Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
172/15.0T8TMC.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
REGISTO DA ACÇÃO
DEVER DE GESTÃO PROCESSUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Numa acção de divisão de coisa comum em que se alega como origem da compropriedade a usucapião, baseada numa situação de composse, e em que a regra do trato sucessivo impõe que, para registar a acção, o prédio a dividir esteja previamente inscrito em nome das partes, deve o Juíz, ao abrigo do dever de gestão processual e do dever de colaboração das partes, e como forma de respeitar a regra da igualdade das partes, convidar autores e réus a promoverem, cada um por si, esse registo, em vez de optar pela paralisação da instância e eventual deserção da mesma, com fundamento no incumprimento do ónus de impulso processual apenas imposto aos autores.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

R. S. intentou esta acção de divisão de coisa comum contra A. S. e D. S., em 29/10/2015.
Os réus contestaram.
Posteriormente, o Tribunal ordenou oficiosamente o registo da acção. Tal registo não foi efectuado por se ter constatado que, quanto ao prédio a dividir, a propriedade não se encontrava registada nem a favor da autora nem dos réus.
Foi então proferido despacho a convidar as partes a demonstrar nos autos, em 10 dias, o registo junto da Conservatória do Registo Predial competente da aquisição para si, na proporção de ½ do prédio, respectivamente.
A autora veio informar que não é possível promover o mencionado registo, relembrando que nesta acção está por si alegado que “comprou” o referido prédio por acordo meramente verbal, e que posteriormente o adquiriu por usucapião. Donde não poder ainda promover o registo do seu direito por falta de título idóneo. E terminou requerendo a dispensa da obrigação de registo da acção.
Também o requerido veio informar que não pode promover o registo da acção por falta de título válido para o efeito.

Foi então proferido despacho com o seguinte teor:

“Conforme resulta do despacho de fls 73, foi determinado e promovido por este Tribunal o registo da presente acção de divisão de coisa comum, nos termos e para os efeitos dos artigos 2º, nº.1, al.a) e 3º, nº.1, al.a), 8º-A, nº.1, al.b), 8º-B, nº.3, al.a) e 8º-C, nº.2 do CRP.
Nesse seguimento e porquanto a titularidade da Autora e dos Réus, na invocada qualidade de comproprietários, não se encontra registada, veio a competente Conservatória do Registo Predial – vide fls.76 e ss – informar existir violação do trato sucessivo, na modalidade de continuidade das inscrições, uma vez que o direito de propriedade do pedido objecto do registo não se encontra inscrito a favor das partes na acção de divisão em apreço, ficando, assim, o registo provisório por natureza.
Mais concretamente, ali se constata que a aqui Ré, D. S., não se encontra ali inscrita como proprietária.
Apesar do ali transcrito e devidamente notificado às partes, veio a Autora por via do requerimento de fls.85 e ss, referir que não possui título idóneo que permite à própria e aos requeridos proceder ao registo de aquisição do direito de propriedade, requerendo, assim, a dispensa de tal registo.
Ora, parece resultar daqui, é que a requerente pretende o prosseguimento desta acção, com vista a adquirir o título em falta e assim desta forma, proceder ao registo da propriedade e sua divisão, o que não se concebe.
Desde logo, porquanto, com a presente acção – ou deste tipo de acções- do que se cura, é obter, tão só, um efeito meramente declarativo de concretizar a quota de cada comproprietário no todo comum, de molde a poder concluir-se que cada um sempre foi o dono da parcela e nunca teve a propriedade das parcelas pertencentes aos demais, a acção de divisão de coisa comum é acolhida, no registo predial, como atributiva ou translativa dos direitos adjudicados aos diversos compartes (cfr., entre outros, pareceres da DGRN, emitidos no proc. nº 67/97 DSJ-CT e nº R.P. 124/97 DSJ-CT, in dgrn@dgrn.mj.pt).
E como se refere no Parecer da DGRN, citado, “não obstante ser essa a óptica por que o registo predial olha a divisão de coisa comum a verdade é que esta não é (....) apenas isso, ou melhor, não é especialmente isso, mas sim uma causa de dissolução da relação de compropriedade anteriormente constituída. Este é aliás o aspecto mais marcante da modificação do direito de propriedade que a divisão implica, modificação essa que não se traduz numa mera mudança de titularidade - própria da aquisição derivada -, mas antes numa verdadeira alteração (objectiva) do estatuto por que in concreto se passará a reger a propriedade.” (sublinhado nosso).
“Ora, a acção de divisão de coisa comum tem em vista essencialmente esse objectivo de extinguir a relação de compropriedade, como aliás facilmente se alcança do pedido, nela a formular, de que se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respectivo valor, quando o requerente a considere indivisível (artigo 925° do CPC)”.
“Na verdade, tal acção implica, mais do que a resolução de uma controvérsia entre partes em litígio, a formulação de um verdadeiro juízo divisório, por forma a por termo à indivisão. Ora, é precisamente esse efeito dissolutivo ou extintivo da relação de compropriedade provocado pela divisão de coisa comum - que envolve modificação específica do direito de propriedade, de modo a preencher, também por aí, uma das finalidades que justificam a registabilidade das acções nos termos do artigo 3°, n° 1, alínea a), com referência ao artigo 2°, n° 1, alínea a), ambos do C. Registo Predial - a determinar a utilidade do registo da respectiva acção em prevenir o interesse dos comproprietários (de cada um deles) manifestado no pedido de divisão judicial, tornando esta sua pretensão oponível a terceiros e impedindo que, por sua vez, lhes possa ser oposto facto donde emirja direito incompatível com essa pretensão, entretanto ainda não registado. Ora, não se concebe que se pretenda a divisão da propriedade e registá-la, quando falta a prova dessa mesma propriedade (que não será obtida, certamente, por via desta acção(1).
O registo da acção, é assim entendido como uma condição de continuidade desta acção, pelo que deverá a Autora (a quem compete o impulso dos autos), comprovar nestes autos o registo em falta, sem prejuízo do decurso do prazo a que alude o nº.1 do artigo 281º do Código de Processo Civil.
Deverá a secção alarmar o processo para o decurso do prazo a que alude o artigo 281º,nº.1 do CPC e abrir conclusão de imediato”.

