Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2544/16.3T8BRG.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: DEPOIMENTO INDIRECTO
NEGÓCIO SIMULADO
INTERPOSIÇÃO FICTÍCIA DE PESSOAS
NULIDADE
NEGÓCIO DISSIMULADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator):

1- O depoimento indireto é admitido sem reservas pela lei processual civil nacional, ficando esse depoimento, tal como o depoimento direto, sujeito à livre apreciação do tribunal.

2- O conceito de negócio simulado encontra-se explicitado no art. 240º, n.º 1 do CC, do qual decorre que para haver simulação é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos cumulativos: a) a divergência entre a vontade real e a declarada; b) o intuito de enganar terceiros; e c) o acordo simulatório.

3- A simulação pode ser absoluta, quando por trás do negócio aparente ou simulado não existe negócio algum; ou relativa, quando por trás do negócio aparente ou simulado existe um outro negócio dissimulado, oculto ou latente, que as partes quiseram, e efetivamente entre elas celebraram, mas que não surge exteriorizado na ordem jurídica.

4- O negócio simulado é sempre nulo (art. 240º, n.º 2 do CC).

5- Ocorre simulação relativa quanto aos sujeitos (simulação subjetiva ou mediante interposição fictícia e pessoas) quando há um conluio entre os sujeitos reais do negócio e o interposto, em que este último é um simples testa de ferro, um homem de palha, uma vez que os verdadeiros contraentes são os sujeitos do negócio dissimulado, oculto ou latente.

6- Em termos de simulação relativa vigora a regra de que desvendada a simulação, abstrai-se do negócio simulado (nulo) e atende-se ao negócio real, dissimulado, oculto ou latente, ficando este sujeito ao regime que lhe é próprio como se tivesse sido celebrado às claras.

7- O regime regra referido em 6) sofre as restrições, quanto aos negócios formais, enunciadas no art. 241º, n.º 1 do CC, pelo que se no negócio aparente ou simulado não tiverem sido observados os requisitos de forma impostos ao negócio dissimulado, este último será sempre nulo por vício de forma.

8- Ocorrendo simulação por interposição fictícia de pessoas, para que o negócio real, dissimulado, oculto ou latente seja válido, devem constar do negócio aparente (simulado) declarações atribuídas aos contraentes reais que integrem o núcleo essencial desse negócio real (seja ele compra e venda, seja doação), sob pena deste ser nulo, porquanto não é possível aproveitar a forma observada na celebração do negócio aparente que tiveram intervenção de sujeitos diversos daqueles que afetivamente celebraram o negócio oculto ou dissimulado, ou então terá de já ter sido celebrado o segundo negócio entre o interposto e o verdadeiro comprador ou donatário, mediante o qual o primeiro já tenha transmitido para o último o bem ou direito objeto do negócio aparente (simulado), dando concretização, efetiva e definitiva, ao negócio real ou dissimulado que os simuladores entre eles efetivamente celebraram ao outorgarem o negócio simulado ou aparente.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

RELATÓRIO

1º Recurso:

Recorrentes: M. C., V. M. e N. M..
Recorridos: J. C., M. F., A. C., J. A., A. J., M. G. e I. L..
2º Recurso:
Recorrentes: J. C. e M. F..
Recorridos: M. C., V. M. e N. M..
3º Recurso:
Recorrentes: M. G. e I. L..
Recorridos: M. C., V. M. e N. M..
4º Recurso:
Recorrente: A. J..
Recorridos: M. C., V. M. e N. M..

D. C., viúva, residente na Rua …, Barcelos, V. M., casado, residente na Rua …, Barcelos e N. M., solteira, residente na Rua …, Barcelos, instauraram a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra J. C. e mulher M. F., residentes na Rua …, Barcelos, A. C. e mulher J. A., residentes na Rua …, Barcelos, A. J., solteiro, maior, residente na Rua …, Barcelos e M. G. e mulher I. L., residentes na Rua …, Barcelos, pedindo a condenação destes a:

a) pagar-lhes a quantia de € 153.821,00, acrescida de juros de mora vencidos até à interposição da ação, no valor de € 35.383,04, e dos vincendos até integral pagamento;
b) ver declarado nulo e de nenhum efeito o negócio de doação constante da escritura pública de 31 de janeiro de 2011, outorgada no cartório notarial do notário P. C., na cidade de Barcelos, exarada de folhas 7 a 9 verso do livro para escrituras diversa numero 53-A, na qual os Réus procederam à doação dos prédios referidos em 18º, 19º e 20º da petição inicial com todas as devidas e legais consequências;
c) a ver decretado o cancelamento do respetivo registo de aquisição dos supra descritos prédios, a favor dos 2º e 3.ºs Réus, A. C. e A. J., correspondente à apresentação n. º 1260 de 30/03/2011 das descrições n.ºs (...), (...) e (...) com todas as devidas e legais consequências;
d) a ver declarado válido e eficaz o negócio de doação dissimulado, que os 4ºs Réus quiseram fazer aos 1ºs Réus, através da referida escritura de doação constante do artigo 18º deste articulado, tendo por objeto os imóveis identificados nessa escritura com todas as devidas e legais consequências;

Subsidiariamente que seja:

e) declarado o direito dos Autores obterem a satisfação integral do seu crédito à custa do prédio dos 2º e do 3º Réus, executando-o e praticando os atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei sobre tal bem com todas as devidas e legais consequências.

Para tanto alegam, em síntese, que a Autora e o seu marido se constituíram fiadores de um empréstimo concedido aos 1ºs Réus pelo Banco A de Barcelos e que, devido ao incumprimento destes, aqueles pagaram ao Banco A a quantia de € 153.821,00 que agora exigem dos 1ºs Réus por sub-rogação.

Os 1ºs Réus, desde a data dos pagamentos efetuados pela Autora e seu falecido marido não possuem qualquer bem registado em seu nome;

Acontece que os Autores tomaram agora conhecimento que por escritura de 31/01/20011, os 4ºs Réus doaram aos 2ºs e 3º Réus, seus netos, em comum e em partes iguais, prédios, por conta da sua quota disponível;

Essa doação é simulada, uma vez que foi feita com o único e exclusivo propósito comum daqueles 4ºs, 2º e 3ºs Réus de defraudar, prejudicar e enganar os Autores, entre outros como forma de impedir a satisfação do crédito da 1ª Autora e seu falecido marido sobre os 1ºs Réus;

Os 4ºs, 2ºs e 3º Réus usaram os serviços notariais e serviram-se da sua função documentação para criarem a aparência de um negócio translativo de propriedade dos 4ºs Réus para os 2ºs e 3º Réus, quando, na verdade, pretenderam transferir os referidos bens para a esfera patrimonial dos 1ºs Réus, filha e genro dos 4ºs Réus e pais dos 2º e 3º Réus, que são quem efetivamente dispõem do gozo e fruição desses prédios;

Jamais quiseram os 4ºs Réus doar os bens em causa aos netos, sequer estes quiseram aceitar tais prédios em doação;

Em via subsidiária alegam que caso se venha a concluir que aquelas doações não são simuladas, então a formalização das doações em causa apenas implicaram uma diminuição da garantia patrimonial do crédito dos Autores sobre os 1ºs Réus, tendo todos os Réus agido com a consciência, e até a vontade de prejudicarem os credores dos 1ºs Réus e, entre eles, os aqui Autores, impedindo-os de cobrarem os seus créditos, sabendo todos que agindo como agiam, seria certos que estes, dos 1ºs Réus nada receberiam, pelo que assiste aos Autores o direito a verem declarada a ineficácia daquelas doações e a executar os prédios transmitidos diretamente no património dos 2ºs e 3º Réus, até ao limite do crédito que detêm sobre os 1ºs Réus.

Os 4ºs Réus, M. G. e I. L. contestaram aceitando terem celebrado as doações invocadas pelos Autores, impugnando, no entanto, a restante factualidade alegada pelos últimos, sustentando que se encontram de relações cortadas há longos anos com os 1ºs Réus e que quiseram efetivamente beneficiar com as referidas doações os filhos dos últimos, seus netos;

Invocaram o desconhecimento da existência de dívidas por parte dos 1ºs Réus e defenderam a não verificação dos pressupostos legais da impugnação pauliana, sustentando que ninguém pode ser diminuído de um direito que não possui na sua esfera jurídica, como é o caso da 1ª Ré mulher, que antes da referida doação nada tinha e após a mesma continuou a nada ter.

Concluíram pela improcedência da ação.

Os 1ºs e 3º Réus, J. C., M. F. e A. J., contestaram impugnando parte da matéria alegada pelos Autores, designadamente que as doações realizadas pelos 4ºs Réus aos netos não correspondam a verdadeiras doações.

Concluem, pedindo que a ação seja julgada improcedente e que os Autores sejam condenados como litigantes de má fé em quantia de 3.000,00 euros, sustentando que a Autora D. C., irmã do 1º Réu J. C., aquando da partilha realizada pelos pais (os 4ºs Réus) foi beneficiada justamente para pagamento da dívida que este 1º Réu tinha para com aquela, ficando com a propriedade de um prédio, com o valor de cerca de setenta mil euros, prédio esse que segundo a vontade dos pais era destinado ao 1º Réu;

No entanto, face à dívida que tinha para com a irmã, o 1º Réu J. C. aceitou que esta ficasse beneficiada com aquele prédio com vista à amortização da dívida que esta viria a pagar na qualidade de sua fiadora, pelo que, atualmente, a Autora D. C. é proprietária desse bem, facto que a mesma deliberadamente oculta.

Os 2ºs Réus A. C. e J. A. contestaram, limitando-se a aderir à contestação apresentada pelos 1ºs Réus.

Os Autores responderam ao pedido de litigância de má fé contra eles deduzido, concluindo pela respetiva improcedência.

Pedem a condenação dos 1ºs Réus, J. C. e M. F. como litigantes de má fé em multa e em indemnização, por todas as despesas, danos e prejuízos que a presente ação lhes cause, designadamente, honorários da sua mandatária, tudo a liquidar em execução de sentença, mas em quantia nunca inferior a 4.000,00 euros, sustentando que quem litiga de má-fé são aqueles 1ºs Réus, que na sua contestação alegam factos que sabem ser falsos, alteram a verdade dos factos e fazem do presente meio processual um uso manifestamente reprovável, com o intuito de enganar o tribunal.

Os 1ºs Réus responderam ao pedido de condenação com litigantes de má fé, concluindo pela improcedência deste pedido e mantendo tudo o que alegaram na sua contestação.

Por requerimento de fls. 170 a 172, os Autores reduziram o 1º pedido que formularam na petição inicial para o valor de € 69.149,82, acrescido de juros de mora vencidos até à interposição da ação, no valor de € 20.717,78, e dos vincendos até integral pagamento.

Realizou-se audiência prévia, na qual os Autores desistiram do pedido subsidiário formulado sob a alínea E) do petitório, tendo que, por sentença proferida a fls. 335, transitada em julgado, foi homologada essa desistência.

Em sede de audiência prévia fixou-se o valor da ação (153,821,00 euros), proferiu-se despacho saneador, fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova, não tendo sido apresentadas reclamações.

Admitiu-se os meios de promova apresentados pelas partes e concedeu-se aos Réus o prazo de dez dias para reformularem, querendo, os seus róis de testemunhas, conforme por eles foi requerido.

Realizada audiência final, foi proferida sentença, que julgou a ação parcialmente procedente e que consta da seguinte parte dispositiva:

“Por tudo o exposto, decide-se julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:

a) condenar os 1ºs Réus J. C. e M. F. a pagar aos Autores D. C., V. M. e N. M. a quantia de € 89.867,60 (capital e juros vencidos), acrescida dos juros vincendos, sobre € 69.149,82, à taxa legal de 4%, ou outra que legalmente venha a estar em vigor, desde a propositura da ação até integral pagamento;
b) declarar nulo, por simulação, o negócio jurídico de doação constante da escritura pública referida no ponto 9º dos factos provados e ordenar a restituição dos imóveis objeto do mesmo ao património dos 4ºs Réus M. G. e I. L.;
c) ordenar o cancelamento do registo de aquisição dos mesmos prédios, a favor do 2º e 3.ºs réus, A. C. e A. J., correspondente à apresentação nº 1260 de 30/03/2011 das descrições nºs (...), (...) e (...), com base na aludida escritura pública;
d) declarar nulo o negócio jurídico de doação dissimulado subjacente ao negócio simulado referido supra em b), que os 4ºs réus quiseram fazer aos 1ºs réus;
e) absolver os Réus do restante pedido.
Custas por Autor e Réus, na proporção do respectivo decaimento, considerando para o efeito que o decaimento dos Réus é de € 89.867,60 (art. 527º, nºs 1 e 2 do C.P.C.)”.

Inconformados com o assim decidido, os Autores interpuseram o presente recurso de apelação, em que apresentam as seguintes conclusões:

A) Salvo o devido respeito e melhor opinião em contrário, a douta sentença recorrida aplicou bem o Direito, apenas merece reparo quanto à declaração de nulidade do negócio dissimulado de doação que os 4ºs Réus, M. G. e mulher I. L. quiseram fazer aos 1ºs Réus, J. C. e mulher M. F..
B) Salvo o devido e merecido respeito, entendem os Autores que deveria ser declarada a validade de tal negócio dissimulado.
C) Fundamenta o Tribunal “a quo” que tal negocio dissimulado de doação não cumpre as exigências de forma subjacente ao negócio simulado.
D) Entendendo que, por não constarem os 1ºs Réus do documento formalizado através de escritura pública, assim como as cláusulas do real negócio jurídico de doação celebrado, o negócio dissimulado é nulo, por falta de forma.
E) O tribunal “a quo” tinha todos os elementos fundamentais para declarar válido e eficaz o negócio dissimulado.
F) Pois ficou amplamente provado que os 4ºs Réus procederam à partilha em vida dos seus bens, através de diversas doações efetuadas a todos os filhos com exceção da 1ª Ré M. F., sendo feitas por conta da legítima dos donatários e no caso de exceder a mesma a serem imputadas na quota disponível deles doadores. Doação outorgada no dia 31/01/2011, em ato contínuo à doação feita aos 2º e 3º Réus conforme pontos 14 e 15 dos factos provados.
G) Quando sob o negócio simulado exista um outro, o dissimulado, o verdadeiramente querido, este negócio, o real, será objeto do tratamento jurídico que lhe caberia se tivesse sido concluído sem dissimulação (cfr. artº. 241º do Ccivil), exigindo-se, para os negócios formais, que para o negócio dissimulado tenha sido observada a forma para ele exigida por lei, o que sucedeu no presente caso, pois a doação ou negócio simulado foi realizado por escritura pública, o mesmo sucederia com o negócio dissimulado.
H) A doação efetuada aos 2º e 3º Réus foi pela quota disponível, mas é necessário ter em conta que a mesma não poderia ser feita de outra forma, pois estes últimos não eram herdeiros legitimários à data da doação.
I) A forma adotada no negócio, tal como os simuladores lhe deram a aparência, nunca pode revelar a totalidade do negócio real dissimulado pois a ser assim, essa revelação seria incompatível com a simulação e só poderia ser conseguida sem ela.
J) Não pode, pois, haver simulação relativa sem que algo do negócio dissimulado falte ou seja diferente no negócio simulado. Assim sendo, a exigência de que a forma adotada cubra a totalidade do negócio conduzirá necessariamente à nulidade.
K) Ficando os Autores seriamente prejudicados pela nulidade do negócio dissimulado, não podendo assim executar os bens imoveis que conforme resultou da prova produzida nos autos, pertencem aos 1ºs Réus.
L) Voltando tais bens à esfera jurídica dos 4º Réus, que nada devem aos Autores.
M) Assim tendo o negócio simulado sido celebrado por escritura pública, e o negócio dissimulado cumprido essa mesma forma, conforme exige a lei, e tendo o tribunal “a quo” tomado conhecimento de todos os elementos fundamentais do negócio dissimulado, deve o mesmo ser aproveitado e consequentemente declarada a validade e eficácia do mesmo por este Venerando Tribunal.
N) Violou o tribunal “a quo” as normas previstas nos artigos 241º e 947º, do C. Civil, artigo 5º, n.º 2 e 607º do CPC.

TERMOS EM QUE E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXA.S VENERANDOS DESEMBARGADORES, DEVE SER DADO INTEIRO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, REVOGADA A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, QUANTO AO PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE VALIDADE DO NEGOCIO DISSIMULADO.

Também os 1ºs Réus, J. C. e M. F., interpuseram recurso daquela sentença, em que apresentam as seguintes conclusões:

1. Decidiu o Tribunal recorrido condenar os primeiros Réus a pagaram aos autores a quantia de 89.867,60€, acrescidos dos juros vincendos sobre 69.149,83€, à taxa legal.
2. Tal decisão lesa os direitos dos Recorrentes, visando-se com o presente recurso obter decisão diversa que vá no sentido da improcedência da ação.
3. Em momento algum aceitaram os Recorrentes serem devedores de qualquer quantia em especifico invocada pelos autores, nomeadamente na sua contestação.
4. Isto, porém, não significa que os Recorrentes não sejam devedores dos Autores – porque o são – mas nunca nos montantes peticionados, visto que já amortizaram a sua dívida, mais propriamente devido à entrega de um bem imóvel e respetivas benfeitorias.
5. Discorda-se do facto de a sentença ter dado como não provada a factualidade constante no ponto D) e E) dos factos dados como não provados.
6. Questionados sobre esta matéria, as testemunhas – mais propriamente M. O. e P. F. – afirmaram que o prédio se encontra na posse dos autores.
7. Tais testemunhas, muito embora a parcialidade e a obediência à versão dos factos dos autores, não negaram que este prédio outrora estava na posse do Recorrente J. C..
8. Nenhuma das testemunhas refere, sequer, o cunhado a quem a Autora D. C. terá adquirido o prédio em questão.
9. Não é coadunável a versão de que os Autores atravessam inúmeras dificuldades económicas com a alegada aquisição de um prédio que custa cerca de 70.000,00€ (setenta mil euros).
10. A decisão proferida pelo Tribunal viola vários direitos dos Recorrentes, mais propriamente o seu direito à defesa, pois ignorou, por completo, os depoimentos das testemunhas acerca do prédio que deram em pagamento à Autora D. C..

Termos em que, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser a sentença proferida nos autos revogada.

Igualmente os 4º Réus, M. G. e mulher, I. L., interpuseram recurso daquela sentença, sustentando aderir às alegações apresentadas pelos 1ºs Réus J. C. e M. F..

