Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
103/15.7T8ALJ-A.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: INSOLVÊNCIA
CONTRATO PROMESSA
MORA DO PROMITENTE VENDEDOR
TRADIÇÃO DA COISA
DIREITO DE RETENÇÃO
CONSUMIDOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A simples mora do devedor no contrato promessa não permite ao credor desencadear automaticamente a resolução do contrato.

II- Para que tenha lugar a resolução do contrato importa que a mora seja convertida em incumprimento definitivo nos termos facultados no art. 808º do C. Civil, ou seja, em caso de perda do interesse na prestação, com relevância objetiva, ou de interpelação admonitória.

III- Por força da fundamentação jurídica do acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2014, de 20/03/2014, no contrato promessa de compra e venda obrigacional, sinalizado, com tradição da coisa, se o administrador da insolvência recusar o cumprimento do contrato, o crédito do promitente–comprador corresponde ao dobro do sinal, nos termos do art. 442º, n.º 2 do CC.

IV- Nos termos do mencionado acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2014, o credor de uma empresa insolvente com crédito derivado de um contrato promessa celebrado com a insolvente e não cumprido, na graduação dos créditos, só pode beneficiar do direito de retenção previsto no art. 755º, n.º 1, al. f) do Cód. Civil, se demonstrar ser consumidor.

V- Não reveste tal conceito uma sociedade por quotas, que se dedica à compra e venda de imóveis e revenda dos mesmos, arrendamentos e investimentos imobiliárias, que celebra como promitente compradora um contrato promessa de aquisição de um prédio urbano (armazém) afeto à atividade industrial.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

1.1. No Juízo de Competência Genérica de Alijó do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, por apenso aos autos em que foi declarada a insolvência de MM, Lda, por sentença de 31/05/2017, proferida no apenso de reclamação de créditos, o Mmº Juiz a quo decidiu (cfr. fls. 477 a 483):
- Que a credora/reclamante, Empresa A – Investimentos Imobiliários, SA, face à recusa pelo administrador da insolvência do cumprimento do contrato promessa meramente obrigacional celebrado com a insolvente, tem apenas direito a haver o valor do sinal prestado (110.000,00€), e não o sinal em dobro, nos termos do disposto nos arts. 104º, n.º 5 e art. 102º, nº 3, als. c) e d) do CIRE, igualmente não tendo direito à cláusula penal de 200€/dia fixada no contrato promessa.
- Que a indicada credora/reclamante não goza do direito de retenção sobre o imóvel a que se reporta o contrato promessa, sendo o seu crédito comum e não privilegiado.
- Graduar os créditos reconhecidos sobre o produto dos bens apreendidos (na parte que releva para o presente recurso) da seguinte forma:

a) Pelo produto da venda do prédio urbano composto por prédio sem andares nem divisões suspeitáveis de utilização independente – armazém e atividade industrial, sito no …, Murça inscrito na respetiva matriz sob o art. … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Murça sob o n.º …

1) Os créditos reclamados pelos trabalhadores da insolvente, entre si em pé de igualdade (e proporcionalmente se disso for caso).
2) O crédito reclamado pelo Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, a título de IMI.
3) Os créditos hipotecários do Banco A, até ao limite do crédito garantido
4) O crédito reclamado Instituto de Segurança Social, IP,
5) Os créditos comuns, entre si em pé de igualdade (e proporcionalmente se disso for caso).
*
1.2. Inconformada com esta sentença, dela recorre a credora/reclamante, Empresa A – Investimentos Imobiliários, SA, pedindo que se revogue a decisão recorrida e que se declare que ocorreu incumprimento definitivo do contrato promessa por parte da insolvente, que tal incumprimento se verificou antes da declaração da insolvência e, consequentemente, devendo fixar-se o crédito da recorrente no dobro do sinal prestado (220.000,00 €), acrescido de 60.000,00€ a título de sanção pecuniária compulsória, mais se devendo reconhecer à mesma o direito de retenção por si invocado, tudo nos termos dos arts. 405º, 442º, nº 2 e 755º, nº 1, al. f) do Código Civil, assim se graduando o seu crédito, no valor global de € 280.000,00, como garantido e privilegiado (cfr. fls. 541 a 557).
A terminar as respectivas alegações formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo gralhas evidentes e a ortografia utilizada.):

«1. Entende o tribunal a quo que não há incumprimento definitivo por parte da promitente devedora, ocorrendo, assim errada decisão da matéria de facto.
2. Atento o teor do documento que ora se junta – doc. 1 – assim como o teor das declarações da testemunha J. S. e do gerente da insolvente nos excertos assinalados no corpo das presentes alegações, deve passar a dar-se como provados os seguintes factos:

- Que a Apelante comunicou à devedora a data e hora e local de realização da escritura pública do contrato definitivo de trespasse.
- Que a devedora não compareceu ao referido acto notarial.
- Que foi feito um celebrado um aditamento ao contrato promessa, fixando um termo definitivo e resolutivo expresso por força do qual a celebração da escritura deveria ser realizada em, impreterivelmente, até 29/12/14.
- Que, face ao exposto, a falta à escritura da promitente vendedora em 29/12/14 consubstanciou o incumprimento definitivo do contrato promessa, face à intimação para cumprir, como flui da Cláusula Quinta do aditamento ao referido contrato;
3. Face a esse incumprimento definitivo, a ora Apelante/promitente compradora tem direito à restituição do sinal prestado em dobro, nos termos do Art.º 442º n.º 2 CPC, bem como ao direito de retenção do imóvel que lhe foi entregue e que está na sua posse desde 03/12/04, data da celebração do supra referido Aditamento.
4. Por todo o disposto, a aqui recorrente, tal como expressou na sua reclamação de créditos, no seu artigo 9º, perdeu o interesse que tinha na prestação, que não foi realizada dentro do prazo fixado, verificando-se, também por aí, o incumprimento definitivo, nos termos do disposto no artigo 808º, nº1 do Código Civil.
5. A Sociedade MM foi declarada insolvente em 07 de Outubro de 2015, quase um ano depois da promitente devedora ter faltado à escritura, não sendo admissível considerar-se que uma situação de simples mora se prolongue assim no tempo, apenas sendo de considerar o incumprimento definitivo do contrato.
6. De acordo com o instituto do direito de retenção e considerando que o beneficiário de promessa de transmissão ou constituição de direito real obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, goza de direito de retenção de acordo com a alínea f) do n.º 1 do art.º 755º do Código Civil.
7. In casu, ficou dado como matéria de facto provada que houve tradição do imóvel para o promitente-comprador, em 03 de Dezembro de 2014, pela entrega das chaves, utilizando-o para uso privado, aí pagando os consumos de luz e electricidade.
8. Para a constituição do direito de retenção não se exige sequer a declaração de incumprimento: é suficiente a tradição da coisa prometida vender, conjugada com a titularidade pelo promitente adquirente de um direito de crédito relativamente à contraparte.
9. Havendo concurso de direito de retenção com outros créditos privilegiados, designadamente com a hipoteca, prefere o credor titular do direito de retenção sobre o imóvel, devendo o seu crédito ficar graduado antes do crédito hipotecário – Art.º 759º n.º 1 e 2 do Código Civil.
10. De acordo com a orientação jurisprudencial do Tribunal da Relação de Coimbra assim como do Tribunal da Relação de Lisboa, é reconhecida a retenção ao beneficiário da promessa em que tenha havido transmissão ou constituição da promessa de direito real para quem a coisa objecto do contrato definitivo prometido tenha sido traditada, no tocante ao crédito resultante do não cumprimento dele pelo outro promitente. Deste modo, os pressupostos do direito de retenção do promitente adquirente são apenas estes: a traditio da coisa ou coisas, objecto mediato do contrato definitivo prometido; o incumprimento definitivo do contrato promessa pelo promitente alienante; a titularidade pelo promitente adquirente, por virtude desse incumprimento, de um direito de crédito.
11. No que diz respeito à aplicabilidade dos artigos 102º e 106º do CIRE, o Administrador de Insolvência apenas pode optar pelo cumprimento ou não cumprimento do contrato promessa em mérito se o promitente-devedor estiver em mora no cumprimento. Havendo incumprimento do contrato anterior à declaração de insolvência, ao mesmo não deverá assistir a faculdade prevista no artigo 102º.
12. In casu, uma vez que o incumprimento definitivo ocorreu anteriormente à declaração da insolvência, a recorrente tem direito ao dobro do sinal prestado e goza do direito de retenção como lhe é reconhecido pelos art.º 442º, nº 2 e 755º, nº 1 al f) do Código Civil, não tendo aplicação legal o disposto nos artigos 102º e 106º do CIRE.
13. Assiste ainda à recorrente o direito a receber 60.000,00€ a título de sanção pecuniária compulsória, já que ficou dado como provado no ponto 5 que”… em caso de incumprimento, deste contrato promessa por causa imputável a qualquer uma das partes, ficará sujeito o faltoso à multa de 200,00€ (duzentos euros) por dia, ficando os não faltosos com direito a essa multa, até sanear os pagamentos e condições contratadas.
14. Para além da restituição do sinal em dobro, dado que as partes expressamente consagraram, independentemente e para além daquele, uma cláusula penal (no referido ponto 5 do acordo) assiste à recorrente o direito de receber a aludida quantia de € 200,00/dia, verba que, como se refere na reclamação de créditos apresentada, ascendia à data da insolvência a € 60.000,00».
*
1.3. O Banco A, S.A. apresentou contra-alegações, fazendo constar no final as seguintes conclusões (cfr. fls. 523 a 527):

