Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
154/17.7T8VRL.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: VERIFICAÇÕES NÃO JUDICIAIS QUALIFICADAS
VALOR DE DEPOIMENTOS E PERÍCIAS PRODUZIDOS NOUTRO PROCESSO
DIREITO POTESTATIVO
CONSTITUIÇÃO DE SERVIDÃO DE PASSAGEM
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Na reapreciação da decisão de facto, enquanto instância de recurso, a Relação deverá formar a sua própria convicção, para o que lhe cumpre avaliar todas as provas carreadas para os autos, sem que esteja limitada pelas indicações dadas pelo recorrente e pelo recorrido.

II – A livre apreciação da prova pressupõe que o tribunal julgue segundo a sua convicção, que se forma, não obedecendo a regras e princípios legais preestabelecidos, mas pela influência que exerceram no seu espírito as provas produzidas, avaliadas segundo o seu juízo e a sua experiência.

III – As verificações não judiciais qualificadas, introduzidas neste C.P.C. como sucedâneo da inspecção judicial, são livremente apreciadas pelo Tribunal. Aplicando-se-lhes o disposto nos art.os 491.º a 493.º, as partes devem ser notificadas do dia e hora da verificação, para que possam exercer o direito de estarem presentes por si ou pelos seus advogados, e podem prestar os esclarecimentos ou chamar a atenção do técnico para factos com interesse para a resolução da causa. Da verificação é lavrado um auto no qual devem ser registados todos os elementos úteis para o exame e decisão da causa. Para além de fotografias e esboços que ajudem a transmitir a realidade verificada, deverão ainda ser referidas as circunstâncias em que as verificações tiveram lugar, as pessoas que estiveram presentes, os esclarecimentos ou observações que fizeram e tudo o mais que permita ao tribunal ajuizar do valor probatório da diligência.
IV - O art.º 421.º do C.P.C. atual reproduz com algumas alterações linguísticas o art.º 522.º do Cód. anterior, continuando, por isso, a poderem valorar-se num outro processo contra a mesma parte os depoimentos e as perícias produzidos num processo anterior com audiência contraditória, salvo se o regime de produção de prova no primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo, caso em que os depoimentos e perícias produzidos no primeiro só valem como princípio de prova no segundo, não sendo exigido que na primeira e na segunda ações haja identidade de partes.

V - Considerado o disposto nos artºs 1550º. e 1553º., do C.C., quem pretenda exercer o direito potestativo de constituição de uma servidão de passagem, deve alegar e provar: 1) que o seu prédio não tem comunicação com a via pública; 2) a situação e condições do seu prédio em relação à via pública mais próxima, especificando os incómodos e dispêndios que teria de suportar para estabelecer a comunicação entre ele e aquela via pública (necessário para se aferir da sua excessividade); 3) as características dos prédios que se interpõem entre o seu e a via pública, para se avaliar dos prejuízos que cada um irá ter de suportar com a constituição da servidão (a fim de se eleger aquele(s) por onde irá ser constituída a servidão, por ser(em) o(s) que sofre(m) menor prejuízo); 4) no prédio que virá a ser o serviente, quais os locais por onde poderá assentar a servidão (a fim de se eleger, dentre os possíveis, qual o local onde a servidão trará menores inconvenientes).

VI – Num primeiro momento a servidão legal é um direito potestativo que o seu titular tem de constituir coercivamente uma servidão sobre os prédios vizinhos, cujos titulares, recebendo, embora, uma indemnização, ficam sujeitos à constituição da servidão, sendo, assim, característica específica da servidão legal o facto de o proprietário do prédio dominante poder impor ao dono do prédio serviente, contra a vontade deste, a servidão que expressamente a lei prevê.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- A. C. e mulher M. C., residentes em …, freguesia de ..., concelho de ..., instauram ação declarativa comum contra:

- J. B. e mulher N. A., casados no regime da comunhão de adquiridos, moradores em .., freguesia e concelho do Peso da Régua;
- M. B., solteira, moradora na Rua da …, Peso da Régua, e
- C. A., solteira, moradora nos ..., concelho de ...;

Pedindo que se declare:

A) Que eles, Autores, são proprietários dos prédios rústicos descritos no 1º item, alíneas A) e B) da petição inicial;
B) Que tais prédios, constituindo duas unidades agrícolas, embora não se mostrem todos encravados, pois tanto o ..., como o conjunto dos seis que integram a unidade descrita em 1-B dispõem de acesso próprio - o primeiro, ao caminho público que liga Lobrigos ao Rodo, e o segundo, ao caminho de consortes que, vindo da estrada camarária de .., confronta diretamente com ele, na estrema sul do inscrito na matriz sob o artigo ...-A, e nas estremas sul e poente dos inscritos sob os artigos ... e ... – não têm qualquer forma de comunicação entre si, estando separados pela faixa de terreno localizada na estrema poente do prédio dos Réus, inscrito na matriz sob o artigo ...;
C) Que os referidos prédios dos Autores não dispõem de outro meio, através de terceiros, que seja mais curto, mais cómodo e o que menos dano causará aos Réus, de acederem uns aos outros, designadamente do ... ao ..., e vice-versa, senão através da faixa de terreno descrita no 3º item, localizada na estrema poente do prédio dos Réus, inscrito na matriz sob o artigo ...;
D) Que os referidos prédios dos Autores se encontram em situação que lhes permite requerer que seja decretada por ali a constituição de uma servidão de passagem a pé e de carro, com a largura de 3 m e comprimento de 30 m a favor dos prédios referidos no 1º item, condenando-se os Réus a reconhecê-lo, e a manterem a referida faixa sempre livre e desembaraçada de pessoas e bens, de modo a permitir, por ali, livremente, o trânsito a pé e de carro, num e noutro sentido, dos prédios descritos em 1.B, através da estrema norte do ..., como forma de acederem ao ... e deste até àqueles.
Alegam para o efeito que são proprietários das duas unidades agrícolas que identificam, tendo ambas acesso direto a vias públicas, mas que não existe acesso direto entre essas suas duas unidades agrícolas que permita aceder de uma à outra; que tal acesso de uma unidade agrícola à outra pode ser feito de forma mais cómoda e mais curta através de uma faixa de terreno de um prédio dos réus que identificam; pelo que requerem a constituição de uma servidão de passagem a onerar esse prédio dos Réus.
Regularmente citados, apenas o primeiro Réu contestou, arguindo a excepção de caso julgado, e alegando que não se verificam os requisitos para a constituição de uma servidão de passagem a onerar o seu prédio, não dando consentimento para o efeito, pelo que conclui pela improcedência da ação, a julgar já no despacho saneador.
A excepção de caso julgado foi oportunamente decidida, tendo sido julgada improcedente.

Os autos prosseguiram os seus termos, vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando a acção parcialmente procedente:

a) Declarou que os Autores são proprietários dos prédios rústicos descritos no 1º item, alíneas A) e B) da petição inicial.
b) Declarou que tais prédios, constituindo duas unidades agrícolas, embora não se mostrem todos encravados, pois tanto o ..., como o conjunto dos seis que integram a unidade descrita em 1-B dispõem de acesso próprio - o primeiro, ao caminho público que liga Lobrigos ao Rodo, e o segundo, ao caminho de consortes que, vindo da estrada camarária de .., confronta diretamente com ele, na estrema sul do inscrito na matriz sob o art. ...-A, e nas estremas sul e poente dos inscritos sob os artigos ... e ... – não têm qualquer forma de comunicação entre si, estando separados pela faixa de terreno localizada na estrema poente do prédio dos Réus, inscrito na matriz sob o artigo ....
c) Declarou que os referidos prédios dos Autores não dispõem de outro meio, através de terceiros, que seja mais curto e mais cómodo, de acederem uns aos outros, designadamente do ... ao ..., e vice – versa, senão através da faixa de terreno descrita no 3º item, localizada na estrema poente do prédio dos Réus, inscrito na matriz sob o artigo ....
d) Julgou improcedente o pedido formulado sob a alínea D) do petitório dos Autores, no sentido de que assiste aos Autores o direito de verem constituída uma servidão de passagem, a onerar o prédio dos Réus, com as legais consequências, dele absolvendo os Réus.

