Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JORGE BISPO | ||
Descritores: | ALCOOLÍMETRO SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 05/08/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIMENTO PARCIAL | ||
Sumário: | I) O regime legal previsto nas Portarias nºs 1556/2007, de 10 de Dezembro, e 902-8/2007, de 13 de Agosto, não exige que os alcoolímetros quantitativos, destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise de ar alveolar expirado, exibam o teor de álcool no ar expirado acusado, nem que o talão por eles emitido indique esse teor e o respetivo fator de conversão em teor em álcool no sangue, bastando a exibição e a indicação do valor deste último, resultante da conversão daquele, automaticamente efetuada pelo aparelho.
II) A suspensão do processo penal é uma decisão do Ministério Público, consubstanciando-se na possibilidade de, não obstante a verificação dos pressupostos jurídico-criminais da acusação, poder decidir-se pela suspensão provisória do processo mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta e após essa suspensão determinar o arquivamento dos autos. III) A decisão do Ministério Público a determinar a suspensão ou a rejeitá-la, porque não se trata de um despacho judicial, não é suscetível de recurso nos termos dos artºs 399º e 97º do CPP, apenas sendo impugnável através de reclamação hierárquica, pelo interessado. IV) Por outro lado, a omissão do Ministério Público quanto à não aplicação da suspensão provisória do processo, ou pelo menos, ao não diligenciar por ela, também não é suscetível de consubstanciar qualquer nulidade insanável, por não ser como tal cominada em nenhuma disposição legal nem fazer parte do elenco do artº 119º do CPP, mormente a falta de promoção do processo penal, prevista na al. b), uma vez que não é disso que se trata, sendo certo que as nulidades estão sujeitas ao princípio da legalidade (artº 118º, nº 1 do CPP). | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em audiência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO 1. No presente processo especial, sob a forma sumária, com o NUIPC 59/16.9PTVRL, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, pelo Juízo Local Criminal de Vila Real - J1 (anterior Secção Criminal da Instância Local), foi o arguido M. A. submetido a julgamento e, a final, condenado por sentença proferida oralmente e depositada a 29-07-2016, pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos arts. 292º, n.º 1, e 69º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, com subordinação a regime de prova, bem como na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos a motor, por um período de 6 (seis) meses. 2. Não se conformando com o assim decidido, o arguido interpôs o presente recurso, requerendo, ao abrigo do disposto no art. 411º, n.º 5, do Código de Processo Penal, a realização de audiência, com vista a nela serem debatidos os seguintes pontos: a suspensão provisória do processo, a não verificação dos elementos objetivos e subjetivos do tipo e a escolha da pena e a determinação da medida desta. Após convite efetuado para o efeito, já que a motivação as não continha, o recorrente formulou as seguintes conclusões (transcrição) [1]: «PRIMEIRA CONCLUSÃO O recorrente discorda da douta sentença sob recurso, fundamentalmente por três razões distintas, cada uma delas bastante para, por si só, conduzir à anulação de tal sentença, e a saber: a) Não ter sido aplicado o instituto da suspensão provisória do processo; b) Ter sido considerado que se tinham verificado os elementos objetivos e subjetivos do crime pelo qual o arguido foi condenado, o que não sucedeu; c) Quanto à escolha e à medida da pena que, na decorrência da condenação do arguido, foi aplicada a este; SEGUNDA CONCLUSÃO O crime pelo qual o arguido foi condenado, ou seja, o crime previsto e punido pelos artigos 69.º-1-a) e 292.º, ambos do Código Penal (CP), sendo, como é, punível com uma pena de prisão (abstrata) até um ano ou com pena de multa até 120 dias, admite a suspensão provisória do processo, a que alude o artigo 281.º, do CPP, por força do corpo do número 1 de tal norma legal, sendo essa figura aplicável também em processo sumário (artigo 384.º-1, do CPP). TERCEIRA CONCLUSÃO Tendo o Ministério Público, e por força do comandado nos artigos 281.º, 282.º e 384.º-1, todos do CPP, o poder/dever, se não de aplicar tal figura, pois que isso não depende exclusivamente dele, pelo menos de diligenciar pela aplicação dela. QUARTA CONCLUSÃO O que, no caso sub-iudicio, não sucedeu, e sem que o Ministério Público tenha fundamentado, minimamente que tenha sido, tal não aplicação. QUINTA CONCLUSÃO Em face dessa omissão do Ministério Público poderia o arguido, se estivéssemos, que não estávamos, no âmbito de um processo comum, requerer, ao abrigo da possibilidade conferida pelo comandado no artigo 287.º, do CPP, a abertura da instrução, em sede da qual seria ainda legalmente possível a suspensão provisória do processo, obtida que fosse a concordância do Ministério Público (artigo 307.º-2, do CPP), possibilidade de abertura da instrução esta que não existe no processo especial que o processo sumário é, por tal abertura não estar, como não está, prevista na tramitação do processo sumário. SEXTA CONCLUSÃO Pelo que, no processo sumário, não poderá deixar de competir ao juiz do julgamento desempenhar, no que a esta temática da suspensão provisória do processo tange, as funções que o artigo 307.º-2, do CPP, atribui ao juiz da instrução, por isso resultar, de certa maneira, do artigo 384.º-1, do CPP, que se refere aliás a juiz de instrução, mas também por aplicação analógica do já atrás mencionado artigo 307.º-2, do mesmo CPP. SÉTIMA CONCLUSÃO Pelo que não tendo o Ministério Público, nem o juiz de julgamento, promovido, como não promoveram, e sem que para isso tenham dado, como não deram, qualquer motivo, peticiona-se a V. Exas. que supram tal não conhecimento por parte das autoridades judiciárias da 1ª instância da questão da suspensão provisória do presente processo, concedendo ao arguido tal suspensão provisória, muito embora apenas subsidiariamente, relativamente à pretensão principal do arguido no presente recurso, pretensão principal essa que consiste na absolvição dele arguido. OITAVA CONCLUSÃO Passando-se agora à não verificação dos elementos objetivos e subjetivos do crime em causa, ou seja, do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, começar-se-á por dizer que a aliás douta sentença sob recurso fundamentou-se, para condenar, como condenou, o arguido nas penas de 4 meses de prisão e da proibição de condução de quaisquer veículos a motor por um período de 6 meses, no que à matéria fáctica tange, apenas e unicamente em ter considerado, como considerou, provados os seguintes factos (sic) [2]: “Elementos objectivos e subjectivos do ilícito imputado ao arguido: 1. No dia 18/07/2016, pelas 20h18m, o arguido conduzia na Rua Comissão Permanente do Circuito de Vila Real, Vila Real, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …, apresentando uma T.A.S., de 1,224 gr./l. II. FUNDAMENTAÇÃO 1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente (cf. art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal), não podendo o tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso [6]. No presente recurso, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, pela ordem da precedência lógica das respetivas consequências, são as seguintes: a) - A impugnação da matéria de facto dada como provada (conclusões 8ª a 31ª), quer quanto à verificação do elemento objetivo do tipo relativo à taxa de álcool no sangue (conclusões 13ª a 23ª), quer quanto à verificação dos elementos subjetivos (conclusões 24ª a 31ª). b) - A aplicação do instituto da suspensão provisória do processo (conclusões 2ª a 7ª). c) - A escolha e a medida da pena principal (conclusões 32ª a 37ª). d) - A medida da pena acessória de proibição de conduzir (conclusão 38ª). 2. DA SENTENÇA RECORRIDA 2.1 - O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição): «Elementos objetivos e subjetivos do ilícito imputado ao arguido: 1. No dia 18/07/2016, pelas 20h18m, o arguido conduzia na Rua Comissão Permanente do Circuito de Vila Real, Vila Real, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …, apresentando uma T.A.S. de 1,224 gr./l. 2. O arguido agiu livre, lúcida e deliberadamente, com intenção de conduzir na via pública o veículo em estado de embriaguez, não obstante saber que havia voluntariamente ingerido bebidas alcoólicas em excesso, e, assim, não era possuidor da necessária destreza e atenção para o exercício do ato de conduzir, com consciência de que a sua conduta é proibida e punida por lei. Condições pessoais do arguido: 3. Encontra-se casado, residindo com uma companheira numa casa arrendada, pagando uma renda mensal no montante de € 400,00. 4. Aufere uma pensão de reforma no montante mensal de € 440.00, enquanto a sua companheira aufere o subsídio social de desemprego. 5. Por sentença, transitada em julgado em 15/06/2004, proferida em 24/03/2004, nos autos que correram termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real sob o n.º 50/02.2GTVRL, foi condenado pela prática em 10/02/2002, em concurso efetivo, de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181.º e 184.º do Código Penal e de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º do Código Penal, na pena única de 180 dias de multa, à razão diária de € 5,00, mostrando-se esta pena extinta, conforme decisão proferida em 28/11 2006. 6. Por sentença, transitada em julgado em 15/07/2004, proferida em 15/07/2004, nos autos que correram termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real sob o n.° 456/03.OTAVRL, foi condenado pela prática em 08/08/2002, de um crime de desobediência, e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 60 dias de multa, à razão diária de € 3,00, mostrando-se esta pena extinta, conforme decisão proferida em 04/04/2006. 7. Por sentença, transitada em julgado em 16/07/2007, proferida em 04/10/2006, nos autos que correram termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Chaves sob o n.º 556/05.1GTVRL, foi condenado pela prática em 05/12/2005, em concurso efetivo, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 69º, n.