«1. Vêm as presentes contra-alegações do recurso interposto pela sociedade EMPRESA A – Investimentos Imobiliários, S.A..
2. Sucede, porém, que à credora não assiste qualquer razão, designadamente pelo facto de inexistir incumprimento definitivo anterior à data da declaração de insolvência do contrato-promessa de compra e venda por si celebrado.
Vejamos:
3. A recorrente, em ordem a tentar demonstrar que o contrato-promessa celebrado se acha definitivamente incumprido, “dá uma no cravo e outra na ferradura” e ora argumenta que interpelou a insolvente para que esta cumprisse a sua prestação, ora alega ter perdido o interesse no cumprimento do contrato.
4. No que respeita à (suposta) perda de interesse, a recorrente limita-se a alegá-lo, não oferecendo explicação concreta desse seu estado de alma, imprescindível à apreciação objectiva de uma tal perda de interesse.
5. Pelo contrário, do por si trazido aos autos pode-se até retirar o oposto, pois que a recorrente/promitente-compradora afirma ter dado de arrendamento (se bem que à insolvente/promitente vendedora!) o imóvel prometido e, nessa sua versão, estará a colher as suas rendas.
6. Por outro lado, não demonstra ter devida e formalmente interpelado a sociedade insolvente/promitente-vendedora.
7. A recorrente, naquilo que cremos ser uma tentativa desesperada de obviar a essa total ausência de prova, vem com as suas alegações de recurso juntar um certificado emitido por Notária, datado de Junho de 2017 – ou seja, após prolação da decisão recorrida -, em que, entre o mais, se atesta que, em Dezembro de 2014, fora agendada uma escritura que não se celebrou por não ter comparecido a sociedade insolvente.
8. A apresentação do documento é, no entanto, totalmente extemporânea e, atento o disposto nos arts. 651º e 425º do CPC, inadmissível.
9. De facto, a data do documento cuja junção, nesta sede, a recorrente pretende, não legitima tal apresentação, antes pelo contrário, pois que do mesmo resulta claramente que apenas na data da sua emissão foi o mesmo solicitado.
10. A inércia da recorrente, naturalmente, não é fundamento para a junção tardia do documento, resultando claro do seu teor que em qualquer momento a recorrente poderia ter solicitado a sua emissão e, assim, obtido o certificado em questão para efeitos da sua junção com a reclamação dos créditos ou, no limite, aquando da resposta à impugnação de que foi alvo o reconhecimento dos créditos por si reclamados.
11. Assim, porém, não o fez a recorrente e apenas após prolação da decisão (desfavorável) diligenciou pela obtenção do documento, razão pela qual o mesmo não é admissível e, por esse motivo, deverá ser desentranhado.
12. Sem prescindir, se assim não se entender – o que não se concede –, cumpre realçar a estranheza que nos suscita o certificado emitido, pois que não se compreende como pode a Sr.ª Notária, volvidos cerca de 30 (trinta) meses, atestar quem esteve presente e quem não compareceu, que a sociedade insolvente fora convocada e por que forma e que fotocópias lhe foram exibidas!
13. Note-se que, do conteúdo do certificado em crise, resulta que, à data, isto é, em Dezembro de 2014, não foi emitido qualquer instrumento notarial, o qual, tivesse existido, teria sido devidamente arquivado. Isto significa, pois, que – à data - não foi efectuado qualquer registo da ocorrência, podendo, quando muito, nos dias de hoje, a Sr.ª Notária socorrer-se da sua agenda, motivo pelo qual se nos afigura não ser minimamente crível que, dado o lapso de tempo decorrido, seja possível certificar-se tudo quanto ficou a constar do documento emitido.
14. O Banco A impugna, assim, por ser falso, o teor do certificado ora apresentado e, ao abrigo dos poderes conferidos à Relação pelo art. 662º, nº2, al. b) e nº 3, al. a) do CPC, requer seja ouvida a Sr.ª Notária C. N., com Cartório Notarial sito na Rua … Vila Nova de Gaia.
15. Ainda sem prescindir, sempre há que salientar que o documento em causa não tem a virtualidade de demonstrar, sequer, que a sociedade insolvente foi efectivamente interpelada, pois que se desconhece se tinha conhecimento do agendamento de uma tal escritura por parte da recorrente.
16. Acresce que o documento em questão também não serve para comprovar que a recorrente haja fixado à sociedade insolvente/promitente-vendedora um prazo peremptório para o cumprimento do contrato, nem que lhe haja expressamente comunicado que a obrigação se teria definitivamente por não cumprida se não se verificasse o cumprimento desse mesmo prazo.
17. Finalmente, o simples decurso do tempo não opera, miraculosamente, a conversão da mora em incumprimento definitivo, como parece crer a recorrente.
18. Ante esta factualidade, alternativa não resta que não a de se considerar não haver, à data da declaração de insolvência, incumprimento definitivo do contrato-promessa celebrado, mas simplesmente mora da sociedade insolvente/promitente-vendedora, pelo que improcede o aditamento aos factos provados pretendido pela recorrente, pois que estes (factos) manifestamente não resultaram provados.
19. E a primeira consequência a retirar da ausência de incumprimento definitivo é, desde logo, a – evidente – não aplicação da penalização estipulada no próprio contrato-promessa, assim caindo por terra a reclamação a esse título de € 60.000,00 (sessenta mil euros).
20. Depois há que enquadrar a situação nas regras do direito insolvencial, pois que estamos em face de um negócio em curso à data da declaração de insolvência, cabendo ao Administrador da Insolvência optar pelo cumprimento ou não do contrato, nos termos dos arts. 102º e ss. do CIRE.
21. No caso concreto, tendo o Sr. Administrador de Insolvência em funções reconhecido crédito à promitente-compradora/recorrente, poder-se-á entender ter havido uma opção, ainda que tácita, pelo não cumprimento do contrato-promessa, razão pela qual, e por força da remissão do nº 2 do art. 106º do CIRE para o nº 5 do art. 104º, e deste para o nº 3 do art. 102º, à indemnização pelo não cumprimento é aplicável a denominada “Teoria da Diferença”, pelo que à credora apenas cabe a reposição do que prestou e nunca a indemnização a que alude o art. 442º do Código Civil.
22. De facto, concordamos com o exposto no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 14.JUN.2011, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/5dc830cc39cb1de1802578b100328928?OpenDocument, cuja argumentação cremos ser útil e em cujo sumário se pode, designadamente, ler que “(…) VI) A recusa do administrador em executar o contrato não exprime incumprimento mas “reconfiguração da relação”, tendo em vista a especificidade do processo insolvencial, não sendo aplicável o conceito do art. 442º, nº2, do Código Civil – “incumprimento imputável a uma das partes” – que pressupõe um juízo de censura em que se traduz o conceito de culpa – (neste caso ficcionando que a parte que incumpre seria o administrador da insolvência na veste do promitente ou em representação dele), pelo que não se aplica o regime daquele normativo e, como tal, não tem o promitente-comprador direito ao dobro do sinal até por força do regime imperativo do art. 119º do CIRE”.
23. No que concerne ao direito de retenção invocado pela recorrente, a questão foi objecto de uniformização de jurisprudência - Acórdão de 20.03.2014 e disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d83b7b9 c541d3bf280257cd7003f56bc?OpenDocument) – havendo-se decidido que “No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755º nº 1 alínea f) do Código Civil.” (negrito e sublinhado nossos).
24. Significa isto, pois, que apenas ao promitente-comprador que seja simultaneamente consumidor poderá ser reconhecido direito de retenção, desde que, naturalmente, preenchidos os demais requisitos necessários para o efeito, entre eles aqui se destacando a tradição do bem objecto da promessa.
25. Neste campo não podemos deixar de sublinhar as reservas que nos ficaram quanto a tal requisito, não só perante a escassa alegação apresentada, mas acima de tudo porque, na tese da própria recorrente, no mesmo dia em que esta e a sociedade insolvente acordaram num aditamento ao contrato-promessa de compra e venda - por via do qual, supostamente, a primeira entrou na posse do imóvel -, as mesmas sociedades celebraram entre si um contrato de arrendamento (em que a promitente-compradora/recorrente arrenda à promitente-vendedora/insolvente!), sendo que, igualmente na mesma data, a sociedade insolvente, promitente-vendedora e arrendatária subarrenda o imóvel a uma terceira sociedade, que se dedica essencialmente ao mesmo objecto e de que é único sócio familiar próximo dos sócios-gerentes da própria insolvente.
26. Acresce ainda que, para tentar comprovar a tomada de posse do imóvel a recorrente, à sua reclamação de créditos, juntou uma factura relativa a fornecimento de electricidade ocorrido em momento posterior ao da declaração de insolvência, isto é, entre 27 de Outubro de 2015 e 16 de Novembro de 2015, sendo que pela sua análise se pôde constatar inexistir histórico de consumos anteriores, pese embora tenha sido alegado e prestado testemunho no sentido de que, após entrada na posse do imóvel em questão, em Dezembro de 2014, a recorrente imediatamente diligenciou pela contratação de todos os serviços essenciais, como seja o de fornecimento de electricidade.
27. Ademais, em primeira instância, foi dado como provada somente a entrega das chaves do imóvel objecto da promessa, o que, claramente, é insuficiente para a existência de traditio, para o efeito sendo ainda necessário que o promitente-comprador pratique actos de efectiva apreensão material da coisa objecto do contrato-promessa, ou seja, que actue como se a coisa fosse sua.
28. Sem prescindir, mesmo que se considere ter sido suficientemente demonstrada a tradição do imóvel em crise – o que não se concede -, o que é certo é que à recorrente jamais poderá ser atribuído direito de retenção pela simples circunstância de esta não poder ser considerada consumidora.
29. Vem-se discutindo qual o sentido de consumidor para este efeito, mas essa discussão não releva para o caso vertente, dado que a recorrente se dedica à “compra e venda de imóveis e revenda dos mesmos, arrendamento e investimentos imobiliários”,
30. Razão pela qual de modo algum poderá ser considerada consumidora,
31. Não lhe cabendo, por isso, direito de retenção sobre o imóvel objecto do contrato-promessa em crise.
32. Nessa conformidade, por manifesta falta de fundamento – factual e legal – deverá improceder a apelação interposta».
*
1.4. O recurso foi admitido por despacho de 4 de agosto de 2017 como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com meramente efeito devolutivo (cfr. fls. 573).
*
1.6. Foram colhidos os vistos legais.
*
II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:
Questão Prévia: (in)admissibilidade do documento junto (pela apelante) com as alegações de recurso;

1.ª – da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
2ª – se há incumprimento definitivo do contrato-promessa imputável ao promitente vendedor (insolvente) em data anterior à declaração de insolvência;
3ª – reconhecimento do sinal prestado pela apelante em dobro decorrente do incumprimento definitivo do contrato promessa, acrescido do montante de 60.000,00€ a título de sanção pecuniária compulsória;
4ª – reconhecimento do direito de retenção da apelante/credora reclamante sobre o prédio objeto do contrato prometido.
*
III. Fundamentação de facto.

1.1) A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

1. Em 8 de Outubro de 2014, MM, Lda. acordou vender a Empresa A – Investimentos Imobiliários, Lda., que prometeu comprar, o armazém industrial sito em …, união de freguesias de … e …, concelho de Murça, descrito na conservatória do registo predial sob o art … e inscrito na matriz sob o n.º … das aludidas freguesias, sendo acordado o valor de 310.000€ (trezentos e dez mil euros).
2. Mais acordaram que a escritura definitiva seria realizada a favor da segunda outorgante, ou a quem esta indicasse, até 30.11.2014.
3. Ficou acordado entre as partes que a marcação da data da escritura seria efectuada pelo promitente comprador, que deverá avisar o promitente vendedor da hora, dia, e local da realização da mesma mediante carta simples ou outro meio de notificação (mail, telegrama, etc), com a antecedência
4. Ficou convencionado nesse acordo que o preço da prometida venda seria pago da seguinte forma:

a) a quantia de 10.000€ (dez mil euros) na data da celebração do acordo
b) a quantia de 50.000€ (cinquenta mil euros) que será entregue pelo promitente comprador à promitente vendedora até 31.10.2014.
c) a quantia de 50.000€ (cinquenta mil euros) que será entregue pelo promitente comprador à promitente vendedora até 15.11.2014.
d) a quantia de 200.000€ (duzentos mil euros) que será entregue pelo promitente comprador à promitente vendedora na data da celebração da escritura de compra e venda.
5. Mais se convencionou na cláusula 8.ª que “em caso de incumprimento deste contrato-promessa por causa imputável a qualquer uma das partes, ficará sujeito os faltosos à multa de € 200,00 (duzentos euros), por dia, ficando os não faltosos com direito a essa multa, até sanear os pagamentos e condições contratadas.
6. Empresa A – Investimentos Imobiliários, Lda., para pagamento dos valores referidos em 4), emitiu 3 cheques à ordem de MM, Lda., um no valor de 10.0000 (datado de 10.10.2014), outro no valor de 50.000€ (datado de 03.11.2014) e outro no valor de 50.000€ datado de 17.11.2014, tendo sido todos os cheques pagos ao Balcão.
7. Em 3.12.2014, Empresa A – Investimentos Imobiliários, Lda., e MM, Lda., fizeram um aditamento ao acordo que haviam celebrado onde acordaram, além do mais, que “Em virtude da não realização da escritura definitiva de compra e venda que se deveria ter realizado até ao ida 30 de Novembro de 2014, pelo facto da não comparência da Primeira Outorgante, fica acordado por ambas as partes a prorrogação da realização da escritura definitiva de compra e venda até ao dia 29.12.2014.
8. Nesse mesmo aditamento, mais acordaram as partes que a escritura pública definitiva de compra e venda será outorgada a favor da segunda Contraente, ou a quem este indicar, a qual será marcada pela Segunda Outorgante informando a Primeira Outorgante por qualquer via de comunicação, do local, e hora, com uma antecedência mínima de 2 dias úteis.
9. Na data do aditamento (3.12.2014) MM, Lda., entregou Empresa A – Investimentos Imobiliários, Lda., as chaves do imóvel.
10. Em 16.11.2015 Empresa A – Investimentos Imobiliários, Lda. recebeu factura para pagamento da conta de electricidade do imóvel.
11. MM, Lda requereu a insolência em 21.9.2015, indicando como sede a Zona Industrial.
12. A insolvência de MM, Lda., foi decretada em 7.10.2015.
*
IV. Do objecto do(s) recurso(s)

