Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
100/17.8T8VRM.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
MONTANTE DA MULTA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/30/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Deve ser sancionada à luz da litigância de má-fé a conduta processual dos autores que basearam a demanda na alegação de determinada versão dos factos cuja falta de fundamento não podiam deixar de conhecer por se mostrar de todo incompatível com os factos que resultaram provados e que consubstanciam factos pessoais que não podiam deixar de ter conhecimento, revelando-se ainda essenciais à verificação dos pressupostos ou requisitos constitutivos do direito invocado;

II- A propósito dos critérios atinentes à fixação do montante da multa por litigância de má-fé importa considerar o que estabelece o artigo 27.º, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), ao prever que nos casos de condenação por litigância de má-fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC (n.º 3), e que o montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste (n.º 4 do citado preceito legal), importando, assim, ponderar o grau de má-fé revelado, as consequências processuais inerentes e as condições económicas dos litigantes de má-fé;

III- Na falta de elementos atinentes às condições económicas e à situação financeira dos autores/litigantes de má-fé afigura-se razoável e proporcional às circunstâncias do processo ponderar o valor da ação.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

J. T. e mulher M. G. instauraram, em 5-07-2017, ação declarativa sob a forma de processo comum contra B. C., e contra D. L., todos melhor identificados nos autos, pedindo se reconheça aos autores o direito de preferência na compra por € 891,59 do prédio rústico identificado no artigo 1.º e 20, al. a) da petição inicial; declarada a substituição na aquisição do referido imóvel dos seus compradores pelos autores, efetuado que seja o depósito do preço no prazo legal e se condene a 2.ª ré a entregar o prédio rústico, identificado no artigo 1.º e 20.º da petição, aos autores, ordenando o cancelamento do registo efectuado, com a descrição 734 na respectiva Conservatória do Registo Predial ... com base na escritura de compra e venda referida no artigo 20.º da petição inicial.

Alegam, para o efeito, em síntese, que são arrendatários do prédio rústico denominado “Cortinha ...”, identificado no artigo 1.º e 20.º da petição, por contrato de arrendamento celebrado há cerca de 15 anos por M. J., com início a 1 de Janeiro de 2003; na altura, a proprietária do terreno, alegou que mais tarde reduziriam o contrato a escrito; desde aquela data passaram a fazer a exploração agrícola do referido prédio, colhendo seus proventos, utilidades e produções e também para pasto de algumas ovelhas, mediante o pagamento de uma renda anual de € 50,00, na casa da senhoria; o referido prédio rústico foi vendido pela 1.ª ré à 2.ª ré por escritura pública de compra e venda, lavrada no dia 21-12-2016 com o valor patrimonial tributário de € 22,76 e o atribuído de €500,00 em conjunto com o prédio urbano composto de casa de rés-do-chão e andar, para habitação, com o valor patrimonial tributário de € 3.520,00 e o atribuído de €13.500,00, totalizando o preço global de € 14.000,00; contudo, a 1.ª ré e a anterior proprietária M. J., sabia e reconhecia os autores como arrendatários do prédio rústico “Cortinha ...” e, consequentemente, que tinham preferência na respetiva compra; concluem que a 1.ª ré não cumpriu a obrigação de comunicação da venda, do preço e das suas cláusulas essenciais, tendo os autores tomado conhecimento dos elementos essenciais do negócio, designadamente do nome dos compradores, do preço e das condições de pagamento, em 23-01-2017 quando se deslocaram ao Cartório Notarial ....

Ambas as rés contestaram, alegando, em síntese, que não estão reunidas as condições para o direito de preferência uma vez que os autores nunca foram arrendatários do referido prédio rústico e os prédios objeto da venda à 2.ª ré formam um conjunto predial, constituindo uma exploração agrícola de tipo familiar, pelo que não lhes assiste qualquer direito de preferência na venda do conjunto predial. A 1.ª ré sustentou ainda ser falso que tenha sido celebrado qualquer contrato de arrendamento entre os autores e a sua irmã M. J., que tenham pago qualquer quantia em dinheiro a esta e a tenham interpelado para reduzir qualquer contrato a escrito, posto que os prédios que foram vendidos nunca pertenceram à falecida M. J., sua irmã, nem nunca esta agiu como possuidora ou proprietária dos mesmos, nunca os tendo usado, cuidado ou vigiado; foram os autores que, de forma abusiva, colocaram animais bovinos no referido prédio, há cerca de 10 anos, facto do qual teve conhecimento através de uma sua irmã; dado que não precisava do prédio em causa a ré, por mero favor, tolerou a permanência dos autores no seu prédio, uma vez que as ovelhas o mantinham limpo; mais tarde, os autores passaram a cultivar no prédio produtos hortícolas e cortaram mesmo um castanheiro de grande porte; quando a ré decidiu vender os prédios em causa, comunicou ao autor marido que pretendia que desocupasse o prédio, os que os autores não acataram, apesar de que sempre souberam que a 1.ª ré era a verdadeira proprietária dos prédios; os prédios objeto da venda formam um conjunto predial e sempre a 1.ª ré quis alienar ambos os prédios em conjunto, opondo-se a que o eventual direito de preferência seja exercido em relação apenas ao prédio rústico, pelo preço que lhe foi atribuído. A 2.ª ré acrescentou que a aquisição dos dois prédios como um só, pelo preço global de €14.000,00 foi condição determinante para a realização do negócio entre as rés, já que só lhe interessava o prédio urbano com a extensão rural, do mesmo modo que a “Cortinha ...” só lhe interessava e interessa se ficar afecto ao prédio urbano.

