protecção anti capotamento como arco de segurança ou ROPS (Rol Over Protect Structure) e de cinto de segurança ou outro dispositivo de retenção do condutor ao posto de condução, tratando-se de um tractor de marca Landini Modelo DT85 F (ARM),matriculado em 1999-04-29, com matrícula NG.
Ora, perante a matéria de facto provada e tendo ainda presente que na utilização de equipamentos de trabalho, o empregador deve assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efectuar de forma a garantir a segurança e saúde dos trabalhadores durante a sua utilização, não temos qualquer dúvida em afirmar que a Recorrente/Apelante não assegurou que o equipamento de trabalho garantisse a segurança do sinistrado, já que o mesmo não cumpria os requisitos impostos pelo art. 23.º nº 2 do DL n.º 50/2005, sendo certo que os únicos casos em que não é obrigatória a estrutura para limitar os riscos de capotamento (ROPS) são os previstos no nº 5 desse mesmo art. 23º do mesmo diploma DL 50/2005.
Na verdade, a situação em apreço não se enquadra em nenhuma das alíneas do n.º5 do artigo 23.º, designadamente na al. a), já que o tractor não se encontrava estabilizado durante a sua utilização, pois seguia em marcha lenta, por um terreno com declive descendente e piso em terra, irregular e com pedras.
É assim de concluir que a colocação do trabalhador/sinistrado aos comandos do tractor, sem que o mesmo estivesse dotado de qualquer estrutura para limitar os riscos de capotamento constitui violação das regras de segurança no trabalho, designadamente as contidas no nº 2 do artigo 23.º do DL n.º 50/2005.
Por último cabe-nos apreciar da existência do nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança e a ocorrência do acidente.
Também neste ponto a douta sentença apreciou com acerto.
É jurisprudência uniforme dos Tribunais Superiores, que se demonstre não só a violação de normas de segurança, higiene e saúde no trabalho, como também o nexo de causalidade entre a inobservância destas mesmas regras e o acidente. Neste sentido veja-se, entre outros, o Ac. do STJ de 19/06/2013, proferido no processo n.º 1294/04.8TTLRA, ou o Ac. de 8/01/2013, proferido no processo n.º 507/07.9TTVC.T, ou ainda o de 14/01/2015, proferido no processo n.º 644/09.5T2SNS, disponíveis em www.dgsi.pt.
Em suma, para que se verifique a responsabilidade agravada do empregador com fundamento na violação de preceitos legais ou regulamentares ou de diretrizes sobre higiene e segurança no trabalho pressupõe a verificação dos seguintes requisitos:
- que sobre o empregador recaia o dever de observar determinadas regras de comportamento, cuja observância teria provavelmente impedido a consumação do evento, assim se omitindo o cuidado exigível a um empregador normal;
- que entre essa conduta omissiva e o acidente se verifique um nexo de causalidade adequada.
O Artº 563.º do Código Civil, com a epígrafe ”Nexo de causalidade” adoptou, a este propósito a teoria da causalidade adequada, na sua formulação mais generalizada ao prescrever que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
Como se refere no Ac. do STJ de 12/11/2009, disponível em www.dgsi.pt. “a apreciação do nexo de causalidade envolve dois patamares. O primeiro prende-se com a determinação naturalística dos factos, em ordem a determinar a sua causa-efeito e constitui matéria de facto... e que, por isso, implica uma avaliação de prova. O segundo implica o confronto daquela sequência cronológica com as regras jurídicas que delimitam o conceito de causalidade adequada, o que já é uma operação de subsunção jurídica.”
Significa isto, que constituindo, em abstrato, a falta de estrutura anti capotamento, condição idónea à ocorrência de sinistros, o que levaria à conclusão deste nexo causal, em concreto impõe-se que a factualidade apurada nos permita estabelecer a correspondência entre a omissão da existência de uma tal estrutura e a ocorrência do evento.
Revertendo ao caso em apreço, significa que da não instalação da estrutura de protecção anti capotamento como o arco de segurança ou ROPS (Roll Over Protect Structure) ou de cinto de segurança ou de qualquer outro dispositivo de retenção do condutor ao posto de condução, há-de ter resultado o acidente - artº 18.º, n.º 1 da NLAT.
Ora, no caso, ainda que a falta de cumprimento pela R. ora apelante das prescrições mínimas de segurança e de saúde para utilização pelos trabalhadores de equipamento de trabalho não tenha sido a única causa ao evento naturalístico que foi o capotamento do tractor e que terá resultado a priori do facto da roda direita da cisterna que tinha acoplada ter passado por cima de uma pedra e a roda do lado esquerdo passado por uma pequena cova destinada à rega, o que a fez tombar para o lado esquerdo, arrastando consigo o tractor que capotou para o mesmo lado. O certo é resulta dos factos provados que a estrutura de protecção anti capotamento permite evitar o capotamento e diminui os riscos de esmagamento, pelo que nos permite concluir num juízo de prognose póstuma, que a sua utilização não só poderia ter evitado de alguma forma a produção do acidente, impedindo o reviramento do tractor em mais de um quarto de volta, como reduziria o risco de esmagamento.
É assim inquestionável que a inexistência na máquina (tractor) de uma estrutura anti capotamento é causa adequada quer do evento, quer do agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado, determinantes da respectiva morte, por conseguinte, causa adequada do dano, o que é quanto basta para que seja de considerar a violação das regras de segurança como causa do acidente.
Em suma, a conduta do empregador, contrária à que lhe era exigida pelas normas de segurança, concorreu assim, como causa adequada, para a produção do evento danoso, juízo este que, para efeito de imputação de responsabilidade, não é afectado pelo facto de outras circunstâncias também poderem ser tidas como causais do mesmo.
Os Autores lograram assim provar como lhes competia que a falta da estrutura anti capotamento integrou o processo causal do acidente, sendo por isso afirmar a existência de um nexo causal entre a falta de tal estrutura e a produção do acidente.
É de concluir que a inobservância da regra de segurança imposta pelo art. 23º nº 2 do D.L. 50/2005 de 25/02 foi causa adequada da produção do acidente que vitimou o sinistrado e da morte deste em consequência de tal acidente, daí resultando a responsabilidade agravada Apelante/Recorrente pela reparação do acidente
Improcedem, assim, as razões da apelante também nesta parte e consequentemente o recurso na totalidade.