1. Delimitadas, sob o n.º II, as questões essenciais a decidir, é o momento de apreciar cada uma delas.
1.1. (In)admissibilidade do documento junto com as alegações de recurso.
A recorrente vem requerer a junção de um documento com as alegações de recurso, consistente num certificado emitido por Notária, datado de 27 de junho de 2017.
Para justificar a junção deste documento em sede de recurso limita-se a alegar que logrou obter, junto do Cartório Notarial de C. N., sito na Rua …, em Vila Nova de Gaia, o certificado de não comparência da devedora MM Lda, à escritura definitiva de compra e venda em tal Cartório, marcada para o dia 29 de Dezembro de 2014.
Mais alega – pronunciando-se já quanto ao seu teor – que este documento atesta várias realidades, a primeira das quais que a devedora foi efectivamente convocada para a escritura pública em que se celebraria o contrato de compra e venda do imóvel melhor identificado nos autos, não tendo comparecido à mesma, nem sequer nos sessenta minutos subsequentes, não se tendo feito representar por ninguém e nem tendo remetido qualquer justificação que justificasse a sua falta.
Refere, por último, que o documento ora junto só em junho de 2017 foi emitido, pelo que era objetivamente impossível à apelante ter procedido à sua junção em momento anterior, concluindo, por isso, pelo preenchimento dos requisitos objectivos que a lei – arts. 425º CPC aplicável “ex vi” art. 651º do mesmo diploma – impõe para que possam ser juntos documentos com as alegações.
Opõe-se a apelada à admissibilidade da requerida junção, concluindo pela sua extemporaneidade.
Vejamos, então, se tal admissão se mostra possível.
Em princípio, a junção de documentos deve ser feita com o articulado em que se alegam os factos que constituem fundamento da acção ou da defesa (n.º 1, do art.º 423.º do CPC). A lei permite, também, que a junção seja feita até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas neste caso a parte é condenada em multa, exceto se provar que não os pôde oferecer com o articulado (n.º 2, do mesmo artigo 423.º). No entanto, para além desses casos, permite ainda a lei, após o limite temporal estabelecido naquele n.º 2, a junção de documentos, mas restringida àqueles cuja “apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior” (n.º 3 do mesmo art.º 423.º).
Por seu lado, o art.º 425.º do CPC dispõe que “[d]epois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento”.
Em consonância com estes princípios, o n.º 1 do artigo 651.º do CPC estabelece que “[a]s partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.
Da conjugação destas disposições resulta, pois, que a regra é a junção de documentos na 1.ª instância, com a amplitude permitida no art. 423.º do CPC.
A junção de prova documental deve ocorrer preferencialmente na 1ª instância, regime que se compreende, porquanto os documentos visam demonstrar certos factos, antes de o tribunal proceder à sua integração jurídica Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª ed. p. 229..
Como se sabe, a fase de recurso não é naturalmente ajustada à apresentação ou produção de novos meios de prova, antes à reapreciação dos anteriormente apresentados (1).
Assim, a apresentação de documentos em sede recursória é considerada admissível em situações excepcionais (2), estando dependente da (alegação e) demonstração pelo interessado na sua junção de que não foi possível a sua apresentação até esse momento (superveniência objetiva ou subjetiva) ou, numa segunda ordem de casos, quando a sua junção se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Tais documentos são habitualmente designados de documentos supervenientes, sendo que a sua superveniência pode ser objetiva, nos casos em que o documento ainda não se tinha produzido até ao encerramento da discussão em primeira instância, ou subjetiva, quando o documento, apesar de já existir, só chegou ao conhecimento da parte depois desse momento (3).
Com vista a legitimar a sua junção com as alegações de recurso a apelante invoca a superveniência objetiva do documento ora junto, fazendo menção ao facto deste só ter sido emitido em junho de 2017, daí concluindo que lhe era objetivamente impossível ter procedido à sua junção em momento anterior.
O documento em apreço corresponde a um certificado datado de 27 de junho de 2017, emitido por Notária, no qual esta certifica que estava marcada uma escritura de compra e venda para o dia 29 de dezembro de 2014, que tinha por objeto a venda do prédio urbano aí identificado e que nessa escritura interviriam, como vendedora, a sociedade insolvente, e, como compradora, a sociedade apelante, e que tal escritura não se realizou por não ter comparecido o representante da sociedade insolvente, tendo apenas comparecido a administradora única, SP, em representação da sociedade promitente compradora.
Ou seja, pretendendo o referido documento certificar a falta de comparência no Cartório Notarial do representante da promitente vendedora para a outorga do contrato prometido de compra e venda agendado para o dia 29 de dezembro de 2014 - acto esse no qual a apelante teve intervenção pessoal, por estar atestado que a respectiva administradora única compareceu no dito Cartório -, dúvidas não subsistem, por um lado, que o facto certificado ocorreu em data anterior à da declaração de insolvência (sendo, por conseguinte, anterior à data da reclamação de créditos, da impugnação e resposta ao reconhecimento do crédito por si reclamado, do julgamento da causa e da prolação da decisão final), e, por outro lado, que a apelante tomou imediatamente (em 29/12/2014) conhecimento daquele facto certificado.
Constata-se, porém, que a apelante não apresentou qualquer razão justificativa para que só posteriormente à realização da audiência de julgamento e de ser proferida a sentença de graduação de créditos tenha providenciado pela obtenção daquele certificado referente a um facto ocorrido em 29 de dezembro de 2014 e que desde essa data era do seu conhecimento. Também não invocou, nem comprovou, ter atempadamente providenciado pela obtenção daquele documento e que só não o obteve antes por motivo a si alheio (nomeadamente por o atraso ser imputável à entidade certificadora, no caso ao Cartório Notarial). Como bem refere a recorrida nas suas contra-alegações, a data do documento em causa não legitima a sua totalmente extemporânea apresentação, pois que dele se retira que somente nessa data foi solicitada a sua emissão.
Por conseguinte, não faz sentido falar-se em (alegada) superveniência objetiva, pois que o documento poderia ter sido obtido pela interessada junto do respetivo Cartório Notarial logo que o facto certificado se verificou, ou seja, a partir do dia 29 de dezembro de 2014 e a sua junção poderia – e deveria – ter sido requerida, o mais tardar, até ao encerramento da discussão da audiência de julgamento, sendo para o efeito irrelevante que a apelante apenas em 27 de junho de 2017 tenha requerido a certificação daquele facto.
Por outro lado, embora não invocada pela apelante, também não poderá dizer-se que a junção do documento ora em causa se tornou “necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância” (parte final do artigo 651.º n.º 1 do CPC).
O citado normativo também admite, no seu segmento final, a junção de documentos com as alegações de recurso nos casos em que o julgamento proferido em primeira instância torne necessária a consideração desse documento.
É, porém, entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência que a junção com esse fundamento deve ser recusada quando os documentos visem «provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado» (4).
No mesmo sentido, reportando-se a pretérito CPC, observam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ser «(…) evidente que (..) a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1.ª instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes da decisão proferida» (5).
Ora, nada disso ocorre na situação sub júdice, aliás, nem a recorrente aduz qualquer fundamento para a sua junção dentro dos condicionalismos atrás referidos, além de que a alegada não comparência da promitente vendedora à escritura pública marcada para dia 29 de dezembro de 2014 e a questão do eventual incumprimento definitivo do contrato promessa foram desde logo invocadas pela apelante na sua reclamação de créditos, como fundamentadores do direito à resolução do contrato promessa por parte da promitente compradora (cfr. arts. 7º a 10º do requerimento de reclamação de créditos).
Deveria, portanto, a apelante ter logo junto o referido certificado com o requerimento da reclamação de créditos.
Acresce que a credora reclamante Banco A, nos termos e para os efeitos previstos no art. 130º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante, designado por CIRE), aprovado pelo Dec. Lei n.º 53/2004, de 18/03, impugnou a lista dos credores reconhecidos, na parte em que o administrador da insolvência reconheceu um crédito da apelante no montante de € 280.000,00€ e lhe atribuiu a natureza de crédito garantido, por gozar de direito de retenção, tendo impugnado, entre o mais, a matéria do art. 7º da reclamação e concluindo que o contrato promessa não se encontrava definitivamente incumprido, mas apenas em mora (cfr. impugnação de fls. 15 a 19).
Tendo apresentado resposta à impugnação do seu crédito, nos termos do art. 131º do CIRE, na qual reiterou o alegado no art. 7º da reclamação de créditos, mais uma vez a apelante não cuidou de providenciar pela junção do documento certificativo da alegada não comparência da promitente vendedora à escritura pública marcada para o dia 29 de dezembro de 2014.
Mostrando-se controvertido por força da impugnação deduzida, naturalmente que esse facto foi objecto de discussão em audiência de julgamento, tendo as testemunhas e os demais intervenientes que depuseram sido questionados quanto à sua verificação, tendo em vista a sua demonstração.
Neste quadro, a justificação apresentada pela apelante para só agora juntar o documento em causa não pode ser atendida, pois, como deixámos dito, a junção de documentos deve ser recusada quando através da mesma a parte vise provar factos que já antes da sentença sabia estarem sujeitos a prova e que só por culpa sua não providenciou pela sua atempada junção. No caso, a apelante não alegou nem provou que a impossibilidade da sua junção no momento anterior ao encerramento da discussão da audiência de julgamento não deriva de culpa sua.
Assim, não pode o art. 651º do CPC servir como pretexto para a junção de documento tendente à demonstração de facto sujeito a prova e que se veio a julgar indemonstrado, facto esse (alegadamente) ocorrido em data anterior à declaração da insolvência da promitente vendedora e que desde logo foi do conhecimento da apelante, para mais quando esta não alega – nem comprova – qualquer justificação para esse documento apenas ter sido emitido a 27 de junho de 2017, inexistindo qualquer óbice para que não tivesse providenciado pela sua obtenção junto da entidade certificadora e requerido a sua junção aos autos em data anterior ao encerramento da discussão na 1ª instância.
Na verdade, a apelante não demonstra não lhe ser imputável a formação ulterior do documento, que só posteriormente à prolação da sentença cuidou de obter.
Nesta conformidade, à luz da disciplina enunciada, mormente as disposições conjugadas dos artigos 425.º e 651.º do CPC, impõe-se rejeitar a admissão do documento requerida pela apelante dada a sua manifesta extemporaneidade e, consequentemente, ordena-se o seu desentranhamento e devolução à apresentante, após trânsito.
Dado o indeferimento da junção de tal documento, deverá a recorrente ser condenado na multa de 1 (uma) UC – art. 443º, nº 1, do CPC e art. 27.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais.
*
1.2. Da impugnação da matéria de facto.

Em sede de recurso, vem a apelante impugnar a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.
Dispõe o n.º 1 do artigo 662.º do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.
Nestes casos, deve porém o recorrente observar o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do CPC, no qual se dispõe:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».
Nas palavras de Abrantes Geraldes (6), “(…) quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”. O mesmo é dizer, recorrendo ao mesmo autor (cfr. obra citada., p. 285), que a “Relação poderá e deverá modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado”. Contudo, como também sublinha o mencionado autor, ob. cit., p. 287, “(…) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”.
Tendo por base os supra citados dispositivos legais, teremos de considerar que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição (7) –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova (art. 607.º, n.º 5 do CPC) (8).
Do exposto resulta, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação que se analisa, não se satisfazendo como se disse com a mera indicação genérica da prova que na perspectiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, exige que o mesmo concretize quer os pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância quer, ainda, que especifique quais as provas produzidas que, por as ter como incorrectamente apreciadas, imporiam decisão diversa, sendo que, quando esse for o meio de prova, se torna também necessário que indique “com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição”.
Importa, porém, não esquecer que, continuando a faltar a este tribunal de recurso a indispensável imediação, a continuidade e a visão global do conjunto das provas e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados (9).
Temos, aliás, como seguro que é na 1ª instância, olhos nos olhos com a produção de prova e as partes, que melhor se pode julgar, se houver bom senso, capacidade de análise e atenção (10).
Aplicando tais critérios ao caso, constata-se que a recorrente indica quais os factos que pretende que sejam decididos de modo diverso, o sentido correto da resposta que, na ótica da recorrente, se impunha fosse dado a tais pontos, enunciando ainda os meios probatórios que no seu entendimento o impõem, incluindo, no que se refere à prova gravada de tais depoimentos, a indicação dos elementos que permitem a sua identificação e localização (tendo inclusivamente procedido à transcrição de excertos de tais depoimentos), podendo concluir-se, pois, que cumpriu suficientemente o ónus estabelecido no citado artigo 640.º do CPC.
*
1.3. Por referência às suas conclusões, extrai-se que a recorrente pretende que sejam dados como provados os seguintes factos:

i) - Que a apelante comunicou à devedora a data e hora e local de realização da escritura pública do contrato definitivo de trespasse.
ii) - Que a devedora não compareceu ao referido acto notarial.
iii) - Que foi celebrado um aditamento ao contrato promessa, fixando um termo definitivo e resolutivo expresso, por força do qual a celebração da escritura deveria ser realizada, impreterivelmente, até 29/12/14.
iv) - Que, face ao exposto, a falta à escritura da promitente vendedora em 29/12/14 consubstanciou o incumprimento definitivo do contrato promessa, face à intimação para cumprir, como flui da Cláusula Quinta do aditamento ao referido contrato.
*
Relativamente à decisão da matéria de facto o Mmº juiz a quo consignou a seguinte motivação:

«O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica e global dos documentos juntos aos autos, concatenados com a prova testemunha[l] produzida em julgamento, sendo certo que esta não teve a virtualidade de afastar o teor dos documentos juntos aos autos.
Uma nota para frisar que aos olhos do Tribunal os depoimentos do Senhor Administrador e dos sócios gerentes da insolvente se revelaram comprometidos no que ao alegado incumprimento do contrato promessa com a credora Empresa A., Lda.
Com efeito, não conseguiram justificar de forma aceitável a circunstância de não se ter cumprido atempadamente o contrato promessa, isto por um lado, e por out[r]o porque motivo não procurou o Senhor Administrador, depois de nomeado, cumprir o contrato de promessa, ou pelo menos diligenciar nesse sentido, já que assim sempre veria engrossar o património da massa.
Tudo se revela tanto mais estranho, levando o Tribunal à convicção de que o invocado “incumprimento” mais não é do que uma forma de tentar subtrair à massa valores com fundamento em contractos promessa incumpridos, quando, como veremos em sede de direito, não é de incumprimento que se trata.
Tanto assim que o aqui credor reclamante Empresa A é o mesmo que reclama crédito por alegado incumprimento também por contrato de promessa no âmbito do processo 52/16.1T8ALJ-B, a correr termos neste juízo, em que é insolvente MM, Lda., sendo os sócios gerentes os mesmos da aqui insolvente, factos a que se atende por serem do conhecimento funcional do Tribunal, já que ambos os processos correm termos neste juízo».
*
Feita a descrição (por integral reprodução) da motivação da decisão da matéria de facto explicitada pelo tribunal recorrido, cumpre analisar das razões de discordância invocadas pela apelante e se as mesmas se apresentam de molde a alterar a facticidade julgada como não provada, nos termos por si invocados.
Antes, porém, de iniciarmos essa análise importará deixar consignado que, com vista a ficarmos habilitados a formar uma convicção fundada e segura, e uma vez que a motivação da decisão da matéria de facto recorrida tomou como referência uma apreciação global e crítica dos diversos meios de prova e não incidiu de um modo direto e individualizado sobre cada um dos meios de prova produzidos, optámos por proceder à audição integral de todos os depoimentos prestados em audiência de julgamento, não nos tendo restringido à audição dos meios de prova indicados pela apelante como justificadores da impugnação da matéria de facto.
Ora, por referência à matéria de facto que a apelante pretende ver como demonstrada facilmente se conclui que o último ponto jamais poderá ser considerado procedente, visto se tratar dum juízo eminentemente valorativo e conclusivo, que comporta em si uma das soluções jurídicas que aquela pretende ver obtida com o recurso interposto, o que nos reconduz à inviabilidade dessa pretensão em termos de impugnação da matéria de facto.
Vejamos.
O artigo 607.º, n.º 4 do CPC dispõe que, na fundamentação da sentença, o juiz tomará «em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».
No âmbito do anterior regime do Código de Processo Civil, o artigo 646.º, n.º 4 previa, ainda, que têm-se «por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes».
Embora esta norma não tenha transitado para o actual diploma, é de admitir que o princípio que norteava aquele normativo do direito adjectivo continua a ser válido, ou seja, na fundamentação (de facto) da sentença só mesmo os factos interessam, e não juízos valorativos, conclusões ou meras afirmações de direito (11).
Nas palavras de Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio da Nora (12), dentro da vasta categoria dos factos (processualmente relevantes), cabem não apenas os acontecimentos do mundo exterior (da realidade empírica-sensível, diretamente captável pelas perceções do homem), mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo (a vontade real do declarante – art. 236º, n.º 2 do Cód. Civil; o conhecimento dessa vontade pelo declaratório; as dores físicas ou morais provocadas por uma agressão corporal ou por uma injúria).
Acrescentam os citados autores que, embora a área dos factos cubra, principalmente, os eventos reais, também pode abranger as ocorrências virtuais (os factos hipotéticos), que são, em bom rigor, não factos, mas verdadeiros juízos de facto (nexo causal – art. 563º do CC; lucros cessantes – art. 563º do CC; vontade hipotética ou conjetural das partes cessantes – arts. 292º e 293º do CC). Tais juízos de facto traduzem realidades de uma zona empírica que faz parte do thema probandum. Trata-se da zona imediatamente contígua à dos juízos de valor e à dos juízos significativo-normativos, que, esses sim, integram a esfera do direito, como sejam, a fixação do sentido decisivo da declaração de vontade (art. 236º do CC), se a falta do interesse do credor no cumprimento parcial da obrigação por impossibilidade parcial da prestação imputável ao devedor tem ou não escassa importância para o credor (art. 802, n.º 2 do CC), se a alteração das circunstâncias básicas do contrato é normal ou anormal.
Os juízos conclusivos ou de valor não retratam ocorrências da vida real, quer internas, quer externas, mas sim o efeito e consequência dessas mesmas ocorrências, conclusões essas que cabe ao julgador extrair na prolação da sentença, dos factos dados como provados. Trata-se de matéria que não se cinge ao elencar do facto, mas tem em si, explicita ou implicitamente, considerações valorativas sobre esse facto, ou seja, apreciações que ultrapassam a objetividade do facto e trazem consigo a subjetividade da análise valorativa de uma determinada ocorrência da vida real (13).
Segundo José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto (14), da matéria de facto devem constar apenas factos e não matéria de direito ou conclusões de facto, sendo que às conclusões de direito são assimiladas, por analogia, as conclusões de facto, ou seja, “os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados”.
Feitas estas breves considerações torna-se evidente que o propugnado facto – segundo o qual «a falta à escritura da promitente vendedora em 29/12/14 consubstanciou o incumprimento definitivo do contrato promessa, face à intimação para cumprir, como flui da Cláusula Quinta do aditamento ao referido contrato» – reveste manifestamente cariz conclusivo.
Com efeito, o alegado “incumprimento definitivo do contrato promessa” face à intimação para cumprir e resultante da falta de comparência da promitente vendedora à escritura em 29/12/14 terá de ser inferido da demais matéria fáctica provada, já que é um elemento integrante da norma substantiva indispensável à verificação da resolução do contrato promessa.
Estando, de facto, em discussão saber se a situação contratual versada nos autos comporta um incumprimento definitivo do contrato promessa ou, ao invés, uma situação de mora do devedor no atraso culposo no cumprimento do contrato, pois só aquela é apta a fundamentar a resolução do contrato promessa, não pode dar-se como provado diretamente “o incumprimento definitivo do contrato promessa”, na medida em que encerra em si a resolução duma concreta questão de direito que é objecto da reclamação de créditos. Essa expressão comporta um juízo de valor de natureza conclusivo e é portadora de valoração jurídica que permita reportá-la ao thema decidenum, contendo a resolução da questão controvertida, pelo que se conclui pela inviabilidade da inserção desse ponto na matéria de facto.
Vejamos, agora, os demais pontos de facto objeto da impugnação da matéria de facto.
Pretende a apelante que seja dado como provado que i) comunicou à devedora a data e hora e local de realização da escritura pública do contrato definitivo de trespasse, que ii) a devedora não compareceu ao referido acto notarial e que iii) foi celebrado um aditamento ao contrato promessa, fixando um termo definitivo e resolutivo expresso por força do qual a celebração da escritura deveria ser realizada, impreterivelmente, até 29/12/14.
Por referência ao depoimento de parte prestado pelo sócio-gerente da sociedade insolvente, MM, este – tal como consta do excerto da transcrição feita nas alegações de recurso pela apelante –, referiu que a escritura de compra e venda foi marcada, mas que não a fez por lhe ter faltado dinheiro, mais confirmando ter sido «interpelado para cumprir pela credora Empresa A».
Numa apressada e superficial apreciação do indicado depoimento (de parte) dir-se-ia que o mesmo, traduzindo-se no reconhecimento de tais factos, seria, em princípio, suficiente para habilitar o tribunal a formar uma convicção no sentido de dar como provados os dois primeiros pontos fácticos objeto da impugnação.
Nos termos das disposições combinadas dos arts. 352º e segs. do Código Civil e 452º e segs. do CPC, o depoimento de parte é o meio técnico pelo qual se pretende conseguir que o depoente reconheça a realidade de um facto que lhe é desfavorável e que é favorável à parte contrária.
Tendendo o depoimento de parte à obtenção da confissão de factos controvertidos, segundo resulta do disposto no art. 352º do Código Civil e art. 454º, n.º 1 do Código de Processo Civil, é manifesto que o depoimento de parte há-de incidir sobre factos alegados pela outra parte, pois só esses se apresentarão desfavoráveis àquele que prestar o depoimento.
Ora, no caso em apreço, aferindo o contexto contratual relacional estabelecido entre a sociedade insolvente (promitente vendedora) e a credora reclamante (promitente compradora), afigura-se-nos existir entre elas uma relação não totalmente descomprometida ou desinteressada, como a seguir procuraremos explicitar, pelo que aquele depoimento deve ser lido com as necessárias reservas.
Desde logo, apesar de expressamente instado para tal, o depoente não soube indicar por que meio (por ex., por escrito, verbalmente, via telefónica, etc.), quando, nem por quem foi interpelado para outorgar a escritura pública. De um modo manifestamente evasivo, tentou esquivar-se dizendo que, a ter sido por escrito, essa documentação constaria da contabilidade, mas como (lhe) foi referido a ter sido por via telefónica certamente esse facto não estará refletido na contabilidade.
Não indicou sequer a data da alegada marcação da escritura, nem o Cartório Notarial onde a mesma se realizaria.
Por outro lado, justificou a não feitura da escritura pública com a falta de dinheiro (da sociedade insolvente), o que em si mesmo é contraditório e, por conseguinte, destituído de credibilidade, já que a outorga do contrato prometido permitiria àquela sociedade obter liquidez, na medida em que lograria receber da promitente compradora o remanescente do preço em falta, no montante de 200,000,00€, cujo vencimento coincidia com a data da celebração da escritura de compra e venda [clª 3ª/d) do contrato promessa constante de fls. 304 a 307], além de que todas as despesas com a compra (incluindo a escritura) seriam a cargo da promitente compradora [clª 7ª do contrato promessa].
Acresce que, na sequência do aditamento ao contrato-promessa outorgado em 3.12.2014, nos termos do qual os contraentes acordaram a prorrogação da realização da escritura definitiva de compra e venda até ao dia 29.12.2014, e em que a promitente vendedora entregou as chaves do prédio prometido vender à promitente compradora, esta, de imediato, na qualidade de “possuidora” do referido prédio, celebrou com aquela um intitulado “contrato de arrendamento comercial”, nos termos do qual, a partir de 2/01/2015, lhe deu de arrendamento o locado para armazenamento de materiais e matérias primas, pelo preço de 1.000,00€ (cfr. documento de fls. 379 e 380). Por sua vez, logo no mesmo dia (3.12.2014), a sociedade insolvente, na qualidade de arrendatária (mas não deixando de ser proprietária), outorgou um intitulado “contrato de subarrendamento comercial” com a sociedade “Cidade X – Unipessoal, Lda” – da qual, por sinal, é legal representante o filho do sócio-gerente da sociedade insolvente –, nos termos do qual cedeu a esta sociedade, também a partir do dia 2/01/2015, o imóvel de que era proprietária, mas que lhe havia sido locado pela promitente compradora, mediante acordada renda mensal de 1.000,00€ (cfr. documento de fls. 340 a 342).
Ora, se, como referido pelo depoente, o problema era de falta de liquidez da sociedade insolvente, também por esta via mal se compreende a razão por que, ao invés de se ter recusado a outorgar a escritura de compra e venda do negócio prometido, o que lhe possibilitaria auferir desde logo os indicados 200,000,00€, decidiu antes celebrar com a promitente compradora o supra mencionado “contrato de arrendamento comercial” e, concomitantemente, o “contrato de subarrendamento comercial” com a sociedade “Cidade X – Unipessoal, Lda”, sendo que por força deste contrato auferiria apenas o montante correspondente à renda mensal de 1,000,00€, que, em última instância, teria de pagar (por inteiro) à promitente compradora, que surge no contrato de arrendamento sob a veste de locadora.
A legal representante da apelante, SP, também inquirida em sede de depoimento de parte (15), limitou-se a referir que a escritura não foi feita porque o sócio-gerente da sociedade insolvente, V. M., ainda não conseguira marcar a data da escritura e que esta foi ulteriormente marcada, mas que aquele não compareceu.
Não obstante ter direto interesse na lide e esse segmento do depoimento não revestir caráter confessório por lhe ser favorável, não especificou sequer a data do agendamento da escritura definitiva, a localização do Cartório Notarial, nem o meio utilizado para notificar o legal representante da sociedade insolvente da referida marcação.
No tocante à testemunha J. S., companheiro da supra referida legal representante da apelante, começou por referir que a maior parte das questões atinentes ao contrato promessa referido nos autos passaram por si, por ter sido ele quem deu conhecimento à sua companheira que os proprietários do referido prédio urbano estavam interessados na sua alienação, confirmando a ulterior concretização do contrato-promessa que tinha por objeto a promessa de compra e venda desse prédio.
Tendo embora explicitado que a escritura estava inicialmente marcada para o mês de novembro de 2014 e que, posteriormente, por mútuo acordo outorgaram um aditamento ao contrato, no qual ajustaram reagendar a sua marcação para o final do mês de dezembro de 2014 (o que, na sua essencialidade, corresponde ao teor do aditamento ao contrato promessa constante de fls. 308 e 309), e que os legais representantes não compareceram à escritura, a verdade é que não se retira do referido depoimento se a escritura chegou, ou não, a ser efectivamente agendada, em que dia (?), localização do Cartório Notarial (?) e por que meio foram os legais representantes da sociedade insolvente interpelados para comparecerem à outorga da dita escritura. Quanto a este último ponto, apesar de ter mencionado que a apelante enviou (oito) dias antes uma carta à insolvente para a notificar do agendamento da escritura, a verdade é que a apelante não cuidou sequer de carrear aos autos documento que comprovasse essa expedição postal.
Também não podemos olvidar que a testemunha, por ser companheiro da legal representante da apelante, não é totalmente alheia ou desinteressada do resultado da lide, pelo que se acompanham as reservas colocadas pelo tribunal recorrido ao aludido depoimento.
Cumpre igualmente dar nota do intrincado novelo contratual tecido pelos contraentes – traduzido na cedência da coisa prometida em benefício da promitente compradora com vista a dar corpo a uma traditio rei, mas em que, na prática, a insolvente (promitente vendedora) continuou a usufruir do prédio prometido, na qualidade de locatária, mantendo ali as suas instalações fabris, não obstante ter subarrendado tal prédio a uma entidade terceira, da qual é legal representante o filho do socio gerente da insolvente – e da falta de elementos documentais usualmente existentes em situações como a retratada nos autos como suporte para documentar as ocorrências ou vicissitudes das relações contratuais (por ex., comprovativo da notificação do agendamento da escritura, notificação ou interpelação na sequência de não comparecimento à escritura), para mais estando em causa uma promessa sinalizada (no valor global de 110.000,00€) e em que o promitente vendedor alegadamente se eximiu aos prazos de cumprimento.
Se a isto acrescentarmos o próprio objeto da atividade comercial da apelante (que se dedica à compra e venda de imóveis e revenda dos mesmos, arrendamentos e investimentos imobiliárias – cfr. certidão permanente constante de fls. 302 e 303), presumindo-se, por conseguinte, que se trate de uma sociedade experiente e familiarizada com as matérias inerentes à formalização de negócios de compra e venda e ou/de locação, bem como dos problemas que por vezes lhe estão associados, por maioria de razão seria expetável que a promitente vendedora tivesse providenciado por documentar tais ocorrências contratuais, até porque as mesmas poderão ser relevantes no desfecho dum ulterior litígio (seja ele judicial ou não) que venha a opor os contraentes.
Ora, por recurso às regras de experiência comum e de normalidade é suscetível de causar legítimas reservas o facto de não ter sido junta aos autos nenhuma correspondência expedida à sociedade insolvente no sentido de a interpelar para comparecer no Cartório Notarial a fim de outorgar o contrato prometido no dia alegadamente agendado, e, subsequentemente a essa alegada não comparência, mais surpreende que a apelante não tenha intimado a sociedade insolvente, em termos admonitórios, a fim desta cumprir o contrato num determinado prazo suplementar e perentório, sob pena daquela considerar definitivamente incumprido o contrato promessa (sendo certo que a apelante nem sequer alegou ter recorrido à interpelação admonitória).
Serve isto para dizer que, numa aferição crítica e global da prova produzida, os concretos meios probatórios invocados pela apelante como fundamento da impugnação da matéria de facto, dadas as suas fragilidades e o seu não desinteresse da lide, são manifestamente insuficientes para abalar a convicção formada pelo tribunal a quo.
Por fim, no que concerne ao terceiro facto que a apelante pretende ver como provado - foi celebrado um aditamento ao contrato promessa, fixando um termo definitivo e resolutivo expresso por força do qual a celebração da escritura deveria ser realizada, impreterivelmente, até 29/12/14 -, não deixa de assinalar-se que essa impugnação, nos estritos termos em que se mostra formulada, jamais poderia ser julgada totalmente procedente, visto comportar um juízo conclusivo – na parte em que se refere a um termo definitivo e resolutivo –, cuja ilação terá que ser retirada dos factos provados (16).
Ora, por referência ao aditamento ao contrato promessa cuja cópia consta de fls. 308 e 309, constatamos que a materialidade fáctica dada como provada no item 7 dos factos provados corresponde, integral e escrupulosamente, ao exarado na clª 5ª do referido aditamento.
Sendo assim, por referência ao teor do aludido documento, outra facticidade não poderia ser dada como demonstrada, pelo que se conclui pelo acerto da decisão quanto ao ponto fáctico em apreço.
Acresce que, dos demais meios de prova produzidos, não resulta – de um modo seguro e objetivo – que as partes erigiram como um termo essencial ou absoluto que a celebração da escritura deveria ser realizada, impreterivelmente, até 29/12/14, sob pena de o contraente não faltoso considerar definitivamente incumprido o contrato promessa.
Reavaliados, pois, os meios probatórios produzidos, concluímos que o Tribunal recorrido apreciou a prova apelando a todos os meios que puderam coadjuvar a reconstituição dos factos, com referência à situação concreta e avaliando as suas especificidades, evidenciando uma adequada análise crítica das provas produzidas, a qual se sufraga por inteiro.
Assim, perante o exposto e por via do recurso às regras de experiência comum, a juízos de lógica e razoabilidade, consideramos que o tribunal recorrido decidiu bem, quanto à matéria de facto em apreço, ao ter respondido de modo negativo às questões impugnadas.
Resta, por conseguinte, concluir pelo (total) indeferimento da referida impugnação da matéria de facto.
*
IV. Fundamentação de direito