Os autos prosseguiram com a realização da audiência prévia, no decurso da qual foi proferido o despacho saneador, tendo sido fixado o valor da causa em €5.000,01, delimitado o objeto do litígio, selecionados os temas da prova e admitidos os meios de prova.

Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença a julgar a ação improcedente, decidindo o seguinte:

«Pelo exposto, e decidindo:
1) Julgo totalmente improcedente, por não provada, a presente acção intentada por J. T. e M. G. contra B. C. e D. L. e, em consequência, absolvo as rés dos pedidos formulados.
2) Custas pelos autores sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido – art. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC e 6.º, n.º1 do RCP, por referência à Tabela I-A anexa.
3) Condeno os autores, J. T. e M. G. como litigantes de má-fé, numa multa de 8 (oito) unidades de conta, a favor do Tribunal.
4) Custas do incidente de litigância de má fé, no valor de 2 (duas) UC a cargo dos autores – art. 527.º, n.º s 1 e 2 do NCPC e artigo 7.º, n.º 3 do RCP e Tabela II anexa.
5) Registe e notifique».

Inconformados, vieram os autores interpor recurso da sentença, na parte em que se decidiu condenar os autores como litigantes de má-fé, numa multa de 8 unidades de conta a favor do Tribunal, pugnando no sentido da revogação da decisão e sua substituição por outra que absolva os recorrentes do pedido de condenação como litigantes de má-fé; quando assim se não entenda e sem prescindir, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que altere, em conformidade, os valores em que os recorrentes foram condenados. Terminam as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«I. Não existe qualquer fundamento para que os AA/Recorrentes sejam condenados como litigantes de má-fé com base numa alegada violação das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 542º do CPC.
II. Alegaram factos e deduziram pretensão cuja veracidade tinham como certa, não obstante, não lograram produzir prova adequada a convencer a Mma Juiz a quo, da sua qualidade de arrendatários e no direito de preferência na venda do prédio Cortinha ....
III. A não prova de um facto não corresponde à prova do contrário. A litigância de má-fé, é dedução pela parte de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, mas já não dedução de pretensão ou oposição cujo fundamento a parte não conseguiu provar. Por outro lado, para a tipificação da litigância de má-fé, exige-se o dolo ou negligência grave. Ora, dos autos não resulta evidente que os RR/Recorrentes, ao alegarem que tinham efetuado contrato de arrendamento do prédio ou quem seria o proprietário, quiseram alegar um facto que sabiam falso e que não tinham fundamento. Dos autos resulta tão só que não conseguiram provar tal facto. Facto não provado equivale a facto não alegado e nunca que se tenha provado o contrário. A resposta negativa a um quesito revela apenas que o facto quesitado se não provou e não que se tenha demonstrado o contrário; é como se o facto não tivesse sido articulado (Ac. STJ, de 28.05.1968 in BMJ, 177°-260).
IV. Resulta de vários depoimentos das testemunhas, que a D. M. J., irmã da 1ª Ré, é quem se ocupava dos terrenos da Casa ..., nomeadamente o prédio denominado Cortinha ....
V. A invocação do contrato arrendamento rural, surgiu naturalmente anos depois, no âmbito da presente ação despoletada com a venda do terreno, e não criando qualquer aparência, falsidades ou artimanhas legais para lhes permitir intentar a respetiva ação de preferência. Pois até essa data não havia surgido qualquer ato ou facto que conflituasse com a situação do usufruto/posse do terreno por parte dos recorrentes.
VI. E apenas do conhecimento pessoal dos AA/recorrentes, já que foram deles intervenientes, é que sempre contactaram com a D. M. J., irmã da 1ª Ré, relativamente ao prédio rustico Cortinha ....
VII. Vem entendendo de forma unânime a Doutrina e Jurisprudência que a simples circunstância de não ter logrado a parte produzir prova bastante não determina nem fundamenta a condenação como litigante de má fé.
VIII. No Acórdão desta elação de Coimbra, de 19/12/2012 (Apelação nº 1156/10.3YIPRT.C1), escreveu-se: “A litigância de má fé deve deixar incólume o direito das partes de discutirem e interpretarem livremente os factos. Assim, não é suficiente, para que a parte seja irremediavelmente considerada litigante de má fé, uma qualquer divergência ou desarmonia entre os factos, tal como a parte os descreve e como, ulteriormente, vêm a ser julgados provados e qualificado.”.
IX. Há-de ter a parte agido de modo especialmente censurável para fundamentar a condenação como litigante de má fé, pois o reconhecimento de uma litigância de má-fé tem de identificar-se com situações de clamoroso, chocante ou grosseiro uso dos meios processuais, por tal forma que se sinta que com a mesma conduta se ofendeu ou pôs em causa a imagem da justiça. Os Recorrentes apenas pretenderam fazer valer uma pretensão que julgavam ser válida, e que iriam litigar baseados na incerteza da lei, na dificuldade de apurar os factos e de os interpretar.
X. Como se refere no Ac. do STJ de 11.12.03, onde a dado passo se consignou que “a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico” e, assim, afastar a caracterização da litigância de má-fé naqueles casos em que, para além do que resulta dos depoimentos das testemunhas, outras provas não existam que diretamente conflituem com a posição assumida pelas partes no processo”. In casu, não estamos perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a atuação dolosa ou gravemente negligente dos recorrentes.
XI. Conduta censurável dos apelantes que não se verifica nos presentes autos. O facto de na ação não terem tido ganho de causa não significa que tenham agido norteados por qualquer dos fins ou estados de espírito reprováveis.
XII. E da matéria de facto constante da sentença recorrida, de nenhuma delas pode concluir- se, no âmbito do prudente arbítrio e do juízo equitativo do julgador, ter havido, na postura assumida pelos AA/recorrentes, algo que exceda a normal litigância numa controvérsia judicial, que mereça ser especialmente censurado e sancionado.
XIII. Decidindo pela condenação dos apelantes como litigantes de má fé, fez a Mma Juiza a quo errada interpretação e aplicação da norma constante do artigo 542º do CPC, pelo que deve a douta sentença recorrida ser substituída por outra que absolva os ora recorrentes do pedido de condenação como litigantes de má fé.