º 1, alínea a), e 292º, do Código Penal e de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, do Código Penal, na pena única de 140 dias de multa, à razão diária de € 5,00 e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses, mostrando-se estas pena extintas, conforme decisão proferida em 22/04/2009. 8. Por sentença, transitada em julgado em 07/02/2008, proferida em 08/01/2008, nos autos que correram termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Chaves sob n.º 394/04.9GTVRL, foi condenado pela prática em 18/07/2004, em concurso efetivo, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 69º, n.º 1, alínea a), e 292º, do Código Penal e de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena única de 170 dias de multa, à razão diária de € 5,00 e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 8 meses, mostrando-se estas penas extintas, conforme decisão proferida em 07/06/2011. 9. Por sentença, transitada em julgado em 13/04/2012, proferida em 14/11/2011, nos autos que correram termos no Tribunal Judicial de Vila Pouca de Aguiar sob o n.º 88/11.9GTVRL, foi condenado pela prática em 06/04/2011, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 12 meses, mostrando-se estas penas extintas, conforme decisão proferida em 15/05/2013.» 2.2 - Quanto a factos não provados, consta da sentença recorrida que (transcrição): «Não existem factos não provados com relevo para a boa decisão da causa.» 2.3 - É do seguinte teor da motivação da decisão de facto (transcrição): «Para formar a sua convicção sobre a matéria de facto provada e não provada, o Tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida. No que tange aos factos provados n.ºs 1 a 2, o Tribunal teve em ponderação as declarações do arguido, conjugadas com o depoimento da testemunha F. S. (agente da P.S.P., responsável pela ação de fiscalização do arguido, tendo elaborado o auto de fls. 4-5), o talão de fls. 3, o auto de notícia de fls. 4-5, a notificação de fls. 10 e o certificado de fls. 13. Com efeito, o arguido reconheceu que nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas no facto provado n.º 1 se encontrava a conduzir o aludido veículo ligeiro de passageiros, o que se mostra em consonância com o auto de notícia de fis. 4-5 e foi confirmado pela testemunha F. S.. No entanto, apesar de ter reconhecido que ingeriu bebidas alcoólicas, o arguido refutou que apresentasse a T.A.S. evidenciada pelo talão de fls. 3. Neste concernente, é consabido que a quantificação da taxa de álcool no sangue (T.A.S.) só pode ser feita por analisador ou alcoolímetro quantitativo [7], devidamente homologado e calibrado, ou por análise de sangue (cfr. artigos 153.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Código da Estrada, 1.º, 2.º e 4.º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio), tratando-se, assim, de uma prova vinculada. Isto posto, o arguido foi sujeito a um teste qualitativo (vulgo “teste do balão”), acusando a presença de álcool, como o próprio arguido reconheceu e foi confirmado pela testemunha F. S., após o que foi submetido a um teste quantitativo num aparelho da marca “Drager”, modelo “7110 MKIII P” (cuja certificação e verificação decorre do certificado de fls. 13), do qual resultou que apresentava uma T.A.S. de 1,33 gr/l (como se extrai do talão de fls. 3), não tendo o arguido se socorrido da faculdade de requerer a realização de contraprova que lhe assistia, apesar de ter sido notificado por escrito de tal possibilidade, bem como das demais informações a que alude o artigo 153.°, n.º 2, do Código da Estrada (conforme resulta da notificação de fls. 10). Sendo assim, constata-se ter sido observado todo o formalismo legalmente imposto, mormente pelos artigos 153.°, n.°s 1 e 2, do Código da Estrada e 1.°, n.ºs 1 e 2 e 2.°, n.º 1, do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, sendo admissível a utilização desse meio de prova. Por outro lado, a quantificação expressa no teste qualitativo, de que o arguido se socorreu para colocar em causa a T.A.S. que lhe era imputada, não apresenta relevo prático, pois, como vimos, o legislador apenas atribuiu relevância ao analisador alcoolímetro quantitativo ou à análise de sangue. A este juízo conclusivo não obsta, ao contrário do que propugna a defesa, a circunstância do auto de notícia de fls. 4-5, na esteira do talão de fls. 3, não expressar a concreta T.A.E. (v.g. o teor de álcool no ar expirado), apesar do artigo 3º, n.º 1, do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros (aprovado pela Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro), prever que “a indicação dos alcoolímetros deve ser expressa em miligrama por litro — mg/l, de teor de álcool no ar expirado — TAE“, pois tal exigência prende-se tão-somente com as características de conceção do aparelho, mas para efeitos de leitura do resultado obtido, os alcoolímetros devem “usar a unidade de leitura em gramas de álcool por litro de sangue (TAS) segundo o fator de conversão do teor de álcool no sangue fixado no n.º 3 do artigo 81.º do Código da Estrada" [8], de acordo com o qual [9], “a conversão dos valores do teor de álcool no ar expirado (TAE) em teor de álcool no sangue (TAS) é baseada no princípio de que 1 mg de álcool por litro de ar expirado é equivalente a 2,3 g de álcool por litro de sangue”, sendo também obrigatório que o aparelho possua um “(...) afixador alfanumérico que exiba a taxa de álcool no sangue do examinando (TAS) [10] “, bem como “ter acoplada impressora que emita talão, que contenha a taxa de álcool presente" [11] e todas estas exigências se mostram observadas, atendendo ao talão de fls. 3. No entanto, para se apurar a concreta T.A.S. apresentada pelo arguido é necessário fazer intervir o desconto de 5% pressuposto pelo artigo 170.º, n.° 1, al. b), do Código da Estrada (na redação introduzida pela Lei n.º 72/2013, de 3 de Setembro), por referência à Tabela Anexa à Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, relativamente à T.A.S. constante do talão de fls. 3, ainda que aquele preceito se reporte diretamente às contraordenações, atendendo à necessidade de uma interpretação harmónica do sistema [12], o que nos reconduz à indicada T.A.S. de 1,224 gr/l. De igual modo, atendendo a que um homem médio, colocado na posição do arguido, ao atuar do modo descrito, teria representado e querido as consequências da sua conduta, nos termos indicados no facto provado n.º 2, considerou-se provada essa materialidade. No que tange aos factos provados n.s 3 a 9, consideraram-se as declarações do arguido, relativas às suas condições pessoais, que nesta sede não suscitaram reservas. Por outro lado, atendeu-se ao C.R.C. de fls. 14-18 (valorado nos termos previstos no artigo 169.º do C.P.P.), que contém o registo de diversas condenações que ainda não deveriam ter sido canceladas, ao contrário do que sustenta a defesa, por no decurso dos prazos previstos nos artigos 11.º, n.º 1, al. a) e b), da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto e 11.º, n.º 1, al. a) e b), da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, ter ocorrido uma condenação ulterior, como ressalvam esses normativos.» 3. APRECIAÇÃO DO RECURSO 3.1 - Da impugnação da matéria de facto Alega o recorrente – conclusões 8ª a 31ª – que a prova produzida (testemunhal, declarações de arguido e documental) não permite dar como provados os factos vertidos nos pontos 1 e 2, integrantes dos elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime de condução de veículo em estado de embriaguez pelo qual foi condenado, devendo, pois, ser absolvido do mesmo. 3.1.1 - O recurso sobre a matéria de facto é, assim, estruturado com base na forma de impugnação ampla, traduzida na invocação de erro no julgamento, ao abrigo do art. 412º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, diploma a que pertencem os preceitos doravante citados sem qualquer referência. Tal erro resulta da forma como foi valorada a prova produzida e ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tenha sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. O erro de julgamento pressupõe que a prova produzida, analisada e valorada, não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada nos termos em que o foi. Nesta situação, o recurso visa a reapreciação da prova gravada em primeira instância, impondo-se a sua audição pelo tribunal de recurso. Os poderes de cognição deste último não se restringem ao texto da decisão recorrida (como acontece com os vícios previstos no art. 410º, n.º 2), alargando-se à apreciação do que contém e se pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, sempre delimitada pelo recorrente através do ónus de especificação previsto nos n.ºs 3 e 4 do art. 412º. O recorrente que pretenda impugnar amplamente a decisão sobre a matéria de facto deve cumprir o tríplice ónus de especificação previsto nas alíneas do n.º 3 do citado art. 412º, ou seja, especificar: a) - Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados. b) - As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. c) - As provas que devem ser renovadas (nos termos do art. 430º, n.º 1, apenas quando se verificarem os vícios da sentença e existam razões para crer que a renovação permitirá evitar o reenvio). A referida especificação dos concretos pontos de facto traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam na sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados, só se satisfazendo com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas provas impõem decisão diversa da recorrida [13]. Exige-se, pois, que o recorrente refira o que é que nesses meios de prova não sustenta o facto dado por provado ou como não provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe decisão diversa da recorrida, com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado. De acordo com o n.º 4 do art. 412º, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas al.s b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado em ata, nos termos do n.º 2 do art. 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, cabendo ao tribunal da relação proceder à audição e visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa (art. 412º, n.