Finalmente, o 3º Réu, A. J., também interpôs recurso de apelação da mesma sentença, apresentando as seguintes conclusões:

1. Decidiu o Tribunal julgar a ação parcialmente procedente, declarando nulo, por simulação o negócio jurídico de doação objeto dos autos, ordenando a restituição dos imóveis doados ao Recorrente e ao Réu A. C., à esfera patrimonial dos 4.ºs Réus.
2. Ordena, ainda, o cancelamento do registo de aquisição dos referidos prédios a favor do Recorrente e do Réu A. C..
3. Pretende o Recorrente demonstrar que face à prova produzida nos presentes autos, bem como às regras da experiência comum, outro entendimento seria imperativo, no sentido da improcedente da ação intentada pelos autores.
4. O recurso concerne matéria de facto e de direito, pretendendo-se demonstrar que o tribunal recorrido julgou ao decidir como decidiu.
5. Os depoimentos das testemunhas impunham decisão diversa daquela que o Tribunal alcançou.
6. Os pontos concretos da sentença que foram incorretamente julgados são aqueles que constam na factualidade dada como provada nos pontos 12, 13 e 17.
7. As provas que impunham decisão diversa pretendem-se com os depoimentos das testemunhas.
8. Desde logo o depoimento de D. C., a qual, sendo fiadora do empréstimo concedido aos Réus J. C. e M. F. foi também ela executada devido ao incumprimento do mesmo.
9. A testemunha mostrou ser parcial, mostrando conhecimentos assertivos apenas quanto a respostas desfavoráveis aos Réus J. C. e M. F..
10. Além do mais, tudo o que revelou advinha de testemunho indireto, do que lhe havia sido dito quer pelo sogro quer, como ela própria refere, pela Ré M. F..
11. A testemunha não referiu que se encontra de relações cortadas com estes Réus.
12. Por outro lado, o depoimento de M. O., mostrou ser também ele parcial, visto que a testemunha limitou-se a mostrar a versão dos factos tal como os autores a apresentam.
13. As duas únicas testemunhas com conhecimento direto da relação entre os Réus Avós e os Réus netos foram D. F. e M. G..
14. Estas testemunhas foram perentórias ao afirmar que a Ré M. F. deve dinheiro aos Réus Manuel e I. L. e que estes se encontram há vários anos de relações cortadas, intercaladas com períodos de algum diálogo.
15. Referiram que os netos e avós têm uma boa relação e que as partes pretenderam celebrar a doação tal e qual ela foi feita.
16. A decisão proferida violou o princípio da liberdade contratual, tal e qual ela está prevista nos artigos 232.º, 233.º e 405.º do Código Civil e ainda o artigo 26.º, n.º 1 da CRP.
17. Violou ainda o direito de propriedade do Recorrente, previsto no artigo 1305.º do Código Civil.
18. Assim, deverá a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser substituída por uma outra no sentido da improcedência da ação e, assim, mantendo intacto o contrato de doação realizado entre os Réus A. C., A. J., M. G. e I. L..

Termos em que, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser a sentença proferida nos autos revogada.

Os Autores contra-alegaram em relação ao recurso interposto pelos 1ºs e 4ºs Réus, pugnando pela improcedência deste, apresentando as seguintes conclusões:

A. Não tendo até à presente data a recorrente M. F. junto o comprovativo de pagamento da taxa de justiça nos termos do artigo 642º n.º 1 do CPC, deverão ser desentranhadas as presentes alegações de recurso nos termos do n.º 2 do mesmo preceito legal.
B. Alegam os Recorrentes que o tribunal de 1ª Instancia cometeu um erro na apreciação e decisão da matéria de facto no que toca ao apuramento do valor devido pelos Réus aos Autores.
C. Em 1º lugar porque descreveu erradamente a matéria de facto trazida pelos Recorrentes/Réus aos presentes autos, fazendo constar de que estes confessaram na contestação que eram devedores de mais de meio milhão de euros neles se incluindo o valor peticionado nos presentes autos pelos Autores.
D. Nenhum erro existe em tal descrição, basta pois atentar no artigo 31º da contestação apresentada pelos mesmos, onde efetivamente confessam aceitar o alegado pelos Autores/Recorridos no artigo 16º da Petição Inicial, qual seja o montante pago pelos Autores à luz do preceituado no artigo 644º do código civil.
E. Mais alegam os Recorrentes que o tribunal a “a quo” não teve em conta o por estes alegado na contestação, quanto a um suposto crédito sobre os Autores.
F. Crédito que na versão dos Recorrentes se traduz num prédio rústico e respetivas benfeitorias, prédio que se encontra na posse e propriedade dos Autores/Recorridos e que pertencia aos aqui Recorrentes/Réus, sem contudo terem efetuado nos autos prova do aqui alegado.
G. Limitam-se os Recorrentes nas suas alegações a referir tais alíneas D) e E) dos factos que supostamente foram incorretamente julgados, sem contudo fundamentar aquilo que invocam.
H. Remetendo apenas para a prova produzida por duas testemunhas, sendo que uma delas transcreveram um pequenos trecho, absolutamente desenquadrado, do depoimento integral, tentando enganar o tribunal “ad quem”, fazendo letra morta de toda a outra prova produzida nos autos.
I. Não há qualquer referência nos referidos depoimentos que tal prédio rústico tivesse sido propriedade do Réu J. C., nem que o mesmo tivesse sido transferido para a propriedade da Autora D. C. para pagamento de qualquer divida.
J. Ficou amplamente provado, através desses depoimentos e da prova documental que os Réus devem aos Autores o montante a que foram condenados na alínea a) da douta sentença proferida nos autos.
K. Pretendem os Recorrentes que o Venerando Tribunal altere tais factos dados como não provados para provados, declarando a extinção da obrigação dos Recorrentes por compensação de crédito que os mesmos supostamente detêm sobre os Autores, sem contudo deduzirem qualquer reconvenção ou exceção perentória em sede de contestação.
L. Ao contrário do pretendido pelos Recorrentes existem nos autos fundamentos de facto para a procedência do pedido deduzido pelos Autores/Recorridos quanto ao valor devido pelo Réus ao mesmos e para a condenação destes.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELOS APELANTES E MANTIDA A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, COM TODAS AS DEVIDAS E LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.

Os Autores também contra-alegaram em relação ao recurso interposto pelo 3º Réu A. J., pugnando pela respetiva improcedência, tendo para o efeito apresentado as conclusões que se seguem:

A. Alega o Recorrente que o tribunal de 1ª Instancia cometeu um erro na apreciação e decisão da matéria de facto e consequentemente fez uma má aplicação do direito.
B. Mais alegando que os pontos 12º, 13º e 17º dos factos provados devem ser considerados e declarados não provados por terem sido “incorretamente julgados”.
C. Ora, nenhum reparo merece a decisão proferida pelo tribunal de 1ª Instancia quanto a tal questão, nenhuma razão têm o Apelante em invocar tal “erro”, já que efetivamente ele não se verifica.
D. Ouvidos integralmente os depoimentos das testemunhas, nenhum outro sentido, valor e alcance pode ser dado que não seja aquele que o tribunal “a quo” lhes atribuiu.
E. Basta atentar nos depoimentos contraditórios das testemunhas D. F. e M. G., irmãos da Ré M. F. e cunhados do Réu J. C..
F. Sendo certo que tais testemunhas foram intervenientes na escritura de doação junta sob o doc. n.º 12 com a petição inicial e constante dos pontos 14 e 15 dos factos provados, tendo estas nítido interesse no desfecho desta ação, porque herdeiros dos 4ºs Réus e conhecedores da simulação efetuada.
G. Mantiveram ao longo do seu depoimento um discurso assente na tese de que os 4ºs Réus e os 2ºs se encontravam de relações cortadas e que os pais (os 4ºs Réus) quiseram penalizar a M. F., doando imoveis a todos os outros filhos.
H. Tese destronada pela restante prova testemunhal, nomeadamente José M. S., D. C., P. F., M. O., testemunhas que ao contrário do alegado pelo Recorrente não tem qualquer interesse no desfecho desta ação, pelo que depuseram de forma credível, coerente e isenta.
I. Aliás os próprios Réus J. C. e M. F. no artigo 48º da contestação confessam que a Ré M. F. tem sido constantemente prejudicada na partilha dos bens que os seus pais, os RR. M. G. e I. L., tem vindo a fazer.
J. Dos depoimentos de todas as testemunhas (se ouvidos integralmente) e da demais prova carreada para os autos resulta claramente que os 4º Réus não tinham a intenção de doar os bens constantes da escritura identificada no ponto 9 dos factos provados, antes tinham sim vontade de doarem em vida tais bens à Ré M. F..
K. Sendo que esta se comporta como dona e por todos como tal sendo considerada, dos prédios doados aos 2º e 3º Réus, cultivando e colhendo os frutos.
L. A vontade dos Réus ao simularem tal doação foi de criar a aparência perante os credores da falta de bens no património dos 1ºs Réus, e desta forma poderem também os 4ºs Réus procederem à partilha em vida dos seus bens, ficando os prédios constantes da doação efetuada aos livre dos ataques dos credores, conseguindo assim desta forma igualarem a distribuição dos seus bens por todos os filhos.
M. Analisando e articulando toda a prova, a decisão em matéria de facto não merece qualquer reparo, nomeadamente quanto aos pontos 12, 13 e 17 dos factos provados como pretende o Recorrente.
N. E, perante a matéria de facto corretamente julgada, nenhuma outra decisão em matéria de direito poderia ser proferida.
O. Tendo os Recorridos/Autores provado como alegaram e lhes cumpria o único desfecho, porque verdadeiro, que a presente ação poderia ter como teve foi a sua procedência, como bem decidiu o Tribunal “a quo”.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELOS APELANTES E MANTIDA A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, COM TODAS AS DEVIDAS E LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.

Não foram apresentadas contra-alegações quanto ao recurso interposto pelos Autores.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento do que se caba de dizer, as questões que se encontram submetidas pelos apelantes à apreciação desta Relação resumem-se ao seguinte:

a- da questão prévia suscitada pelos Autores, nas suas contra-alegações de recurso, quanto ao pretenso não pagamento da taxa de justiça devida pela apelante e 1ª Ré M. F. pela interposição do recurso, requerendo que, em consequência, sejam desentranhadas dos autos as alegações de recurso por ela apresentadas;
b- se a sentença recorrida padece de erro de direito quanto ao julgamento da matéria de facto nela realizado:
b.1- ao julgar como não provada a matéria das alíneas D) e E) dos factos julgados não provados naquela sentença e se, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe concluir pela prova dessa materialidade fática (recurso interposto pelos 1ºs e 4ºs Réus);
b.2- ao julgar como provados os factos dos pontos 12º, 13º e 17º dos factos julgados provados na dita sentença e se, uma vez feita a reponderação da prova produzida, se impõe julgar como não provados esses factos (recurso interposto pelo 3º Réu A. J.);
c- se na sequência da procedência dos recursos quanto à matéria de facto interpostos pelos 1ºs, 3º e 4ºs Réus, a sentença proferida padece de erro de direito quanto à decisão de mérito nela proferida e se, em consequência, se impõe absolver os Réus de todos os pedidos contra eles formulados pelos Autores (recurso dos 1ºs, 3º e 4ºs Réus);
d- se a sentença recorrida padece de erro de direito quanto à decisão de mérito nela proferida ao ordenar a restituição dos prédios objeto das doações feitas pelos 4ºs Réus aos 2ºs e 3º Réus ao património dos 4ºs Réus e ao julgar improcedente o pedido formulado pelos apelantes/Autores sob a alínea D) do seu petitório com fundamento na circunstância do negócio dissimulado de doação não cumprir as exigências de forma subjacentes ao negócio simulado (recurso dos Autores).
*
A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:

1. A Autora D. C. é irmã do 1º Réu J. C..
2. Os 2º e 3º Réus A. C. e A. J. são filhos dos 1ºs Réus J. C. e M. F.. 3. Os 4ºs Réus M. G. e I. L. são pais da 1ª Ré M. F..
4. Por contrato que denominaram de “contrato de empréstimo garantido por fiança e hipoteca” celebrado em 31 de Agosto de 2001, o Banco A de Barcelos, CRL concedeu aos 1ºs Réus, por empréstimo, a quantia de 95.000.000$00, da qual os mesmos se confessaram devedores, obrigando-se a restituir a referida importância nas datas e condições estipuladas.
5. A Autora D. C. e seu então marido E. F. constituíram-se fiadores nesse contrato, renunciando ao benefício da excussão prévia.
6. O Banco A de Barcelos, CRL intentou contra os 1ºs Réus e contra a Autora D. C. e seu então marido a Execução nº 952/2002, que correu termos pelo extinto 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Barcelos, exigindo o pagamento da quantia de € 84.671,18.
7. No âmbito desse processo executivo, a Autora D. C. e seu então marido pagaram à aí exequente a quantia de € 19.149,82.
8. O Banco A de Barcelos, CRL intentou contra a Autora D. C. e seu então marido a Acção Ordinária nº 969/2002, que correu termos pelo extinto 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Barcelos, no âmbito da qual foi celebrada transacção por força da qual pagaram àquela a quantia de € 50.000,00 por conta da quantia exequenda, que acresceu ao valor referido anteriormente.
9. Por escritura de 31 de Janeiro de 2011, outorgada no Cartório Notarial do Notário P. C., na cidade de Barcelos, exarada de folhas 7 a 9 verso do livro 53-A, os 4ºs Réus M. G. e I. L. declararam doar, em comum e partes iguais, aos 2º e 3º Réus A. C. e A. J., por conta das suas quotas disponíveis, os seguintes prédios:

- rústico denominado de leira das Cachadas, com a área de 2.800 m2, a confrontar do norte com M. R., sul com J. F., nascente com José e do poente com L. A., inscrito na matriz predial rustica de (...) sob o artigo 917 e descrito na conservatória do registo predial de Barcelos sob o n.º (...);
- urbano, composto por casa de um pavimento, dependência e logradouro, inscrito na matriz predial urbana de (...) sob o artigo 437, e inscrito na conservatória do registo predial de Barcelos sob o n.º (...); e
- rústico denominado de horta, com a área de 69, 80 m2, no lugar de (...), inscrito na matriz predial rustica de (...) sob o artigo 383, descrito na conservatória do registo predial de Barcelos sob o n.º (...).
10. O 3º Réu A. J., dado que à data era menor de idade, foi representado nessa escritura de doação pelos seus pais, aqui 1ºs Réus.
11. Os Réus A. C. e A. J., procederam ao registo a seu favor dos prédios supra identificados, mediante a Ap. n. º 1260 de 30/03/2011, a qual foi registada no sistema com a mesma data.
12. Os 4ºs Réus pretenderam doar os mesmos prédios aos 1ºs Réus e não aos 2º e 3º Réus, que também não quiseram aceitar as doações.
13. Os 4ºs Réus apenas não declararam doar os aludidos prédios aos 1ºs Réus para os colocar fora do alcance dos respectivos credores, nomeadamente dos aqui Autores.
14. Os 4ºs Réus procederam na mesma data e em ato contínuo, à doação dos seus restantes bens, beneficiando todos os seus filhos à exceção da sua filha M. F., aqui 1ª Ré.
15. Tendo doado oito prédios, um prédio ao filho D. F., cinco prédios ao filho M. G. e dois prédios ao filho J. C., sendo que estas doações foram feitas por conta da legítima dos donatários e no caso de exceder a mesma a serem imputadas na quota disponível dos doadores.
16. Todos os Réus sabiam, à data da outorga da escritura de doação, que os 1ºs RR. tinham várias dívidas, nomeadamente para com os Autores.
17. Os 2º e 3º Réus nunca fruíram dos prédios rústicos identificados em 9º, encontrando-se os mesmos a ser cultivados pelo 1ª. Ré M. F..
*
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, nomeadamente os seguintes:

a) A Autora D. C. e seu então marido E. F. desconheciam o alcance da responsabilidade que assumiram ao constituírem-se fiadores no contrato referido em 1º.
b) Os 4ºs Réus e os 1ºs Réus encontram-se há longos anos de relações cortadas.
c) Os 4ºs Réus desconheciam que os 1ºs Réus tivessem quaisquer dívidas, designadamente aos Autores.
d) A Autora, por partilha dos seus pais, ficou com a propriedade de um prédio no valor de € 70.000,00, prédio este que seria, segundo vontade dos seus pais, destinado ao 1º Réu marido.
e) Face à dívida que tinha para com a irmã, o 1º Réu marido aceitou que esta ficasse beneficiada, com vista à amortização da dívida que este último tem para com a Autora.
*
B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

Já se enunciaram supra as questões que se encontram submetidas à apreciação desta Relação, sendo que a primeira questão que se impõe apreciar é a questão prévia suscitada pelos Autores/apelantes nas suas contra-alegações de recurso a propósito do recurso interposto pela recorrente M. F..

B.1- Da questão prévia – do não pagamento da taxa de justiça.

Tendo os 1ºs Réus, J. C. e mulher, M. F., interposto, a fls. 408 a 415, recurso da sentença proferida nos autos, os Autores/apelados vieram, nas suas contra-alegações, requerer que essas alegações de recurso sejam desentranhadas com fundamento na circunstância de, por decisão proferida em 09/01/2017, pelo núcleo de apoio judiciário, ter sido cancelada a proteção jurídica concedida à recorrente M. F. e desta não ter junto aos autos, até ao presente momento, comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso, o que determina o desentranhamento dos autos das alegações de recurso, conforme estipula o n.º 2 do art. 642º do CPC.
Concluem, pedindo que se ordene o desentranhamento das alegações de recurso apresentadas pela apelante M. F..

Apreciando.

Nos termos dos arts. 1º do RCP, todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento (n.º 1), considerando-se, para efeitos deste, como processo autónomo, cada ação, execução, incidente, procedimento ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria.
As custas abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (art. 3º, n.º 1 do RCP).

A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e da complexidade da causa, de acordo com o Regulamento (art. 6º, n.º 1 do RCP), sendo que nos recursos, essa taxa é sempre fixada nos termos da tabela I-B, que faz parte integrante do Regulamento (n.º 2 daquele art. 6º).

O pagamento da taxa de justiça faz-se no momento da prática do ato, nos termos do art. 14º, n.º 1 do RCP, comando legal este que é reafirmando na primeira parte do n.º 1 do art. 642º do CPC.

Tendo o valor da presente ação sido fixado, por despacho proferido a fls. 336, transitado em julgado, em 153.821,00 euros, dúvidas não subsistem que tendo, por decisão proferida pelo núcleo de apoio judiciário, em 09/10/2017, junta aos autos a fls. 457 a 460, sido cancelada a proteção jurídica concedida à apelante M. F., esta tinha de juntar às suas alegações de recurso o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso.
Essa taxa de justiça ascende a seis UC (vide tabela I-A anexa ao RCP), ou seja, à quantia de 612,00 euros.

A apelante M. F. não juntou aquele documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça às suas alegações de recurso, mas nem por isso, contrariamente ao pretendido pelos apelados/Autores, se segue o imediato desentranhamento das alegações de recurso apresentadas pela apelante M. F..