A fls. 93 veio a autora juntar certidão de registo da acção, provisório por natureza e dúvidas. Registo esse que, como resulta de fls. 97 e seguintes foi lavrado com base em escritura de justificação notarial.
Foi então proferido o despacho de fls. 106, com o seguinte teor:
Dispõe o nº 1 do artigo 2810 do Código de Processo Civil que "( ... ), considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.".
Decorre do presente preceito um ónus imposto às partes de promover o regular andamento do processo, por decorrência do princípio do dispositivo, não sem incumbir também o Juiz de prover pelo andamento célere da causa.
Ora, a génese da presente norma visa o interesse público da boa administração da justiça que por negligência das partes, os processos possam ficar sem movimentação ou andamento por tempo excessivo, ou indefinidamente. Aliás, ideia que ficou reforçada com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil que - relativamente ao anterior em vigor ­diminuiu de 2 (dois) anos para 6 (seis) meses o prazo de deserção, prescindindo da declaração (e da figura) de interrupção da instância.
Este prazo de deserção produz-se automaticamente com o decurso do mesmo, contudo, dependente de prévio despacho judicial (ao invés, o processo executivo, onde se basta apenas e tão só que no decurso desse mesmo prazo não tenha sido praticado qualquer acto por inércia das partes).
Compulsados os autos, constata-se que a Autora, devidamente notificada do teor dos despachos de fls. 83, 89/90, 101 e 105, não impulsionou os autos, no sentido de afastar o registo por dúvidas da acção, nos termos e para os efeitos do despacho de qualificação de fls.77 e ss.
Efectivamente, a Autora, intentou uma acção de divisão de coisa comum, sem que para o efeito estivesse registada qualquer inscrição quer a favor da mesma, quer dos Réus, junto da competente conservatória do registo predial.
Só após notificada do despacho de fls. 83, a Autora, procedeu à aquisição da titularidade do direito que invoca e após procedeu ao seu registo junto daquela. Porém, e relativamente à Ré, nada fez.
De todo o modo, o impulso processual em causa pertence à Autora.
Ademais, se diga, mais uma vez, que o decurso do prazo de deserção, opera automaticamente e não tendo sido arvorada qualquer razão, em concreto, para o decurso desse prazo, dúvidas não se suscitam que está, assim, demonstrada a conduta negligente por parte das partes, por via da omissão dos actos necessários ao prosseguimento do processo e que lhe incumba praticar.
Ora, considerando que a instância pode extinguir-se por causas várias, uma das quais é a deserção (alínea c) do artigo 277° do diploma citado), extinta a instância por deserção, findou a relação processual.
Significa isto, portanto, que a deserção provoca a extinção da lide, logo não há mais actos processuais que se possam praticar porque não há relação processual juridicamente existente.
Pelo que vai retro expandido, decide-se julgar deserta a presente instância, com a consequente extinção da lide, ao abrigo do disposto no artigo 281º, n° 1 e 4 e 277°, alínea c) do Código de Processo Civil”.