º 6). Ao recorrente é, assim, exigível que quando efetue a indicação concreta da sua divergência probatória, fazendo-o para os suportes onde se encontra gravada a prova, remeta para os concretos locais da gravação que suportam a sua tese [14]. O tribunal de recurso deve verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova apontados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa. No caso vertente, o recorrente indica, nas conclusões, terem sido incorretamente julgados os factos descritos no ponto 1 (na parte relativa à concreta taxa de álcool no sangue) e no ponto 2 (atinentes aos elementos subjetivos do tipo) da matéria de facto provada, alegando que, da totalidade da prova produzida, quer testemunhal e por declarações do arguido, cujas passagens da gravação identifica, quer documental (talão emitido pelo alcoolímetro), não resulta que tais factos se possam considerar provados, pelas razões que explicita, devendo, pois, ser dados como não provados. Mostra-se, assim, cumprido o ónus de especificação previsto nas als. a) e b) do n.º 3 do art. 412º, pelo que cumpre apreciar a impugnação daquela matéria de facto. 3.1.2 - Quanto ao teor de álcool no sangue (TAS) dado como provado (1,224 g/l, resultante da aplicação do valor do erro máximo admissível ao teor de 1,33 g/l acusado), alega o recorrente que foi submetido a um exame de pesquisa de álcool no ar expirado, através de aparelho (alcoolímetro) adequado e destinado a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado, usualmente designada por TAE, sendo que do auto de notícia e do talão emitido por aquele aparelho não resulta qual foi este último teor, mas apenas o TAS, que não é aquilo que o aparelho em causa tem possibilidades técnicas de medir nem, por isso, mediu. Mais alega que, embora o art. 3º, n.º 2, da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de dezembro, preveja a possibilidade de os alcoolímetros apresentarem uma indicação suplementar em gramas por litro do TAS, essa indicação não dispensa a indicação principal ou essencial, obrigatória por lei, em miligramas por litro do teor de álcool no ar expirado (TAE), bem como a indicação do respetivo fator de conversão. Assim, sustenta o recorrente que, não constando dos autos o TAE que apresentava nem o fator de conversão utilizado para se chegar ao TAS dado como provado, não é possível saber qual a verdadeira taxa de álcool no sangue que ele apresentava, concretamente se era igual ou superior a 1,2 g/l e, consequentemente, se cometeu o crime em causa, para além de que, de acordo com o art. 8º da referida portaria, o valor do erro máximo admissível que deve ser aplicado é variável em função do TAE e não do TAS, como foi feito. Vejamos se lhe assiste razão. Nos termos do art. 2º do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela citada Portaria n.º 1556/2007, os alcoolímetros são instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado. Dispõe o n.º 1 do art. 3º do mesmo diploma que "a indicação dos alcoolímetros deve ser expressa em miligrama por litro - mg/l, de teor de álcool no ar expirado - TAE". Porém, o n.º 2 desse artigo prevê que "os alcoolímetros podem apresentar uma indicação suplementar em grama por litro - G/l, de teor de álcool no sangue - TAS, desde que evidenciem o respetivo factor de conversão". Note-se que este fator está legalmente previsto no art. 81º, n.º 4 [15], do Código da Estrada, segundo o qual "a conversão dos valores do teor de álcool no ar expirado (TAE) em teor de álcool no sangue (TAS) é baseada no princípio de que 1 mg de álcool por litro de ar expirado é equivalente a 2,3 g de álcool por litro de sangue." Por seu turno, a Portaria n.º 902-B/2007, de 13 de agosto, que fixa os requisitos a que devem obedecer os analisadores quantitativos para deteção dos estados de influenciado por álcool, na Secção I, Capítulo I, dispõe o seguinte: "1.º Os analisadores quantitativos são instrumentos de medição da concentração da massa de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado (TAE). 2.º Os aparelhos definidos no número anterior devem obedecer às seguintes características: A - Características técnicas: a) Cumprir os requisitos metrológicos e técnicos definidos no Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros; b) Usar a unidade de leitura em gramas de álcool por litro de sangue (TAS) segundo o factor de conversão do teor de álcool no sangue fixado no n.º 3 do artigo 81.º do Código da Estrada; B - Características gerais: a) Possuir afixador alfanumérico que exiba a taxa de álcool no sangue do examinando (TAS) ou os motivos pelos quais não a pode determinar; b) Ter acoplada impressora que emita talão, que contenha a taxa de álcool presente e ainda o número sequencial de registo, identificação do aparelho, data e hora da realização do teste; c) Ser alimentados por corrente eléctrica alternada de 220 volts e contínua de 12 volts; C - Características físicas - permitir o seu fácil transporte pelo operador e conter de forma legível e indelével as indicações seguintes: a) Marca; b) Modelo; c) Número de série; d) Identificação do fabricante; e) Unidade de leitura; f) Factor de conversão (TAE/TAS)." Sendo inquestionável que a leitura feita pelos alcoolímetros é do teor de álcool no ar expirado, pois é isso que os mesmos analisam, e de, consequentemente, a sua indicação dever ser expressa nesse termos (cf. art. 3º, n.º 1, da Portaria n.º 1556/2007), ao invés do que pressupõe o recorrente, do mencionado regime legal não resulta a obrigatoriedade de os alcoolímetros indicarem, no seu afixador alfanumérico e no talão que emitem, o TAE resultante da análise feita. Com efeito, o n.º 2 daquele artigo prevê a possibilidade de os alcoolímetros apresentarem uma indicação suplementar de TAS, desde que evidenciem o respetivo fator de conversão. Significa isto que é o próprio aparelho a proceder à conversão do TAE por si diretamente medido em TAS, com base num fator de conversão que está legalmente previsto no art. 81º, n.º 4, do Código da Estada. Porém, em parte alguma se exige que o alcoolímetro, no afixador alfanumérico e no talão exiba e indique, para além do TAS, também o TAE. Contrariamente ao que faz crer o recorrente, não se pode retirar essa obrigatoriedade da utilização da palavra "suplementar" no texto legal, porquanto esse adjetivo também tem o significado de "que pode suprir ou preencher uma falta" [16]. Sendo a indicação do TAS suplementar e resultando da conversão, automaticamente feita pelo próprio aparelho, de acordo com um fator de conversão que o mesmo terá de evidenciar, não faria sequer sentido a obrigatoriedade da indicação também do TAE, por ser desnecessária. Nem para aplicação do valor do erro máximo admissível, que é variável em função do TAE, se torna necessária a indicação deste último, conforme sustenta o recorrente, uma vez que, para o efeito, basta proceder à operação inversa, ou seja, converter o TAS exibido pelo alcoolímetro e indicado no talão em TAE, por aplicação do critério de conversão que, como referimos, está legalmente previsto. Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29-04-2015 [17], o quadro anexo a que faz referência o art. 8º do referido Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros define os valores dos erros máximos admissíveis em função de determinados intervalos de teor de álcool no ar expirado. Assim, a primeira operação a realizar consistirá na conversão da taxa de álcool no sangue medida pelo alcoolímetro em taxa de álcool no ar expirado, a fim de ser determinado o intervalo aplicável, conversão que deve obedecer ao princípio estabelecido no art. 81º, n.º 4, do Código da Estrada. Assim se compreende que a mencionada Portaria n.º 902-B/2007 apenas exija que os analisadores quantitativos utilizados na medição da concentração de massa de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado (TAE) usem a unidade de leitura em gramas de álcool por litro de sangue (TAS) segundo o facto de conversão fixado no n.º 4 do art. 81º do Código da Estada e que possuam um afixador alfanumérico que exiba a taxa de álcool no sangue do examinando, e já não o teor de álcool no ar expirado. Por fim, ao invés do que também pressupõe o recorrente, o fator de conversão não tem de constar do talão emitido pelo alcoolímetro nem do auto de notícia, mas sim do próprio aparelho, conforme resulta das características físicas dos analisadores quantitativos, exigidas no transcrito item C, Secção I, Capítulo I, da Portaria n.º 902-B/2007, cuja al. f) se reporta à indicação do fator de conversão de TAE em TAS. Além disso, o art. 9º, n.º 1, da própria Portaria n.º 1556/2007, refere que "os alcoolímetros devem apresentar, de forma visível e legível, as indicações seguintes, inscritas em local e definir em cada modelo no respetivo despacho de aprovação de modelo: (…) h) Factor de conversão, se aplicável". Já quanto aos registos da medição, ou seja, ao talão emitido pelo aparelho, o n.º 2 do mesmo artigo apenas exige que contenham, além de outros elementos, "a marca, o modelo e o número de série do alcoolímetro, assim como a data da última verificação", o que se mostra respeitado pelo talão junto a fls. 3, sendo certo que, de acordo com o teor do certificado de verificação de fls. 13, emitido pelo Instituto Português da Qualidade, o alcoolímetro em apreço encontrava-se devidamente certificado, na sequência de aprovação obtida na última verificação metrológica, realizada em 27-07-2015, ou seja, há menos de um ano, conforme imposição do art. 7º, n.º 2, da mesma portaria. Em suma, o regime legal previsto nas Portarias n.ºs 1556/2007, de 10 de dezembro, e 902-B/2007, de 13 de agosto, não exige que os alcoolímetros quantitativos, destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado, exibam o teor de álcool no ar expirado acusado, nem que o talão por eles emitido indique esse teor e o respetivo fator de conversão em teor de álcool no sangue, bastando a exibição e a indicação do valor deste último, resultante da conversão daquele, automaticamente efetuada pelo aparelho. Assim, nada obstava a que o tribunal a quo considerasse como demonstrada a taxa de álcool no sangue de 1,224 g/l constante do ponto 1 dos factos provados, pelo que, nesse aspeto, nenhuma censura merece a decisão sobre a matéria de facto. 