Com efeito, nos termos do n.º 1 do art. 642º do CPC, quando o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça ou da concessão do benefício do apoio judiciário não tiver sido junto ao processo no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o interessado para, em dez dias, efetuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas nunca inferior a uma UC nem superior a cinco UC.

Só uma vez decorrido esse prazo de dez dias, caso a recorrente não pague a taxa de justiça em falta e a multa, nos termos do n.º 2 do art. 642º do CPC será determinado o desentranhamento dos autos das alegações de recurso que apresentou.

No caso, conforme se vê do Citius, a Secção notificou a apelante M. F., via Citus, para proceder ao pagamento da taxa de justiça e da multa nos termos do art. 641º, n.º 1 do CPC, em 25/09/2018, tendo esta, na sequência dessa notificação, pago essa taxa de justiça em falta e a multa em 08/10/2018 (cfr. fls. 546 a 548).

Resulta do que se vem dizendo, improceder a questão prévia suscitada pelos apelados/Autores, indeferindo-se a sua pretensão em ver ordenado o desentranhamento dos autos das alegações de recurso apresentadas pela apelante M. F..

B.2- Da impugnação da matéria de facto

Os 1ºs e os 4ºs Réus, J. C., M. F., M. G. e I. L. interpuseram recurso da sentença proferida, impugnando a matéria de facto julgada como não provada sob as alíneas D) e E) da sentença recorrida, sustentando que, contrariamente ao que consta da motivação da decisão da matéria de facto, os apelantes e 1ºs Réus, J. C. e M. F., nunca admitiram dever aos Autores o valor por estes peticionados nos autos, já que, em momento algum admitiram ou confessaram serem devedores da quantia de 153.821,00 euros para com aqueles e que o facto de serem devedores de várias quantias a outros terceiros, em nada corrobora a tese de que nunca pagaram qualquer quantia aos Autores.

Mais sustentam não se compreender como o tribunal a quo deu credibilidade ao depoimento prestado pela testemunha M. O. e à versão dos factos apresentada pelos Autores quando é dito e repetido, ao longo dos autos, que estes últimos atravessam inúmeras dificuldades financeiras, cuja origem atribuem aos recorrentes, mas aceita que os Autores tenham dinheiro para comprar um prédio ao cunhado, que nunca entrou na posse do referido terreno.

Alegam ainda que com base no depoimento do identificado M. O. que diz, ainda que indiretamente, que a posse do prédio passou dos 1ºs Réus J. C. e M. F. para a Autora e, bem assim com base no depoimento da testemunha P. F., que afirma, sem sombra de dúvidas, que quem tinha a posse do terreno antes do mesmo pertencer aos Autores era o 1º Réu J. C., que nele realizou várias obras, conjugado com o facto de não ser credível que os Autores aceitassem manter-se tanto tempo sem serem ressarcidos de qualquer quantia que pagaram devido à fiança que prestaram a favor dos 1ºs Réus, bem como de não ser verosímil que os mesmos aleguem terem várias dificuldades económicas mas que tenham tido capacidade económica para pagar parte da dívida do mútuo contraído junto do Banco A e para adquirir um terreno cujo valor de mercado é de cerca de 70.000,00 euros, se impõe concluir pela prova da matéria de facto vertida nas referidas alíneas D) e E) dos factos julgados como não provados na sentença recorrida.

Por sua vez, o 3º Réu A. J. impugna a matéria de facto julgada como provada nos pontos 12º, 13º e 17º da sentença recorrida, sustentando que o depoimento prestado pela testemunha D. C., em que o tribunal a quo alicerçou a sua convicção para concluir pela prova daquela factualidade, se revela parcial, indireto e interessado, pelo que nunca o tribunal lhe podia dar o peso probatório que lhe conferiu, além de que o tribunal faz tábua rasa quando esta refere que o Réu A. C. lhe disse que pretendia construir uma casa no prédio que lhe foi doado.

Alega ainda que também o depoimento da testemunha M. O., de que também se socorreu o tribunal, se mostrou imprestável para alicerçar a prova daquela matéria, uma vez que a testemunha em causa se limitou “a dizer o que se diz”, sendo todo o seu depoimento indireto, parcial e sem revelar ter conhecimento algum sobre os factos em discussão nos autos.

Mais alega que contrariamente à posição do tribunal a quo, os depoimentos prestados pelas testemunhas D. F. e M. G. se mostram genuínos, convincentes e desinteressados, sendo ambas as testemunhas concordantes entre si em afirmar que a 1ª Ré M. F. deve dinheiro aos pais, os 4ºs Réus, e que estes se encontram há vários anos de relações cortadas com aquela, intercaladas com períodos de algum diálogo, e que fruto da boa relação entre netos e avós, estes pretenderam celebrar a doação a favor daqueles tal e qual ela foi feita.

Conclui que a prova produzida não consente que se conclua pela prova dos factos julgados provados na sentença recorrida nos enunciados pontos 12º, 13º e 17º, impondo-se que se julgue como não provados estes concretos factos.
Antes de entrarmos na apreciação desta sindicância que os apelantes fazem ao julgamento da matéria de facto operado pela 1ª Instância, impõe-se enunciar os critérios em que é permitido ao tribunal ad quem entrar na reapreciação do julgamento da matéria de facto operado pela 1ª Instância e, bem assim alterar esse julgamento.

B.2.1- Da impugnação da matéria de facto em geral

Como é sabido, com a reforma introduzida ao CPC pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, o legislador introduziu o registo da audiência final, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes o duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, de modo que a alteração da matéria de facto, que no anterior regime processual era excecional, passou a ser uma função normal do Tribunal da Relação.

Nessa operação foi propósito do legislador que o tribunal de segunda instância realize um novo julgamento em relação à matéria impugnada, assegurando um efetivo duplo grau de jurisdição, sendo isto que resulta expressamente do estabelecido no art. 662º, n.º 1 do CPC, quando nele se expressa que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Como vem sendo repetidamente afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, na sequência daquelas alterações, o desiderato do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto pressupõe um novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada e “somente será alcançado se a Relação, perante o exame e análise crítica das provas produzidas, a respeito dos pontos de facto impugnados, puder formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação da prova, sem estar limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, em função do princípio da imediação da prova, princípio este, que tido por absoluto, transformaria este duplo grau de jurisdição em matéria de facto, numa garantia praticamente inútil” (1).

Deste modo, perante as regras positivas enunciadas na atual lei processual civil, tendo o recurso por objeto a impugnação da matéria de facto, a Relação deve proceder a um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo, nessa tarefa, considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda pertinentes, tudo da mesma forma como o faz o juiz da primeira instância, embora nesta tarefa esteja naturalmente limitada pelo princípio da imediação e da oralidade.

Como verdadeiro tribunal de substituição, a Relação aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (art. 607º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil).

Nessa sua livre apreciação a Relação não está condicionada pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, tal como na 1ª instância, e não a apreciação que esta fez dessa mesma prova, podendo na formação dessa sua convicção autónoma, recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o juiz da primeira instância (2).

Não obstante o que se acaba de dizer, não foi propósito do legislador que o julgamento a realizar pelo Tribunal da Relação em sede de matéria de facto se transformasse na repetição do julgamento realizado em 1ª Instância, sequer permitir recursos genéricos, e daí que tenha rodeado o recurso da impugnação da matéria de facto à imposição ao recorrente de determinados ónus que enuncia no art. 640º do CPC.

Deste modo, com vista a obstar que o recurso da matéria de facto se transforme numa repetição do julgamento e a rejeitar a admissibilidade de recurso genéricos, contra a errada decisão da matéria de facto, o legislador optou “por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de factos controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”, pelo que se mantém o entendimento que, como tribunal de 2ª Instância que é, este deverá ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto (3), estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação.

Acresce que tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões, também ao recorrente é imposto, como correlativo do princípio da auto responsabilidade e dos princípios estruturante da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu o tribunal a quo em decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desses ónus, indicar não só a matéria que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, reclamava que tivesse sido proferida, os concretos meios de prova que ancoram essa solução diversa, com a respetiva análise crítica, isto é, com a indicação do porquê dessa prova impor decisão diversa daquela que foi julgada pelo tribunal a quo.

Deste modo é que o art. 640º, n.º 1 do CPC, estabelece que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Depois, caso os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2 do art. 662º).

Cumprindo a exigência de conclusões nas alegações a missão essencial da delimitação do objeto do recurso, fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem, é entendimento jurisprudencial uniforme que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e que, por isso, impugna e, bem assim, a decisão que, na sua perspetiva, deve ser proferida quanto a essa matéria.
Já quanto aos demais ónus, os mesmos, porque não têm aquela função delimitadora do objeto do recurso, mas se destinam a fundamentar o último, não têm de constar das conclusões, mas sim das motivações.

Sintetizando, à luz deste regime, seguindo a lição de Abrantes Geraldes (4), sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d)…; e) o recorrente deixará expressa, na motivação (segundo o STJ, nas conclusões), a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus da alegação, por forma a obviar à interposição de recurso de pendor genérico ou inconsequente.

O cumprimento dos referidos ónus, como adverte Abrantes Geraldes, tem a justificá-lo a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da Relação, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposto uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão e, bem assim o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações, uma vez que só na medida em que se conhece especificamente o que se encontra impugnado e qual a lógica de raciocínio expandido pelo recorrente na valoração e conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita o recorrido de todos os elementos que lhe permitam contrariar essa impugnação em sede de contra-alegações.

A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” como decorrência dos enunciados princípios de auto responsabilização, de cooperação, lealdade e boa-fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório a que o recorrente se encontra adstrito, sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo” (5).

Como consequência do que se vem dizendo, impõe-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra: “a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 6411º, n.º 2, al. b) do CPC); b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a) do CPC); c) falta de especificação na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e e) falta de posição expressa, na motivação (segundo o STJ, nas conclusões), sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação” (6).

Esta posição tem sido aquela que tem sido seguida, de forma uniforme, pela jurisprudência do STJ., que, como referido, tem sustentado que a decisão que, na perspetiva, do apelante deve ser proferida quanto à concreta matéria de facto que impugna, deve constar das conclusões (7).

B.2.2- Dos critérios em que é consentido ao tribunal ad quem alterar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância.

Neste âmbito impõe-se ter presente que se mantêm em vigor no atual CPC os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova.

Deste modo, perante a vigência dos enunciados princípios e porque o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, tem-se entendido que a Relação apenas deve alterar a decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Decorre do exposto que a alteração da matéria de facto só deve ser alterada pelo tribunal ad quem quando, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada e à análise da restante prova produzida, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.
O que se acaba de dizer encontra sustentação na expressão “imporem decisão diversa” expressa no n.º 1 do art. 662º, bem como no elemento teleológico desta norma.
Deste modo, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte” (8).

B.2.3- Do caso concreto.

Assentes nestas premissas, revertendo ao caso em análise, temos como facto seguro que os apelantes deram cumprimento aos ónus enunciados no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, na medida em que indicam, nas conclusões, a concreta matéria de facto que impugnam (matéria vertida nos pontos 12º, 13º e 17º dos factos julgados como provados na sentença recorridas e nas alíneas D) e E) dos factos nela julgados como não provados), bem como enunciam a decisão que, na sua perspetiva, uma vez reponderada a prova produzida, deve merecer aquela matéria que impugnam (os factos julgados como provados, devem ser julgados como não provados; já os julgados como não provados devem ser considerados provados), além de que indicam os meios probatórios que, na sua perspetiva, sustentam esse julgamento diverso e, inclusivamente, fazem um exame crítico dessa mesma prova, indicando o porquê de, na sua perspetiva, se impor esse julgamento diverso do realizado pela 1ª Instância quanto àquela concreta matéria que impugnam, além de que, quanto à prova gravada, indicam o início e o termo dos excertos em que fundam esse julgamento distinto, procedendo, inclusivamente, à respetiva transcrição.

Aqui chegados, nada obsta, mas antes impõe, que se proceda à apreciação da sindicância que os apelantes fazem ao julgamento da matéria de facto que impugnam.

B.2.3.1- Da impugnação dos factos julgados como não provados nas als. D) e E).
Como referido, os 1ºs e 4ºs Réus impugnam a matéria de facto julgada como não provada nas alíneas D) e E) da sentença recorrida, com fundamentos em duas ordens de razões, a saber: a) contrariamente ao que consta da motivação da matéria de facto elaborada pela 1ª Instância, os 1ºs Réus jamais admitiram dever aos Autores a quantia que por estes vem peticionada nos autos; e b) decorre dos próprios depoimentos das testemunhas M. O. e P. F. que quem tinha a posse do terreno antes do mesmo pertencer aos Autores era o 1º Réu J. C., que nele realizou várias obras, não sendo credível que os Autores, que alegam terem várias dificuldades financeiras, tivessem dinheiro para comprar esse prédio aos 1ºs Réus e, bem assim para pagar parte da dívida que os 1ºs Réus contraíram junto do Banco A e que os Autores afiançaram.
Pretendem os apelantes que perante aqueles fundamentos probatórios se conclua pela prova dos factos vertidos nas alíneas D) e E) dos factos julgados não provados na sentença recorrida.

Os factos em questão, são os seguintes:

D- A Autora, por partilha dos seus pais, ficou com a propriedade de um prédio no valor de 70.000,00 euros, prédio este que seria, segundo vontade dos seus pais, destinado ao 1º Réu marido.
E- Face à dívida que tinha para com a irmã, o 1º Réu marido aceitou que esta ficasse beneficiada, com vista à amortização da dívida que este último tem para com a Autora.

Enuncie-se, para que dúvidas não subsistam na mente de quem quer que seja, que procedemos à análise de toda a prova documental junta aos autos e à audição integral das nove testemunhas que depuseram em audiência final e, bem assim, dos dois depoimentos de parte nela prestados pelos 4ºs Réus, M. G. e I. L., até porque perante a severidade das críticas que os Réus apelantes assacam ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, ficamos na dúvida se o julgamento que os mesmos assistiram é aquele cujas gravações, reafirma-se, ouvimos na íntegra.

Passando a sindicância que os 1ºs e 4ºs Réus fazem à matéria de facto julgada como não provada sob as enunciadas alíneas D) e E), cumpre referir que os mesmos, sequer nenhum dos demais apelantes, não impugnam a matéria de facto julgada como provada na sentença recorrida sob os pontos 4º a 8º da sentença recorrida, pelo que essa matéria se tem como definitivamente assente.

Destarte, nos presentes autos encontra-se, em definitivo, assente que no âmbito dos autos de execução que o Banco A de Barcelos, CRL, intentou contra os 1ºs Réus e a Autora D. C. e o seu marido, E. F., entretanto falecido, que correu termos sob o n.º 952/2002, do 4º Juízo Cível do entretanto extinto Tribunal Judicial de Barcelos, a Autora e o seu entretanto falecido marido pagaram à aí exequente a quantia de 19.149,82 euros e, bem assim a quantia de 50.000,00 euros, num total de 69.149,82 euros.

Acresce precisar que a matéria em apreço apenas pode ser provada através de documento autêntico, isto é, de certidão extraída daqueles autos de execução, pelo que ainda que os apelantes tivessem impugnado aquela matéria fáctica que se encontra julgada como provada nos referidos pontos 4º a 8º dos factos julgados como provados na sentença recorrida, sempre esses factos tinham de ser julgados como provado perante o teor da certidão extraída desses autos executivos, junta aos presentes autos a fls. 173 a 311.

Na verdade, conforme se vê dessa certidão, a fls. 308, no âmbito dessa execução foi penhorado ao falecido marido da aqui Autora, E. F., a quantia global de 24.349,08 euros, a título de pensões de reforma deste e, na sequência da transação de fls. 270 a 272, aí celebrada entre a aqui Autora e o seu falecido marido, aí executados, e a aí exequente Banco A de Barcelos, aqueles pagaram 1.000,00 euros (fls. 274) e 49.000,00 euros (fls. 275), tendo-lhes sido restituída, no âmbito dessa execução, a quantia de 5.199,26 euros (cfr. fls. 309), o que significa que por via do contrato de empréstimo garantido por fiança de fls. 28 a 36, celebrado entre o Banco A e os aqui 1ºs Réus, J. C. e M. F., em 31/08/2001, mediante o qual a primeira emprestou aos últimos a quantia de 95 milhões de escudos, e em que a aqui Autora e o seu entretanto falecido marido, e outros, outorgaram como fiadores desses 1ºs Réus, a aqui Autora D. C. e o seu entretanto falecido marido pagaram no âmbito dessa execução a quantia global de 69.149,82 euros, tal como se deu como provado nos enunciados pontos 7 e 8 dos factos julgados como provados na sentença recorrida.

Mediante a enunciada matéria das alíneas D) e E) dos factos julgados como não provados na sentença recorrida, pretendem os 1ºs e 4ºs Réus apelantes fazer prova, tal como, aliás, foi alegado pelos 1ºs e 3º Réus na sua contestação de fls. 134 a 143 (cfr. arts. 79º a 83º de fls. 143), que para pagar à aqui Autora e ao seu entretanto falecido marido a enunciada quantia de 69.149,82 euros que os mesmos pagaram no âmbito daquela execução, enquanto fiadores, por acordo entre a Autora, o 1º Réu J. C. e os pais de ambos, estes últimos efetuaram partilhas com os filhos, tendo a Autora, no âmbito dessas partilhas, recebido a propriedade sobre um prédio, cujo valor de mercado ascenderia a 70.000,00 euros, prédio esse que se destinaria ao 1º Réu J. C., mas que, na sequência desse acordo celebrado entre este, a Autora e os pais de ambos, teria antes sido adjudicada à Autora com vista à liquidação daquela quantia que estes pagaram no âmbito da referida execução e que, por conseguinte, os 1ºs Réus lhes deviam.

Acontece que conforme é bom de ver, mediante a alegação daqueles factos, alegando os 1ºs e 3º Réus o pagamento daquela quantia que os 1ºs Réus deviam à Autora e ao seu entretanto falecido marido por via do pagamento que estes, enquanto fiadores daqueles 1ºs Réus, pagaram no âmbito daquela execução, mediante a adjudicação daquele prédio à Autora no domínio das partilhas que os pais da Autora D. C. e do 1º Réu J. C. alegadamente fizeram com os filhos, é sobre os Réus que em função das regras do ónus da prova explanadas no n.º 2 do art. 342º do CC., impende o ónus da prova dos factos alegados pelos 1ºs e 3º Réus nos pontos 79º a 83º da sua contestação (fls. 143 dos autos), ou seja, o ónus da prova dos factos julgados como não provados nas alíneas D) e E) da sentença recorrida impende sobre os Réus e não sobre os Autores.