Inconformada com esta decisão, a autora veio interpor recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata nos próprios autos, com efeito devolutivo, nos termos dos arts. 644º,1, 641º,5, 645º e 647º,1 CPC, findando a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

I- A requerente, ora recorrente, não pode deixar de discordar da mui douta sentença, ora recorrida.
II- O presente processo não esteve a aguardar impulso processual por período superior a seis meses.
III- A requerente, ora recorrente, deu integral cumprimento aos despachos proferidos nos autos, no que ao seu invocado direito de propriedade dizia respeito.
IV- A requerente, ora recorrente, apenas tinha legitimidade para requerer, junto da respectiva Conservatória do Registo Predial, o registo do seu próprio direito de propriedade.
V- Não tem qualquer fundamento legal, nem era exigível à requerente, ora recorrente, a promoção do registo do direito de propriedade a favor dos requeridos.
VI- A requerente, ora recorrente, carecia de legitimidade para promover tal registo.
VII- Os factos sujeitos a registo, ainda que não registados, podem ser invocados entre as próprias partes ou seus herdeiros.
VIII- O artigo 1412° do Código Civil atribui, também, a cada comproprietário o direito de exigir a divisão.
IX- A mui douta sentença, ora recorrida, faz uma incorrecta interpretação de todas as citadas disposições legais.
X- Faz igualmente uma incorrecta aplicação de tais preceitos legais.
XI- Impunha-se, nesta fase processual, dar integral cumprimento ao disposto no artigo 926°/3 do CPC, ou seja, deveria o meritíssimo Juiz "a quo" mandar seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.
XII- A douta decisão, ora recorrida, está também ferida da nulidade prevista no artigo 615°/1, alínea d) do CPC.
XIII- Na douta decisão, ora recorrida, verifica-se, um excesso de pronúncia, nomeadamente, quando exige à requerente, ora recorrente, a promoção do registo do direito de propriedade a favor dos requeridos, quando a mesma não tem, para tal, qualquer legitimidade.
XIV- E verifica-se omissão de pronúncia, além do mais, quando não dá integral cumprimento ao disposto no artigo 926°/3 do CPC, ou seja, quando, face à posição assumida pelos requeridos nos autos, não manda, como se lhe impunha, seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.
XV- A mui douta decisão, ora em recurso, deverá ser integralmente revogada e substituída por outra que mande seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum”.

Não houve contra-alegações.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635.º n.º 3 e 639.º n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, a não ser que existam questões que sejam de conhecimento oficioso.
Assim, e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão essencial a decidir consiste em saber se a autora incumpriu o dever processual de impulsionar os autos, de forma a saber se a sentença que julgou extinta a instância por deserção se deve manter ou deve ser alterada.