Quando assim se não entenda e sem prescindir,

XIV. Mesmo a considerar-se ter os ora recorrentes litigado de má fé, por mera cautela de patrocínio, sempre os quantitativos fixados para multa são manifestamente excessivos.
XV. A sentença recorrida não fundamenta o quantum da multa, o tribunal “a quo” não segue de acordo com o critério legal da fixação da indemnização, nem segue o prudente arbítrio do julgador, vinculado que está por uma bitola de razoabilidade e proporcionalidade, isto é, de equidade.
XVI. Na fixação do montante da multa por litigância de má-fé tem de ter em consideração a maior ou menor intensidade do dolo com que tenham agido os recorrentes, que é diminuta, entendido este como a consciência da sua falta de razão e da gravidade das consequências prováveis da sua conduta, assim como os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, a situação económica dos recorrentes, que é débil, a repercussão da condenação no património deste, e o valor baixo da ação € 5.000,01 e valor do prédio em causa € 500,00.
XVII. O valor da multa deve ser fixado pelo mínimo legal previsto no nº 1 do artigo 27º do Regulamento das Custas Processuais.
XVIII. Nesta confluência, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que altere, em conformidade, os valores em que os recorrentes foram condenados.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, consequentemente, extraídos os corolários dimanados das “conclusões” tecidas, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA».

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi então admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações dos recorrentes e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - cfr. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) - as questões a resolver no presente recurso circunscrevem-se a aferir se deve manter-se a condenação dos autores/apelantes como litigantes de má-fé e, em caso afirmativo, se o montante da multa fixada em 8 unidades de conta deve ou não ser alterado.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos

1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, relevando ainda os seguintes factos relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na sentença recorrida:
1.1.1. Por escritura pública de compra e venda, lavrada no dia 21 de Dezembro de 2016, no Cartório Notarial sito na Rua …, Edifício … – Loja …, Vieira do Minho, exarada a fls.12 e ss., do Livro n.º..-A, em que intervieram como primeiro outorgante B. C., viúva, e como segundo D. L., solteira, maior, pela primeira outorgante foi dito «Que é dona e legítima possuidora dos seguintes imóveis, da freguesia de ..., concelho de Vieira do Minho: Um – Prédio rústico denominado “Cortinha ...”, sito no lugar de ..., inscrito na atual matriz sob o artigo …, com o valor patrimonial tributário 22,76€ e o atribuído de quinhentos euros, descrito na competente Conservatória do Registo Predial ... sob o número …; Dois – Prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão e andar, para habitação, sito no lugar de ..., inscrito na atual matriz sob o artigo …, com o valor patrimonial tributário de 3.520,00€ e o atribuído de treze mil e quinhentos euros, descrito na competente Conservatória do Registo Predial ... sob o número … (…)
Que, pela presente escritura e pelo preço global de catorze mil euros já recebido, vende à segunda outorgante, os imóveis acima identificados.
Pela segunda outorgante foi dito que aceita o presente contrato nos termos exarados (…)» - cfr. documento de fls.10 a 11v.º cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
1.1.2. Através da Ap.3667, de 2016/12/21, encontra-se descrito a favor da 2.ª Ré na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º …/20100111, a aquisição por compra, do prédio rústico denominado Cortinha ..., situado no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Vieira do Minho, composto de cultura ervense de regadio, oliveiras, uveiras e castanheiros, com uma área total de 4290m2, confrontando a norte com M. P., a sul e nascente com caminho público e a poente com A. N. e inscrito na respetiva matriz sob o artigo … – cfr. documento de fls.9 que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
1.1.3. Através da Ap.3667, de 2016/12/21, encontra-se descrito a favor da requerente na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º …/20100111, a aquisição por compra, do prédio urbano, situado no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Vieira do Minho, composto de casa de rés-do-chão e andar, para habitação, com uma área total de 35m2, confrontando a norte com carreiro, a sul, nascente e poente com B. C. e inscrito na respetiva matriz sob o artigo … – cfr. documentos de fls.50, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
1.1.4. Os autores, sem consentimento ou autorização da 1.ª ré, há mais de 10 anos, colocaram animais ovinos no prédio identificado em 2).
1.1.5. E passaram a utilizar o terreno e vegetação permanente, limpando-o e cultivando-o, utilizando o anexo que se encontra aí implantado.
1.1.6. Podando, plantando e amparando videiras, semeando milho, batata, produtos hortícolas.
1.1.7. Lavrando e arando o terreno, colhendo os seus proventos e utilidades e utilizando-o para pasto de ovelhas.
1.1.8. A 1.ª ré teve conhecimento do referido em 4) através da sua irmã, D. O..
1.1.9. A 1.ª ré, uma vez que não precisava do prédio rústico referido em 1), denominado “Cortinha ...”, por mero favor, consentiu que os autores permanecessem no prédio e aí mantivessem as ovelhas.
1.1.10. O prédio denominado “Cortinha ...” é igualmente integrado pelo prédio urbano identificado em 3).
1.1.11. Ambos os prédios identificados em 2) e 3) sempre foram explorados, desde tempos que escapam à memória dos vivos, quer pelos anteriores proprietários ou caseiros destes, como um só.
1.1.12. Os quais habitavam o prédio urbano e semeavam produtos hortícolas no quintal anexo, separado por um caminho com três metros de largura.
1.1.13. Cultivando e colhendo milho, centeio, feijão, batata e vinho no terreno de cultivo.
1.1.14. A intenção da 1.ª ré foi a venda conjunta do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...º juntamente com o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...º, identificados em 2) e 3) pelo preço global de €14.000,00.
1.1.15. O valor global do prédio rústico identificado em 2) juntamente com o prédio urbano identificado em 3) ascende a €14.000,00.
1.1.16. O que foi determinante na aquisição dos mesmos pela 2.ª ré.
1.1.17. Após o referido em 1), a 1.ª ré remeteu ao autor marido a carta que constitui fls.9 verso dos autos com o seguinte teor:

Senhor J. T.
Agradeço que hoje em diante não entre na minha propriedade, Cortinha ..., está vendida, já tem dono com escritura feita e dinheiro recebido. Fiquei desgostosa por as arvores cortadas e um castanheiro grande que lá estava desapareceu. Basta de ousadia de tomar conta da minha propriedade sem me dar satisfação.
Está vendida, escritura feita e dinheiro na mão.
Agradeço que compreenda o mal que fez. (…)”.
1.1.14. A intenção da 1.ª ré foi a venda conjunta do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...º juntamente com o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...º, identificados em 2) e 3) pelo preço global de €14.000,00.
1.2. Factos considerados não provados pelo Tribunal a quo na sentença recorrida:
a) Em 01 de janeiro de 2003, M. J. cedeu aos autores o gozo do prédio rústico denominado “Campo ...”, sito no Lugar de ..., freguesia de ..., Vieira do Minho, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 423, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...
b) Mediante o pagamento de uma renda anual de €50,00.
c) Aquando do acordo referido em a) M. J. comunicou que mais tarde o reduziriam a escrito.
d) Após a data referida em a) os autores, pessoal e verbalmente interpelaram M. J. para que reduzisse a escrito o acordo referido em a).
e) M. J. comunicou aos autores que era desnecessário reduzir a escrito, alegando que não era habitual no meio e não admitia que duvidassem da sua palavra.
f) Até meados de Janeiro de 2017 os autores desconheciam que a 1.ª ré era a proprietária do prédio identificado em 2).
g) M. J. e a 1.ª ré sempre sabiam e reconheciam os autores como arrendatários do prédio rústico referido em 2).