Posto isto, vejamos se os Réus fizeram prova da enunciada factualidade julgada como não provada sob as referidas alíneas D) e E).
É um facto que a testemunha M. O., vizinho da Autora e da irmã desta, a testemunha D. C., referiu que o 1º Réu J. C. tinha um estaleiro de construção civil e que atualmente, no local onde existia esse estaleiro, não existe nada.
O identificado M. O. referiu ainda que a Autora D. C. é proprietária de um terreno onde antigamente o 1º Réu J. C. estacionava camiões, terreno esse que era propriedade dos pais da Autora e do 1º Réu J. C., concretizando que de acordo com aquilo que a Autora lhe disse, o pai daquela e do 1º Réu J. C. teria vendido esse terreno a um cunhado da Autora D. C., a quem esta o teria comprado.
Também é um facto que a testemunha P. F., que afirmou conhecer a Autora e o 1º Réu, a quem prestava serviços ao último, afirmou que quando o 1º Réu J. C. tinha estaleiro, a Autora trabalhava para ele, tratando-se de um terreno arrendado pelo 1º Réu J. C.. No entanto, o mesmo P. F. aludiu à existência de um outro terreno, onde o 1º Réu J. C. tinha camiões, terreno esse que era propriedade do pai do 1º Réu J. C. e da Autora e de que a última é, atualmente, proprietária em virtude de o ter comprado.
Aqui chegados, verifica-se que quer a testemunha M. O., quer a testemunha P. F. são concordantes entre si em afirmar a existência de um terreno, onde no passado o 1º Réu J. C. estacionava camiões, terreno esse que seria então propriedade do pai da Autora e do 1º Réu J. C. e que, em função do depoimento da testemunha M. O., teria sido vendido pelos pais da Autora e do 1º Réu a um cunhado da Autora, a quem esta o teria comprado, sendo igualmente a testemunha P. F. concordante em afirmar que esse terreno é atualmente propriedade da Autora por o ter comprado, embora não tenha concretizado a quem esta teria efetuado essa pretensa compra.

Conforme é bom de ver, os depoimentos destas testemunhas, que referem que a Autora terá comprado esse terreno, em nada corresponde à matéria que vem alegada pelos 1ºs e 3º Réu nos enunciados pontos 79º a 83º da sua contestação (fls. 143), onde estes não aludem a qualquer venda de terreno efetuada pelos pais da Autora e do 1º Réu J. C. a terceiros ou à Autora, mas antes a uma partilha em vida efetuada pelos pais da Autora e do 1º Réu J. C., no âmbito da qual teria sido adjudicado à Autora um prédio que se destinava ao 1º Réu, mas que mediante acordo celebrado entre a Autora, o 1º Réu e os pais de ambos, teria sido adjudicado à Autora para lhe pagar o dinheiro que os 1ºs Réus deviam àquela e ao seu entretanto falecido marido por via das quantia que estes pagaram (ou iriam pagar) no âmbito da execução que o Banco A lhes instaurou enquanto fiadores dos 1ºs Réus.

Consequentemente, porque a versão dos factos apresentada pelas identificadas testemunhas nada tem a ver com a alegação dos 1ºs e 3º Réus na contestação apresentada, os factos vertidos nas alíneas D) e E) dos factos julgados não provados na sentença recorrida, que correspondem a essa alegação, tinham de ser necessariamente julgados como não provados, como o foram, tanto mais que, relembra-se aos Réus apelantes, a testemunha M. O., que é irmão da Autora e do 1º Réu J. C., referiu que os seus pais não fizeram quaisquer partilhas com os filhos.

Acresce precisar que não obstante os depoimentos prestados pelos identificados M. O. e P. F., sempre se imporia concluir pela não prova da versão dos factos por elas apresentadas, quando se verifica que não foi junta aos presentes autos qualquer escritura de compra e venda ou certidão da conservatória do registo predial atinente ao enunciado prédio, não obstante a facilidade que os Réus/apelantes teriam em obter esses documentos, por forma a corroborar a versão dos factos apresentada pelas identificadas testemunhas.

Resulta do que se vem dizendo que não obstante os depoimentos de M. O. e P. F., a prova produzida nem sequer consente que se conclua que o prédio a que aludem, tivesse sido efetivamente comprado pela Autora, sendo esta realmente sua proprietária.

Na verdade, não tendo sido junta aos autos certidão da escritura de compra e venda certificando essa pretensa compra realizada pela Autora do enunciado prédio, sequer não tendo sido junta aos autos certidão da conservatória do registo predial referente a esse prédio, não existe prova minimamente segura que permita apurar a quem pertencia efetivamente esse prédio, que concreto prédio é esse, a quem eventualmente o mesmo foi vendido e a quem eventualmente a Autora o comprou, se é que realmente o comprou.

Resulta do que se vem dizendo, que perante os fundamentos probatórios que se vem enunciado, os quais padecem das insuficiência probatórias acabadas de enunciar, os quais, de resto, em nada corroboram a matéria de facto vertida nas alíneas D) e E) dos factos julgado não provados na sentença recorrida, outra solução não restava ao tribunal a quo que não fosse concluir pela não prova dessa concreta materialidade fáctica.

Nesta sequência, na improcedência dos fundamentos de recurso aduzidos pelos 1ºs e 4ºs Réus, mantém-se inalteradas as respostas de não provado em relação à matéria vertida nas alíneas D) e E) dos factos julgados não provados na sentença recorrida.

B.2.3.2- Da impugnação dos factos julgados como provados nos pontos 12º, 13º e 17º.

O 3º Réu A. J. impugna a matéria de facto julgada como provada nos pontos 12º, 13º e 17º da sentença recorrida, sustentando que a prova produzida não consentia que o tribunal a quo tivesse concluído pela prova dessa materialidade fáctica, isto porque os depoimentos das testemunhas D. C. e M. O. se revelam parciais, indiretos e interessados, além de que aquele tribunal faz tábua rasa do depoimento prestado pela testemunha D. C. quando esta refere que o Réu A. C. lhe disse que pretendia construir uma casa no prédio que lhe foi doado pelos avós.

Acresce ainda que, na perspetiva do apelante, os factos julgados como provados naqueles pontos são contrariados pelos depoimentos prestados pelas testemunhas D. F. e M. G., os quais se mostram genuínos, convincentes e desinteressados.

Conclui o apelante que perante as razões que explana se impõe concluir pela não prova da factualidade vertida nos enunciados pontos 12º, 13º e 17º dos factos julgados como provados na sentença recorrida.

Vejamos se lhe assiste razão.

Os factos impugnados são os seguintes:

12- Os 4ºs Réus pretenderam doar os mesmos prédios aos 1ºs Réus e não aos 2ºs e 3º Réus, que também não quiseram aceitar as doações.
13- Os 4ºs Réus apenas não declararem doar os aludidos prédios aos 1ºs Réus para os colocar fora do alcance dos respetivos credores, nomeadamente dos aqui Autores.
17- Os 2º e 3º Réus nunca fruíram dos prédios rústicos identificados em 9º, encontrando-se os mesmos a ser cultivados pela 1ª Ré M. F.”.

O tribunal a quo fundamentou a prova dos enunciados factos que assim julgou provados, bem como dos demais que também julgou como provados (e que não foram impugnados), nos seguintes termos:

“A convicção do tribunal baseou-se essencialmente na análise crítica do conjunto dos elementos de prova, conjugada com regras de normalidade e de experiência comum.

Foi determinante, em concreto e em primeiro lugar, o vasto acervo documental carreado para os autos pelas partes, com especial destaque para o contrato de mútuo celebrado entre os 1ºs Réus, o Banco A de Barcelos, CRL e os Autores (estes na qualidade de fiadores) - fls. 28 a 36 do processo físico - a escritura pública de doação de fls. 55 a 60 e as certidões judiciais juntas pelos Autores a fls. 173 a 310, das quais resulta inequivocamente que montantes foram pagos pela Autora e marido no âmbito de ambos os processos identificados nos pontos 6º a 8º dos factos provados.

No que respeita à prova testemunhal foi inquirida em primeiro lugar a testemunha D. C. S. irmã da Autora D. C. e do 1º Réu J. C., a qual, devido à sua relação de proximidade familiar com estes últimos e ao facto de residir perto de todos, demonstrou conhecimento direto e seguro sobre os factos em discussão nos presentes autos.

Foi, de facto, perentória e assertiva quando afirmou que a situação financeira dos 1ºs Réus era do conhecimento da generalidade das pessoas que habitam nos lugares de (...) e (…), pois tratam-se de lugares pequenos onde toda a gente se conhece e era público e notório que os mesmos deviam a várias pessoas. Relativamente ao gozo e fruição dos prédios doados, não teve quaisquer dúvidas em afirmar convictamente que os donatários não os cultivam (o 2º Réu é seu afilhado e encontra-se emigrado em Inglaterra, enquanto que o 3º Réu estará a estudar em Coimbra) e que quem efetivamente os cultiva e tira rendimento dos mesmos é a mãe deles, a aqui 1ª. Ré (filha dos 4ºs Réus, doadores).

Também foi elucidativa e segura ao afirmar que esta última (a 1ª. Ré M. F.) não se encontra de relações cortadas com os pais, sendo visita assídua de casa destes.

Este depoimento foi, no essencial, corroborado pela testemunha M. O. (vizinho da Autora), tendo atestado que se fala na freguesia das dívidas dos 1ºs Réus e que a Autora, como fiadora, é que liquidou a dívida daqueles à instituição bancária, o que lhe trouxe como consequência a obrigatoriedade de abandonar a casa onde residia e as enormes dificuldades económicas com que se depara sem qualquer compensação por parte dos 1ºs Réus.

As doações efetuadas pelos 4ºs Réus aos seus filhos (com exceção da 1ª. Ré) foram confirmadas pela testemunha D. F. (irmão da 1ª. Ré).

Esta testemunha, porém, referiu que os 1ºs e os 4ºs Réus se encontram de relações cortadas e que foi essa situação que levou a que a sua irmã M. F. não tivesse sido contemplada com qualquer doação. Porém, este depoimento, nesta parte, não foi minimamente convincente e coerente, não tendo esta testemunha conseguido explicar de forma lógica e genuína de que forma as doações efetuadas pelos 4ºs Réus aos netos poderiam ser uma forma de igualar as posições de todos, já que por óbito de ambos os doadores a 1ª. Ré sempre herdará também (as doações em questão foram efetuadas por conta da quota disponível, enquanto que as doações aos restantes filhos foram-no por conta da legítima).

Incorreu também em contradições quando se referiu ao suposto desconhecimento das dívidas dos 1ºs Réus pelos 4ºs Réus, desconhecimento este que é inverosímil pois é notória e conhecida a situação económica daqueles, cuja casa de habitação foi mesmo vendida no âmbito do processo executivo.

Aliás, este depoimento foi em certa parte contrariado pela testemunha M. G., irmão da 1ª. Ré M. F., que afirmou que se diz no lugar que a casa dos 1ºs Réus “foi à praça”, o que significa que é efetivamente do conhecimento geral a existência das dívidas destes, que os mesmos não só não escondem como contabilizam em mais de meio milhão de euros no art. 17º da contestação.

Esta testemunha também referiu que as relações entre os 1ºs e os 4ºs Réus vêm sofrendo altos e baixos e que estes últimos até emprestaram dinheiro àqueles, o que reforça a inconsistência da versão (que esta testemunha também inverosívelmente apresentou no seu depoimento) de que 1ºs e 4ºs Réus estariam de relações cortadas ao ponto destes últimos querem penalizar a M. F., doando imóveis a todos os filhos com exceção da mesma.

De facto, se esse corte de relações tivesse sido efetivo, radical e definitivo, como pode justificar-se que tenham estado todos juntos na outorga da escritura de doação? É que os 1ºs Réus estiveram presentes em representação do seu filho, o aqui 3º Réu (então menor de idade) nesse ato e certamente que tal não seria possível caso os 1ºs e 4ºs Réus estivessem incompatibilizados.

Também a testemunha P. F. (que foi cliente do 1º. Réu) afirmou que as dívidas dos 1ºs Réus são comentadas no lugar e eram confessadas pelo próprio 1º. Réu em conversas que ambos mantinham, tendo dado causa à venda judicial da sua casa de habitação. Também referiu de forma segura e sem hesitações que vê a 1ª. Ré a cultivar um dos terrenos doados, nomeadamente milho, feijão e tomate e que o próprio 1º Réu J. C. lhe transmitia que esse terreno pertencia à sua esposa, a aqui 1ª. Ré M. F..
Esta testemunha revelou isenção e total alheamento do desfecho da ação, tendo por via disso o seu depoimento merecido total credibilidade por parte do tribunal.
Igual análise e valoração positiva mereceu o depoimento prestado de forma isenta por parte da testemunha J. S. (vizinho e conhecido de todos).

Com efeito, esta testemunha também foi assertiva e peremptória ao afirmar que vê várias vezes o carro da 1ª. Ré estacionado à porta de casa dos pais (os aqui 4ºs Réus), deduzindo naturalmente que a mesma se encontra de visita aos mesmos (o que contraria frontalmente a possibilidade de se encontrarem de relações cortadas e incompatibilizados). Também vê aquela a cultivar o terreno objeto da doação, tendo concluído ainda que é a 1ª. Ré quem o faz em exclusivo.
As restantes testemunhas inquiridas não revelaram conhecimento direto e de factos relevantes para a discussão da causa, motivo pelo qual os respetivos depoimentos não foram objeto de apreciação e valoração.
Foram também ouvidos em depoimento de parte os 4ºs Réus M. G. e I. L..
No entanto, destes depoimentos não resultou qualquer confissão, nem o respetivo teor auxiliou a livre convicção do tribunal na descoberta da verdade, pois prestaram declarações naturalmente interessadas e parciais, dado o interesse direto de sua parte no desfecho da ação.

Na verdade, limitaram-se a repetir o que havia já sido vertido nos articulados que apresentaram, nomeadamente que se encontram de relações cortadas com os 1ºs Réus há décadas e que quiseram efetivamente doar os imóveis aos netos e não à filha. Porém, apesar de terem convenientemente afirmado que têm paixão pelos netos, não conseguiram esclarecer com que periodicidade estes os vão ver, nem convencer o tribunal de que tenham efetivamente qualquer relação de mínima proximidade. Por sua vez, a Ré I. L. afirmou mesmo que o terreno é cultivado por si e os respetivos frutos colhidos pela filha M. F., pelo que não é crível que estejam efetivamente de relações cortadas.
Os 4ºs Réus prestaram, assim, depoimentos sem coerência e comprometidos com a versão trazida por si aos autos, não sendo credíveis e susceptíveis de valoração a nível probatório.
Ponderados de forma crítica os depoimentos acima analisados, nos termos indicados e fazendo recurso às regras da normalidade e experiência respeitantes a situações semelhantes, o tribunal não teve dúvidas em considerar que os 4ºs Réus não pretenderam doar os prédios aos seus netos, aqui 2º e 3º Réus, mas sim aos pais destes (1ºs Réus), não o tendo feito constar da respetiva escritura pública apenas devido às dívidas contraídas por estes últimos, as quais os doadores não podiam deixar de conhecer, já que eram do conhecimento público e da generalidade das pessoas daqueles lugares.
Para além destes elementos probatórios, o tribunal considerou ainda o contexto no qual estas doações tiveram lugar.

Com efeito, nesse mesmo momento os 4ºs Réus procederam também à doação de outros bens imóveis aos filhos, com exceção da sua filha M. F., aqui 1ª Ré. Doaram oito prédios: um prédio ao filho D. F., cinco prédios ao filho M. G. e dois prédios ao filho J. C., sendo que estas doações foram feitas por conta da legítima dos donatários e no caso de exceder a mesma a serem imputadas na quota disponível dos doadores.
Parece, pois, inegável que a esta conduta está subjacente a sua vontade de proceder a um processo tendente à partilha em vida dos bens que então possuíam, distribuindo-os pelos filhos.
E, sendo assim, porque motivo não destinaram quaisquer bens à sua filha M. F.? Como vimos, a alegada incompatibilidade entre 1ºs e 4ºs Réus não mereceu qualquer acolhimento, pelo que outra conclusão não pode deixar de ser retirada senão que pretenderam esconder estes imóveis dos inúmeros credores dos 1ºs Réus, colocando-os em nome dos filhos dos 1ºs Réus e não dos próprios, como seria sua intenção.

Acresce a tudo isto que, como se viu, um dos terrenos doados é cultivado exclusivamente pela 1ª. Ré M. F. (e não pelos filhos) à vista de todos, daí retirando milho, feijão e tomate, o que demonstra que a mesma age sobre esse terreno como se lhe pertencesse (o que é, de resto, verbalizado pelo próprio 1º Réu, seu marido). E é inquestionável que o gozo e fruição efetivos posterior a qualquer negócio jurídico é determinante para se aferir do animus e da vontade real das partes na declaração negocial pretendida, evidenciando no caso concreto que os donatários foram na verdade os próprios 1ºs Réus e não os seus filhos, 2º e 3º Réus.

Daí que, em face de toda a prova produzida nos termos que se relataram, analisada conjugadamente com todos os elementos acabados de descrever, tudo isto visto e ponderado à luz das regras de normalidade e experiência, em face de situações semelhantes, com recurso à presunção judicial daí resultante, nos termos dos arts. 349º e 351º do Código Civil, convenceu-se efetivamente o tribunal da ocorrência dos factos tal como ficaram a constar dos pontos 12º e 13º dos factos provados, em concreto que os 4ºs Réus pretenderam doar os prédios em questão aos 1ºs Réus e não aos netos e que apenas o não formalizaram nesses termos na respetiva escritura pública para que esses imóveis pudessem ficar fora do alcance dos credores dos 1ºs Réus, nomeadamente dos aqui Autores”.

Como referido, procedemos à análise de toda a prova documental junta aos autos e à audição integral de todos os depoimentos prestados em audiência final pelas testemunhas e aos depoimentos de parte aí prestados pelos 4ºs Réus e verificamos que o tribunal a quo, na fundamentação que acabamos de transcrever, não incorreu em nenhuma infidelidade, à exceção das precisões que vamos passar a enunciar, as quais, longe de colocarem em crise a leitura que esse tribunal fez da prova produzida, antes a aprofunda e corrobora.

Vejamos.

Pretende o 3º Réu e aqui apelante que o depoimento prestado pelas testemunhas D. C. S. e P. F. seriam parciais, indiretos e interessados, por contraponto com os depoimentos prestados pelas testemunhas M. O. e M. G., que seriam isentos, genuínos, convincentes e desinteressados e os únicos que têm conhecimento dos factos em discussão nos autos, e é aqui que nos atrevemos a afirmar, sem qualquer rebuço, que ficamos na dúvida sobre se o 3º Réu esteve efetivamente nas duas sessões de audiência final cujas gravações ouvimos na íntegra, uma vez que, na positiva, o 3º Réu apelante olvida, quiçá, desvaloriza, que os factos relatados pelas testemunhas D. C. e P. F., não foram os únicos em que o tribunal a quo alicerçou a sua convicção para concluir pela prova da enunciada matéria que assim julgou como provada e que praticamente a globalidade dos factos que foram relatados pelas identificadas testemunhas D. C. e P. F. foram corroborados pela restante prova testemunhal produzida, incluindo pela testemunha M. G. e pelos 4ºs Réus nos depoimentos de parte que prestaram e se mostram concordantes com as regras da experiência comum, contrariamente ao depoimento prestado pela testemunha D. F., que foi praticamente, in totum, contrariado pela testemunha M. G. e, em parte, pelos próprios 4ºs Réus, pais de ambos e que naquilo que o depoimento de D. F., M. S. e os 4ºs Réus coincidem, além de serem contrariados pela restante prova produzida, os factos que relatam não resistem minimamente às regras da experiência comum, designadamente, quando se atenta nos restantes factos por eles próprios relatados.