A realidade processual a atender para a decisão:

Da leitura da petição inicial resulta a alegação de que requerente e requeridos são comproprietários do prédio urbano composto de r/c e 1º andar, destinado à habitação, sito no lugar … – concelho de Torre de Moncorvo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torre de Moncorvo sob o n.º …/20070327, freguesia do ….
Mais alega que o referido direito de compropriedade sobre tal bem imóvel lhes adveio por compra meramente verbal, feita ainda durante o ano de 1994 a J. V. e irmãos (cfr. doc. nº 3), que deu origem a uma posse pública e pacífica durante o período de tempo necessário para a aquisição por usucapião.
E, finalmente, alega que não pretende continuar na referida situação de compropriedade com os requeridos, sendo-lhe lícito exigir judicialmente a respectiva divisão, nos termos dos artigos 1412º,1 e 1413º,1 do CC e 925º e segs do CPC.
E acrescenta ainda que o dito prédio não é susceptível de divisão.
Termina pedindo que o dito prédio seja declarado indivisível e marcada a conferência a que alude o artigo 929º do CPC, seguindo-se os demais termos deste processo especial.
Estamos perante uma acção de divisão de coisa comum, que segue o processo especial regulado nos arts. 925º e seguintes CPC.
Este tipo de acção reveste natureza real, e como tal está sujeita a registo predial (art. 2º,1,a e 3º,1,a Cód. Reg. Predial).
Antes das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 116/2008, de 4 de Julho, o nº 2 do art. 3º do Código de Registo Predial dispunha que “as acções sujeitas a registo não terão seguimento após os articulados sem se comprovar a sua inscrição, salvo se o registo depender da respectiva procedência”.
Porém, o diploma supra citado veio abolir esse nº 2, desaparecendo esse obstáculo legal ao andamento dos processos.
Concomitantemente, o art. 8º-B, introduzido pelo mesmo DL, e depois sucessivamente retalhado por vários outros diplomas, até ter, actualmente, o seu texto definido pela Lei n.º 30/2017, de 30 de Maio, veio dizer quem são os sujeitos da obrigação de registar. Depois de no seu nº 1 estabelecer o regime regra quanto à obrigação de registar, mas com a ressalva do disposto no nº 3. Este, por seu turno, estatui que “estão ainda obrigados a promover o registo: a) Os tribunais no que respeita às acções, às decisões e a outros procedimentos e providências ou actos judiciais” (…).
Assim, como escreve Lebre de Freitas, in A acção declarativa comum, 4ª edição, fls. 70, “a promoção destas inscrições registais é feita pelo Tribunal, oficiosamente; mas nada impede o autor de as requerer, de acordo com a norma geral de legitimidade do art. 36º CódRegPredial, com base em certidão, duplicado, (…).
Esta é, pois, a regra, em matéria de registo de acções reais: deve o Tribunal promover oficiosamente o registo.
Mas a solução para o caso concreto não emerge apenas desta regra. A mesma tem de ser lida e interpretada à luz dos princípios basilares do processo civil.
Ora, o art. 6º,1 sob a epígrafe (Dever de gestão processual), dispõe que “cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adoptando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável”. E o nº 2 acrescenta que “o juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo”.
Em anotação a este artigo, escreve José Lebre de Freitas que “ao juiz cabe, em geral, a direcção formal do processo, nos seus aspectos técnicos e de estrutura interna. Esta direcção implica a concessão de poderes tendentes a assegurar a regularidade da instância e o normal andamento do processo, só excepcionalmente cabendo às partes o ónus de impulso processual subsequente (2), ligado ao princípio do dispositivo. A referência a que este só existe quando uma lei especial o imponha foi introduzida na revisão do Código para afastar a ideia, anteriormente difundida na prática dos Tribunais, de que o autor tinha constantemente de impulsionar o desenvolvimento do processo (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, página 360”.
A direcção formal do processo, que como é óbvio, cabe ao Juíz, tem de estar estreitamente ligada ao cumprimento de deveres de cooperação do Juíz para com as partes e destas para com aquele.
Ora, a esta luz, será que a decisão recorrida é a mais correcta ?
O Tribunal a quo parece fazer decorrer do nº 1 do art. 281º CPC o ónus imposto às partes de promover o regular andamento do processo, quando na realidade esse artigo apenas regula as consequências processuais do incumprimento pelas partes do ónus de impulso processual, quando este ónus seja imposto por qualquer outra norma jurídica que não esta.