2. Da condenação dos autores/apelantes como litigantes de má-fé

O objeto do presente recurso circunscreve-se, como se viu, a aferir se deve manter-se a condenação dos autores/apelantes como litigantes de má-fé e, em caso afirmativo, se o montante da multa fixada em 8 unidades de conta deve ou não ser alterado.

Verifica-se que os recorrentes, nas respetivas alegações, expressam a sua discordância relativamente à condenação como litigantes de má-fé, sustentando que dos autos não resulta evidente que os autores, ao alegarem que tinham efetuado contrato de arrendamento do prédio ou quem seria o proprietário, quiseram alegar um facto que sabiam falso e que não tinham fundamento. Defendem que dos autos resulta tão só que não conseguiram provar tal facto e que facto não provado equivale a facto não alegado e nunca que se tenha provado o contrário pois que a resposta negativa a um quesito revela apenas que o facto quesitado se não provou e não que se tenha demonstrado o contrário e, por isso, é como se o facto não tivesse sido articulado. Acrescentam que a invocação do contrato arrendamento rural, surgiu naturalmente anos depois, no âmbito da presente ação despoletada com a venda do terreno, e não criando qualquer aparência, falsidades ou artimanhas legais para lhes permitir intentar a respetiva ação de preferência, pois até essa data não havia surgido qualquer ato ou facto que conflituasse com a situação do usufruto/posse do terreno por parte dos recorrentes. Salientam que do conhecimento pessoal dos autores/recorrentes é apenas que sempre contactaram com a D. M. J., irmã da 1ª ré, relativamente ao prédio rústico “Cortinha ...”. Concluem que devem ser absolvidos a esse título, defendendo que a simples circunstância de não ter logrado a parte produzir prova bastante não determina nem fundamenta a condenação como litigantes de má-fé.

Litiga de má-fé, nos termos do artigo 542.º, n.º 2, do CPC, a parte que, com dolo ou negligência grave:

«a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».

Tal como decorre do citado preceito legal só a atuação dolosa ou gravemente negligente da parte pode sustentar a responsabilização da parte como litigante de má-fé, orientação que perdura desde que foi consagrada pelo DL 329-A/95, de 12-12, relativamente ao n.º 2 do correspondente artigo 456.º do CPC então em vigor, passando assim a sancionar-se, ao lado da litigância dolosa, a litigância temerária(1). Assim, «As partes têm o dever de pautar a sua atuação processual por regras de conduta conformes com a boa-fé (art. 8). A lide diz-se temerária, quando essas regras são violadas com culpa grave ou erro grosseiro, e dolosa, quando a violação é intencional ou consciente. A litigância temerária é mais do que a litigância imprudente, que se verifica quando a parte excede os limites da prudência normal, atuando culposamente, mas apenas com culpa leve» (2).

A este propósito, e no que releva para o caso em apreciação, explicam ainda António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa (3), em anotação ao citado artigo 542.º, n.º 2, do CPC, que «a má-fé, quer dolosa, quer baseada em culpa grave, continua a poder apresentar-se sob as vestes da litigância substancial ou instrumental. Integrará a primeira a conduta da parte que infringir o dever de não formular pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não ignorava ou não devia ignorar, a que alterar a verdade dos factos ou a que omitir factos relevantes para a decisão da causa».

Com efeito, a aplicação do instituto da litigância de má-fé, à semelhança do instituto do abuso de direito, traduz uma aplicação do princípio da boa-fé no domínio processual civil, tendo de se ter em conta a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente, através da análise global dos factos provados e não provados, e não apenas de um segmento desses factos (4).

Decorre do exposto que à litigância de má-fé não se basta a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. Na verdade, tal como refere o Ac. do STJ de 18-02-2015 (relator: Silva Salazar) (5), «tal pode ter ocorrido por a parte se encontrar, embora incorretamente, convencida da sua razão ou de que os factos se verificaram da forma que os descreve, hipótese em que inexistirá má fé. Impõe-se, pois, para que haja litigância de má fé, que a parte, ao deduzir a sua pretensão ou oposição infundamentada ou ao afirmar factos não ocorridos, tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, ou encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento». Neste contexto, concluiu ainda o citado aresto, «[a]tuam como litigantes de má fé, os réus que, no articulado contestação, alegam uma realidade que se provou inexistir e cuja inexistência forçosamente conheciam, o que significa terem eles alterado a verdade dos factos a fim de deduzirem intencionalmente, portanto, com dolo, oposição, cuja falta de fundamento não podiam deixar de conhecer».