Concretizando.

Imputa o apelante falta de isenção e interesse ao depoimento prestado pela testemunha D. C., além de que o seu depoimento seria indireto e o tribunal a quo teria desvalorizado o facto de D. C. ter referido que o seu sobrinho e afilhado A. C., lhe teria dito que pretendia construir uma casa num dos prédios que lhe foi doado pelos avós, os 4ºs Réus.

Quanto à acusação de que o depoimento prestado pela testemunha D. C. seria ausente de isenção e interessado, incumbe referir que só por manifesta desatenção do apelante este poderá atribuir semelhante vício a este concreto depoimento quando se verifica que D. C. se limitou a relatar em audiência final aquilo que tem conhecimento e, bem assim aquilo que lhe era relatado pelos seus sogros, vizinhos e cunhados dos 4ºs Réus, bem como pela 1ª Ré, M. F., sua cunhada, e que a generalidade dos factos que por ela foram relatados em audiência final foram confirmados pela generalidade da restante prova testemunhal produzida em audiência final, incluindo pela testemunha M. G. e, inclusivamente, em parte, pelos próprios 4ºs Réus, além de que esses factos se mostram conformes às regras da experiência comum.

Sem dúvida alguma que o 3º Réu e apelante olvida que tendo a testemunha D. C. sido objeto a um contra-interrogatório manifestamente tendencioso e indutor – veja-se gravação, que comprovam o que se acaba de afirmar -, D. C., não obstante tudo o que anteriormente já tinha afirmado, à pergunta que lhe foi feita sobre se tendo a escritura de doação sido realizada pelos avós aos netos, se ela sabia se os terrenos eram dos netos, não se absteve de afirmar: “dizem que os terrenos são dos netos” e à pergunta sobre se “o A. C. vê aquilo como dele”, não se absteve de afirmar positivamente, afirmando que “o A. C. lhe chegou a dizer que pensava fazer ali (no terreno doado) uma casa”.
Aqui chegados, perante semelhante simplicidade e até ingenuidade da testemunha D. C., é manifesto que o seu depoimento, longe de se revelar tendencioso e interessado, ao invés foi manifestamente isento, desinteressado, espelho fiel da realidade conhecida da D. C., de molde a merecer plena e integral fiabilidade deste tribunal, assim como já tinha merecido a credibilidade do tribunal a quo.
De resto, como referido, o depoimento prestado por D. C. foi corroborado pela generalidade da restante prova testemunhal produzida em audiência final, incluindo, reafirma-se, pela testemunha M. G. e, em parte, pelos próprios 4ºs Réus, cujos depoimentos, assim como o depoimento prestado pela testemunha D. F. (desmentido, em grande parte, pela testemunha M. G. e, inclusivamente, pelos próprios 4ºs Réus), na parte que divergem do depoimento prestado pela testemunha D. C., não resistem minimamente às regras da experiência comum, contrariamente ao que sucede em relação aos depoimentos de D. C. e P. F..

Relembrando-o ao apelante e 3º Réu.

A testemunha D. C. iniciou o seu depoimento, relatando as circunstâncias em que prestou, mais o seu marido e, bem assim a Autora D. C. e o marido desta, a fiança a favor dos 1ºs Réus; o posterior incumprimento dos contratos celebrados em que incorreram os 1ºs Réus e a execução que foi movida contra aqueles, enquanto fiadores dos 1ºs Réus, pelo Banco A de Barcelos, no âmbito da qual aquela e o marido, assim como a Autora e o marido desta, viram as suas casas de habitação a serem nomeadas à penhora e o sofrimento que essa situação lhes demandou.

Pois bem, o depoimento de D. C. quanto às circunstâncias em que aquela e o seu marido e, bem assim a Autora e o marido desta, prestaram fiança aos 1ºs Réus no âmbito dos contratos de mútuo que estes celebraram com o Banco A, o posterior incumprimento desses contratos por parte dos 1ºs Réus e a consequente execução que foi intentada pelo Banco A contra aqueles, enquanto fiadores, e a nomeação à penhora, no âmbito dessa execução, da própria casa de habitação daqueles, é comprovada, quanto à Autora D. C. e ao falecido marido desta, pela prova documental junta aos autos, sendo os restantes factos relatados neste âmbito por D. C. confirmados por toda a prova testemunhal produzida, de modo que dúvidas não podem subsistir que D. C. e o seu marido, prestaram fiança a favor dos 1ºs Réus, assim como a Autora D. C. e o seu entretanto falecido marido prestaram fiança a favor dos mesmos 1ºs Réus, no âmbito dos contratos de empréstimo que estes celebraram com o Banco A de Barcelos; os 1ºs Réus incumpriram esses contratos e, nessa sequência, aquele Banco A instaurou execução contra D. C. e o marido desta, assim como instaurou execução contra a Autora D. C. e o entretanto falecido marido desta, todos enquanto fiadores daqueles 1ºs Réus, vendo estes penhoradas as suas casas de habitação no âmbito dessas execuções.

De resto, comprovando o que se acaba de referir, o apelante e 3º Réu assaca o presumível interesse e falta de isenção que atribui à testemunha D. C. ao facto desta ter sido executada, enquanto fiadora, pelo Banco A, por via do incumprimento dos 1ºs Réus (cfr. fls. 427).

Quanto ao sofrimento que toda esta situação demandou à depoente D. C. e marido, assim como demandou à Autora D. C. e ao seu entretanto falecido marido, é manifesto que a depoente não incorreu em qualquer falta de isenção, posto que esse sofrimento é indiscutível, bastando para o efeito recorrer às regras da experiência comum, para verificar que o depoimento da testemunha D. C. é espelho fiel da verdade efetivamente acontecida quando alude a esse sofrimento.

De seguida, questionada sobre se a execução que lhe foi instaurada pelo Banco A de Barcelos, assim como a execução instaurado por esta instituição bancária contra a Autora D. C. e o marido desta, foram do conhecimento público e se também era do conhecimento público que aqueles executados viram-se confrontados com essas execuções por via de terem outorgado como fiadores nos contratos de mútuo celebrados pelos 1ºs Réus com o Banco A, e se esse facto era do conhecimento dos 4ºs Réus, a testemunha D. C. referiu que no meio em que todos residiam, aqueles factos foram conhecidos do público, que os comentavam, até porque, por causa dos Réus “duas irmãs (isto é, ela e a Autora D. C., que são irmãs do 1º Réu J. C.) ficaram desgraçadas”, e que os 4ºs Réus tiveram conhecimento desses factos, até porque para que ela pudesse pagar a dívida, o seu sogro, que é vizinho e cunhado do 4º Réu-marido, pai da 1ª Ré M. F., teve de vender um terreno ao último, e que esse 4º Réu, M. G., a quem o seu sogro disse que estava a vender o terreno para ajudar o filho, por via da execução que lhe foi movida pelo Banco A devido à fiança que aquele prestara a favor dos 1ºs Réus (filha e genro dos 4ºs Réus), o 4º Réu disse ao seu sogro que “ele estava tolo em vender o terreno, porque a ele não iam buscar nada”.

No que respeita ao facto da testemunha D. C. afirmar que a execução que lhe foi movida, mais ao seu marido, pelo Banco A, assim como a execução que esta moveu à Autora D. C. e ao seu entretanto falecido marido, por via de terem outorgado na qualidade de fiadores dos 1ºs Réus e destes terem incumprido esses contratos e dos problemas que essas execuções demandaram para aqueles, onde viram penhoradas, inclusivamente, as suas casas de habitação serem factos que foram do conhecimento público no local onde todos (a depoente, Autores e Réus) residiam e serem alvo de comentários públicos, esses factos são corroborados e assacados pelos factos relatados pelas testemunhas M. O., P. F., J. S. e, bem assim por M. G., irmão e cunhado, respetivamente, da 1ª Ré M. F. e do 1º Réu J. C. e filho dos 4ºs Réus, e pela mulher desta testemunha, F. R., que apesar de pretenderem desconhecer se os 1ºs Réus devem ou não à D. C. e/ou à Autora D. C. e se estas tiverem ou não “problemas” por via dessas dívida, logo referem que ouviram dizer/falar que os 1ºs Réus devem efetivamente àquelas, referindo M. G., inclusivamente, que a casa dos 1ºs Réus foram à praça, o que é bem elucidativo que esses factos foram efetivamente do conhecimento público, sendo do conhecimento de todos, incluindo dos 4ºs Réus.

É certo que a testemunha D. F. e, bem assim os 4ºs Réus negaram esses factos, pretendendo que os mesmos não tiveram conhecimento das execuções de que a depoente D. C. e marido e, bem assim que a Autora D. C. e o seu entretanto falecido marido foram alvo por via das fianças que prestaram a favor dos 1ºs Réus, sequer que tiveram conhecimento das dificuldades com que aquela D. C., a Autora D. C. e respetivos maridos, passaram por via dessas execuções, sequer que tivessem ainda tomado conhecimento que os 1ºs Réus ficassem a dever àquelas e maridos, por via dos pagamentos das dívidas dos 1ºs Réus que estas D. C., a Autora D. C. e respetivos maridos fizeram no âmbito daquelas execuções.

Acontece que para além desta versão dos factos apresentada por D. F. e pelos 4ºs Réus serem afastadas, de modo perentório, pelos depoimentos das testemunhas acima identificadas e, desde logo, pelas testemunhas M. G. e mulher deste (respetivamente, irmão e cunhada de D. F. e filho e nora dos 4ºs Réus), o depoimento de D. F. e as declarações dos 4ºs Réus não resistem minimamente às regras da experiência comum, já que não se antolha como razoável aceitar-se que num meio pequeno, ainda eminentemente rural e tradicional, como é aquele em que reside a testemunha D. C., os Autores e todos os Réus, estes concretos factos que, como referiu (e bem) a testemunha D. C., “deixaram duas irmãs desgraçadas”, por via da fiança que prestaram ao irmão e à cunhada (os 1ºs Réus), ao ponto de verem as suas casas de habitação penhoradas, não fossem do conhecimento público e alvo de comentários públicos, até pelo chocante que a situação tem em si mesma tem – duas irmãs e respetivos maridos prestaram um favor (uma fiança) a um familiar, mais concretamente, a um irmão daquelas – o 1º Réu J. C. – e, nessa sequência, viram-se executadas, ao ponto de verem as suas próprias casas penhoradas e de terem de sair das mesmas.

Aliás, cumpre enunciar que apesar do 4º Réu M. G. pretender que desconhecia a existência das dívidas da sua filha e genro (os 1ºs Réus) para com a Autora D. C. e o entretanto falecido marido desta e ou daqueles 1ºs Réus para com a testemunha D. C. e o marido desta, pretendendo desconhecer que os 1ºs Réus tenham dividas não escapou a esta Relação que confrontado com o facto da desrazoabilidade daquele não ter tomado conhecimento desses factos quando todos residem em meios pequenos e desses factos fluírem naturalmente entre o público e serem factos que, em regra, são comentados e quando a sua filha, a 1ª Ré, tinha perdido a casa, M. G. justificou esse seu pretenso desconhecimento, reafirmando esse seu desconhecimento, nomeadamente que a M. F. tinha perdido a casa porque “os filhos e as noras sabem que ele tem desgosto nisso e não lhe falam disso”.

Ora se assim é, cumpre questionar porque é que o 4º Réu afirma ter “desgostoso nisso” e ser por essa razão que os filhos e as noras, sabendo-o, não lhe falam “disso”?

A resposta, a nosso ver é simples e apenas pode ser uma, a saber: o Réu marido e os filhos e noras, sempre tiveram conhecimento daqueles factos, que causaram desgosto (natural) a M. G. e precisamente, por isso, não lhe falavam desse assunto porque bem sabem que esse assunto o deixa naturalmente incomodado (única ilação razoável que é possível extrair desta afirmação do 4º Réu M. G.).

Mais. Perguntado ao 4º Réu o seguinte: “O senhor sabe se a sua filha tem dívidas?”; este prontamente respondeu, apesar de afirmar e reafirmar que não falava com a filha M. F. (a 1ª Ré) que: “Não sei nada disso, porque eu não falo com ela essas coisas”. Logo, M. G. corroborou que fala efetivamente como a filha M. F., tanto assim, que descaindo-se, reconheceu-o ao fazer a enunciada afirmação.

Prosseguindo.

A testemunha D. C. afirmou, como referido, que o seu sogro, a fim de a ajudar, vendeu um terreno aos 4ºs Réus, e que o 4º Réu M. G., perante a afirmação do primeiro que estava a vender aquele terreno para ajudar o filho, por causa da execução que lhe foi movida pelo Banco A devido à fiança que aquele tinha prestado a favor dos 1ºs Réus e que o 4º Réu disse ao seu sogro que “ele estava tolo em vender o terreno, porque a ele não iam buscar nada”.
A este propósito, incumbe referir que tal como acusa o apelante e 3º Réu acontecer, o depoimento de D. C., nesta parte, é indireto, na medida em que esta, tal como reconheceu acontecer, não assistiu ao referido negócio efetuado entre o seu sogro e o 4º Réu, pai da 1ª Ré M. F., sequer presenciou a referida conversa, limitando-se a relatar em audiência final aquilo que o seu sogro lhe contara/relatara.
Não obstante o depoimento de D. C. seja efetivamente, nesta parte, indireto, a lei processual civil, admite-o, sem reservas, nos termos dos arts. 413º, 495º, n.º 1 a 497º, a contrario sensu, do CPC, sendo este também livremente apreciado pelo Tribunal, tal como o depoimento direto (art. 396º do CC) (9).
A questão que se suscita é saber se ao fazer essa afirmação, a testemunha D. C. incorreu em qualquer infidelidade em relação à verdade factual efetivamente acontecida, ou seja, se é falso que o seu sogro tivesse vendido o terreno aos 4ºs Réus para aquele ajudar o filho (o marido da depoente) ou que o sogro tivesse efetivamente mantido aquela conversa com o 4º Réu M. G. e este lhe tivesse dado realmente a referida resposta.
A resposta a estas concretas questões carece de ser no sentido de que a testemunha D. C. não incorreu em qualquer infidelidade para com a verdade efetivamente acontecida quanto a estes concretos factos, sequer o seu sogro incorreu em qualquer inverdade em relação ao relato que lhe fez e que esta retransmitiu em audiência final.

Na verdade, conforme vimos demonstrado e continuaremos a demonstrar, os factos relatados por D. C. são espelho fiel da verdade efetivamente acontecida, tanto assim que são corroborados pela restante prova produzida, incluindo, em grande medida, pela testemunha M. G. e, em parte, pelos próprios 4ºs Réus, pelo que não se vislumbra motivo plausível para a testemunha D. C. alterar a sua postura de compromisso com a verdade quanto a este aspeto.
Acresce precisar que os 4ºs Réus M. G. e I. L. confirmaram serem efetivamente vizinhos e familiares dos sogros da testemunha D. C. (as mulheres são irmãs), com quem se relacionam, e terem efetivamente comprado um terreno ao sogro da testemunha D. C., pretendendo, contudo, que este sogro de D. C. não lhes contou as concretas razões que o levavam a fazer essa venda, sequer aqueles o questionaram sobre esses motivos, facto este que não pode deixar de nos suscitar sérias e fundadas reservas.
Na verdade, I. L. é irmã da sogra da testemunha D. C., o que significa que o sogro desta e o 4º Réu marido são cunhados.
Os sogros da D. C. e os 4ºs Réus são pessoas idosas e trata-se de casais que são vizinhos próximos e que mantêm entre eles relações de convívio e de proximidade.
É anormal que pessoas idosas vendam o património que receberam em herança ou que foram amealhando ao longo das respetivas vidas numa idade já avançada, exceto quando se vejam confrontadas com necessidades prementes decorrentes de dificuldades próprias ou dos seus familiares mais chegados, como sejam filhos ou netos.
Estamos perante pessoas que residem em meios pequenos, eminentemente rurais e com padrões de vida tradicionais.
Neste contexto não é razoável aceitar-se que perante o propósito do sogro da testemunha D. C. de vender um prédio de que era proprietário, este não tivesse confidenciado ao seu vizinho e cunhado (o 4º Réu-marido), com quem mantinha uma boa relação familiar e de vizinhança, das concretas razões que o levavam a desfazer-se daquele seu património numa idade já avançada ou que o último não lho tivesse questionado a esse respeito.
Destarte, a única conclusão que é plausível extrair em face de tudo o quanto se vem relatando e daquilo que se continuará a relatar é que, mais uma vez, a propósito deste concreto episódio, a testemunha D. C. limitou-se a relatar aquilo que ouviu do sogro e que é espelho fiel da verdade efetivamente acontecida.
Prosseguindo. De seguida, questionada a testemunha D. C., esta referiu que ouviu dizer que os pais (os 4ºs Réus) deram os campos aos filhos, mas que ela não sabe, mas o que sabe é que a M. F. (a 1ª Ré), vai para o campo; que todos os irmãos da M. F. receberam terrenos dos pais e a M. F. também, concretizando que ela sabe isto, através do sogro, que é vizinho e cunhado dos 4ºs Réus e que falam destes assuntos uns com os outros.

Acresce que ela, D. C., vê a M. F. a agricultar o campo e é a própria M. F., com quem a mesma continua a relacionar-se, que lhe diz: “eu fui ao campo, colhi isto, colhi aquilo…”.

Confrontada com o facto de que a M. F. não se daria com os pais, a testemunha D. C. foi perentória em referir que é um facto que a M. F. não falou durante vários anos com os pais, por via de se ter casado com o 1º Réu, o que não foi aceite pelos pais (os 4ºs Réus), mas que isso é coisa passada, porque, entretanto, com o decorrer dos anos, os 1ºs e 4ºs Réus reataram relações e dão-se uns com os outros, indo, frequentes vezes, a 1ª Ré M. F. a casa dos pais visitá-los, facto este que lhe é relatado pelos próprios sogros da depoente, familiares e vizinhos dos 4ºs Réus e pela própria 1ª Ré M. F. à depoente.

Passemos à análise deste excerto do depoimento da testemunha D. C..