Afirma-se na decisão recorrida que “compulsados os autos, constata-se que a Autora, devidamente notificada do teor dos despachos de fls. 83, 89/90, 101 e 105, não impulsionou os autos, no sentido de afastar o registo por dúvidas da acção, nos termos e para os efeitos do despacho de qualificação de fls.77 e ss.
Ora, a verdade é que a autora logrou, através de uma escritura de justificação notarial, inscrever a seu favor do dito prédio na Conservatória.
O que ainda não está feita é a inscrição da aquisição a favor dos réus.
E na decisão recorrida escreve-se: “porém, e relativamente à Ré, nada fez. De todo o modo, o impulso processual em causa pertence à Autora”.
É esta asserção, de fazer recair sobre a autora o ónus de impulso processual que neste caso depende, prima facie, de actos a praticar pelos réus, que não podemos acompanhar. E supomos que é fácil perceber a razão pela qual este juízo não pode merecer a nossa concordância. Dispõe o art. 1412º,1 CC, sob a epígrafe “direito de exigir a divisão“, que “nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa”, sendo que “a divisão é feita amigavelmente ou nos termos da lei do processo (art. 1413º,1 CC). Escreve a propósito A. Santos Justo, in Direitos Reais, 5ª edição, fls. 333, que “a própria lei, que olha para a comunhão com certo desfavor, facilita a sua extinção, atribuindo a cada consorte o direito potestativo de, em qualquer momento, fazer cessar a indivisão”. E a doutrina observa que o carácter imperativo da norma do art. 1412º,1 CC determina a ilicitude da renúncia à divisão. Ora, o entendimento subjacente à decisão recorrida instituiria, para todos os efeitos, um meio de defraudar este direito potestativo de exigir a divisão, permitindo na prática a um dos comproprietários paralisar a acção de divisão de coisa comum, assim perpetuando a indivisão, solução que o legislador afastou liminarmente.
Em primeira linha, o dever de colaboração das partes entre si e com o Tribunal determina que seja sobre o réu que recai o dever de promover o registo da aquisição do direito de compropriedade em seu nome. Assim como no art. 6º,2 CPC “o juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de acto que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo”, também aqui deve o Juíz convidar a parte em falta a praticar os actos necessários para remover o obstáculo ao prosseguimento da lide.
Ora, a M.ma Juíz a quo já proferiu o despacho de fls. 83, a convidar a autora e os réus a demonstrar nos autos o registo junto da Conservatória competente da aquisição para si, na proporção de ½ do prédio, respectivamente em discussão nos autos.
A este convite aderiu a autora, promovendo o registo da aquisição em seu nome.
Os réus poderiam ter igualmente registado a aquisição em seu nome, mas optaram por nada fazer, sendo que é do seu interesse fazê-lo, pois é do registo do seu direito que estamos a falar.
Supomos que o dever de gestão processual, consagrado no art. 6º CPC tem aqui inteiro campo de aplicação, sendo que perante o cenário acabado de descrever, a paralisação da acção decorrente da decisão sub judice vai acabar por prejudicar a parte que cumpriu o dever de colaboração e favorecer a parte que o desrespeitou. O que se afigura como violação da regra da igualdade das partes, prevista no art. 4º.
Não cumpre a esta Relação ditar quais os trâmites que a primeira instância deverá seguir após a baixa dos autos, bastando apenas referir que se trata de situação que impõe ao Julgador o exercício dos poderes conferidos pelo citado art. 6º CPC; no entanto afigura-se-nos pacífico que, por exemplo, poderiam ser os réus notificados para praticarem os actos em falta, ao abrigo da regra da cooperação prevista no art. 7º CPC, sob cominação adequada, como condenação nas custas do incidente, ou outra que fosse considerada adequada. Após, poderia ser de ponderar o recurso à possibilidade aberta pelos arts. 36º e 37º CódRegPred, a expensas dos réus, etc.
Assim, o recurso merece provimento.

IV- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso procedente, revogando o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que, no exercício dos poderes contidos no dever de gestão processual, promova o andamento da causa.

Custas pelos réus (art. 527º,1 CPC).
Data: 23/11/2017

Relator
(Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto
(Alcides Rodrigues)
2º Adjunto
(Joaquim Luís Espinheira Baltar)


1. Destaque nosso.
2. Destaque nosso.