Inconformados, trazem os Autores o presente recurso pedindo a revogação da supra transcrita decisão, na parte em que julgu improcedente o "pedido principal" deduzido na alínea D), e a sua substituição por outra que condene os Réus nesse pedido.
Contra-alegaram os Réus propugnando para que se mantenha o decidido.
O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais, cumprindo decidir.
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II.- Os Apelantes/Autores formularam as seguintes conclusões:

1ª - Do elenco dos factos assentes e com vista à respetiva subsunção jurídica, deverão ter-se em conta os referidos nos itens de 1 a 6 e nas als B) e C) da douta sentença recorrida, em parte descritos, respetivamente, nos pontos I e II destas alegações, bem como o da al. C) supra-transcrita no ponto III, e o teor integral do 3° "pedido" formulado na p.i. sob al. C), porquanto tal pedido deverá proceder na totalidade, uma vez que a passagem em causa em nada prejudica os RR., sendo, pelo menos, por ali, que lhes causaria menor dano.
Cf, p.f, os itens-supra, X-11 e 12: I. R., do min. 03:37 ao 03:39, do 03:42 ao 03:46, do min. 06:56 ao 06:56, e do 07:20 ao 07:22 referindo que "ali não tinha nada, videiras, não tinha nada, aquilo era um estradão ... " "nem pode lá plantar, acho eu, que ali tem umas manilhas ... que é uma linha de água” e, no mesmo sentido A. P., min. 01:37 ao 01:38. e P. A., do 02:00 ao 02:02.
2ª - Para esse elenco deverão transitar os supra-descritos em VI-l. D), com a redação ali retificada pelos recorrentes e com referência aos tidos na sentença como não provados, que, nessa vertente, haverão de ter-se como não escritos, e aos quais contrapõem os que ali sugerem, já devidamente enumerados – cujo teor aqui dão por integralmente reproduzido - pois sendo instrumentais e não carecendo, por isso, de alegação nem de prova expressas, cf. supra VI-l. B) a D), já resultam da discussão e análise dos demais que se mostram provados no processo, de que o Tribunal, violando o 607°-4 e 608° do CPC, deveria ter conhecido, ao menos com base nas regras de vida e da experiência comum.
3ª - Os recorrentes nunca quiseram submeter ao contraditório os factos assentes nas als. A), B), E, F), tendo o valor que têm e não outro, como parece ter-lhes sido inculcado na douta sentença, tanto mais que foram ab initio alegados nos itens 4°, 5°, 6°, 7°; 9°; 11° e 12°, todos da p.i., - não como integradores essenciais da causa de pedir e do pedido, mas como histórico dos antecedentes desta ação, o que, aliás, explica que os AA não hajam instado nenhuma das testemunhas por si arroladas sobre nenhum desses factos.
4ª - O teor da al. G) - onde se exarou que o trânsito apeado e carral se processa "com normalidade" pelo caminho de Lobrigos - terá de ser tida como não escrita, e/ou complementada com a menção de factos concretos que objetivem a sua menção conclusiva, até porque ali apenas se transcrevem, ipsis verbis, as afirmações vagas e genéricas levadas pelos RR aos arts 16°, 18° e 19° da contestação. Na verdade,
5ª - Naqueles itens, nem sequer se alegam quantos, quais e onde moram os "vários" proprietários confinantes com o prédio rústico dos AA - a não ser que estivessem a referir-se às duas únicas testemunhas que depuseram em Juizo sobre tal questão, cf. supra X.4, L. C. e C. M., a quem a Mma Juiz concedeu imerecida credibilidade, cf supra- X-C4, a, b, grav. do min. 04:16 ao 04.26, e do 04:50 ao 04:52; e do 03:59 ao 04:03, respetivamente - em ordem ao pleno exercício do atinente contraditório, com a agravante de se terem também omitido os factos concretos que pudessem justificar o uso da expressão, "com normalidade", alegada pelos RR no art. 8° e transcrita, acriticamente e sem qualquer fundamento, para a al. G dos factos provados, que, por isso, deverá ser anulada. Aliás,
6ª - É o que resulta do cotejo daquela menção genérica com as respostas do relatório pericial aos factos alegados nos arts 16° 17°, 18° 19°, 20°, 21 ° e 22° da contestação, e com as fotos e outros documentos que o suportam, (cf supra V-1) nenhum dos quais fora objeto de reclamação adrede, cujo teor e respetivo alcance a contrariam, e de tal forma que haverão de ter-se os factos contidos naquelas respostas como assentes, e os da al. G) como não escritos.