Comecemos pela afirmação de D. C. segundo a qual os 1ºs Réus se relacionam com os 4ºs Réus e que a 1ª Ré M. F. se relaciona e visita frequentes vezes os pais.
Todas as testemunhas inquiridas, incluindo os próprios 4ºs Réus, são concordantes entre si em afirmar que a 1ª Ré M. F. fugiu de casa e foi para a casa da madrinha, para contrair matrimónio com o 1º Réu J. C., isto porque os pais daquela (os 4ºs Réus) não aceitavam este casamento, o que levou os 4ºs Réus a cortarem relações com os 1ºs Réus durante vários anos.
No entanto, a testemunha D. C. é perentória em afirmar que este corte de relações é coisa do passado e que há já muitos anos os 1ºs Réus e 4ºs Réus reataram relações entre eles, dão-se bem e que a M. F., inclusivamente, é visita frequente da casa dos pais (os 4ºs Réus), factos estes que são corroborados pelas testemunhas P. F. e J. S..
Enuncie-se que a testemunha M. G., irmão da 1ª Ré M. F. e filho dos 4ºs Réus, apesar de afirmar estar de boas relações com os 1ºs e os 4ºs Réus, estes seus pais e de frequentar a casa dos últimos, pretendeu desconhecer se “atualmente a irmã M. F. se dá bem com o pai”, afirmou que “na altura da doação, a irmã dava-se com o pai”, para depois, já na instância dos ilustres mandatários dos Réus passar a desdizer o que anteriormente afirmara.
Por sua vez, a testemunha F. R., mulher da testemunha anterior, pretendeu “desconhecer que relacionamento existe entre os sogros e a M. F.”, apesar de afirmar ter bom relacionamento com os 1ºs Réus e com os sogros (os 4ºs Réus) e de frequentar a casa destes.

Precise-se que à luz das regras da experiência comum não colhe o mínimo de razoabilidade possível que quer a testemunha M. G., quer a mulher deste, F. R., que afirmam manterem bom relacionamento com os 1ºs Réus e com os 4ºs Réus e frequentarem a casa dos últimos, pretendam desconhecer se os 1ºs Réus mantêm ou não um bom relacionamento com os 4ºs Réus e se a 1ª Ré M. F. frequenta ou não a casa dos pais, pelo que a única conclusão plausível que é possível extrair destes depoimentos é que os 1ºs e 2ºs Réus mantêm entre eles realmente um bom relacionamento e que a 1ª Ré M. F. frequenta, efetivamente, regularmente, a casa dos pais (os 4ºs Réus), com quem se relaciona e se dá bem, conforme as testemunhas D. C., P. F. e J. S. afirmaram acontecer.
De resto, M. G. admitiu isso mesmo e, inclusivamente, afirmou que a irmã (a 1ª Ré M. F.) se dava bem com os pais na altura em que foi celebrada a escritura de doação, passando a desdizer aquilo que já tinha afirmado anteriormente na instância dos ilustres mandatários dos Réus, o que torna patente as inverdades em que incorreu quando depois pretendeu negar aquilo que já anteriormente reconhecera.
Acrescente-se que em iguais contradições incorreram os 4ºs Réus M. G. e I. L..
Vejamos. M. G., apesar de pretender não falar com a filha, por causa do casamento, sustentou desconhecer se aquela frequenta ou não a sua casa, mas logo contraditoriamente com aquilo que acabara de afirmar, refere que “o que sabe é que quando ela (a M. F.) está lá (em casa dos 4ºs Réus) ele não entra” ou quando a M. F. entra em casa, o depoente sai logo pela outra porta.
Logo, o próprio 4º Réu M. G. acaba por corroborar que a 1ª Ré M. F. frequenta efetivamente a sua casa e se relaciona, pelo menos, com a mãe, a 4ª Ré Maria I. L..
Depois, M. G., afirma que tendo emprestado dinheiro ao filho D. F., tendo a 1ª Ré M. F. conhecimento desse empréstimo, começou a chatear a mãe (a 4ª Ré I. L.), querendo que este também lhe emprestasse dinheiro e como ele, depoente, apesar de a M. F. já lhe dever 300 contos de um pagamento que este lhe fizera e não obstante pretensamente estar de relações cortadas com aquela, porque o mesmo não quisesse ser “acusado de tratar de forma diferente os filhos”, acabou por emprestar aos 1ºs Réus 2700 contos, que estes não mais lhe restituíram, pretendo que “isso foi a gota de água”, ou seja, se já não falava com os 1ºs Réus anteriormente, a partir daí é que não mais tem o propósito de com eles falar, de tal modo que mal a M. F. entra por uma porta de sua casa, ele, de imediato, sai por outra do interior dessa casa.
O 4º Réu M. G. e, bem assim a testemunha D. F., seu filho que, inclusivamente, apesar de pretender que o pai estava de relações cortadas com os 1ªs Réus e que com o decorrer dos anos, reatou relações com a mãe (a 4ª Ré I. L.), mas não com o pai, que não fala com aquela, sequer com o 1º Réu marido, pelo que mal a 1ª Ré M. F., entra em casa dos pais, o pai sai imediatamente pela porta fora, e que também veio com a tese do empréstimo, indo ao ponto de sustentar que o pai lhe pedira a restituição do dinheiro que lhe tinha emprestado para o emprestar à irmã M. F., porque, segundo disse, não mais conseguia aturar a mãe, pretenderam os dois que a 1ª Ré M. F. fala com a mãe (a 4ª Ré I. L.) e, por isso, frequenta a casa dos 4ºs Réus, falando com a 1ª Ré I. L., mas não com o pai (o 4º Réu M. G.), que não estando em casa, regressado a esta, dando-se conta da presença da 1ª Ré M. F. em sua casa, não entra, ou estando em casa, logo sai pela porta fora para não se encontrar com a filha.
Acontece que o depoimento da testemunha D. F. e as declarações de parte do 4º Réu Manuel, a propósito do mau relacionamento da 1ª Ré M. F. com o 4º Réu e do bom relacionamento entre esta 1ª Ré e a 4ª Ré I. L. é desmentido pela própria 4ª Ré-mulher I. L.

Na verdade, I. L. pretendeu não falar com a 1ª Ré M. F. há 30 anos, desde que esta contraira matrimónio com o 1º Réu-marido J. C. contra a vontade dos pais, confirmando ser verdade que o carro da 1ª Ré M. F. se encontra, frequentes vezes, estacionado à sua porta, mas negando que isso se deva ao facto daquela 1ª Ré frequentar a sua casa e de ambas falarem, pretendendo que a 1ª Ré trabalha num lar e que tem de ir, frequentes vezes, tratar de um utente do lar, seu vizinho, e que, nessas alturas, a M. F., que se desloca no seu carro pessoal para ir tratar do tal vizinho no âmbito do exercício dessa sua atividade profissional, deixa estacionado o seu carro junto à porta daquela, que também é junto à porta do tal vizinho que a mesma pretensamente vai tratar.

A este propósito, incumbe referir que não colhe o mínimo de razoabilidade possível a versão dos factos apresentada pela 4ª Ré I. L. quando pretende que o carro da 1ª Ré se encontra efetivamente estacionado junto à sua porta porque pretensamente aquela vai tratar do tal utente do lar, posto que como é evidente, as pessoas não se deslocam nos seus carros particulares para ir desempenhar as suas tarefas profissionais, a não ser em casos muito específicos, de profissões também elas muito específicas, o que não é manifestamente o caso da profissão da 1ª Ré M. F., que é uma mera empregada de um lar.
No entanto, conforme resulta do que se vem explanando, a 1ª Ré desmente categoricamente a testemunha D. F. e o 4º Réu J. C. quando pretendem que este está de relações cortadas com a 1ª Ré, mas que esta última fala e, inclusivamente, visita frequentes vezes a mãe, posto que esta (a 4ª Ré mulher) nega-o, pretendendo que também ela não fala ou se relaciona com a 1ª Ré há 30 anos e ser falso que esta frequente a sua casa.

Que dizer?

A única conclusão que é permitida extrair de semelhantes contradições é que a testemunha D. F. e, bem assim os 4ºs Réus faltam à verdade dos factos, de tal forma que uns desdizem a versão dos factos apresentada pelo outros, o que evidentemente apenas pode acontecer por muito maus motivos que animam aquela testemunha e os 4ºs Réus e que a verdade dos factos é que, efetivamente, os 1ºs e os 4ºs Réus se relacionam uns com os outros, mantendo, entre eles, há vários anos, bom relacionamento, o que acontecia seguramente à data da celebração da escritura de doação, e mantendo esse bom relacionamento ainda atualmente, sendo a 1ª Ré M. F. visita frequente da casa dos pais, tal como foi afirmado pelas testemunhas supra identificadas.

De resto, desdizendo tudo o que anteriormente afirmara, a 4ª Ré I. L., apesar de pretender que doou efetivamente os prédios aos netos, refere que um desses prédios é uma bouça e que o outro prédio é uma horta, e que é ela I. L., quem cultiva essa horta para a filha, a 1ª Ré M. F., sendo esta última quem colhe os frutos dessa horta, o que apenas pode significar que aquela 4ª Ré se relaciona efetivamente com a filha e o agregado familiar desta, visitando-a a 1ª Ré frequentes vezes, já que não se antolha como razoável aceitar-se que a 4ª Ré fosse cultivar a horta, cujos frutos se destinam à filha, caso não se relacionasse com os 1ºs Réus e a 1ª Ré M. F. não a visitasse.

Acresce precisar que confrontada com o facto de que existiam testemunhas que tinham afirmado que era a 1ª Ré M. F. quem cultivava essa horta, a 4ª Ré, confirmou esse facto, referindo que a horta é cultivada pelas duas (por ela I. L. e pela 1ª M. F.), destinando-se os produtos extraídos desse cultivo para a 1ª Ré M. F..

Aqui chegados, verifica-se que apesar das múltiplas inverdades em que incorreu a 4ª Ré I. L., é a própria que acaba por confessar que mantém um excelente relacionamento com a 1ª Ré M. F. e com o agregado familiar desta, ao ponto de lhe cultivar, juntamente com a própria 1ª Ré M. F., a horta, cujos frutos são colhidos pela última.
Relembra-se ao apelante que o 4º Réu M. G., seu avô, quando questionado sobre se “o senhor sabe se a sua filha tem dívidas?” respondeu prontamente: “não sei nada disso porque eu não falo com ela dessas coisas”.

Destarte, não é manifestamente a testemunha D. C. que foi pouca isenta, interessada e faltou à verdade em audiência final, mas antes a testemunha F. C., os seus avós e tios, os 4ºs Réus e as testemunhas D. F., M. G. e F. R., embora estes dois últimos não tivessem manifestamente a coragem de manter as suas múltiplas inverdades até ao fim, de tal modo que Fernando acabou por desmentir, em grande parte, o depoimento prestado pelo irmão, a testemunha D. F., falta de coragem essa que também é patente ter incorrido a testemunha F. C., vizinho do 1º Réus que apenas se limitou a afirmar que “acha que” os 1ºs Réus “não falam com os pais” (os 4ºs Réus), isto porque “não os vê por lá há já muitos anos”, para concretizar imediatamente que apesar dessas suas afirmações “não sabe”, ou seja, não sabe se os 1ºs Réus e os 4ºs Réus se falam ou não (?).

Prosseguindo. A testemunha D. C. afirmou que era a 1ª Ré quem agricultava o campo que os 4ºs Réus declaram doar aos netos e esse facto não só foi corroborado pelas testemunhas P. F. José e J. S., como é corroborado pela própria 4ª Ré, I. L., que, como referido, pretendeu que esse campo é agricultado por si e pela filha, a 1ª Ré M. F., destinando-se os frutos à última.

A testemunha D. C. referiu que “todos os irmãos da M. F. receberam terrenos dos pais e a M. F. também”, concretizando que ela, depoente, sabe disto, através do sogro, que é vizinho e cunhado dos 4ºs Réus e que falam uns com os outros sobre estes assuntos.

Apesar de acusada de falta de isenção, a testemunha D. C., não obstante tudo o quanto se vem explanando e de referir que apesar dos sogros lhe disserem que os 4ºs Réus, vizinhos daqueles e familiares, lhe contarem que aqueles 4ºs Réus fizeram partilhas entre os filhos, e que todos os filhos receberam terrenos dos pais, incluindo a 1ª Ré M. F., foi ao ponto de afirmar que no “entanto ela não sabe”, o que sabe é que a M. F. cultiva um dos campos, o que, como se referiu, é espelho fiel da verdade efetivamente acontecida.
Esta D. C., apesar de injustamente ser acusada de faltar à verdade, foi ao ponto de afirmar que “se diz”, isto é, o público diz, que “eles (os 4ºs Réus) doaram os prédios aos netos e que o seu afilhado, o Ricardo, inclusivamente, lhe disse, que tencionava aí construir uma casa”.

Induzida pela forma já acima enunciada, D. C. foi ao ponto de confirmar que o Ricardo vê esse terreno como sua propriedade.

No entanto, D. C. concluiu o seu depoimento afirmando: “todos os irmão receberam terrenos. Os terrenos da M. F. foram para os netos. Não sabe porquê, mas certamente porque o irmão dela ainda tem dívidas”, como efetivamente tem, concluímos nós, nomeadamente, à própria D. C. e marido desta e aos aqui Autores.
Cotejando este depoimento, temos que segundo os sogros da D. C., familiares e vizinhos próximos dos 4º Réus, estes diziam-lhes que deram terrenos a todos os filhos, incluindo à 1ª Ré M. F..

Era (e é) a 1ª Ré M. F. quem agriculta um dos terrenos doados.

Os 4ºs Réus e os 1ºs Réus dão-se bem uns com os outros, incluindo à data da celebração da escritura de doação, em que os 1ºs Réus outorgaram enquanto representante do 3º Réu, seu filho, então menor, sendo a 1ª Ré M. F. visita frequente da casa dos pais, factos estes que correspondem à verdade (vide fundamentos supra e teor da escritura de doação).
Que os filhos dos 4ºs Réus receberam prédios de valor sensivelmente igual, tendo havido intenção dos 4ºs Réus em doar aos filhos prédios sensivelmente com o mesmo valor é corroborado pela testemunha M. G. e pelos próprios 4ºs Réus, que desmentiram a versão dos factos apresentada pela testemunha D. F. (que pretendeu que não houve aquela preocupação dos pais em igualizar os filhos quanto ao valor dos prédios que lhes doaram e que, inclusivamente, partiu dele e dos irmãos a iniciativa de sugerir ao pai – o 4º Réu – de doar prédios aos filhos da 1ª Ré M. F., já que o último não tinha pretensamente vontade de doar nenhuns prédios à 1ª Ré, M. F., por via de pretensamente com ela não falar, pretendendo o identificado D. F. que o pai doou os prédios aos filhos que cada um já agricultava, o que diga-se, foi desmentido categoricamente pela testemunha M. G. e pelos 4ºs Réus, que referiram que aquela preocupação de igualizar os filhos existiu efetivamente, referindo, por sua vez M. G. e o 4º Réu M. G., que os campos doados eram agricultados pelos pais, limitando-se todos os filhos, à exceção pretensamente da M. F., a ajudá-los na agricultura desses prédios, e ter sido do 4º Réu M. G. quem partiu a iniciativa de pretensamente doar os prédios aos netos, porque alegadamente tinha uma paixão muito grande pelos últimos e encontrava-se de relações cortadas com os 1ºs Réus).

Que se diz, isto é, o público afirma que os 4ºs Réus doaram os prédios aos netos, filhos da 1ª Ré, é igualmente um facto quando se pondera que na escritura pública de doação figuram com donatários os 2º Réu-marido e o 3º Réu-marido (não os 1ºs Réus), não admirando, por isso, que o público diga, tal como afirmou a testemunha D. C. acontecer, que os 4ºs Réus doaram os prédios aos netos, público esse que, no entanto, também afirma que aqueles 4ºs Réus doaram os prédios aos filhos, incluindo à M. F., como também afirmou a testemunha D. C. acontecer, referindo-se aqui o público, já não ao aspeto formal do nome a quem foi feita a doação em termos de escritura, mas ao aspeto substantivo, isto é, às pessoas a quem os 1ºs Réus quiseram efetivamente beneficiar com essa escritura e que realmente beneficiaram.

A este propósito, sustenta a testemunha D. C. que os seus sogros lhe dizem que os 4ºs Réus, seus vizinhos e familiares, quiseram efetivamente beneficiar a 1ª Ré M. F., como estes lhes contaram, e verifica-se que efetivamente os sogros desta depoente são realmente vizinhos e familiares dos 4ºs Réus, com quem se relacionam proximamente, não admirando, por isso, que os 4ºs Réus tivessem confidenciando aos sogros da D. C. este seu verdadeiro propósito até porque, aquando da venda do prédio que o sogro da depoente vendeu aos 4ºs Réus, o Réu M. G., tinha chamado de tolo ao sogro de D. C., afirmando que a “ele não iam buscar nada”.

Acresce que, como se referiu, existindo bom relacionamento entre os 4ºs Réus e os 1ºs Réus, cuja filha M. F., inclusivamente os visitava (e visita) frequentes vezes, não existia manifestamente qualquer razão objetiva, sequer subjetiva, da parte dos 4ºs Réus para prejudicar esta filha nessa verdadeira partilha em vida que efetuaram entre os filhos, tanto assim, que, como foi confessado pelos 4ºs Réu, houve a intenção dos mesmos em igualizar os filhos em termos de prédios doados.

Acresce que como foi também confessado pelo 4º Réu M. G. aquele tinha pruridos em ser acusado pelos filhos em estar a beneficiar uns em detrimentos dos outros, pruridos esses que, de resto, o mesmo invocou para ter feito o tal pretenso empréstimo à 1ª Ré M. F..

Aqui chegados, a única conclusão que é possível extrair é que, tal como conclui o tribunal a quo, os 4ºs Réus pretenderam efetivamente doar os prédios em causa aos 1ºs Réus e não aos 2ºs e 3º Réus, que também não quiseram aceitar essas doações, tal como confessaram acontecer aos sogros de testemunha D. C., mas que apenas não declaram essa sua real intenção na escritura pública para colocar esses bens doadora aos 1ºs Réus fora do alcance dos credores destes, nomeadamente dos aqui Autores, que bem conheciam, já que essa é a única razão plausível que é suscetível de ser extraída dos elementos probatórios que se vem enunciando e analisando quando submetidos às regras da experiência comum.

É certo que, como referiu a testemunha D. C., o 2º Réu A. C., lhe disse ter a intenção de construir no terreno doado pelos avós.