3.1.3 - Por outro lado, quanto à matéria levada ao ponto 2 dos factos provados, relativa aos elementos subjetivos do crime de condução em estado de embriaguez, o recorrente alega que da totalidade da prova produzida (testemunhal, declarações de arguido e documental) não resulta demonstrada a existência da culpa, quer na forma dolosa, mormente o dolo direto que a sentença recorrida lhe imputa, quer na forma negligente, mais alegando que da própria acusação não constam os factos integrantes da totalidade dos elementos intelectual e volitivo do dolo (conclusões 24ª a 31ª). O referido ponto 2 dos factos provados tem o seguinte teor: "O arguido agiu livre, lúcida e deliberadamente, com intenção de conduzir na via pública o veículo em estado de embriaguez, não obstante saber que havia voluntariamente ingerido bebidas alcoólicas em excesso, e, assim, não era possuidor da necessária destreza e atenção para o exercício do ato de conduzir, com consciência de que a sua conduta é proibida e punida por lei." O que se lê na sentença recorrida, na parte relativa à motivação da decisão sobre esses factos, é que, «atendendo a que um homem médio, colocado na posição do arguido, ao actuar do modo descrito, teria representado e querido as consequências da sua conduta, nos termos indicados no facto provado n.º 2, considerou-se provada essa materialidade.» Para o preenchimento do tipo objetivo do crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, n.º 1, do Código Penal, é suficiente a condução de veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/l. Trata-se de um crime de perigo abstrato, não se exigindo a colocação em perigo do bem jurídico, que é a segurança das comunicações ou da circulação na perspetiva rodoviária, tutelando ainda indiretamente a vida, a integridade física e o património de outrem, verificando-se uma presunção inilidível de perigo associada àquela conduta típica. A própria ação em si é considerada perigosa, uma vez que, atendendo aos efeitos perturbadores que a ingestão de bebidas alcoólicas provoca ao nível das reações, a condução rodoviária sob a sua influência torna-se mais perigosa, porque suscetível de desencadear acidentes que poderão envolver terceiros. Está-se igualmente perante uma infração de mera atividade, em que o que se pune é simplesmente o facto de o agente se ter disposto a conduzir na via pública sob o efeito do álcool. Sendo o crime punível quer a título de dolo, quer a título de negligência, aliás com idêntica moldura legal, o tipo subjetivo admite qualquer modalidade de dolo ou negligência. Estaremos perante um crime doloso quando o agente, tendo consciência do estado de embriaguez em que se encontra, mesmo assim, exerce a condução. Pertencendo à vida interior do agente e tendo, por isso, natureza subjetiva, o dolo é insuscetível de ser apreendido diretamente, podendo, no entanto, a sua existência ser captada através de factos materiais comuns, nomeadamente o preenchimento dos elementos do tipo legal de crime, podendo ainda ser integrado por recurso a presunções ligadas à lógica, racionalidade e normalidade dos comportamentos humanos, bem como lançando mão das regras da experiência comum. O dolo é uma forma de realização do ilícito típico que, psicologicamente, se traduz no conhecimento e vontade de realização de um tipo legal de crime. É, em síntese, a expressão de uma atitude pessoal contrária ou indiferente ao dever ser jurídico-penal [18]. O dolo compõe-se de três elementos: - a representação, previsão ou conhecimento dos elementos do tipo de crime (elemento intelectual); - a vontade de realização daqueles elementos do tipo objetivo (elemento volitivo); - e a atitude ou consciência da ilicitude (elemento emocional). Por seu lado, para além das duas formas mais clássicas de manifestação da culpa (dolo direto e dolo necessário), prevê a lei penal uma terceira, cujos contornos nem sempre são fáceis de balizar: o dolo eventual. O dolo direto verifica-se quando o agente prevê e tem como fim a realização de um facto criminoso (art. 14º, n.º 1, do Código Penal). O dolo necessário, previsto no n.º 2 do mesmo artigo, existe quando o agente sabe que, como consequência de uma conduta que resolve empreender, realizará um facto que preenche um tipo legal de crime, não se abstendo, apesar disso, de levar a cabo tal conduta. Por fim o dolo eventual, formulado no n.º 3 do citado artigo, abrange os casos em que o agente previu o resultado como consequência possível da sua conduta, não se abstendo porém de a empreender, e conformando-se com a produção do resultado. A realização do facto é prevista como mera consequência possível ou eventual da conduta, atuando o agente sem confiar em que aquele se não produziria. É, assim, suficiente para a configuração do ilícito em apreço, a título de dolo, que o agente represente como possível que tenha uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l e, aceitando essa mesma possibilidade, assume a condução do veículo. Porém, para que haja dolo no crime de condução em estado de embriaguez não se exige que o agente tenha consciência do teor exato da taxa de álcool no sangue, taxa essa cuja quantificação é desconhecida a priori e de impossível quantificação por convencimento pessoal. Necessário é apenas que o agente tenha consciência de que ingeriu bebidas alcoólicas e que a taxa respetiva – a apurar somente por métodos científicos ou técnicos e com quantificação previamente desconhecida e impossível – tem um significado normativo claro, traduzido em se encontrar sob o efeito do álcool e que a condução nesse estado é proibida e punida por lei. Ou seja, ao agir dessa forma, o agente não pode ter deixado de admitir como possível que a quantidade de álcool que ingerira o faria incorrer no ilícito criminal em causa. Por outras palavras, para afirmar o dolo é essencial ver o facto como realidade normativa e não como realidade naturalística [19]. Por seu lado, a negligência do tipo consiste na violação do dever objetivo de cuidado, ocorrendo quando o agente conduzir o veículo em estado de embriaguez sem ter consciência do estado em que se encontra. Nos termos do disposto no art. 15º do Código Penal, para esta modalidade de imputação subjetiva basta que o agente não proceda com o cuidado, a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, representando como possível a realização do facto típico, mas atuando sem se conformar com essa realização (negligência consciente) ou não chegando sequer a representar a possibilidade de realização do facto (negligência inconsciente). Assim, a negligência verifica-se sempre que o agente, colocando a possibilidade de ter atingido valores elevados de alcoolemia, que ultrapassam o limite estabelecido por lei, parte do princípio de que tal não terá acontecido, ou quando nem sequer coloca a possibilidade de ter atingido tais valores. No caso vertente, da audição da prova produzida em audiência, designadamente as declarações integrais do próprio arguido, identificadas nas conclusões, resulta que este admitiu ter ingerido bebidas alcoólicas em momento imediatamente anterior ao exercício voluntário da condução em cujo âmbito foi fiscalizado pela GNR, mais concretamente meia garrafa de vinho, acrescentando que também comeu uma patanisca, sendo que não comia há 24 horas. Tais factos, aliados ao concreto valor do teor de álcool no sangue dado como provado (1,224 g/l) permitem, por recurso às regras da normalidade dos comportamentos humanos e da experiência comum, configurar a totalidade dos elementos subjetivos do crime de condução em estado de embriaguez na forma dolosa, designadamente os elementos intelectual e volitivo do dolo. Com efeito, apesar da impossibilidade de qualquer pessoa conhecer a taxa de álcool no sangue que detém sem fazer um teste adequado para o efeito, o certo é que quem ingere bebidas alcoólicas sabe que se torna portador de álcool no sangue e que a respetiva taxa será tanto mais alta quanto maior for a quantidade de bebidas alcoólicas ingeridas. Assim, o arguido, ao admitir ter ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução, para mais na quantidade e nas circunstâncias por ele referidas, está obviamente a reconhecer que não desconhecia ser portador de álcool no sangue, ainda que, como é natural, não tivesse consciência da taxa concreta que apresentava. Acresce a circunstância de, em face do valor acusado, não ter sequer requerido a realização de contraprova, para o que foi notificado (cf. fls. 10), o que é suscetível de evidenciar a consciência de haver ingerido bebidas alcoólicas em quantidade suficiente para acusar uma taxa de alcoolemia superior à permitida por lei no exercício da condução. Ou seja, da prova produzida, conjugada com as regras da experiência comum e da lógica, resulta que o arguido tinha consciência de se encontrar influenciado pelo álcool, admitindo pelo menos como possível, atenta a concreta taxa de álcool que apresentava, que a quantidade de álcool que ingeriu excedia o limite permitido por lei para o exercício da condução, com o que se conformou, querendo conduzir o veículo automóvel na via pública nesse estado, o que, inequivocamente integra a figura do dolo eventual, na medida em que o agente representou o facto e, pelo menos, aceitou realizá-lo. Por seu lado, o conhecimento do carácter proibido da conduta do infrator é do conhecimento do homem médio, até de qualquer pessoa, e portanto, também do arguido, atentas as suas concretas condições pessoais dadas como provadas. O que, no entanto, já não se torna possível concluir com a necessária segurança, em face da prova produzida e, particularmente, do valor da taxa de álcool no sangue apresentada (1,224 g/l), que apenas por 0,04 g/l excede o valor a partir do qual a conduta constitui crime (1,20 g/l), é que o arguido tivesse agido com a intenção de conduzir o veículo na via pública, sabendo que apresentava uma taxa igual ou superior ao referido valor de 1,20 g/l, ou seja, que tenha atuado com dolo direto, isto é, com intenção de realizar o facto criminoso, conforme resulta da redação dada ao ponto 2 dos factos provados. Consequentemente, nessa parte, procede o recurso, impondo-se alterar parcialmente a redação do ponto 2 dos factos provados, que passa a ter o seguinte teor: “O arguido agiu livre, lúcida e deliberadamente, com intenção de conduzir na via pública