1.1 Incumprimento definitivo do contrato-promessa imputável ao promitente vendedor (insolvente) anterior à declaração de insolvência.
Não vem posto em causa como decidido que entre a apelante e a sociedade insolvente foi celebrado um contrato promessa.
Cumpre, sim, indagar, face às obrigações assumidas pela sociedade insolvente no mesmo contrato, se houve incumprimento definitivo a ela imputável, se este ocorreu em data anterior ao processo de insolvência e se o mesmo legitima o pedido formulado pela apelante no sentido de ver o seu crédito reconhecido no valor global de 280,000,00€, correspondente ao valor do sinal (que prestou) em dobro (110,000,00€ x 2), acrescido da importância de € 60.000 a título da cláusula penal contratualmente estabelecida.
Dispõe o art. 410º, n.º 1 do Código Civil (doravante, abreviadamente, CC) que o contrato promessa consiste na “convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato”, sendo-lhe aplicáveis as disposições legais que regulam o contrato prometido, excetuadas as que, pela sua própria razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato promessa
Como ensina o Prof. Antunes Varela (17), o contrato promessa é a convenção pela qual ambas as partes, ou apenas umas delas, se obrigam, dentro de certo prazo ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato”, isto é, o chamado contrato prometido.
Do contrato promessa emerge como prestação devida a "emissão de uma declaração negocial destinada a celebrar o contrato prometido” (18), ou seja, do contrato promessa emerge para os seus outorgantes a obrigação de realizar uma prestação de facto de outorgar no contrato prometido.
Nessa conformidade, o objecto do contrato promessa é um facere jurídico, que gera uma obrigação de prestação de facto positivo que consiste na emissão de uma declaração negocial, de outorgar no contrato prometido, a que corresponde o direito de crédito da contraparte de exigir o seu cumprimento.
Assim, na promessa bilateral de compra e venda, a obrigação a que os contraentes se obrigam é a de outorgaram, respetivamente, como comprador e como vendedor, num futuro contrato de compra e venda (contrato prometido ou definitivo).
O contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (art.º 406º, n.º 1, do CC), designadamente, mediante a sua resolução fundada na lei ou em convenção (art.º 432°, n.º 1, do CC).
No caso de incumprimento do contrato promessa de compra e venda, a nossa lei abre dois caminhos ao contraente não faltoso (19):
a) - a execução específica regulada no art. 830.º do C.C., havendo simples mora;
b) - a resolução do contrato, havendo incumprimento definitivo, sendo que apenas este – seguindo o entendimento maioritário da doutrina e da jurisprudência – dá origem ao direito previsto no art. 442º, n.º 2 do C.Civil (20).
A mora do devedor é o atraso (demora ou dilatação) culposo no cumprimento da obrigação. O devedor incorre em mora, na concreta estatuição do artº 804º, nº 2 do C.Civil, quando, por causa que lhe seja imputável, não realiza a prestação no tempo devido, continuando esta a ser ainda possível.
Já o incumprimento definitivo, na previsão do art. 808º do C.Civil, verifica-se quando o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considerando-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.
A mora apenas legitima a resolução quando convertida em incumprimento definitivo (arts. 801º, n.º 2 e 802º, nº 2 “ex vi” do art. 808º, todos do CC), quer pela perda objetiva de interesse do credor ou, então, pelo recurso à interpelação admonitória, com a fixação de prazo razoável, apenas dispensável se houver uma recusa antecipada do devedor em cumprir.
Como se explicita no Ac. RG de 4/06/2009 (relatora Rosa Ching), in www.dgsi.pt., a lei considera definitivamente não cumprida a obrigação nos seguintes casos de:

1º- estipulação de cláusula resolutiva ou termo inicial;
2º- impossibilidade culposa da prestação por parte do devedor (art. 801, n.º 1º do CC);
3º- mora, se ocorrer perda do interesse do credor na prestação (art. 808º, n.º 1 do CC), apreciada objectivamente (n.º 2 do mesmo artigo), ou seja, em função da utilidade que a prestação teria para o credor, justificada segundo o critério da razoabilidade própria do comum das pessoas.
4º- mora, se a realização da prestação não ocorrer dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor (art. 808º, n.º 1 do CC) .
Mas, para além destes casos, a doutrina aponta um outro caso que pode constituir incumprimento definitivo por parte do devedor.
5º- Trata-se do caso em que o devedor (antecipada e inequivocamente) declara que não quer cumprir a prestação.
Por força do estipulado no n.º 1 do art.º 410.º CC, que faz equiparar o contrato-promessa ao contrato prometido, neste caso, a compra e venda, o incumprimento do contrato-promessa rege-se pelas disposições dos art.ºs 790.º e segs. CC.
Ora, de acordo com o art.º 808.º do CC a mora pode transformar-se em incumprimento definitivo nos casos de perda de interesse do credor pela prestação e não realização desta dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor.
Enquanto o interesse do credor na prestação se mantiver e se quiser que a mora do devedor se converta em falta de cumprimento, terá ele que dar nova oportunidade ao devedor em mora para que cumpra a sua obrigação. A interpelação admonitória do devedor em mora, sob a cominação apontada no n.º 1 do art.º 808.º do CC, como explicita Antunes Varela (21), não constitui apenas um poder conferido ao credor, porque representa ao mesmo tempo um ónus que a lei lhe impõe. Sendo certo que pode acontecer que a simples mora inviabilize logo a realização do contrato, como genericamente o admite o art. 808º do CC, no seu n.º 1, ao preconizar que a obrigação se tem como não cumprida quando a mora faça desaparecer o interesse do credor na prestação. Nestes casos já não haverá necessidade da interpelação admonitória para resolução do contrato, embora essa perda de interesse tenha de ser apreciada objetivamente, tal como se dispõe no n.º 2 do art.º 808.º do CC, isto é, que se revele através de dados factuais, de comportamentos, ações ou omissões, que indubitavelmente demonstrem que a perda de interesse se equipara ao não cumprimento definitivo da obrigação. Pretende-se “evitar que o devedor fique sujeito aos caprichos daquele (credor) ou à perda infundada do interesse na prestação. Atende-se, por conseguinte, ao valor objectivo da prestação, não ao valor da prestação determinado pelo credor, mas à valia da prestação medida (objectivamente) em função do sujeito(22).
O incumprimento definitivo da obrigação pressupõe uma situação de mora de uma das partes e ocorre quando haja perda de interesse do credor na prestação, apreciada em termos objetivos, ou pelo incumprimento do devedor dentro de prazo razoável fixado e comunicado pelo credor, notificação admonitória a que se reporta o art.º 808.º C.Civil. Trata-se, esta última, de um remédio concedido por lei ao credor para os casos em que não tenha sido estipulada uma cláusula resolutiva ou um termo essencial, nem ele possa alegar, de modo objetivamente fundado, perda do interesse na prestação por efeito da mora (23).
A interpelação admonitória, que corresponde a declaração intimativa, deve conter a intimação para o cumprimento, a fixação de um prazo perentório para esse cumprimento e a cominação de que a obrigação se terá por definitivamente incumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo (24).
De referir ainda que a resolução do contrato promessa só é permitida quando haja incumprimento definitivo imputável ao devedor.
No caso em presença, invoca a recorrente o incumprimento definitivo do contrato promessa celebrado com a insolvente, antes da declaração de insolvência.
A questão assume particular relevância porquanto, caso a situação de não cumprimento definitivo do contrato imputável ao promitente vendedor se reporte a momento anterior à declaração de insolvência, o promitente comprador na promessa obrigacional sinalizada em que tenha havido tradição da coisa terá não só direito ao crédito indemnizatório previsto no art. 442º, n.º 2 do CC, como também o direito de retenção estabelecido no art. 755º, n.º 1, al. f) do CC com vista a assegurar a restituição do sinal em dobro (25).
Vejamos se lhe assiste razão.
Resulta dos autos que as partes estabeleceram no contrato promessa celebrado um prazo para o cumprimento do contrato definitivo (30.11.2014), prazo esse que posteriormente, por comum acordo plasmado no aditamento ao contrato promessa, foi, prolongado até 29.12.2014
Não se tendo realizado a escritura em tal prazo, verificou-se a mora do promitente vendedor, a aqui insolvente (26), nos termos do art. 804º, nº 2 do C.Civil.
A mora debitoris, o atraso na prestação acordada (e ainda cumprível), por não realizada no prazo convencionado, traduz-se aqui na não realização da escritura de compra e venda no prazo acordado.
É que o decurso do prazo previsto para a realização da escritura não acarreta só por si a impossibilidade da prestação, nem é sinónimo de perda do interesse no negócio.
Pois bem, sufragando o entendimento expresso na sentença recorrida (27), dir-se-á que o «incumprimento da insolvente assumiu a modalidade de mora, ou incumprimento temporário, por não ter sido realizada a prestação no prazo previsto, mas continuando a mesma a ser possível, não se vislumbrando qualquer facto que nos permita dizer que até à declaração de insolvência houve incumprimento definitivo, mormente, que a promitente compradora» procedeu «à interpelação admonitória a que alude o artº 808 nº1 do C.Civil, fixando prazo razoável para o cumprimento da prestação, ou que tenham objectivamente perdido o interesse na mesma, nos termos do artº 808 nº 1 e nº 2 do C.Civil».
Com a impugnação da matéria de facto pretendia a apelante/promitente compradora reverter esse juízo, de modo a ver demonstrado o incumprimento definitivo do contrato promessa por banda da promitente vendedora, mas, como se disse, não logrou alcançar esse desiderato.
Com efeito, diversamente do por si propugnado, os factos concretos provados não nos permitam chegar à conclusão de que se verificou o incumprimento definitivo do contrato em data anterior à declaração da insolvência.
Malgrado o decurso do prazo designado para a celebração da escritura de compra e venda, não resulta, segundo um critério objectivo ou de razoabilidade, que a promitente-compradora tenha perdido o interesse na prestação (art. 808º, n.º 1 do CC), nem a mesma logrou demonstrar ter efetuado uma notificação admonitória à promitente vendedora intimando-a a cumprir num prazo razoável, adicional e perentório, sob pena de o seu decurso sem a outorga do contrato definitivo, determinar a convolação da mora em incumprimento definitivo (art. 808º, n.º 1 do CC).
Também não resulta dos autos que a promitente vendedora declarou inequívoca e perentoriamente à promitente-compradora que não cumpriria o contrato, pelo que não se tornava desnecessária a interpelação admonitória para que se tivesse por verificado o incumprimento definitivo.
Por último, os factos provados também não habilitam a concluir que os contraentes tenham atribuído carácter essencial ao termo ou prazo convencionado para o cumprimento da prestação, ao ponto de conferirem importância essencial à pontualidade da prestação e de dispensarem a interpelação admonitória (28).
É, por conseguinte, de concluir que «à data da declaração de insolvência havia apenas incumprimento temporário, ou mora, por parte da insolvente e não incumprimento definitivo do contrato promessa celebrado com a agora insolvente» (29), já que este não foi anteriormente resolvido por ela enquanto promitente compradora, inexistindo assim, nessa data, na esfera jurídica desta credora reclamante o direito a haver o dobro do sinal prestado e indemnização, nos termos do art. 442º, n.º 2 do C.Civil.
Indemonstrado o incumprimento definitivo do contrato-promessa (obrigacional) por parte da promitente vendedora e tendo, entretanto, esta sido declarada insolvente, importa conjugar essa (nova) situação jurídica com as normas do direito insolvencial constantes do CIRE e que respeitam a esta matéria específica atinente ao regime dos negócios em curso.
A declaração de insolvência provoca, como é sabido, efeitos nas relações jurídicas subsistentes a essa data.
Quanto aos negócios não cumpridos à data da declaração de insolvência, o art. 102º do CIRE estabelece, no seu n.º 1, o princípio geral segundo o qual o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento.
O n.º 3 deste artigo regula as consequências da opção pelo não cumprimento por parte do administrador da insolvência, prevendo a al. c) que a outra parte tem direito a exigir, como crédito sobre a insolvência, o valor da prestação do devedor, na parte incumprida, deduzido do valor da contraprestação correspondente que ainda não tenha sido realizada.
Com referência ao contrato promessa estipula o art. 106º do CIRE que:
1. No caso de insolvência do promitente-vendedor, o administrador da insolvência não pode recusar o cumprimento de contrato-promessa com eficácia real, se já tiver havido tradição da coisa a favor do promitente-comprador.
2. À recusa de cumprimento de contrato-promessa de compra e venda pelo administrador da insolvência é aplicável o disposto no n.º 5 do artigo 104.º, com as necessárias adaptações, quer a insolvência respeite ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedor.”
Por seu turno, o art. 104º, n.º 5, do CIRE, para o qual remete esta última norma, diz-nos que: “Os efeitos da recusa de cumprimento pelo administrador, quando admissível, são os previstos no n.º 3 do artigo 102º, entendendo-se que o direito consignado na respectiva alínea c) tem por objecto o pagamento, como crédito sobre a insolvência, da diferença, se positiva, entre o montante das prestações ou rendas previstas até final do contrato, actualizadas para a data da declaração de insolvência por aplicação do estabelecido no nº 2 do artigo 91º, e o valor da coisa na data da recusa, se a outra parte for o vendedor ou o locador, ou da diferença, se positiva, entre este último valor e aquele montante, caso ela seja o comprador ou o locatário.”
Como já anteriormente explicitámos, o contrato promessa outorgado ainda não se encontrava cumprido por parte de nenhuma das partes outorgantes quando foi declarada a insolvência da recorrida.
E, como se disse, o princípio geral quanto aos negócios ainda não cumpridos à data da declaração de insolvência é o de que o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento (cfr. n.º 1, do art. 102º do CIRE). Tal opção resolve-se num direito potestativo do administrador, orientado pelo vetor exclusivo do interesse da massa insolvente (e, em consequência, do interesse dos credores).
Importa também ter presente que a credora Empresa A – Investimentos Imobiliários, Lda invoca existência de tradição do prédio prometido vender
E, no caso, essa tradição do prédio prometido mostra-se materializada pela entrega das chaves do imóvel à promitente compradora aquando da outorga do aditamento ao contrato promessa, em 3.12.2014, tendo esta de imediato dado de arrendamento esse prédio à promitente vendedora (cfr. ponto 9 dos factos provados e contrato de arrendamento constante de fls. 379 e 380) (30).
O incumprimento definitivo do contrato promessa verifica-se no caso em análise, sendo concludente o comportamento do administrador da insolvência ao mencionar na relação de créditos apresentada o crédito do reclamante com as garantias que entende ser portador – artigo 129º do CIRE; a declaração prestada pelo administrador leva implícita a existência de incumprimento (31).
A este propósito pela similitude das situações, uma significativa corrente jurisprudencial propugna(va) que (32):
– Compete ao administrador da insolvência, no interesse dos credores da insolvência, decidir se é mais vantajoso o cumprimento ou incumprimento do negócio em curso.
– Daí os poderes latos conferidos ao administrador da insolvência que se manifestam na opção de executar ou recusar cumprir os contratos em curso, (de notar, por exemplo, que no contrato-promessa de compra e venda com eficácia real e traditio, o cumprimento é imperativo por parte do administrador), o CIRE atribuiu, assim, ao administrador da insolvência uma alternativa que, potestativamente, pode exercer: ou cumpre ou não cumpre o contrato que estava em curso.
– No regime do Código Civil, o incumprimento do contrato-promessa de compra e venda e a sanção do mecanismo do sinal – art. 442º, nº 2, do Código Civil – estão ligados à imputabilidade do incumprimento. Se tal imputabilidade for do promitente-vendedor este deve restituir o sinal recebido em dobro. Se for do promitente -comprador, perde ele a favor do promitente-vendedor o sinal prestado.
– A recusa do administrador em executar o contrato não exprime incumprimento mas “reconfiguração da relação”, tendo em vista a especificidade do processo insolvencial, não sendo aplicável o conceito do art. 442º, nº 2, do Código Civil – “incumprimento imputável a uma das partes” – que pressupõe um juízo de censura em que se traduz o conceito de culpa – (neste caso ficcionando que a parte que incumpre seria o administrador da insolvência na veste do promitente ou em representação dele), pelo que não se aplica o regime daquele normativo e, como tal, não tem o promitente-comprador direito ao dobro do sinal até por força do regime imperativo do art. 119º do CIRE.
- O promitente-comprador de coisa imóvel que obteve a traditio, não goza, no actual direito insolvencial (CIRE), dos direitos reconhecidos pelo Código Civil, no caso de ser imputável ao promitente-vendedor o incumprimento definitivo do contrato-promessa, não sendo aplicável na insolvência o art. 442º, nº2, do Código Civil, e por isso, também não dispõe o promitente-comprador do direito de retenção, nos termos do art. 755º, nº 1, f) do Código Civil.
A posição supra enunciada é igualmente perfilhada por um largo sector da doutrina.
É o caso de Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, os quais defendem que, nos contratos promessa de compra e venda não contemplados no n.º 1 do art. 106º do CIRE, a recusa de cumprimento pelo administrador da insolvência é um ato lícito, pelo que é de afastar a aplicabilidade do art. 442º, n.ºs 2 e 3 do CC e, por consequência, do art. 755º, n.º 1, al. f) do CC, sendo que o valor da indemnização a que a contraparte tem direito – como crédito sobre a insolvência e não sobre a massa insolvente – está limitado por expressa remissão do n.º 2 do art. 106º do CIRE para o n.º 5 do art. 104º do mesmo diploma legal, correspondendo à diferença entre o valor do bem prometido vender na data da recusa de cumprimento e o do preço acordado atualizado para a data da declaração de insolvência (33).
Especificamente a propósito deste problema, Catarina Serra (34) considera que “a actuação do sinal em dobro pressupõe três coisas: primeiro que o devedor não cumpra; segundo, que o não cumprimento seja ilícito; terceiro, que o não cumprimento ilícito seja imputável ao devedor, por ter sido causado com culpa. Ora, existindo um direito potestativo de recusa de cumprimento do contrato-promessa (atribuído ao administrador da insolvência pelo art. 106.°, n." 2, em ligação com o art. 102.°) não existe um dever de cumprir; não existindo um dever de cumprir, não há ilicitude e não há culpa, faltando, pois, no caso de o cumprimento ser efectivamente recusado pelo administrador da insolvência, a imputabilidade de não cumprimento ao vendedor, consequentemente, um dos factos constitutivos do direito do promitente-comprador".
No mesmo sentido, veja-se Alexandre de Soveral Martins (35), segundo o qual, optando o administrador da insolvência por recusar o cumprimento do contrato promessa de compra e venda, isso não equivale a um não cumprimento imputável ao insolvente. O administrador da insolvência não está sequer obrigado a optar pela execução do contrato promessa de compra de venda. Daí que seja de afastar a possibilidade de o promitente comprador exigir a restituição do sinal em dobro. O art. 442º, n.º 2, do CC reconhece esse direito ao promitente comprador se houve não cumprimento do contrato devido ao promitente vendedor. E isso não parece existir em caso de recusa do cumprimento por parte do administrador da insolvência. E, no desenvolvimento do seu raciocínio, conclui o citado autor que também o pagamento do crédito relativo ao valor do sinal prestado não está garantido pelo direito de retenção previsto no art. 755º, n.º 1, al. f) do CC: é que o direito de retenção em causa só existe quanto ao «crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 442º», o que também não se verifica. E quanto à questão de saber se o promitente comprador tem, sem mais, a possibilidade de exigir, no processo de insolvência em que é devedor insolvente o promitente vendedor, o pagamento do sinal em singelo como crédito sobre a insolvência, responde o autor dizendo que a remissão do art. 106º, n.º 2 para o art. 104º, n.º 5 deve ser entendida como significando que o direito do art. 102º, n.º 3, al. c), tem como objeto o pagamento da diferença, se positiva, entre o valor da coisa na data da recusa (o valor da coisa prometida vender, apurado na data da recusa do administrador) e o valor que ainda deveria ser pago por essa coisa, atualizado para a data da declaração de insolvência (atualização essa que deve ser efetuada nos termos do art. 91º, n.º 2, embora a mesma possa não se justificar). Tendo sido pago sinal, o valor a ele correspondente deve ser subtraído ao valor que ainda deveria ser pago. A subtração do sinal justifica-se quando a imputação seja possível; não sendo possível a imputação, a coisa entregue deve ser restituída.
Nesta medida, o promitente-comprador tem direito à diferença, se positiva, entre o valor das duas prestações: uma equivalente ao valor do objeto do contrato prometido na data da recusa de cumprimento por parte do Administrador da insolvência e a outra correspondente ao preço convencionado, atualizado para a data da declaração da insolvência, acrescido do valor que já prestou (36).
Ora, aplicando estas regras ao caso vertente, seríamos levados a concluir que a apelante, beneficiária de uma promessa de venda com natureza meramente obrigacional, não goza do direito à indemnização fixada no art. 442º, n.º 2 do CC (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal). Na verdade, face aos normativos citados, teria apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestado, salientando-se que nada foi alegado ou está provado que mostre que há uma diferença positiva a seu favor entre o preço convencionado e o valor da coisa à data da recusa do cumprimento do contrato (cfr. o n.º 5 do art. 104º “ex vi” do n.º 2 do art. 106º, ambos do CIRE), além de que também não provou que a recusa de cumprimento do contrato promessa de compra e venda pelo administrador da insolvência lhe determinou prejuízos acrescidos, nos termos e para os fins do disposto no art. 102º, n.º 3, al. d) do CIRE.
Ter-se-ia, por conseguinte, por acertado o juízo formulado na sentença recorrida no sentido de a apelante, promitente compradora no âmbito do contrato promessa com natureza meramente obrigacional celebrado com a insolvente, apenas ter «direito a haver o valor do sinal prestado 110.000€, nos termos do regime especial estabelecido nos artº 104 nº 5 e artº 102 nº 3 c) e d) do CIRE, visto que o senhor Administrador optou por não cumprir o contrato».
Sucede que, a propósito da controvérsia jurídica de saber se, num contrato-promessa com eficácia meramente obrigacional, o promitente-comprador que, tendo entregue o sinal e obtido a tradição da coisa objecto do contrato-prometido, goza ou não do direito de retenção sobre ela, caso o administrador de insolvência opte por não cumprir o contrato-promessa, o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) n.º 4/2014, de 20/03/2014, in D.R., 1.ª série, n.º 95, de 19/05/2014, págs. 2882 sgs., acabou por firmar jurisprudência, tirada por maioria, nos seguintes termos:
No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755º, nº 1, alínea f) do Código Civil”.
E, com específica atinência à questão em apreço – do afastamento, ou não, do âmbito do CIRE da aplicabilidade do artigo 442º do CC referente ao incumprimento do contrato promessa –, o citado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência refere que o artigo 106º do CIRE «não menciona a situação relativamente vulgar em que o contrato-promessa, mau grado de natureza obrigacional, foi acompanhado de tradição da coisa para o promitente-comprador», que corresponde precisamente ao caso objeto destes autos.
Seguindo a fundamentação do dito AUJ, essa omissão da disciplina fixada no art. 106º do CIRE quanto ao contrato promessa com eficácia meramente obrigacional, com tradição da coisa, deve ser suprida pela convocação do regime reservado à compra e venda com reserva de propriedade. O n.º 2 do artigo 106º do CIRE será apenas aplicável «ao contrato promessa com efeito meramente obrigacional e em que não tenha havido aquela tradição ao promitente-comprador (…). Só aqui, e a menos que uma das partes tenha cumprido integralmente a sua obrigação, poderá o administrador optar por cumprir ou recusar a execução do contrato».
O citado aresto contesta a ideia de inexistência de imputabilidade no incumprimento, pelo facto da relação jurídica pré-existente ser reconfigurada com a declaração de insolvência “já que ao insolvente se substitui e passa a figurar em juízo apenas a massa falida e o administrador (…)”.
Considera, pois, existir nesta sede «uma imputabilidade reflexa, considerando o comportamento da insolvente na origem do processo falimentar», já que «a insolvência não surge do nada, radicando antes e à partida no comportamento de uma entidade [a insolvente] que se mostrou não ter cumprido as suas obrigações”. A isto acresce que, seria sempre à insolvente «que cumpriria afastar a culpa, que se presume, em matéria de responsabilidade civil contratual - artigo 799º n.º 1 do Código Civil».
Logo, conclui o citado AUJ, «que não sendo afetado o contrato-promessa, mantêm-se os efeitos do incumprimento a que se reporta o artigo 442º nº 2 do Código Civil», pugnando, assim, pela não exclusão no âmbito do CIRE da aplicabilidade do art. 442º, do CC referente ao incumprimento do contrato promessa (37).
O mencionado AUJ acolhe, de resto, a posição de L. Miguel Pestana de Vasconcelos (38), o qual propugna por uma interpretação restritiva do art. 106º, n.º 2 do CIRE, dela excluindo a regulamentação do contrato promessa obrigacional sinalizado com tradição da coisa, sendo que o recurso à analogia conduz à aplicação do regime do art. 442º, n.ºs 2 e 4 do CC, previsto para o não cumprimento imputável do promitente-alienante.
Nessa medida - conclui o mesmo autor - a posição do promitente–comprador/consumidor na promessa com eficácia obrigacional sinalizada e em que se tenha verificada a tradição da coisa, se o administrador recusar o cumprimento, consiste no crédito à restituição do sinal em dobro.
Como é sabido, os acórdãos de uniformização de jurisprudência (AUJ), apesar de não terem força obrigatória geral, criam um precedente qualificado de carácter persuasivo, a desconsiderar apenas com fundamento em fortes razões ou especiais circunstâncias que não tenham sido suficientemente ponderadas (39).
Ora, não tendo sido carreados aos autos novos argumentos que não foram tidos em conta no acórdão uniformizador e que, pela sua marcada relevância, justifiquem a divergência da decisão, nem se verificando circunstâncias novas que alterem os pressupostos em que assentou o entendimento jurisprudencial, forçoso será de concluir pelo acatamento da jurisprudência fixada – incluindo a respetiva fundamentação jurídica que lhe subjaz – no aludido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência.
Consequentemente, revertendo ao caso concreto, por força da recusa de cumprimento do contrato promessa pelo administrador da insolvência, o crédito da credora reclamante, Empresa A – Investimentos Imobiliários, SA, beneficiária de uma promessa de venda obrigacional, com tradição da coisa, corresponde ao dobro do sinal prestado (220,000,00 €), nos termos do disposto no art. 442º, n.º 2 do CC.
A apelante não tem, porém, direito à cláusula penal de 200€/dia fixada no contrato promessa, já que esta pretensão está formulada no pressuposto do incumprimento definitivo do contrato promessa ser imputável à promitente vendedora (insolvente) e dos autos apenas se evidencia que à data da declaração de insolvência a insolvente tinha apenas incorrido em simples mora.
Impõe-se, por conseguinte, naquela parte (atinente ao montante do crédito reclamado pela credora Empresa A – Investimentos Imobiliários, SA), a parcial procedência da apelação (visto o crédito dever ser reconhecido pelo montante de 220,000,00 €), com a consequente revogação nessa parte da sentença recorrida.
*
1.2 Quanto ao direito de retenção invocado pela apelante.