No entanto, essa afirmação que o 2º Réu A. C. fez à testemunha D. C. não tem manifestamente o alcance que o aqui 3º Réu e apelante lhe pretende emprestar, até porque, nos termos da escritura de doação (simulada) os prédios não foram doados pelos avós exclusivamente àquele, mas também ao 3º Réu, pelo que é manifesto que o 2º Réu A. C. não podia construir, sem mais, nesse terreno, dado que este não era sua exclusiva propriedade.
O único sentido plausível que é suscetível de extrair dessas declaração do 2º Réu A. C. para com a testemunha D. C., é que tendo a generalidade dos filhos a tendência para confundirem o património dos pais com o seu próprio património, incorrendo o Réu A. C. nesse vício e tendo como facto certo que um dia, ainda em vida dos pais (os 1ºs Réus), ou na sequência da morte destes, esse prédio lhe seria adjudicado por partilhas, projetava nele construir uma casa.

Sustentam os 4ºs Réus que assim não é, mas que quiseram efetivamente doar aqueles prédios aos netos, filhos dos 1ºs Réus, por quem nutriam uma especial afeição.
Acontece que quando questionados sobre se também mantinham uma boa relação com os restantes netos, os 4ºs Réus foram perentórios em responder afirmativamente.
Logo, não existia nenhuma razão objetiva ou subjetiva da parte dos 4ºs Réus para beneficiarem estes concretos netos, filhos dos 1ºs Réus, em detrimentos dos restantes netos.
Acresce que os 4ºs Réus foram igualmente concordantes entre si em referir que os 2ºs e 3º Réus, filhos dos 1ºs Réus, não os visitam, sequer eles os visitam, mas que apenas se relacionam entre si quando por mera ocasionalidade se encontram uns com os outros.

Consequentemente, apesar de pretenderem que tinham uma especial relação e afeição com estes concretos netos, filhos dos 1ºs Réus, são os próprios 4ºs Réus que acabam por corroborar que tal não corresponde à verdade, na medida em que esses netos nem sequer os visitam ou são por eles visitados.

Logo, não existiam quaisquer razões objetivas, sequer subjetivas que levassem os 4ºs Réus a beneficiar os 2ºs e 3º Réus, filhos dos 1ºs Réus, em detrimento dos restantes seus netos, e muito menos para aqueles 4ºs Réus prejudicarem a filha, a 1ª Ré M. F., em benefício dos filhos desta (a não ser as dívidas dos 1ºs Réus) e muito menos para a prejudicar em relação aos restantes irmãos.

Acrescente-se que de acordo com o 4º M. G., a 1ª Ré M. F., sua filha, é pessoa muito ciente dos seus direitos enquanto filha perante os pais, não tolerando tratamentos desiguais da mesma face aos irmãos, ao ponto de invocar que os pais teriam prestado dinheiro ao irmão D. F. e que, por conseguinte, era também obrigação destes emprestar-lhe dinheiro a ela e ao marido, facto este que, aliás, o 4º Réu invoca como razão para lhes ter emprestado os tais 2.700 contos.

Acresce que o 4º Réu justifica esse empréstimo com o facto de não querer ser acusado pelos filhos de ter comportamentos desiguais em relação àqueles.

Logo, segundo o 4º Réu, nem a 1ª Ré é pessoa para aceitar tratamentos desiguais dos pais em relação àquela comparativamente ao adotado em relação aos irmãos, sequer o 4º Réu é pessoa para tratar desigualmente os filhos.

Pois bem, caso os 4ºs Réus tivessem querido efetivamente beneficiar os netos em detrimento da filha e do genro (os 1ºs Réus), sem dúvida alguma que perante essa postura da filha, os 4ºs Réus não se livrariam de sérios problemas e desgostos, posto que a 1ª Ré, sem dúvida alguma, prontamente teria cortado com aqueles relações e não se calaria, além de que o 4º Réu teria quebrado a sua postura de igualdade no tratamento emprestado a todos os filhos.

Tudo o quanto se vem relatando, corrobora, pois, a convicção do tribunal a quo, convicção essa que corresponde à nossa própria convicção autónoma.

Mas a corroborar tudo o quanto se vem concluindo e aquela que também foi a leitura que o tribunal a quo fez da prova produzida, aponta-se o depoimento prestado por P. F., que referiu ter andado a construir um galinheiro e um coberto para arrumos num terreno do irmão J. C. da 1ª Ré M. F., filho dos 4ºs Réus, e que este J. C. lhe referiu que tinha herdado esse terreno dos pais, e que a irmã M. F. (a 1ª Ré) tinha herdado o terreno situado ao lado desse terreno, que é o tal terreno onde ele vê a 1ª Ré a trabalhar, agricultando-o.

O identificado P. F. referiu, ainda, que em data recente andou a rachar lenha a mando do 1º Réu J. C., e que essa lenha proveio de uma bouça que o 1º Réu J. C. herdou dos sogros (os 1ºs Réus).

Note-se que questionada a 4ª Ré I. L. sobre o tipo de prédios que tinham sido doados e objeto dos presentes autos, a mesma referiu que um desses prédios é uma bouça e o outro é um campo – o tal que a mesma refere agricultar, juntamente, com a 1ª Ré M. F. -, acabando assim a mesma por corroborar o depoimento da testemunha P. F..

Aponta-se ainda o depoimento prestado pela testemunha J. S., que relatou que sendo amigo e vizinhos da partes e tendo o seu pai um relacionamento muito próximo com o 4º Réu M. G., o depoente soube através do seu pai que este 4º Réu lhe contara que ia fazer partilhas com os filhos e que, nessa sequência, a 1ª Ré M. F. “tem lá um terreno que era do pai”, posto que o depoente passa na estrada a vê a mesma a fabricar esse terreno.

Aqui chegados, feita a reponderação da prova produzida, cumpre referir que a nossa convicção autónoma corresponde justamente àquela que é a do tribunal a quo.

Essa convicção em nada é beliscada pelo depoimento prestado pela testemunha D. F., que como se referiu, foi praticamente, in totum, desmentido pelo depoimento da testemunha M. G. e, inclusivamente, pelas declarações de parte prestadas pelos próprios 4ºs Réus, cujos depoimentos e declarações, para além, reafirma-se, serem contrários entre si, não resistem minimamente às regras da experiência comum naquilo que se revelam contrários aos depoimentos prestados pelas testemunhas D. C., P. F. e José.

Consequentemente, perante os fundamentos probatórios acima enunciados e quando cotejados com as regras da experiência comum, mais não restava ao tribunal a quo que não fosse concluir pela prova da matéria vertida nos pontos 12º, 13º e 17º dos factos julgados provados na sentença recorrida.

Termos em que, na improcedência da impugnação da matéria de facto, mantém-se inalteradas as respostas dadas aos pontos 12º, 13º e 17º dos factos julgados como provados na sentença recorrida.

Mantendo-se inalterada a matéria de facto julgada como provada e não provada na sentença recorrida, resta verificar se a sentença recorrida se pode manter quanto à decisão de mérito nela proferida.

B.3- Do mérito.
B.3.1- Recurso dos 1ºs, 3º e 4ºs Réus.
B.3.1.1- Da sub-rogação.

As críticas que os 1ºs, 3º e 4ºs Réus aduzem à decisão de mérito proferida na sentença recorrida, estava absolutamente dependente da procedência da impugnação da matéria de facto que operaram.
Acontece que na improcedência da apelação quanto à impugnação da matéria de facto operada pelos Réus, é indiscutível que a sentença recorrida não padece de qualquer erro de direito quanto à decisão de mérito nela proferida e que aqueles apelantes lhe assacam.

Na verdade, tal como resulta dos factos provados sob os pontos 4º a 8º da sentença recorrida, os aqui 1ºs Réus celebraram em 31 de agosto de 2001, com o Banco A de Barcelos, CTL, um contrato, mediante o qual esta lhes emprestou a quantia de 95.000.000$00, da qual aqueles se confessaram devedores, obrigando-se a restituir a referida importância nas datas e condições estipuladas nesse acordo, contrato este que configura indiscutivelmente um contrato de mútuo (art. 1142º do CC).
A aqui Autora D. C. e o seu então marido, E. F., constituíram-se fiadores dos 1ºs Réus nesse contrato, renunciando ao benefício da excussão prévia.
Os 1ºs Réus incumpriram esse contrato de mútuo e a mutuante Banco A de Barcelos, CRL, intentou contra os 1ºs Réus e contra a Autora D. C. e o seu então marido a execução n.º 952/2002, que correu termos pelo extinto 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Barcelos, exigindo o pagamento da quantia de 84.671,76 euros (cfr. ponto 6º dos factos provados).
No âmbito dessa execução, a Autora D. C. e o seu então marido pagaram à exequente, Banco A, a quantia de 19.149,82 euros e 50.000,00 euros, num total de 69.149,82 euros (cfr. pontos 7º e 8º dos factos provados).
Como é sabido, a fiança é o vínculo jurídico pelo qual um terceiro (o fiador) se obriga pessoalmente perante o credor, garantindo com o seu património a satisfação do direito de crédito deste sobre o devedor (cfr. art. 627º, n.º 1 do Cód. Civil).
O fiador é um verdadeiro devedor do credor, na medida em que ao assegurar o cumprimento do devedor, obriga-se pessoalmente perante o credor, garantindo a realização da prestação debitória com todo o seu património.
A obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o obrigado (n.º 2 do art. 667º do CC), o que significa que a dívida do fiador tem, por via de regra, o mesmo conteúdo da obrigação do devedor, não podendo exceder a dívida principal nem ser contraída em condições mais onerosas, mas pode ser contraída por quantidade menor ou menos onerosas condições (art. 631º, n.º 1 do CC) e a declaração de fiança necessita de revestir a forma para a obrigação principal (n.º 1 do art. 628º do CC).
A obrigação do fiador é a obrigação do afiançado, de modo que “embora se possa dizer que a garantia patrimonial dada pelo fiador se coloca ao lado da garantia oferecida pelo obrigado, outro tanto se não pode afirmar na obrigação assumida pelo fiador, que está por cima da obrigação contraía pelo devedor, mas não ao lado dela (…). Após a constituição da fiança passa assim a haver uma obrigação principal, a que vincula o principal devedor (os 1ºs Réus) e, por cima dela, a cobri-la, tutelando o seu cumprimento, uma obrigação acessória, a que o fiador fica adstrito” (10).
Além de acessória, a obrigação do fiador é, em regra, subsidiária, e daí que assista, em regra, ao último, nos termos do disposto no art. 638º do Cód. Civil, o benefício da excussão prévia, o qual consiste “fundamentalmente no direito que assiste ao fiador de se opor à execução dos seus bens enquanto não estiverem executados todos os bens do devedor, sem o credor obter a satisfação do seu crédito” (11).
No entanto, porque a subsidiariedade, sendo um direito normal do fiador, não é, contrariamente ao que acontece com a acessoriedade, um requisito essencial da fiança, esse benefício é afastado nas situações enunciadas no art. 640º do Cód. Civil, e em geral, nas obrigações mercantis, conforme decorre do art. 101º do Cód. Com., onde expressamente se estatui que “todo o fiador de obrigação mercantil, ainda que não seja comerciante, será solidário com o respetivo afiançado”.

No caso, tendo a Autora e o seu entretanto falecido marido renunciado ao benefício da excussão prévia no âmbito do contrato de mútuo celebrado entre o Banco A e os 1ºs Réus e em que aqueles outorgaram como fiadores dos 1ºs Réus (cfr. ponto 5º dos factos provados), nos termos do disposto na al. a) do art. 640º do CPC, não lhes era lícito invocar esse benefício da excussão prévia, opondo-se à execução dos seus bens enquanto não estivessem executados todos os bens dos 1ºs Réus, pelo que nada mais lhes restava que não fosse pagar o crédito exequendo com vista a obstar à penhora e posterior venda do seu património.
Tendo a Autora e o seu falecido marido pago à exequente, no âmbito daquela execução, a quantia global de 69.149,82 euros, nos termos do disposto no art. 644º do CC, aqueles ficaram sub-rogados nos direitos do Banco A perante os 1ºs Réus.

Em consequência da sub-rogação, “o fiador adquire os poderes que competiam ao credor em relação ao devedor. O crédito transfere-se para ele, com todas as garantias e acessórios (cfr. art. 582º, ex vi arts. 594º e 593º do CC)”. O direito dos Autores sobre os 1ºs Autores em virtude do pagamento daquela quantia que satisfizeram ao Banco A no âmbito da identificada execução, por via da fiança que prestaram a favor dos 1ºs Réus, não é, por conseguinte, um direito novo daqueles sobre os 1ºs Réus, mas é o direito que o Banco A tinha sobre os mesmos por via do contrato de mútuo que com aqueles celebrou e que estes 1ºs Réus incumpriram, direito esse que se transmitiu para os Autores sub-rogação, em consequência e na medida do cumprimento.
Logo, “se houver lugar a juros moratórios, legais ou convencionais, o fiador tem direito a eles, como se fosse o credor originário, mas sem qualquer direito especial em relação ao devedor” (12).
Resulta do que se vem dizendo, que tendo a Autora e o seu falecido marido pago, na qualidade de fiadores dos 1ºs Réus, ao Banco A, a quantia global de 69.149,82 euros, assiste aos Autores o direito a verem condenados os 1ºs Réus a restituir-lhe aquela quantia, acrescida dos juros de mora convencionais estipulados entre a Caixa e os 1ºs Réus no contrato de mútuo celebrado, desde a data do pagamento até integral e efetivo pagamento.
Resulta do que se vem dizendo, que ao condenar os 1ºs Réus a pagar aos Autores nos moldes constantes da alínea a) da parte dispositiva de sentença recorrida, o tribunal a quo não incorreu nos vícios de direito que os 1ºs, 3º e 4ºs Réus, apelantes, lhe assacam.

B.3.1.2- Da simulação.

Os Autores e apelados pediram que se declare nulo e de nenhum efeito o negócio de doação constante da escritura pública de 31 de janeiro de 2011, mediante a qual os 4ºs Réus declaram doar aos 2ºs e 3º Réus os prédios que se encontram identificados nos artigos 18º, 19º e 20º da petição inicial e, bem assim que se decrete o cancelamento do respetivo registo de aquisição a favor daqueles 2ºs e 3º Réus, com fundamento em simulação.
A simulação é uma das formas possíveis de divergência entre a vontade declarada e a vontade real do declarante.
Regra geral a vontade e a sua manifestação/exteriorização coincidem na declaração negocial, mas situações existem em que essa coincidência não se verifica porque essa vontade exteriorizada pelo declarante não existe do ponto de vista interno ou porque, embora seja existente, ocorre uma desconformidade entre o substrato volitivo interno e a sua aparência externa – vício na transmissão/exteriorização da vontade -, de modo que a vontade que aparece como exteriorizada não existe como tal, ocorrendo uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada do declarante.
Essa divergência entre a vontade real e a vontade declarada pode dever-se a vários fatores e pode ter subjacente uma situação voluntária ou involuntária do declarante.
Na simulação existe uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada pelo declarante, mas essa divergência é querida pelo último, o qual, propositada e conscientemente, emite uma declaração desconforme à sua vontade real.
Essa divergência é ainda conhecida pelo declaratário e tem subjacente um acordo entre ambos celebrado – o acordo simulatório.
Caso a declaração negocial emitida configure uma proposta contratual, o declaratário, com vista a exteriormente se atingir o mútuo consenso, emite, também ele, uma declaração negocial – a aceitação -, propositada e conscientemente, desconforme à sua vontade real, de modo que proponente e aceitante emitem, por mútuo acordo, declarações negociais que sabem ser desconformes às respetivas vontades reais.
Essa divergência intencional entre a vontade declarada e a vontade real dos declarantes visa criar, e cria, na ordem jurídica uma ficção de negócio, isto é, uma mera aparência de negócio, que surge exteriorizado na ordem jurídica como realmente existente mas que, efetivamente, não existe.
O fim de declarante e declaratário é o de enganar terceiros e, por via de regra, também prejudicá-los.
É assim que nos termos do disposto no art. 240º, n.º 1 do CC se estabelece que: “se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergências entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado”.

Resulta do que se vem dizendo que para que ocorra uma situação de simulação exige-se a verificação de três requisitos legais cumulativos, a saber: a) a divergência entre a vontade real e a vontade declarada; b) o intuito de enganar terceiros (animus decipiendi); e c) o acordo simulatório (pactum simulationis) (13).
Precise-se que à aparência de negócio assim criada pode estar o intuito de declarante e declaratário de apenas criarem uma mera ficção de negócio, agindo ambos com o propósito de criar essa aparência de negócio na ordem jurídica, sem que por trás deste exista entre eles realmente negócio algum, como acontece na venda fantástica ou nas doações simuladas com fins de pompa ou ostentação.
Neste caso, a simulação é “absoluta”, já que por trás do negócio aparente não existe negócio algum.
No entanto, o negócio simulado pode ter por intuito dissimular a celebração entre declarante e declaratário de um outro negócio (o dissimulado), que os mesmos quiseram efetivamente celebrar e que realmente celebraram, embora dissimulado sobre a capa do negócio aparente – o simulado.

Neste caso, declarante e declaratário, por acordo, visam criar, e criam, uma divergência entre o tipo de negócio que declaram celebrar entre si e aquele que, real e efetivamente, quiseram, e celebraram entre eles, embora dissimulado sobre a capa do negócio simulado, como acontece nos casos em que se celebra um contrato de compra e venda quando, na verdade, quiseram, e realmente celebraram uma doação, ou quando declaram celebrar uma doação, quando, na verdade, quiseram e celebraram entre eles um contrato de partilha em vida. Quando tal aconteça, a simulação é “relativa”.
Sintetizando, na simulação absoluta não existe sobre a capa do negócio aparente qualquer negócio.
Já na simulação relativa existem dois negócios: um que é o objeto imediato da vontade declarada, que é o denominado “negócio simulado”, o qual, como dito, é uma mera aparência de negócio, mas que surge exteriorizado e, por conseguinte, na ordem jurídica, como negócio efetiva e verdadeiramente celebrado, e o outro, que é o objeto da vontade real, o denominado “negócio dissimulado”, que, contudo, não surge exteriorizado na ordem jurídica.
Quer a simulação seja absoluta, quer seja relativa, nos termos do disposto no art. 240º, n.º 2 do CC., o negócio simulado é nulo.
Quanto ao negócio simulado, como realça Mota Pinto, “não há que tomar em conta quaisquer expectativas do declaratário, pois este interveio no «pactum simulationis». Só os terceiros de boa fé que tenham confiado na validade do negócio simulado exigem ponderação, mas o tratamento daqueles interesses não exige mais do que a inoponibilidade, em relação aos seus titulares, da nulidade e não vai ao ponto de reclamar para a situação a forma menos grave de invalidade: A anulabilidade”(14)

Por sua vez, nos termos do art. 286º do CC, a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.
A declaração da nulidade tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado em consequência do negócio inválido, ou se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (art. 289º, n.º 1 do CC), o que significa que a lei quer a destruição retroativa do negócio, procurando obter a respetiva eliminação da ordem jurídica e recolocar os contraentes na situação em que se encontrariam caso estes nunca tivessem celebrado o negócio simulado e, por isso, nulo.
Revertendo ao caso sub judice, provou-se que por escritura de 31/01/2001, os 4ºs Réus declararam doar, em comum e partes iguais, aos 2º e 3º Réus, por conta das suas quotas disponíveis os prédios que se encontram identificados no ponto 9º dos factos apurados na sentença recorrida.
Mais se provou que os 2º e 3º Réus registaram esses prédios em seu nome (ponto 11º dos factos provados).
No entanto, provou-se que os 4ºs Réus pretenderam doar os mesmos prédios aos 1ºs Réus e não aos 2º e 3º Réus, que também não quiseram aceitar essas doações, sendo que os 4ºs Réus apenas não declararam doar os aludidos prédios aos 1ºs Réus para os colocar fora do alcance dos respetivos credores, nomeadamente dos aqui Autores (pontos 12º e 13º dos factos provados).