o veículo, não obstante saber que havia voluntariamente ingerido bebidas alcoólicas em quantidade suscetível de lhe provocar uma taxa de álcool no sangue superior ao limite permitido por lei no exercício da condução, com o que se conformou, com consciência de que a sua conduta era proibida e punida por lei”. Por fim, refira-se não assistir razão ao recorrente quando invoca que da acusação não constava a totalidade dos elementos subjetivos do crime, concretamente os relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo. Com efeito, quando substituiu a apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia, o Ministério Público aditou a este os factos de o arguido "saber que havia voluntariamente ingerido bebidas alcoólicas em excesso e que, assim, não era portador, da necessária destreza e atenção para o exercício do ato de conduzir" e "agiu livre, lúcida e deliberadamente, com intenção de conduzir na via pública o veículo em estado de embriaguez", os quais integram, respetivamente, aqueles elementos do dolo. 3.2 - Da aplicação do instituto da suspensão provisória do processo Subsidiariamente (para o caso de não ser absolvido na decorrência da impugnação da matéria de facto), alega o recorrente, nas conclusões 2ª a 7ª, que, em face da omissão do Ministério Público, ao não ter diligenciado pela aplicação da figura da suspensão provisória do processo, sem fundamentar sequer tal não aplicação, não poderá deixar de competir ao juiz do julgamento desempenhar, no que a esta temática tange, as funções que o art. 307º, n.º 2, atribui ao juiz da instrução. Assim, não tendo o Ministério Público nem o juiz de julgamento promovido a aplicação do referido instituto, o recorrente peticiona que este Tribunal da Relação supra esse não conhecimento por parte das autoridades judiciárias da primeira instância da questão da suspensão provisória do processo, concedendo-lha. Analisemos, pois, a questão, nos termos em que nos é colocada. 3.2.1 - Ao consagrar o instituto da suspensão provisória do processo, o legislador manifestou o entendimento de que, dentro de certos parâmetros, que definiu, a tutela do bem jurídico pode ser suficientemente salvaguardada através da aplicação de medidas de natureza processual, privilegiando soluções de consenso e evitando submeter o arguido a julgamento, assim evitando os efeitos socialmente estigmatizantes deste, e respeitando, simultaneamente, o princípio constitucional da intervenção mínima do direito penal. Como se pode ler na fundamentação do acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 16/2009 do STJ [20], «Na figura da suspensão provisória de processo penal convergem, na perspetiva do ponto de vista substantivo, a introdução de medidas de diversão (diversão com intervenção) e consenso na solução do conflito penal relativamente a situações de pequena e média criminalidade, para cuja consagração concorrem tanto razões de funcionalidade do sistema de justiça penal como de prossecução imediata de objetivos do programa político-criminal substantivo. A suspensão provisória do processo é, assim, um arquivamento condicionado ao prévio cumprimento de regras e injunções.» O art. 281.º, com a epígrafe “Suspensão provisória do processo”, estabelece que: “1 - Se o crime for punível com pena de prisão não superior a 5 anos ou com sanção diferente da prisão, o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina, com a concordância do juiz de instrução, a suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta, sempre que se verificarem os seguintes pressupostos: a) Concordância do arguido e do assistente; b) Ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza; c) Ausência de aplicação anterior de suspensão provisória de processo por crime da mesma natureza; d) Não haver lugar a medida de segurança de internamento; e) Ausência de um grau de culpa elevado; e f) Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir.” Esta norma, juntamente com o art. 282º, constituem o regime regra, para as quais remetem as demais situações de suspensão provisória do processo previstas no Código de Processo Penal. Relativamente ao processo sumário, como é a situação dos presentes autos, dispõe o art. 384º o seguinte: “1 - Nos casos em que se verifiquem os pressupostos a que aludem os artigos 280.º e 281.º, o Ministério Público, oficiosamente ou mediante requerimento do arguido ou do assistente, determina, com a concordância do juiz de instrução, respetivamente, o arquivamento ou a suspensão provisória do processo. 2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, o Ministério Público pode interrogar o arguido nos termos do artigo 143.º, para efeitos de validação da detenção e libertação do arguido, sujeitando-o, se for caso disso, a termo de identidade e residência, devendo o juiz de instrução pronunciar-se no prazo máximo de 48 horas sobre a proposta de arquivamento ou suspensão. 3 - Se não for obtida a concordância do juiz de instrução, é correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 5 e 6 do artigo 382.º, salvo se o arguido não tiver exercido o direito a prazo para apresentação da sua defesa, caso em que será notificado para comparecer no prazo máximo de 15 dias após a detenção. 4 - Nos casos previstos no n.º 4 do artigo 282.º, o Ministério Público deduz acusação para julgamento em processo abreviado no prazo de 90 dias a contar da verificação do incumprimento ou da condenação.” Como resulta inequivocamente destes preceitos, quer durante o inquérito (no processo comum), quer no caso de processo sumário, a decisão de suspensão provisória do processo é da exclusiva competência do Ministério Público, dependendo da verificação cumulativa dos pressupostos referidos nas diversas alíneas do n.º 1 do art. 281º e da concordância do juiz de instrução, concordância esta imposta pelo facto de a suspensão provisória do processo implicar a imposição ao arguido de injunções e de regras de conduta cuja aplicação é exclusiva da função jurisdicional. Como resulta dos arts. 263º, n.º 1, e 267º, o inquérito é da titularidade do Ministério Público, nele intervindo o juiz de instrução só quando está em causa a prática de atos de natureza jurisdicional, tal como se prevê nos arts. 17º e 268º. Sendo um instrumento processual de diversão e consenso, que pretende evitar a dedução da acusação e a realização do julgamento, cuja decisão compete ao Ministério Público, não faz sentido que a suspensão provisória do processo não esteja na sua titularidade e sob o seu controlo, enquanto titular da ação penal. Salvo na fase de instrução (cf. art. 307º, n.º 2), a iniciativa da aplicação do referido instituto nunca parte do juiz (seja de instrução, seja de julgamento), apenas lhe estando reservado o papel, enquanto juiz de instrução, de dar a sua concordância se se verificarem todos os requisitos exigidos nas várias alíneas do n.º 1 do art. 281º. A iniciativa dessa decisão é inquestionavelmente do Ministério Público, como titular da ação penal e enquanto dominus do inquérito, como, aliás, resulta claramente da letra da lei ao referir, nos art.s 281º, n.º 1, e 284º, n.º 1, que o Ministério Público “determina … a suspensão provisória do processo”, dependendo, pois, da sua decisão a aplicação desse instituto. Embora o processo sumário não comporte uma fase de inquérito e não seja admissível a instrução, na sua tramitação é possível distinguir duas fases: uma fase preliminar ou fase pré-judicial, sob o domínio do Ministério Público, que se desenrola até à remessa dos autos para julgamento, e uma fase judicial, que se inicia com a apresentação do detido ao juiz para julgamento. É durante essa fase preliminar que o Ministério Público pode efetuar e ordenar diligências, nomeadamente, se o entender conveniente, interrogar sumariamente o arguido (art.s 382º, n.ºs 2 a 4, e 384º, n.º 2). Sendo aplicável ao processo sumário a disposição do art. 281º, é também nessa fase preliminar que o Ministério Público poderá optar por propor a suspensão provisória do processo, de acordo com o estabelecido no art. 384.º, n.º 1, ou, não se verificando os respetivos pressupostos, remeter os autos para julgamento em processo sumário. Decorre dos citados arts. 384.º, n.º 1 e 281.º, n.º 1, que o Ministério Público deve obrigatoriamente ponderar a aplicação da suspensão provisória do processo antes de acusar em processo sumário. Assim, se o Ministério Público verificar, nesta fase pré-judicial, que se encontram reunidos todos os pressupostos legais, previstos no artigo 281º, de aplicação da suspensão provisória do processo, promoverá a aplicação do instituto, se o arguido, o assistente e o juiz de instrução concordarem. Esta possibilidade não é um poder discricionário do Ministério Público, na medida em que está sujeita à verificação dos pressupostos elencados no art. 281º, n.º 1, e, verificados que estejam tais pressupostos, impende sobre o Ministério Público o poder/dever de determinar a suspensão provisória do processo, embora com a concordância do juiz de instrução. Com as alterações introduzidas no Código de Processo Penal pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, o regime legal consagrado no n.º 1 do artigo 384º tem em vista a aplicação da suspensão provisória do processo na fase pré-judicial do processo sumário, ou seja, antes de iniciada a fase da audiência de julgamento, conforme resulta da remissão que o art. 384º, n.º 3, no caso de não ser obtida a concordância do juiz de instrução, faz para o art. 382º, n.