Idêntico entendimento foi adotado no Ac. STJ de 18-10-2018 (relator: Ilídio Sacarrão Martins) (6), onde se entendeu violar gravemente o dever de cooperação com o tribunal e a parte contrária, devendo ser sancionada por litigância de má-fé, a conduta do réu que nega factos pessoais que vieram a ser declarados provados. Também o Ac. STJ de 4-07-2019 (relatora: Maria da Graça Trigo) (7), manteve a decisão de condenação da ré como litigante de má-fé, confirmando encontrar-se preenchido o pressuposto do artigo 542.º, n.º 2, alínea b), do CPC, por constatar que a ré negou factos pessoais que não podiam deixar de ser do seu conhecimento e que vieram a provar-se, atuando assim dolosamente.

No caso presente, e tal como sublinhou a sentença recorrida, «[a] versão carreada para os autos pelos autores e que pretenderam ver confirmada pelas testemunhas por si arroladas foi totalmente desconstruída pelos depoimentos das testemunhas arroladas pelos réus, as quais confirmaram, de forma clarividente e segura para o Tribunal que no lugar de ..., freguesia de ... sabia-se que a proprietária da Cortinha ... era a 2.ª ré, B. C., facto que igualmente era do conhecimento dos autores, tanto mais que a tia da autora mulher, a falecida D. …, fabricou aquele terreno durante anos e pagava a renda na Casa ..., em géneros, destinam-se os mesmos à 2.ª ré, B. C.. Foi ainda claramente demonstrado que os autores ocuparam e utilizaram a Cortinha ..., cultivando-o, podando, plantando e semeando milho, batata e produtos hortícolas, que colhiam em proveito próprio não entregando o que quer que fosse quer à 1.ª ré, quer à irmã, já falecida, M. J., conhecida como M. J.. E ficou perfeitamente demonstrado que essa utilização era feita sem qualquer título e sem autorização da ré B. C., a qual apesar de ter tido conhecimento mais tarde, por mero favor e tolerância autorizou que os autores aí mantivessem as ovelhas, sendo que o cultivo do campo foi feito por estes por iniciativa própria e apenas assim permaneceu durante anos, primeiro por desconhecimento da sua proprietária e depois, como se referiu supra, por mero favor ou tolerância». Na verdade, pelos autores vinha inicialmente invocada a sua qualidade de arrendatários do prédio rústico denominado “Cortinha ...”, identificado no artigo 1.º e 20.º da petição, por via de um contrato de arrendamento celebrado há cerca de 15 anos por M. J., com início a 1 de Janeiro de 2003, mais sustentando que, na altura, a proprietária do terreno, alegou que mais tarde reduziriam o contrato a escrito. Mais alegaram, no essencial, que desde aquela data passaram a fazer a exploração agrícola do referido prédio, colhendo seus proventos, utilidades e produções e também para pasto de algumas ovelhas, mediante o pagamento de uma renda anual de € 50,00, na casa da senhoria. Mais defenderam que a 1.ª ré e a anterior proprietária M. J., sabia e reconhecia os autores como arrendatários do prédio rústico “Cortinha ...” e, consequentemente, que tinham preferência na respetiva compra, concluindo que a 1.ª ré não cumpriu a obrigação de comunicação da venda, do preço e das suas cláusulas essenciais, tendo os autores tomado conhecimento dos elementos essenciais do negócio, designadamente do nome dos compradores, do preço e das condições de pagamento, em 23-01-2017 quando se deslocaram ao Cartório Notarial ....

Ora, compulsando o que resulta dos factos provados quando em confronto com a matéria factual que foi reconduzida aos factos não provados, tal como constam da fundamentação da decisão recorrida - a qual não foi impugnada nesta vertente e, como tal, não está em causa no âmbito do presente recurso -, resulta indiscutível que os autores não lograram comprovar o núcleo essencial dos factos que sustentavam a tese que carrearam para os autos. Ao invés, o que se verifica mediante a análise dos factos que foram considerados provados, em especial o que consta dos enunciados pontos 4 a 17, é que se provou uma versão dos factos que se mostra de todo incompatível com o alegado pelos autores em sede de petição inicial, ou seja, e tal como também se sintetizou na decisão recorrida, que « não lograram os autores, desde logo provar, como lhes incumbia, que eram arrendatários rurais do prédio denominado de “Cortinha ...”, desde 01 de Janeiro de 2003. Nem tampouco lograram provar que a falta de forma do alegado contrato de arrendamento rural (não redução a escrito) era imputável à contraparte.