Resulta do quadro factual que se acaba de transcrever que, no caso, ocorre uma divergência entre a vontade declarada pelos 4ºs e 2º e 3º Réus na escritura de doação outorgada em 31 de janeiro de 2011, na medida em que nem os 4ºs Réus pretenderam doar aos 2º e 3º Réus, seus netos, os prédios objeto dessa escritura, sequer estes pretenderam efetivamente aceitar essa doação, tendo essa divergência entre a vontade real e a vontade declarada entre eles obedecido a um acordo, que era o de transmitirem a propriedade sobre aqueles bens dos 4ºs Réus para os 1ºs Réus, respetivamente, filha e genro dos primeiros e pais dos 2º e 3º Réus, agindo todos com o intuito de enganar e, inclusivamente, prejudicar terceiros (os credores dos 1ºs Réus), visando colocar esses bens fora do alcance dos credores dos 1ºs Réus, nomeadamente dos aqui Autores.

Destarte, a doação celebrada em 31 de janeiro de 2011, entre os 4ºs Réus e os 2º e 3ºs Réus é simulada e, consequentemente, nula.

Resulta do que se vem dizendo que ao declarar nulo, por simulação, o negócio jurídico de doação constante da escritura pública e ao ordenar o cancelamento do registo de aquisição dos prédios objeto da mesma a favor dos 2º e 3ºs Réus nos termos constantes das alíneas b) e c) da parte dispositiva da sentença recorrida, o tribunal a quo não incorreu nos erros de direito que os 1ºs, 3º e 4ºs Réus lhe assacam, pelo que improcedem os fundamentos de recurso que os mesmos assacam à decisão de mérito nela proferida.

Deste modo, improcedem todos os fundamentos de recurso aduzidos pelos 1ºs, 3º e 4ºs Réus nas respetivas apelações, impondo-se julgar improcedente essas apelações e, em consequência, confirmar a sentença recorrida quanto àqueles, sem prejuízo do que infra se explanará quanto à apelação interposta pelos Autores.

B.3.2- Do apelação interposta pelos Autores

Os Autores interpuseram recurso de apelação da sentença recorrida, sustentando que ao ordenar a restituição dos imóveis doados ao património dos 4ºs Réus e ao declarar nulo o negócio jurídico de doação dissimulado subjacente ao negócio simulado referido em b), que os 4ºs Réus quiseram fazer aos 1ºs Réus, absolvendo os Réus do restante pedido, em vez de julgarem procedente o pedido que formularam sob a alínea D) do petitório vertido na petição inicial, em que pedem que se declare “válido e eficaz o negócio de doação dissimulado, que os 4ºs Réus quiseram fazer aos 1ºs Réus, através da referida escritura de doação”, outorgada em 31 de janeiro de 2011, “com todas as devidas e legais consequências”, o tribunal a quo incorreu em erro de direito quanto a esta parte da decisão de mérito proferida nessa sentença, sustentando que, contrariamente ao que foi entendido nesta, o negócio dissimulado cumpre todas as exigências de forma, dispondo o tribunal a quo de todos os elementos fundamentais para declarar válido e eficaz esse negócio, pois que ficou amplamente provado que os 4ºs Réus procederam à partilha em vida dos seus bens, através de diversas doações efetuadas a todos os filhos, com exceção da 1ª Ré M. F., sendo essas doações feitas por conta da legitima dos donatários e, no caso de exceder a mesma, a serem imputadas na quota disponível dos doadores.

Mais sustentam que a doação efetuada aos 2º e 3º Réus foi pela quota disponível, mas é necessário ter em conta que a mesma não poderia ser feita de outra forma, pois estes últimos não eram herdeiros legitimários dos 4ºs Réus à data da doação e que a forma adotada no negócio pelos simuladores, nunca pode revelar a totalidade do negócio real dissimulado, pois a ser assim, essa revelação seria incompatível com a simulação e só poderia ser conseguida sem ela, não podendo, por isso, haver simulação relativa sem que algo do negócio dissimulado falte ou seja diferente do negócio simulado.

Concluem os apelantes que tendo o negócio simulado sido celebrado por escritura pública e cumprindo o negócio dissimulado essa mesma forma, conforme exige a lei, e tendo o tribunal tomado conhecimento de todos os elementos fundamentais do negócio dissimulado, deve o mesmo ser aproveitado e, consequentemente, declarada a validade e eficácia do mesmo.
Em abono desta sua posição, invocam a jurisprudência vertida no aresto do STJ de 28/05/2013, Proc. 866/05.8TCGMR.S1, in base de dados da DGSI.

Vejamos se lhes assiste razão nas críticas que aduzem à sentença recorrida.

Dúvidas não podem subsistir que a simulação em que incorreram os 4ºs, 2º, 3º e 1ºs Réus ao outorgarem a escritura de doação em 31 de janeiro de 2011, mediante a qual os 4ºs Réus declararam doar aos 2º e 3º Réus os prédios identificados no ponto 8º dos factos provados, é relativa, na medida em que se provou que os 4ºs Réus pretenderam doar esses prédios aos 1ºs Réus e não aos 2º e 3º Réus, que também não quiseram aceitar as doações, e que os 4ºs Réus apenas não declararam doar os referidos prédios aos 1ºs Réus para os colocar fora do alcance dos respetivos credores, nomeadamente dos aqui Autores.

Essa simulação relativa, tal como entendeu o tribunal a quo, ocorre quanto aos sujeitos do negócio jurídico (simulação subjetiva), na medida em que os 4ºs e 1ºs Réus quiseram efetivamente celebrar entre eles uma doação, mas não tendo como donatários os 2º e 3ºs Réus, mas sim os 1ºs Réus, pelo que que a simulação verificada operou-se mediante interposição fictícia de pessoas (dos 2º e 3º Réus), em que mediante a interposição fictícia destes e com o conluio de todos (1ºs, 2º, 3º e 4ºs Réus), aqueles dissimularam a verdadeira doação que os 4ºs pretendiam fazer, e realmente fizeram, aos 1ºs Réus, com vista a enganar os credores destes, colocando os bens doados fora do alcance desses credores.
Os 2º e 3º Réus, no âmbito da celebração daquela doação celebrada entre os 1ºs e os 4ºs Réus, não passaram de simples testa de ferro ou homens de palha, uma vez que os verdadeiros donatários são os 1ºs Réus, pais daqueles e filhos dos doadores (os 4ºs Réus).

Como referido, enquanto sobre o negócio simulado rege o n.º 2 do art. 240º do CC, segundo o qual “o negócio simulado é sempre nulo”, pelo que, de acordo com o disposto no art. 289º do Código Civil, a simulação acarreta a destruição retroativa do negócio simulado, quanto ao negócio dissimulado, pronuncia-se o art. 241º do Cód. Civil, que estatui: “1- Quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado”; “2 – Se, porém, o negócio dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido observada a forma exigida por lei”.
Resulta deste regime que, em sede de negócio dissimulado (o real, oculto ou latente), vale como princípio regra que esse negócio real será objeto do tratamento jurídico que lhe caberia se tivesse sido concluído sem dissimulação (n.º 1 do art. 241º do CC), pelo que este poderá ser plenamente válido e eficaz ou poderá ser inválido, consoante as consequências que teriam lugar, caso tivesse sido abertamente concluído (15).

Este princípio regra sofre, no entanto, quanto aos negócios formais, a restrição do n.º 2 do art. 241º do CC., cujo significado é no sentido que se no negócio simulado, não se tiverem observado os requisitos de forma do negócio dissimulado, este será nulo por vício de forma, ainda que se tenha observado a forma prescrita para o negócio simulado, o que significa que para a validade do negócio real, dissimulado ou latente é sempre necessária a observância do formalismo que, para ele, exige a lei.
Em consequência, se não se cumpriram, no negócio simulado, as formalidades exigidas para o dissimulado, este é sempre nulo por vício de forma.
Ao invés, o negócio latente será válido, “se as partes fizeram constar as declarações, que integram o seu núcleo essencial, de uma contradeclaração (escrito de reserva ou de ressalva) com os requisitos formais exigidos para esse negócio” (16).
Não obstante o que se acaba de dizer, tem sido acesa a polémica doutrinal e jurisprudencial a propósito da interpretação a dar ao enunciado art. 241º, n.º 2 do Cód. Civil, conforme de resto resulta da sentença recorrida, onde em abono da tese aí sufragada, são enunciados vários arestos, e das alegações de recurso apresentadas pelos Autores apelantes que invoca um aresto onde se postula solução jurídica contrária.

Na verdade, a propósito da interpretação a dar à norma ínsita naquele preceito legal, podem-se encontrar duas posições extremas: uma que faz sobrevaler a publicidade emergente da forma à validade do negócio dissimulado, e outra em sentido contrário, que faz prevalecer a validade do negócio dissimulado sobre a publicidade.

De acordo com a primeira corrente, à validade do negócio dissimulado não basta que no negócio simulado tenham sido observadas as exigências de forma que são impostas ao dissimulado, mas é ainda necessário que os elementos essenciais do negócio dissimulado constem das solenidades próprias do negócio simulado.

Esta é a corrente que é adotada pela doutrina alemã e que foi a seguida entre nós por Beleza dos Santos e que veio a ser consagrada no Assento de 23/07/1952, (17) nos termos do qual: «anulados os contratos de compra e venda de bens imóveis e de cessão onerosa de créditos hipotecários, que dissimulavam doações, não podem estas considerar-se válidas» isto porque, sendo nula a compra e venda e a cessão de créditos com fundamento em simulação, a doação tem de ser, por sua vez, julgada nula por falta de forma, dado não constar da escritura as declarações correspondentes à mesma, não transparecendo dessa escritura o animus donandi que caracteriza a doação.

Quer isto dizer que, segundo esta corrente, o negócio simulado é nulo por simulação enquanto o negócio simulado é nulo por vício de forma.

De acordo com esta corrente, ocorrendo simulação por interposição fictícia de pessoas, não se pode julgar válido o contrato dissimulado porque nele falta um dos elementos essenciais desse negócio, que é a intervenção dos respetivos declarantes, sem a qual não existe o mútuo consenso necessário à validade desse negócio.

Esta é a posição perfilhada por Mota Pinto (18) e por Heinrich Horster e que foi a seguida pelo tribunal a quo na sentença recorrida e que, como referido, é seguida por uma parte da jurisprudência nacional (19).

Uma outra corrente, defende que à validade formal do contrato real, dissimulado, latente ou oculto, basta que a forma que a lei exige para a sua validade tenha sido observada no negócio aparente (simulado), e isto independentemente da parte do negócio que tenha sido ocultado ter intervindo ou não no negócio simulado e deste conter ou não os elementos essenciais do negócio dissimulado.

Esta é a posição sustentada por Manuel Andrade, para quem o negócio dissimulado não devia ser nulo sempre que as exigências de forma impostas ao último já estivessem satisfeitas com a observância das solenidades próprias do negócio simulado, argumentando que a solução contrária leva praticamente à quase eliminação do campo de aplicação do art. 241º, n.º 2 do CC e que “o formalismo da venda e da doação inspira-se (…) em duas ordens capitais: obrigar as partes (rectius, o vendedor e o doador) a uma ponderada reflexão sobre as consequências do respetivo ato; estabelecer prova segura da transferência dos bens vendidos ou doados. Ora essas razões já obtêm plena satisfação quando haja escritura de venda ou de doação simulada” (20), sendo esta a posição que vem propugnada pelo aresto do STJ, invocada pelos Autores/apelantes nas suas alegações de recurso.

Note-se, porém, que segundo o próprio Manuel de Andrade, a solução por ele assim preconizada não é válida para os casos de simulação por interposição fictícia de pessoas, enquanto não ocorra a formalização da transmissão simulada do interposto para o verdadeiro adquirente, ao sustentar expressamente que a solução que preconiza “… teria de resolver-se diferentemente no caso de interposição fictícia de pessoas, enquanto não estiver formalizada a transmissão (simulada) do interposto para o adquirente; porque então ainda não estará satisfeita a 2ª das razões apontadas”, isto é, a existência de prova segura dos bens vendidos ou doados para o real comprador ou donatário (21).

Neste sentido também se pronunciam Pires de Lima e Antunes Varela, ao escreverem que “no caso de simulação por interposta pessoa, o ato dissimulado não é válido enquanto se não celebrar o segundo negócio, dada a falta de intervenção da pessoa a quem a coisa deveria, por hipótese, ser definitivamente transmitida” (22).

Resulta do que se vem dizendo, que tendo, no caso, os 4ºs Réus declarado simuladamente doar aos 2º e 3º Réus, seus netos, os prédios objeto da escritura de doação outorgada em 31 de janeiro de 2011, quando aqueles pretendiam efetivamente doar esses prédios aos 1ºs Réus, não tendo os 2º e 3º Réus celebrado com os 1ºs Réus o negócio mediante o qual transmitiram para os últimos os prédios objeto da doação, dando assim concretização prática à doação real, dissimulada, oculta ou latente que os 4ºs Réus pretenderam efetivamente celebrar com aqueles 1ºs Réus mediante a celebração da enunciada doação simulada, jamais, segundo os defensores deste tese, podia o tribunal a quo julgar procedente o pedido formulado pelos Autores/apelantes sob a alínea D) do petitório vertido na petição inicial, declarando válido e eficaz o negócio de doação dissimulado que os 4ºs Réus quiseram efetiva e realmente fazer aos 1ºs Réus.

Destarte, em face dos fundamentos que se acabam de enunciar, improcede igualmente a apelação interposta pelos Autores/apelantes.

Aqui chegados, na improcedência de todos os recursos interpostos pelos Autores, pelos 1ºs, 3º e 4ºs Réus, impõe-se confirmar a sentença recorrida.
**
Decisão:

Nesta conformidade, os juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, acordam em julgar:

- o recurso interposto pelos Autores a fls. 391 e segs., improcedente;
- o recurso interposto pelos 1ºs Réus a fls. 407 e segs., improcedente;
- o recurso interposto pelos 4ºs Réus a fls. 416 e 417, improcedente; e
- o recurso interposto pelo 3º Réu a fls. 418 e segs., improcedente e, em consequência:
- confirmam a sentença recorrida.
*
Custas de cada um dos enunciados recursos pelos respetivos apelantes (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
*
Guimarães, 15 de novembro de 2018

José Alberto Moreira Dias
António José Saúde Barroca Penha
Eugénia Maria Marinho da Cunha


1. Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI.
2. Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BGC.C1, in base de dados da DGSI.
3. António Abrantes Geraldes, in ob. cit., “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, pág. 153.
4. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 155.
5. Abrantes Geraldes, in ob. cit., pág. 159.
6. Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 158 e 159.
7. Neste sentido vide Acs. S.T.J. de 26/09/2018, Proc. 141/17.5T8PTM.E1-S1; 05/09/2018, Proc. 1587/15.8T8PRT.P1-S2; 06/06/2018, Proc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1; 06/06/2018, Proc. 1474/16.38CLD.C1.S1; 06/06/2018, Proc. 552/13.5TTVIS.C1.S1; 16/05/2018, Proc. 2833/16.7VFX.L1.S1; 01/03/2018, Proc. 85/14.2TTMAI.P1.S1; 18/11/2008, Proc. 08A3406; 15/09/2011, Proc. 1079/07.0TVPRT.P.S1; 04/03/2015, Proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2; 01/10/2015, Proc. 824/11.3TTLSB. L1. S1; 26/11/2015, Proc. 291/12.4TTLRA.C1; 03/03/2016, Proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1; 11/02/2016; Proc. 157/12.8TUGMR.G1.S1, todos in base de dados da DGSI.
8. Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609.
9. Neste sentido Acs. RG. de 26/01/2012, Proc. 373/11.0TCGMR-G.G1; e RL. de 01/06/2016, Proc. 387/12.2TTPDL.L1-4, ambos in base de dados da DGSI.
10. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. II, 7ª ed., pág. 479.
11. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 655.
12. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., págs. 660 e 661. No mesmo sentido, vide Ac. RP. de 05/06/2014, Proc. 1596/06.9TBVRL-A.P1, in base de dados da DGSI.
13. Acs. STJ. de 21/03/2012, Proc. 476/10.8TBPNF-P1.S1; 30/05/97, CG/STJ., t. 2º, pág. 118; Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. 1º, pág. 227; Carlos Alberto da Mota Pinto, “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 472.
14. Carlos Alberto da Mota Pinto, ob. cit., pág. 474.
15. Mota Pinto, ob. cit., pág. 477. No mesmo sentido, Manuel Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, Coimbra 1983, pág. 189.
16. Mota Pinto, ob. cit., pág. 478. Manuel Andrade, ob. cit., pág. 191.
17. Assento de 23/07/1952, BMJ 32º, pág. 258.
18. Mota Pinto, in ob. cit., págs. 479 e 480.
19. Neste sentido, vide Acs. STJ, de 23/11/2011, Proc. 783/09.2TBLMG.P1.S1; de 11/02/2003, Proc. 03B2536; RE. de 30/06/2016, Proc. 8112/08.6TCLRS.E1; 28/06/2016, Proc. 693/17.0T8FAR.E1; RG. de 16/04/2015, Proc. 793/13.5TBEPS-A.G1, todos in base de dados da DGSI, lendo-se neste último que “havendo simulação por interposição fictícia de pessoa, para que o contrato dissimulado seja válido (seja na compra e venda, seja na doação) devem nele constar declarações negociais atribuídas a contraente real (seja como compradora, seja como doadora), sob pena de o respetivo documento não observar a forma exigida por lei quanto ao negócio dissimulado. Não tendo intervindo a compradora real/doadora, o encontro de vontades inerente à realização do negócio dissimulado não se estabeleceu entre a doadora e o donatário (dissimulados)”.
20. Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 193. No sentido desta posição, veja-se o Ac. do STJ. de 28/05/2013, Proc. 866/05.8TCGMR.G1.S1, invocado pela apelante; e de 09/03/2003, Proc. 03B2536, ambos in base de dados da DGSI.
21. Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 479.
22. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 228.