Com vista a alicerçar o direito de retenção sobre o imóvel que foi objecto do contrato promessa celebrado invoca a credora Empresa A – Investimentos Imobiliários, Lda a existência de tradição (40) do prédio prometido vender, a qual - como já vimos - resulta demostrada pela entrega das chaves do imóvel à promitente compradora aquando da outorga do aditamento ao contrato promessa.
Cumpre, nessa medida, indagar se, num contrato-promessa com eficácia meramente obrigacional, o promitente-comprador que, tendo entregue o sinal e obtido a tradição da coisa objecto do contrato-prometido, goza ou não do direito de retenção sobre ela, caso o administrador de insolvência opte por não cumprir o contrato-promessa.
Importa, no entanto, salientar que o reconhecimento do direito de retenção é independente de saber qual o regime aplicável à determinação do montante do crédito assim garantido (cfr. nº 2 do artigo 102º do CIRE e nº 2 do artigo 442º do Código Civil) (41).
Como é sabido, o direito de retenção regulado nos artigos 754º e ss. do CC traduz-se no direito conferido ao credor, que se encontra na detenção de coisa que deva ser entregue a outra pessoa, de não a entregar enquanto esta não satisfizer o seu crédito, verificada alguma das relações de conexidade entre o crédito do detentor e a coisa que deva ser restituída a que a lei confere tal tutela.
O art. 755º, n.º 1, al. f) do CC atribui um direito de retenção ao beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442º do CC.
Temos, assim, que o direito de retenção como direito real de garantia é invocável pelo promitente-comprador que obteve a tradição da coisa, visando o crédito pelo dobro do sinal prestado – art. 442º, nº 2, do CC – em caso de incumprimento definitivo do contrato pelo promitente-vendedor (42).
Como supra explicitámos - e ora reiteramos, por ser pertinente -, a problemática que nos ocupa (i.e., se, na promessa obrigacional sinalizada com tradição da coisa, o promitente-comprador goza do direito de retenção em caso de recusa de cumprimento do contrato pelo administrador da insolvência) foi dirimida pelo AUJ n.º 4/2014, de 20/03/2014, que decidiu que, no âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755º, nº 1, alínea f) do Código Civil”.
Ulteriormente, sucessivos arestos dos Tribunais Superiores vieram esclarecer que esta solução jurisprudencial colhida no AUJ deve ser alvo de uma aplicação restritiva, fundada no escopo da solução legal em questão, nos termos da qual, para que se reconheça o direito de retenção do promitente-comprador, se tem de exigir que este, além de ter obtido a tradição do imóvel negociado, revista a qualidade de consumidor prevista no n.º 1 do art. 2.º da Lei n.º 24/96, de 31-07, excluindo, portanto, o promitente-comprador que não seja consumidor e competindo ao credor reclamante (promitente-comprador) a alegação e prova dessa qualidade de consumidor, por aplicação da regra geral do art. 342º, n.º 1 do C. Civil, visto a qualidade de consumidor ser um elemento constitutivo essencial da garantia real/direito de retenção (43).
Do citado AUJ n.º 4/2014 do S.T.J. é, assim, legítimo retirar um argumento contrário ao entendimento propugnado pela apelante no recurso, já que no âmbito da graduação de créditos em insolvência apenas se refere ao consumidor, que se identifica com a pessoa singular ou “sujeito final na transacção de bens” (para usar a expressão do S.T.J.), pelo que sem margem para dúvidas forçoso será concluir que às pessoas colectivas não é reconhecido o direito de retenção, consagrado na alínea f) do n.º 1 do art.º 755.º do C.C., ainda que sejam promitentes-compradoras retentoras (44).
A promitente-compradora, sendo uma sociedade por quotas, que se dedica à compra e venda de imóveis e revenda dos mesmos, arrendamentos e investimentos imobiliárias, não é um consumidor, tal como este é definido no art. 2º, n.º 1, da Lei n.º 24/96 de 31 de Julho, sendo que a opção legislativa foi a de conferir primazia à tutela dos interesses dos consumidores na proteção da confiança na consolidação de negócios jurídicos, no confronto com os direitos das instituições de crédito e inerente confiança do registo predial, o que não se coloca no caso em presença,
Assim, no caso sub júdice, será de concluir que a apelante não beneficia, no presente processo de insolvência, em face do disposto nos arts. 106º, n.º 2 e 104º, n.º 5 do CIRE, do direito de retenção previsto no art. 755º, n.º 1, al. f) do CC sobre o prédio cujas chaves lhe foram entregues.
Não assistindo à credora reclamante, sociedade comercial por quotas, o direito de retenção, nesta sede de processo de insolvência, o seu crédito não goza da prioridade de pagamento em relação ao crédito da apelada, garantido por hipoteca.
Improcede, assim, nessa parte a apelação, sendo de confirmar a sentença recorrida.
*
Sumário (ao abrigo do disposto no art. 667º, n.º 3 do CPC):

I- A simples mora do devedor no contrato promessa não permite ao credor desencadear automaticamente a resolução do contrato.
II- Para que tenha lugar a resolução do contrato importa que a mora seja convertida em incumprimento definitivo nos termos facultados no art. 808º do C. Civil, ou seja, em caso de perda do interesse na prestação, com relevância objetiva, ou de interpelação admonitória.
III- Por força da fundamentação jurídica do acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2014, de 20/03/2014, no contrato promessa de compra e venda obrigacional, sinalizado, com tradição da coisa, se o administrador da insolvência recusar o cumprimento do contrato, o crédito do promitente–comprador corresponde ao dobro do sinal, nos termos do art. 442º, n.º 2 do CC.
IV- Nos termos do mencionado acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2014, o credor de uma empresa insolvente com crédito derivado de um contrato promessa celebrado com a insolvente e não cumprido, na graduação dos créditos, só pode beneficiar do direito de retenção previsto no art. 755º, n.º 1, al. f) do Cód. Civil, se demonstrar ser consumidor.
V- Não reveste tal conceito uma sociedade por quotas, que se dedica à compra e venda de imóveis e revenda dos mesmos, arrendamentos e investimentos imobiliárias, que celebra como promitente compradora um contrato promessa de aquisição de um prédio urbano (armazém) afeto à atividade industrial.
*
V. – DECISÃO

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:

i) rejeitar a junção do documento apresentado pela recorrente com as alegações de recurso;
ii) condenar a recorrente na multa de 1 (uma) UC – art. 443º, n.º 1, do CPC e art. 27.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais;
iii) julgar parcialmente procedente o recurso de apelação, revogando a sentença recorrida na parte em que reconheceu o crédito reclamado pela credora Empresa A – Investimentos Imobiliários, SA no valor de 110.000,00€, que ora se reconhece no valor de 220.000,00€ (duzentos e vinte mil euros), nos termos do disposto no art. 442º, n.º 2 do CIRE.
Quanto ao mais, mantém-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, Empresa A – Investimentos Imobiliários, SA, e pela recorrida, Banco A, S.A., na proporção do decaimento, que se fixa em 50% a cargo de cada uma delas (art.º 527.º, n.º 2 do CPC).
*
Guimarães, 23 de novembro de 2017