Provou-se, outrossim, que estes apenas utilizavam o prédio denominado Cortinha ... cultivando e recolhendo os seus proveitos, por mera tolerância e favor da proprietária do mesmo, 1.ª ré».

Ora, mesmo perante o cidadão comum ou a generalidade das pessoas as expressões «arrendamento», «renda» ou «arrendatários», para além do seu alcance jurídico, assumem simultaneamente um sentido vulgar e corrente, traduzindo factos inerentes à cedência do gozo e fruição de uma propriedade a alguém que se obriga a pagar uma prestação em dinheiro ou outra contraprestação, tal como, aliás, foi expressa e concretamente alegado pelos autores sob os artigos 1.º a 5.º da petição inicial. Tais circunstâncias revelam-se essenciais posto que, como bem se sublinha na decisão recorrida, a invocada condição de arrendatários consubstancia pressuposto ou condição para o exercício pelos autores do direito de preferência invocado na presente ação.

Assim, atenta a natureza dos factos em apreciação e que vieram a provar-se, os quais consubstanciam factos pessoais que não podiam deixar de ser do conhecimento dos autores, não pode deixar de se concluir, tal como fez o Tribunal a quo que os autores deduziram, conscientemente, uma pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar e apresentaram nos autos uma falsa versão da realidade ocorrida.

Por conseguinte, a conduta processual dos autores permite configurar uma alteração consciente da verdade dos factos, bem como a dedução de pretensão cuja falta de fundamento forçosamente conheciam, o que leva a qualificar tal comportamento à luz do disposto no artigo 542.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), e b), do CPC, litigando, pois, com dolo caracterizador da litigância de má-fé.

Tal como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 542.º do CPC, a litigância de má-fé pode conduzir à aplicação ao litigante de duas sanções: a condenação em multa, a qual a lei não faz depender de prévio pedido da parte, e uma indemnização à parte contrária, se esta a pedir, conforme decorre da parte final do normativo em referência.

Atendendo ao objecto do presente recurso, a única questão que resta apreciar e resolver prende-se com o valor da multa devida pela litigância de má-fé, tal como fixada pelo Tribunal a quo na decisão recorrida.

Os recorrentes, nas respetivas alegações, expressam, além do mais, a sua discordância quanto ao quantitativo fixado para multa, o qual consideram manifestamente excessivo, pretendendo que o valor da multa deve ser fixado pelo mínimo legal previsto no n.º1 do artigo 27.º do RCP, alegando para o efeito que «[n]a fixação do montante da multa por litigância de má-fé tem de ter em consideração a maior ou menor intensidade do dolo com que tenham agido os recorrentes, que é diminuta, entendido este como a consciência da sua falta de razão e da gravidade das consequências prováveis da sua conduta, assim como os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, a situação económica dos recorrentes, que é débil, a repercussão da condenação no património deste, e o valor baixo da ação € 5.000,01 e valor do prédio em causa € 500,00».

Neste domínio, verifica-se que a decisão recorrida condenou os autores, ora recorrentes, ao pagamento de uma multa equivalente a 8 (oito) unidades de conta, valor que considerou adequado atendendo aos factos que da mesma constam discriminados como provados e não provados, sustentando, além do mais, que os autores deduziram, conscientemente, uma pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar e apresentaram nos autos uma falsa versão da realidade ocorrida.

A propósito dos critérios atinentes à fixação do montante da multa por litigância de má-fé importa considerar o que estabelece o artigo 27.º, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), ao prever que nos casos de condenação por litigância de má-fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC (n.º 3), e que o montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste (n.º 4 do citado preceito legal).

A propósito do critério que deverá guiar o juiz na fixação do quantum da multa, dentro da moldura que lhe foi previamente fixada, refere Marta Frias Borges (8), «De acordo com o art. 27º, nº 4 do RCP, deverá o juiz tomar em consideração os efeitos da conduta de má-fé no desenrolar do processo e na correta decisão da causa, bem como a situação económica do agente e a repercussão que a multa terá no seu património, em consonância com aquilo que era já afirmado por ALBERTO DOS REIS quando, ainda na vigência do CPC39, aludia à necessidade de atender ao grau de má-fé e à situação económica do litigante. De facto, a multa por litigância de má-fé, como qualquer outra pena, procurará desempenhar uma função repressiva (punindo aquele que não cumpre com os deveres de lealdade e correção) e, simultaneamente, preventiva (evitando que esse, ou qualquer outro litigante, volte a desrespeitar a lealdade processual). Mas estas funções apenas lograrão ser alcançadas se se tomar em consideração a situação económica do litigante, adaptando o montante da multa à sua condição financeira, assim garantindo que esta tenha verdadeiro efeito sancionatório e punitivo».