º 5. Enquanto que até essa alteração legislativa a competência para determinar a suspensão provisória do processo competia ao juiz, na própria fase de audiência de julgamento, atualmente a competência para suspender provisoriamente o processo sumário é do Ministério Público. A esse respeito, escreveu-se na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 77/XII, que esteve na base da referida revisão do Código de Processo Penal de 2013, o seguinte: "A possibilidade de o instituto do arquivamento em caso de dispensa de pena e da suspensão provisória do processo ter lugar nos casos de detenção em flagrante delito é agora regulada por forma a esclarecer que, nesses casos, não há início da fase judicial do julgamento sumário, já que a sua tramitação é incompatível com esta forma processual. É ao Ministério Público, enquanto titular da ação penal, que compete decidir, em primeira linha, sobre a oportunidade da suspensão provisória do processo, competindo-lhe também, necessariamente, a fiscalização do cumprimento das injunções e regras de conduta, pelo que, nestes casos, o processo deve manter-se na sua titularidade." (sublinhados nossos). No caso dos presentes autos, o Ministério Público não exerceu esse poder vinculado nem apresentou qualquer justificação para tal. Alega o recorrente que o Ministério Público deveria ter exercido o poder/dever de, se não de aplicar a figura da suspensão provisória do processo, por isso não depender exclusivamente de si, pelo menos de diligenciar pela sua aplicação. Não o fez, seguramente, por ter em atenção que não estava preenchido o pressuposto exigido pela al. b) do n.º 1 do art. 281º, o que se tornava evidente face ao teor do certificado de registo criminal do arguido, pois que este já havia anteriormente sofrido duas condenações pelo mesmo tipo de crime do em apreço nos autos (condução em estado de embriaguez), o que, por outro lado, associado aos restantes antecedentes criminais, por outros tipos de ilícito, sempre seria apto a concluir pela não verificação do pressuposto da al. f) (ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção do caso concreto). Como vimos, essa suspensão do processo penal é uma decisão do Ministério Público, consubstanciando-se na possibilidade de, não obstante a verificação dos pressupostos jurídico-criminais da acusação, poder decidir-se pela suspensão provisória do processo mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta e após essa suspensão determinar o arquivamento dos autos. A decisão do Ministério Público a determinar a suspensão ou a rejeitá-la, porque não se trata de um despacho judicial, não é suscetível de recurso nos termos dos art.s 399º e 97º, apenas sendo impugnável através de reclamação hierárquica, pelo interessado. Com efeito, apenas as decisões dos tribunais, isto é, dos juízes, são sindicáveis por via de recurso. Apesar da referida obrigatoriedade da suspensão provisória do processo pelo Ministério Público quando estiverem reunidos os demais requisitos, isso não coloca a sua decisão sob controlo jurisdicional. Sendo o Ministério Público uma magistratura hierarquizada, o meio próprio para se reagir contra as suas decisões será a reclamação hierárquica. Por outro lado, a apontada omissão do Ministério Público, ao não aplicar a suspensão provisória do processo ou, pelo menos, ao não diligenciar por ela, também não é suscetível de consubstanciar qualquer nulidade insanável, por não ser como tal cominada em nenhuma disposição legal nem fazer parte do elenco do art. 119º, mormente a falta de promoção do processo penal, prevista na al. b), uma vez que não é disso que se trata, sendo certo que as nulidades estão sujeitas ao princípio da legalidade (art. 118º, n.º 1). Nem tão pouco se verifica qualquer nulidade dependente de arguição, prevista no art. 120º, n.º 2, a qual, a existir, sempre estaria sanada, por não ter sido suscitada pelo arguido logo no início da audiência, nos termos do art. 120º, n.º 3, al. d), nem uma mera irregularidade, prevista no art. 123º, que carecia de ter sido arguida pelo interessado no próprio ato ou, não tendo assistido a ele, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiver sido notificado para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado, o que o recorrente não fez. Saliente-se que o arguido não formulou, antes do início da audiência, como poderia ter feito, nos termos art.º 384º, requerimento a pedir a suspensão provisória do processo, pelo que, tendo o Ministério Público optado por apresentá-lo a tribunal para julgamento, sendo essa uma decisão da sua competência, não foi omitida a prática de nenhum ato legalmente obrigatório. Por outro lado, contrariamente ao que o recorrente defende, a iniciativa da aplicação da suspensão provisória do processo não poderia ter partido do juiz de julgamento, por a lei ter reservado essa decisão ao Ministério Público, não sendo, por isso, caso de proceder à pretendida aplicação analógica do art. 307º, n.º 2, relativo à fase de instrução. Também não se verifica, pois, qualquer vício pelo facto de o Exmo. Juiz a quo, em sede de julgamento em processo sumário, não ter diligenciado pela suspensão provisória do processo, pelo que, neste aspeto, nada há a censurar à decisão recorrida. Por último, nenhum sentido faz, como peticiona o recorrente, que seja agora, este Tribunal da Relação, a suprir o conhecimento dessa questão, decretando a suspensão provisória do processo, o que manifestamente lhe está vedado fazer. Na verdade, salvo os casos restritos das questões de conhecimento oficioso, os recursos visam apenas sindicar as decisões recorridas e não criar novas decisões sobre matérias ou questões novas que não foram suscitadas ou conhecidas pelo tribunal recorrido. A jurisprudência é pacífica no sentido de que a missão do tribunal de recurso é a de apreciar se uma questão decidida pelo tribunal de que se recorreu foi bem ou mal decidida e extrair daí as consequências atinentes; o tribunal de recurso não pode pronunciar-se sobre questão nova, salvo se isso for cometido oficiosamente pela lei. Note-se que, a respeito da questão da suspensão provisória do processo, o arguido, na sua contestação verbalmente apresentada no início da audiência, limitou-se a manifestar a sua opinião de que deverá haver um limite temporal para as condenações anteriores que impedem a aplicação daquele instituto nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 281º, bem como a invocar a inconstitucionalidade desta norma. O tribunal a quo pronunciou-se sobre essa questão, a título prévio, entendendo que, não tendo o arguido requerido a suspensão provisória do processo nem o Ministério Público a determinado oficiosamente, não apresenta relevo prático indagar se estavam ou não reunidos os pressupostos positivos e negativos previstos no art. 281º ou conhecer da propalada inconstitucionalidade, por o juiz não poder suprir a ausência de consenso dos outros sujeitos processuais quanto à suspensão provisória do processo ou apreciar a conformidade constitucional de preceito que não aplica no caso concreto, motivo pelo qual considerou prejudicada a apreciação das questões suscitadas pela defesa. Sucede que o recorrente não se insurgiu contra esse segmento da decisão recorrida, pelo que não nos cabe agora sindicá-la. Com efeito, como já deixámos expresso e resulta das conclusões 2ª a 7ª, o recorrente limita-se a invocar a omissão do Ministério Público e do juiz de julgamento no sentido de promoverem a suspensão provisória do processo e a peticionar que este Tribunal da Relação, suprindo esse não conhecimento da questão, lhe conceda tal suspensão, o que, como vimos, nos está vedado fazer. Pelo exposto, improcede a questão em apreço. 3.3 – Da escolha e da medida da pena principal Nas conclusões 32ª a 37ª, o recorrente discorda da pena de 4 meses de prisão fixada pela primeira instância, defendendo que a mesma excede as necessidades de prevenção geral e especial e a medida da culpa, pelo que o tribunal a quo deveria ter dado preferência à pena de multa, por esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, dessa forma violando o disposto nos arts. 40º, n.ºs 1 e 2, 70º, 71º, n.ºs 1 e 2, e 292º do Código Penal. Em conformidade, pugna pela fixação dessa pena no mínimo legal (10 dias), à taxa diária de € 5, ou, caso assim não se entenda, pela redução da pena de prisão para um mês e meio. Alega para o efeito e em síntese que, embora já tenha sido condenado anteriormente pela prática do mesmo tipo de crime do em apreço nestes autos, não se pode daí inferir que as penas aplicadas não lograram alcançar as finalidades da punição, pois já passaram muitos anos sobre tais condenações, que se reportam a factos praticados ainda há mais tempo, bem como que está integrado na sociedade. Vejamos se lhe assiste razão: 3.3.1 – Em face do exposto a propósito da apreciação da questão da impugnação da matéria de facto, é pacífico ter o recorrente incorrido na prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, n.º 1, e 69º, n.º 1, al. a), do Código Penal. Não ocorrendo qualquer circunstância que, nos termos do artigo 72º do mesmo código, permita a atenuação especial da pena, a moldura penal abstrata correspondente a esse crime é de prisão de 1 mês a 1 ano ou multa de 10 a 120 dias (art.s 292º, n.º 1, 41º, n.º 1, e 47º, n.º 1, todos do Código Penal). Em termos de escolha da pena, dispõe o art. 70º do Código Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa da liberdade e pena não privativa da liberdade, o tribunal dará preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Segundo o art. 40º, n.º 1, do mesmo diploma, tais finalidades são, por um lado, de prevenção especial de ressocialização, visando a reintegração do agente na sociedade e prevenindo-se a prática de futuros crimes, atendendo-se a diversas variáveis como por exemplo a conduta, a idade, a vida familiar e profissional e os antecedentes do agente, e, por outro, de prevenção geral ou de integração, que, dirigida à satisfação da consciência coletiva com o objetivo de repor a conformidade para com o direito, procura restabelecer a confiança da comunidade na validade da norma infringida, tendo em conta diversos índices, como a frequência e o espaço em que o crime ocorre e o sentimento que está a provocar na comunidade. Assim, pela prevenção geral (positiva de integração) faz-se apelo à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado e procura-se garantir o restabelecimento da confiança da comunidade na efetiva defesa da norma violada. Por seu lado, pela prevenção especial pretende-se obter a ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa). No entanto, a prevenção especial não é um valor absoluto, mas duplamente limitado pela culpa e pela prevenção geral: pela culpa já que a pena não pode ser superior à medida da culpa (art. 40º, n.