Alcides Rodrigues
Espinheira Baltar
Eva Almeida


1. Cfr. Ac. RP de 15.02.2016 (relator António José Ramos), in www.dgsi.pt.
2. Cfr. Ac. RP de 02.03.2017 (relatora Paula Leal de Carvalho), de 15/05/2017 (relator Jerónimo Freitas), de 10/10/2016 (relator Jerónimo Freitas), de 13/03/2017 (relator Nelson Fernandes), todos in www.dgsi.pt., e Jaime Octávio Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, Atualizado à luz do CPC de 2013, 6ª ed., Coimbra editora, p. 177.
3. Cfr. João Espírito Santo, O Documento Superveniente para efeito de recurso ordinário e extraordinário, Almedina, pág. 47.
4. Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª ed., Almedina, pp. 229/230.
5. Cfr. Manual de Processo Civil, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, pp. 531 a 534.
6. Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, p. 273.
7. Cfr. Ac. do STJ de 24-9-2013 (Relator Azevedo Ramos), in www.dgsi.pt.
8. Cfr. Ac RP de 8/06/2017 (Relator Nélson Fernandes), in www.dgsi.pt.
9. Cfr. Ac. da RP de 18/09/2017 (Relator Manuel Domingos Fernandes), in www.dgsi.pt.
10. Cfr. Jaime Octávio Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, Atualizado à luz do CPC de 2013, 6ª ed., Coimbra Editora, p. 195.
11. Cfr., neste sentido, Acs. RP de RP 24/10/2016 (relator Oliveira Abreu) e de 18/09/2017 (relator Manuel Domingos Fernandes), in www.dgsi.pt.
12. Cfr. Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, pp. 407/409.
13. Cfr. Tiago Caiado Milheiro, In Nulidades Da Decisão Da Matéria De Facto, www.julgar.pt., e Antunes Varela, “Juízos de valor da lei substantiva, o apuramento dos factos na acção e o recurso de revista”, CJ, Ano XX, tomo IV, pp. 7 a 14.
14. Cfr. Código de Processo Civil-Anotado, Vol. II, 2008, Coimbra Editora, pág. 637 e 638.
15. Apesar desse concreto meio de prova não ter sido mencionado na impugnação da matéria de facto impugnada, como se disse, não deixamos de proceder à sua audição, para melhor aquilatarmos da razoabilidade e lógica da globalidade dos depoimentos prestados.
16. Valem aqui, mutatis mutandis, as considerações supra expostas a propósito dos juízos de valor.
17. Cfr. Das Obrigações Em Geral, Vol. I, 6ª ed., p. 301.
18. Cfr. Almeida Costa, Contrato Promessa, Uma síntese do Regime Actual, separata da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 50, I, 1990, pág. 41.
19. Cfr. Ac. do STJ de 10/12/1007, CJSTJ, Ano V, T. III-1997, p. 164, RG de 11.07.2013 (relatora Purificação Carvalho) e Ac. RP de 28/04/2014 (relator Manuel Domingos Fernandes), ambos consultáveis in www.dgsi.pt.
20. Cfr. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 5ª edição, Coimbra Editora, pág. 95; Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, Coimbra, 1993, pág. 87 e Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, pág. 297; Antunes Varela, Sobre o Contrato-Promessa, pág. 70, nota 1; Almeida Costa, obra citada, pp. 53/60, Januário Gomes, in Tema do Contrato-Promessa, Ed. 1990, AAFDL, pág. 55 a 60; e, de entre vários, Ac. STJ de 24.10.95, CJSTJ, T. III, págs. 78, Ac. RL de 13.7.95, CJ, Ano XX, T. IV, pág. 86 e Ac. STJ de 4.11.93, CJSTJ, T. III, págs. 105, os acórdãos do STJ de 12.3.1991, 24.10.1995, 10.12.1997, 26.05.1998, 08.02.2000 e 12.7.2001, in BMJ 405º, 434; CJ-STJ, III, 3, 78; V, 3, 164; VI, 2, 100; VIII, 1, 72 e IX, 3, 30, respetivamente, e acórdãos do STJ de 20.01.2005-processo 04B4389, 22.3.2007-processo 07A543, 07.02.2008-processo 07A4437, 10.7.2008-processo 08B1849 e 10.9.2009-proceso 170/09.2YFLSB, disponíveis in www.dgsi.pt.
21. Cfr. Das Obrigações em Geral, vol. II, 4ª ed., Almedina, pp. 119 e 120.
22. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1986, p. 72.
23. Cfr. João Baptista Machado, Obra Dispersa, Pressupostos da resolução por incumprimento, Scientia Iuridica, Braga, 1991, p. 164/165 e Ac. STJ de 10/07/2008 (Relator Alberto Sobrinho), in www.dgsi.pt.
24. Cfr. João Baptista Machado, obra citada, pp. 164/165 e Ac. STJ de 10/07/2008 (Relator Alberto Sobrinho), in www.dgsi.pt.
25. Cfr. Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2017, 2ª ed, Almedina, p. 193. Em sentido similar, mas com um âmbito subjetivo mais restrito, na medida em que advoga que essa tutela particular apenas é conferida ao promitente comprador consumidor, L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das garantias, 2017, 2ª ed., Almedina, pp.375/378.
26. Sem prejuízo do que adiante se disser quanto a esse concreto ponto.
27. Que, nessa parte, reproduz a posição adotada no Ac. da RG de 11.07.2013 (relatora Purificação Carvalho), in www.dgsi.pt.
28. Cfr., no sentido de competir à parte que invoca a essencialidade do prazo, como pressuposto do incumprimento definitivo e consequente opção resolutiva do contrato o ónus da alegação e prova da respetiva factualidade que lhe serve de suporte, Ac. da RC de 16/02/2017 (relator Vítor Amaral), in www.dgsi.pt.
29. Não se mostrando provado nos autos que a promitente compradora marcou a escritura definitiva – sendo certo que era a ela que cabia marcar a escritura (cl.ª 6ª do aditamento do contrato promessa constante de fls. 402 a 405) – e que deu atempado conhecimento desse facto à sociedade insolvente, não se inferindo pela essencialidade do prazo estabelecido no contrato-promessa, nem estando demonstrada a intimação por parte da promitente compradora à promitente vendedora no sentido desta cumprir o contrato, em bom rigor não poderíamos sequer concluir que haja mora da insolvente. Considerando, porém, que a apelada não interpôs recurso da sentença com vista a impugnar o crédito reconhecido à apelante, nem usou, em sede de contra-alegações, da faculdade de requerer a ampliação do âmbito do recurso nos termos e para os fins estabelecidos no art. 636º do CPC, por forma a submeter à apreciação do tribunal ad quem a apreciação de fundamentos em que a parte vencedora decaiu, prevenindo a hipótese de virem a ser acolhidas questões suscitadas pela recorrente, será de respeitar o juízo formulado na 1ª instância quanto ao reconhecimento da existência de mora por parte da insolvente.
30. Como se explicitou no Ac. do STJ de 20/03/2014 (Relator Távora Victor), in www.dgsipt., a partir do momento em que o insolvente entregou as chaves dos prédios ao promitente-comprador, materializou a intenção de transferir para este os poderes sobre a coisa, faltando apenas legalizar uma situação de facto consolidada.
31. Cfr., em sentido similar, o citado Ac. do STJ de 20/03/2014 (Relator Távora Victor), in www.dgsipt.
32. Servindo-nos de critério enunciador, dada a sua cabal explicitação, o sumário do Ac. do STJ de 14/06/2011 (Relator Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt.
33. Cfr. Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2013, Almedina, pp. 312 e 319.
34. Cfr. Insolvência e contrato promessa: os efeitos da insolvência sobre o contrato promessa com eficácia obrigacional, in Revista da Ordem dos advogados, ano 70, 2010, p. 413 e ss.
35. Cfr. obra citada, pp. 190/191.
36. Cfr., neste sentido, Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência, - Uma introdução, 4ª ed., Almedina, 2010, p. 94 ss. e o Ac. RC de 3/06/2014 (relatora Maria Inês Moura), in www.dgsi.pt.
37. Em sentido diferenciado/contrário, vejam-se, porém, as declarações de voto e/ou os votos de vencido exarados no referido AUJ: - Do Exmo Conselheiro Moreira Alves: «Voto o acórdão, mas não perfilho o paralelismo acolhido entre o Art.º 106º nº 2 e 104º nº 1 do C.I.R.E., daí que, salvo melhor opinião, não possa concluir-se pela impossibilidade de o administrador recusar o cumprimento, quando o contrato-promessa é meramente obrigacional, ainda que tenha ocorrido tradição da coisa. Assim, recusado o cumprimento, aplica-se o regime geral do Art.º 102º nº 3, sem prejuízo do direito de retenção, havendo tradição da coisa. Restringiria, por isso, a garantia ao valor do crédito que resultasse da aplicação do critério definido no citado nº 3 do Art.º 102º do C.I.R.E». - Do Exmo Conselheiro Fonseca Ramos: «Não acompanho o trecho da fundamentação quando se afirma que, em relação ao promitente vendedor declarado insolvente, "se verifica uma imputabilidade reflexa" causal da insolvência, considerando o comportamento (ilícito) do promitente vendedor na origem reflexa do processo falimentar, porque, desde logo, a insolvência pode ter sido fortuita - arts. 185º e 189º, nº 1, do CIRE. Ligar o incumprimento do contrato promessa à opção (lícita) do administrador da insolvência em cumprir ou não cumprir o contrato em curso, contraria a opção potestativa daquele - art. 102º, nº 1 do CIRE - ope legis desligada da atuação do insolvente, não sendo tal opção compaginável com o disposto nos arts. 798º e 799º do Código Civil. A recusa do administrador da insolvência em executar o contrato promessa de compra e venda em curso de execução, em que era promitente-vendedor o ora insolvente, não exprime incumprimento de tal contrato mas "reconfiguração da relação", tendo em vista a especificidade do processo insolvencial, não sendo aqui aplicável o normativo do art. 442º, nº 2, do Código Civil - "incumprimento imputável a uma das partes" - que pressupõe um juízo de censura em que se traduz o conceito de culpa, neste caso ficcionando que a parte que incumpre seria o administrador da insolvência na veste do promitente ora insolvente». - Do Exmo Conselheiro Sebastião Póvoas: «(…) Daí o ser notório que o legislador quis ver excluído o regime do artigo 442.º do Código Civil nos contratos-promessa de compra e venda, ao contrário do que acontecia no diploma anterior. E, como consequência, deixa de ter aplicação a alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º daquele Código. Neste segmento acompanhamos o Acórdão do STJ de 14 de junho de 2011 - 6132/08.OTBBRG-J.G1.S1 - de relato do M.º Conselheiro Fonseca Ramos onde se afirma: "Assim, não sendo aplicável na insolvência o artigo 442.º, n.º 2, do Código Civil, desde logo não dispõe o promitente-comprador do direito de retenção nos termos do artigo 755.º, n.º 1, f) do Código Civil." Porém, o Dr. Gravato de Morais (in "Promessa Obrigacional de Compra e Venda com Tradição da Coisa e Insolvência do Promitente Vendedor" apud, "Cadernos de Direito Privado", 29, 9 e ss) aceita, nestes casos, a admissibilidade do direito de retenção. Mas, e como acenei, o citado n.º 2 do artigo 106.º, do CIRE, com remissão em 2.º grau para o também citado artigo 102.º, estabelece um regime autónomo de regulação das consequências da recusa de cumprimento da promessa de contrato sem eficácia real, "maxime" quanto à indemnização, a tornar inaplicável o artigo 442.º do Código Civil. 4 - Por isso entendo que não existe o direito de retenção previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º já que este pressupõe a indemnização/aplicação do último preceito citado».
38. Cfr. Direito das garantias, 2017, 2ª ed., Almedina, pp.380/382.
39. cfr. Ac. do STJ de 24/05/2016 (Relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt.
40. A traditio exigida para que se constitua o direito de retenção nos termos do art. 755º, n.º 1, al. f) do CC reclama apenas a detenção material lícita da coisa, não sendo necessário, para esse efeito, uma posse - cfr. Ac. da RC de 15-01-2013 (relator Henrique Antunes) e Ac. da RP de 25/10/2016 (relator Rui Moreira), ambos disponíveis in www.dgsi.pt
41. Cfr. Voto de vencida da Exma Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, no citado AUJ n.º 4/2014.
42. Cfr. Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, 3ª ed., Coimbra, 1993, 120.
43. Cfr., entre outros, Acs. do STJ de 3/10/2016 (relator Júlio Gomes), 29/07/2016 (relator Júlio Gomes), 14-10-2014 (Relator João Camilo) e de 25 /11/2014 (Relator Fernandes do Vale), Ac. da RP de 25/10/2016 (relator Rui Moreira), Ac. RC de 02/02/2016 (Relatora Maria Catarina Gonçalves), Ac. da RC de 08-09-2015 (Relatora Maria Domingas Simões), Ac RC 3/11/2015 (relator Jorge Arcanjo), todos consultáveis in www.dgsi.pt.
44. Cfr. Ac. RG de 23/02/2017 (relator Fernando Fernandes Freitas), in www.dgsi.pt.