DECISÃO

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87º do C.P.T. e 663º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso de apelação interposto por COOPERATIVA AGRÍCOLA, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
Guimarães, 4 de Outubro de 2017

Vera Manria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins

Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C.

I – Resulta da parte final da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil que: “É nula a sentença quando: para além do mais,(…) ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

II - Uma decisão ininteligível é uma decisão incompreensível, inacessível ao intelecto e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diversas não se sabendo ao certo o que o juiz quis dizer, o que manifestamente não sucede no caso do dispositivo da sentença recorrida, que discrimina os montantes cuja responsabilidade pelo pagamento incumbe ao empregador, bem como os montantes cujo pagamento incumbe à seguradora, sem que de lado algum resulte que tais valores são cumuláveis.

III - Para que se verifique a responsabilidade agravada do empregador com fundamento na violação de regras sobre higiene e segurança no trabalho impõe-se a verificação dos seguintes requisitos: - que sobre o empregador recaia o dever de observar determinadas regras de segurança, cuja observância teria provavelmente impedido, a consumação do evento, omitindo assim o cuidado exigível a um empregador normal; - e que entre essa conduta omissiva e o acidente se verifique um nexo de causalidade adequada.

IV - A inexistência na máquina (tractor) de uma estrutura anti capotamento é causa adequada quer do evento, quer do agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado, determinantes da respectiva morte, por conseguinte, causa adequada do dano, o que é quanto basta para que seja de considerar a violação das regras de segurança como causa do acidente.

Vera Sottomayor