º 2, do Código Penal); e pela prevenção geral porque esta dita o limite máximo correspondente à garantia da manutenção da confiança da comunidade na efetiva tutela do bem violado e na dissuasão dos potenciais prevaricadores. Com efeito, a prevenção geral positiva, que é o fim mais importante que atualmente se atribui às penas, visa, desde logo, “a criação de um sentimento de confiança no sistema, por parte da população em geral. A segurança das pessoas resulta também da convicção de que o direito é mesmo para ser respeitado. Mas, numa perspectiva de prevenção geral positiva, a pena tem ainda um efeito pedagógico. O auto-refreamento de eventuais solicitações para o crime que assaltem os não delinquentes é compensado com a satisfação moral de não se sofrer qualquer pena, facto contraposto à pena que se vê aplicada ao delinquente. Finalmente, assinala-se à prevenção geral positiva, um efeito de coerência lógica: a coercibilidade do direito em geral, e do direito penal, em particular, impõe que o desrespeito das respectivas normas tenha consequências efectivas.” [21] 3.3.2 - Neste segmento do recurso está em causa a escolha da pena de prisão, em detrimento da pena de multa, opção essa que o tribunal a quo fundamentou com base na moderada gravidade da taxa de álcool no sangue apresentada pelo recorrente, no facto de este não ter denotado arrependimento, revelando uma postura de vitimização, sem capacidade de autocrítica, e na circunstância de possuir oito condenações anteriores, duas delas pela prática do mesmo tipo de ilícito, tendo-lhe já sido aplicada uma pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução, o que tudo inculca exigências acrescidas de prevenção especial. 3.3.2.1 - Contrapõe o recorrente, por um lado, que embora já tenha sido condenado anteriormente pela prática do tipo de crime em causa nestes autos, não se pode daí inferir que as penas aplicadas não lograram alcançar as finalidades da punição, por já terem passado muitos anos sobre tais condenações e ainda mais sobre a prática dos respetivos factos. Com efeito, à data dos factos em apreço nos autos, o arguido já tinha sofrido as seguintes condenações: - em 24-03-2004, na pena única de 180 dias de multa, pela prática, em 10-02-2002, de um crime de injúria agravada e de um crime de ameaça; - em 15-07-2004, na pena de 60 dias de multa, por um crime de desobediência, cometido em 08-08-2002; - em 04-10-2006, na pena única de 140 dias de multa, pela prática, em 05-12-2005, de um crime de condução em estado de embriaguez e de um crime de desobediência; - em 08-01-2008, na pena única de 170 dias de multa, por um crime de condução em estado de embriaguez e um crime de ameaça, praticados em 18-07-2004; - em 14-11-2011, na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, pela prática, em 06-04-2011, de um crime de desobediência. É indiscutível que no plano das exigências de prevenção especial, para além dos dois crimes de condução em estado de embriaguez, relevam igualmente os restantes seis ilícitos pelos quais o arguido também já foi anteriormente condenado, violadores de bens jurídicos distintos. Conclui-se, pois, que o arguido tem vindo regularmente a cometer ilícitos criminais (em 2002, 2004, 2005 e 2011), de diferente natureza e tipologia, demonstrando que as anteriores punições em pena de multa e, a última, em pena de prisão suspensa na sua execução, não se revelaram suficientes para o afastar da criminalidade, mormente incorrendo na prática de um crime do mesmo tipo pelo qual já tinha sofrido duas condenações. E nem o facto de estas terem ocorrido em 2004 e 2005, ou seja 11 e 12 anos antes dos factos agora em análise, merece a relevância que o recorrente lhe atribui, na medida em que, nesse entretempo, não se manteve fiel ao direito, cometendo, em 2011, outro crime, que, embora de diferente natureza, revela insensibilidade e indiferença perante o teor admonitório das condenações anteriores, para mais tratando-se de uma desobediência a submissão ao teste de pesquisa de álcool no sangue. Note-se que a condenação por este último ilícito apenas transitou em julgado em 13-04-2012, pelo que a pena suspensa apenas se extinguiu um ano depois, ou seja, em momento temporal já relativamente próximo da prática dos factos destes autos, o que acentua as exigências de prevenção especial. 3.3.2.2 - Alega também o recorrente que se encontra integrado na sociedade. Porém, esse fator de integração não encontra respaldo nos factos provados, onde, a nível das condições pessoais, apenas consta que o recorrente é casado, reside com a companheira em casa arrendada e aufere uma pensão de reforma, sendo antes infirmado pelo passado criminal do mesmo. Com efeito, não se vislumbra a integração social de quem, desde 2002, tem vindo a cometer sucessiva e regularmente vários ilícitos criminais, mais concretamente oito, um deles inclusivamente punido com pena de prisão suspensa na sua execução, o que não foi suficiente para evitar o cometimento de novo crime, por sinal, do mesmo tipo legal de dois daqueles. Em suma, conclui-se que o recorrente tem demonstrando uma censurável indiferença perante as condenações que tem sucessivamente sofrido, sem ressonância na sua personalidade e nos comportamentos subsequentes. As penas de multa e a pena de prisão suspensa que lhe foram aplicadas revelaram-se ineficazes para o dissuadir do cometimento de novos crimes, o que evidencia avultadas exigências de prevenção especial, cuja satisfação claramente não fica acautelada com a aplicação de outra pena de multa, que correria o risco de se converter em mais uma das várias penas dessa natureza que o recorrente tem vindo a pagar episodicamente, nos últimos anos, sem o desejável efeito ressocializador. A pena não detentiva não apresenta, pois, potencialidades para realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, na vertente da prevenção especial. Mostra-se, pois, inteiramente justificada e correta a opção do tribunal a quo pela pena de prisão, como forma de levar o arguido a afastar-se da prática de novos crimes, com vista à sua ressocialização. Por outro lado, a medida concreta da pena encontrada (4 meses, numa moldura de 1 mês a 1 ano) apresenta-se como equilibrada, evidenciando ter sido determinada mediante uma correta valoração dos critérios estabelecidos no art. 71º do Código Penal atendíveis no caso, ou seja, respeitando a medida da culpa e sem baixar a um nível que pusesse em causa o mínimo imprescindível às exigências de prevenção geral positiva, acentuadas pela frequência com que se verifica este tipo de crime, refletindo uma correta ponderação da concreta taxa de álcool no sangue (muito próxima do limiar a partir do qual a condução sob o efeito do álcool é criminosa), da atuação com dolo (ainda que eventual, como resultou da alteração introduzida) e da inserção familiar. Nessa perspetiva, a pena de 1 mês e 15 dias propugnada subsidiariamente pelo recorrente, apresenta-se como absolutamente inadequada e insuficiente para acautelar as necessidades preventivas, quer de prevenção especial, quer de prevenção geral. Em conclusão, a decisão recorrida não violou os critérios de escolha e determinação da pena, enunciados nos invocados art.s 40º, n.ºs 1 e 2, 70º e 71º do Código Penal, tendo igualmente sido respeitado o princípio da proporcionalidade na graduação da pena, ínsito no art. 18º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. Pelo exposto, nessa parte, nada há a censurar à decisão recorrida. 3.4 - Da medida da pena acessória de proibição de conduzir Por fim, na conclusão 38ª insurge-se o recorrente contra a medida da pena acessória de proibição de conduzir aplicada pela primeira instância. 3.4.1 - A prática do crime de condução em estado de embriaguez, pelo qual o recorrente foi condenado, para além de pena principal (de prisão ou multa) é ainda sancionada com proibição de conduzir veículos com motor por um período entre 3 meses e 3 anos (art. 69º, n.º 1, al. a), do Código Penal). No caso vertente, o tribunal recorrido fixou essa pena acessória em 6 meses, quantitativo contra o qual se insurge o recorrente, considerando-o exagerado e desnecessário para cumprir as finalidades preventivas, pugnando pela sua redução para o limite mínimo. A referida sanção inibitória tem natureza de pena acessória, como resulta claramente do texto do citado artigo, da sua inserção sistemática e do elemento histórico [22], traduzindo-se numa censura adicional pelo crime praticado. Quanto às suas finalidades, refere Figueiredo Dias [23] que, “se (…) pressuposto material de aplicação desta pena deve ser que o exercício da condução se tenha revelado, no caso, especialmente censurável, então essa circunstância vai elevar o limite da culpa do (ou pelo) facto. Por isso à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa (…). Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano”. A pena em apreço tem, assim, uma função preventiva adjuvante da pena principal, sendo a sua finalidade a intimidação da generalidade e dirigindo-se ainda à perigosidade do agente. Muito embora distintas nos seus pressupostos, quer a pena principal quer a acessória assentam num juízo de censura global pelo crime praticado. Daí que para a determinação da medida concreta de uma e de outra se imponha o recurso aos critérios estabelecidos no art. 71º do Código Penal. Nos termos deste preceito, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele. Essa culpabilidade não se confunde com a intensidade do dolo ou a gravidade da negligência, sendo antes um juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal. Por seu lado, o requisito relativo às exigências de prevenção remete-nos para a realização in casu das finalidades da pena. São as exigências de prevenção geral que hão de definir a chamada moldura da prevenção, em que o limite máximo da pena corresponderá à medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar e o limite inferior será aquele que define o limiar mínimo de defesa do ordenamento jurídico, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa aquela sua função tutelar. Dentro dessa moldura da prevenção geral, cabe à prevenção especial (por regra, positiva ou de (res)socialização, mas que no caso será de advertência individual ou de inocuização) determinar a medida concreta. Essa determinação em função da satisfação das exigências de prevenção obriga à valoração de circunstâncias atinentes ao facto (modo de execução, grau de ilicitude, gravidade das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, conduta