A este propósito, salienta ainda o Ac. TRP de 26-02-2008 (relator: Vieira e Cunha) (9) « [a] multa devida por litigância de má fé deve ser fixada com base no “prudente arbítrio” do juiz, que deve sopesar a gravidade da infracção e a situação económica do infractor, a maior ou menor gravidade dos riscos de lesão patrimonial causada ao litigante de boa fé, os interesses funcionais do Estado e o valor da acção».

Ora, como vimos, os factos provados nos autos levam a concluir que os autores deduziram, conscientemente, uma pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar e apresentaram nos autos uma falsa versão da realidade ocorrida, permitindo configurar que litigaram com dolo caracterizador da litigância de má-fé. Acresce constatar que a litigância de má-fé ocorre desde o momento de propositura da ação, permitindo assim concluir que configuraram dolosamente os factos que levaram a propositura da presente ação, com as consequências inerentes à relativamente complexa tramitação processual.

Por conseguinte, à luz de todo o enquadramento antes enunciado, consideramos que a atuação dos autores configura uma hipótese grave de litigância de má-fé pelo que, diversamente do que defendem os recorrentes, o montante da multa não pode fixar-se pelo mínimo legal - atualmente fixado em 2 UC (cfr. artigo 27.º, n.º 3 do RCP).

Porém, como se viu, importa ponderar que a justa fixação do montante da multa depende também das condições económicas e da situação financeira dos litigantes de má-fé, pelo que, na falta de elementos relevantes para o efeito, importa ponderar apenas o valor da ação, fixado em €5.000,01.

Por conseguinte, à luz de todo o enquadramento antes enunciado, à luz de critérios de razoabilidade e proporcionalidade, consideramos que a fixação da multa no montante de 5 UC mostra-se adequada e proporcional às circunstâncias do processo e às finalidades da condenação, entendendo-se que o juízo de reprovabilidade em que ela assenta engloba já todos os reflexos da atuação dos autores na regular tramitação do processo.

Procede pois, nesta parte, a apelação.

Síntese conclusiva:

I - Deve ser sancionada à luz da litigância de má-fé a conduta processual dos autores que basearam a demanda na alegação de determinada versão dos factos cuja falta de fundamento não podiam deixar de conhecer por se mostrar de todo incompatível com os factos que resultaram provados e que consubstanciam factos pessoais que não podiam deixar de ter conhecimento, revelando-se ainda essenciais à verificação dos pressupostos ou requisitos constitutivos do direito invocado;
II - A propósito dos critérios atinentes à fixação do montante da multa por litigância de má-fé importa considerar o que estabelece o artigo 27.º, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), ao prever que nos casos de condenação por litigância de má-fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC (n.º 3), e que o montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste (n.º 4 do citado preceito legal), importando, assim, ponderar o grau de má-fé revelado, as consequências processuais inerentes e as condições económicas dos litigantes de má-fé;
III - Na falta de elementos atinentes às condições económicas e à situação financeira dos autores/litigantes de má-fé afigura-se razoável e proporcional às circunstâncias do processo ponderar o valor da ação.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, confirmam a condenação em multa dos autores/apelantes como litigantes de má-fé, reduzindo-se, contudo, a multa ao valor equivalente a 5 (cinco) unidades de conta.
Custas por apelantes e recorridos/apelados, na proporção de 3/4 e 1/4 respetivamente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
Guimarães, 30 de janeiro de 2020

(Acórdão assinado digitalmente)
Paulo Reis (relator)
Espinheira Baltar (1.º adjunto)
Luísa Duarte Ramos (2.º adjunto)


1. Cfr. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, p. 456
2. Cfr. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Ob. Cit. p. 456, em anotação ao artigo 542.º do CPC
3. Cfr. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 593,
4. Cfr., Ac. TRG de 23-05-2019 (relatora: Eugénia Cunha), p. 1473/17.8T8BGC.G1,acessível em www.dgsi.pt.
5. Proferido na revista n.º 1120/11.1TBPFR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt
6. P. 74300/16.1YIPRT.E1-A.S1 - 7.ª Secção -, disponível em www.dgsi.pt.
7. P. 7070/17.0T8VNF.G1.S1- 2.ª Secção -, disponível em www.dgsi.pt.
8. Cfr., Marta Alexandra Frias Borges, Algumas Reflexões em Matéria de Litigância de Má-Fé, Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2.º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre),na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Civilísticas, com Menção em Direito Processual Civil, 2014, Coimbra, pg. 69, acessível em https://estudogeral.sib.uc.pt.
9. P. n.º 0820769, disponível em www.dgsi.pt.