do agente anterior e posterior ao facto, etc.) e alheias ao facto, mas relativas à personalidade do agente (manifestada no facto), nomeadamente as suas condições económicas e sociais, a sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado, etc. 3.4.2 – Posto isto, vejamos o caso concreto: São muito fortes as exigências de prevenção relativas ao crime de condução em estado de embriaguez, não só porque se trata de uma conduta muito frequente, mas também porque é, reconhecidamente, uma das principais causas da elevada sinistralidade rodoviária em Portugal, com devastadoras consequências a nível económico, social, familiar e pessoal. Continua, pois, a sentir-se uma particular necessidade de combater essa sinistralidade. Acresce que, nos delitos de tráfego automóvel, à pena acessória de proibição de conduzir é, muitas vezes, associado um efeito mais penalizante do que à pena principal de multa (que os infratores pagam sem grandes inconformismos) ou de prisão suspensa na sua execução (que é vista até como menos onerosa que aquela). Daí que a pena acessória seja encarada como um importante instrumento para restabelecer a confiança da comunidade na validade da norma infringida com o cometimento do crime de condução em estado de embriaguez. Assim, a medida ótima de tutela do bem jurídico e das expectativas comunitárias aponta para uma elevação dos limites da moldura da prevenção geral. Por seu turno, a medida da culpa, que serve de limite absoluto à pena a aplicar, há de ser aferida pelos fatores elencados no art. 71º, n.º 2, do Código Penal e que têm a ver, quer com os factos praticados, quer com a personalidade do agente que os cometeu. Quanto aos primeiros, haverá que ter em consideração todas as circunstâncias que caracterizam a gravidade da violação jurídica cometida (o dano, material ou moral, causado pela conduta e as suas consequência típicas, o grau de perigo criado nos casos de tentativa e de crimes de perigo, o modo de execução do facto, o grau de conhecimento e a intensidade da vontade nos crimes dolosos, a reparação do dano pelo agente, o comportamento da vítima, etc.). Quanto à personalidade do agente, haverá que atender às condições pessoais, situação económica, capacidade para se deixar influenciar pela pena (sensibilidade à pena), falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, e conduta anterior e posterior ao facto [24]. Ora, se é certo que, no crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez, o desvalor da ação é de pouca monta (por isso se integra no vasto universo da pequena criminalidade), não pode ser desvalorizado o grau de perigo criado com essa conduta, atento o interesse tutelado (a segurança da circulação rodoviária). Sendo a condução automóvel, em si, já uma atividade perigosa, sê-lo-á muito mais quando exercida por quem, por ter ingerido bebidas alcoólicas em excesso, não está em condições de o fazer. Esta é uma conduta que, por colocar frequentemente em causa valores de particular relevo, como a vida, a integridade física e o património, se reveste de acentuada perigosidade. É justamente essa perigosidade que se visa prevenir com a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir. Uma vez que tal perigosidade é tanto maior quanto maior for o grau de alcoolemia detetado no condutor, a taxa de álcool no sangue há de constituir um fator relevante na determinação da medida da pena acessória. No caso vertente, o recorrente exercia a condução de um veículo ligeiro de passageiros, na via pública, apresentando uma taxa de álcool no sangue de 1,224 g/l, ou seja praticamente coincidente com o limite mínimo (1,20 g/l), tendo sido, pois, pequeno o grau de perigosidade criada com o exercício da condução nessas condições. No entanto, não sendo o crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez exclusivamente doloso, podendo ser cometido por negligência, in casu, importante para o doseamento da pena acessória em apreço é também o facto de o recorrente ter agido dolosamente, como resulta de ter representado o facto e aceitado realizá-lo. Acrescem, com particular relevo, os antecedentes criminais do recorrente, que, entre outras, já sofreu duas condenações anteriores pelo crime de condução em estado de embriaguez e uma por um crime de desobediência por recusa de submissão ao teste de pesquisa de álcool, punidos com com pena acessória de proibição de conduzir pelos períodos de 3, 8 e 12 meses. Face ao exposto, afigura-se-nos que a medida agora fixada pela primeira instância em 6 meses se apresenta como necessária para se atingir o nível mínimo de verdadeira advertência penal, de modo a que a eficácia preventiva de tal pena não fique irremediavelmente afetada, pelo que só pode pecar por defeito. Apesar de não ser obrigatória uma relação de correspondência direta entre a medida da pena principal e a da pena acessória, no caso concreto a pena de prisão coincide com o primeiro terço da moldura abstrata, ao passo que a pena acessória foi estabelecida próximo do primeiro sexto. Em conclusão, também não se reconhece na decisão recorrida a invocada violação dos critérios de determinação da pena acessória, enunciados no art. 71.º do Código Penal, tendo sido respeitado o que resulta ainda dos art.s 40º e 69º, n.º1, al. a) do mesmo Código, bem como o princípio da proporcionalidade na graduação da pena, ínsito no art. 18º da Constituição da República Portuguesa, termos em que improcede este segmento do recurso. III. DISPOSITIVO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em: A) - Conceder parcial provimento ao recurso sobre a matéria de facto, alterando a redação do ponto 2 dos factos provados, que passa a ter o seguinte teor: "O arguido agiu livre, lúcida e deliberadamente, com intenção de conduzir na via pública o veículo, não obstante saber que havia voluntariamente ingerido bebidas alcoólicas em quantidade suscetível de lhe provocar uma taxa de álcool no sangue superior ao limite permitido por lei no exercício da condução, com o que se conformou, com consciência de que a sua conduta era proibida e punida por lei." B) - Confirmar, quanto ao mais, a sentença recorrida. Sem custas, atenta a parcial procedência do recurso (art. 513º, n.º 1, a contrario, do Código de Processo Penal). * * (Elaborado pelo relator e revisto por todos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP) * Guimarães, 08 de maio de 2017 (Jorge Bispo) (Pedro Miguel Cunha Lopes) (Fernando Monterroso) [1] - Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo gralhas evidentes e a ortografia utilizada, sendo a formatação da responsabilidade do relator. [2] - Vide a referência 29997655, do dia 29 de Julho de 2016, do histórico de atos processuais deste processo no sistema Citius (Sentença). [nota de rodapé da motivação do recurso] [3] - Não se faz qualquer referência à alínea c), do número 3, do artigo 412.º, do CPP, em virtude de não se pretender, como, no caso em análise, não se pretende, qualquer renovação das provas produzidas. [nota de rodapé da motivação do recurso] [4] - Que se encontra nos autos a páginas 4 e 5. [nota de rodapé da motivação do recurso] [5] - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência n.º 1/2015, de 20 de Novembro de 2014 (Rodrigues da Costa, processo número 17/07.4GBORQ.E2.A.S1), consultável in Coletânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 259, Ano XXII, Tomo III/2014, pp. 4 a 22, in www.dgsi.pt e in Diário da República, I série, n.º 18, de 27 de Janeiro de 2015, pp. 582 a 597. [nota de rodapé da motivação do recurso] [6] - Como sucede, nomeadamente, nos casos previstos nos art.s 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, e 410º, n.º 2, al.s a), b) e c), do Código de Processo Penal, e resulta do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série-A, de 28-12-1995. [7] - Diz-nos o artigo 1º da Portaria n.º 902-B/2007, de 13 de abril que os analisadores quantitativos, ou alcoolímetros, constituem instrumentos de medição da concentração da massa de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado - T.A.E. [nota de rodapé da sentença recorrida] [8] - Cfr. o artigo 2.º, A, al. b), da Portaria n.º 902-8/2007, de 13 de Abril. [nota de rodapé da sentença recorrida] [9] - Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 72/2013, de 3 de Setembro, na redação do artigo 81º do Código da Estrada, a remissão deve considerar-se como efetuada para o n.º 4, correspondente ao anterior n.º 3 desse preceito. [nota de rodapé da sentença recorrida] [10] - Cfr. o artigo 2º, B, al. a), da Portaria n.° 902-B/2007, de 13 de Abril. [nota de rodapé da sentença recorrida] [11] - Cfr. o artigo 2.º, B, al. b), da Portaria n.º 902-B/2007, de 13 de Abril. [nota de rodapé da sentença recorrida] [12] - Cfr. os Ac. do Trib. da Rel. do Porto de 15/01/2014, rel, Neto de Moura, proc. n.º 295/12.7SGPRT.P1 e de 15/01/2011, rel. Donas Botto, proc. n.º 57/13.4PDMAI.P1, o Ac. do Trib. da Rel. de Lisboa de 21/01/2011, rel. Jorge Gonçalves, proc. n.º 270/13.4PAAMD.L1-5, in www.dgsi.pt. [nota de rodapé da sentença recorrida] [13] - Cf. o acórdão do TRC proferido no processo nº 72/07.7JACBR.C1. [14] - Cf. o acórdão do TRC de 24-02-2010 (proc. 138/06.0GBSTR.C1), disponível em http://www.dgsi.pt. [15] - Correspondente ao anterior n.º 3 desse preceito, na redação anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 72/2013, de 03 de setembro. [16] - In https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/suplementar [consultado em 25-04-2017]. [17] - Proferido no processo n.º 58/14.5GBSRT.C1 e disponível em http://www.dgsi.pt. [18] - Cf. Figueiredo Dias, Direito Penal, policopiado, pág. 187. [19] - Cf., entre outros, o acórdão do TRE de 02-06-2015 (processo n.º 83/10.5GBCLD.L1-3), disponível em http://www.dgsi.pt. [20] - Publicado no Diário da Republica, 1ª Série - N.º 248, de 24 de dezembro de 2009. [21] - Souto de Moura, in “A jurisprudência do S.T.J. sobre fundamentação e critérios da escolha e medida da pena” – acessível em www.stj.pt/ficheiros/estudos/soutomoura_escolhamedidapena.pdf [22] - Atas da Comissão de Revisão do Código Penal, n.ºs 5, 8, 10 e 41. [23] - In Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, Aequitas Editorial Notícias, 1993, pág. 165. [24] - Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 245. |