7ª - A tanto acresce que na referida expressão ou, mesmo, à parte, omitiu-se de todo a natureza e extensão das ali referidas unidades agrícolas que por ali passam com normalidade, os concretos meios de acesso utilizados, formas de cultivo e colheita dos eventuais produtos, bem como onde vivem tais proprietários, para fazermos uma ideia dos metros que percorrem desde Lobrigos até ao suposto prédio, e quantos minutos perdem no trajeto de ida e volta, tudo para o Tribunal decidir com um mínimo de critério e de rigor, por não poderem comparar-se factos, coisas e situações que são incomparáveis
8ª - Não indiciam os autos que o Sr …-pai haja deduzido alguma vez qualquer objeção ao trânsito pedonal e viário por ali desde, pelo menos, 1999, nem tão pouco o R. seu filho, desde que o herdou até fins de 2007, cf. als. A) e B) dos factos assentes, postura essa que qualquer pessoa normal tomaria por consentimento tácito - senão, mesmo, expresso por parte do Sr …-pai, para quem a palavra dada era honrada - pelo que a inclemente intransigência do R, contestante, porque só ele o fez, ainda que outras razões de facto e de jure inexistissem, sempre se traduziria num clamoroso Abuso de Direito, direito que os AA, nessa essência fundamental, não lhes regateiam antes se dispondo a ressarci-los de eventuais danos que do peticionado exercício resultasse e a pagar-lhes o justo valor, em espécie ou em pecúnia.
9ª - Sobre a força probatória do Relatório pericial, de que os RR não reclamaram, não impugnando tão pouco nenhum dos documentos que o integram - aí se incluindo também as fotos juntas aos articulados pelos AA e que o Tribunal, presumidamente, terá apreciado, sem lhe assacar quaisquer falhas ou inexatidões - não chegou a Mma Juiz a extrair as devidas consequências como era legitimamente espectável, atento o facto de, ao final da audiência de julgamento, por despacho levado à respetiva Ata, de 24.10.18, ref.ª 32685719, ter dispensado a realização da inspeção judicial requerida pelas partes " ... tendo em conta o Relatório da Verificação não Judicial Qualificada que se mostra junto aos autos, considerando-a desnecessária".
10ª - O que levou os recorrentes a concluir que os factos exarados nesse relatório e demais elementos de suporte se mostravam, como mostram - sem prejuízo de melhor entendimento nesta instância recursiva - inarredavelmente cimentados, reforçando a ilação de que, apesar de o ... confinar em parte com o caminho de Lobrigos, tal comunicação é insuficiente, atenta a natureza e a intensidade própria dos trabalhos agrícolas assentes na sentença, incontornável uso de máquinas, veículos e alfaias que os AA se veem na necessidade de utilizar quase diariamente no seu granjeio ao longo do ano, tudo como provado nas als C e D da sentença, e supra-transcrito em II-C e D.
11ª - Mas se a Mma Juiz, ainda assim, ficasse com dúvidas sobre a interpretação e rigor científico das respostas que ali abrangeram as questões suscitadas pelos RR nos arts de 16° a 22°, ou sobre a força dos documentos que as ilustravam, mais natural, mais justo e mais correto, do ponto de vista processual, seria proceder à requerida inspeção judicial, prova por excelência, em que o Tribunal seria posto em contacto direto e imediato com a realidade.
12ª - Aliás, estamos a falar de um poder/dever vinculado e não meramente discricionário, que só poderá deixar de exercer-se no caso de tal diligência se revelar de todo desnecessária ou inútil para a descoberta da verdade. Porém, nessa hipótese, tal decisão deverá fundamentar-se nos termos da lei, para dela poder recorrer-se, se for caso disso. O que, efetivamente, seria, se os fundamentos não fossem suportados por razões lógicas e científicas que levassem o Tribunal a discordar das respostas documentadas no relatório (Cf., i.o, Ac.STJ de 19.4.1995,CJ, ano III, T 11, págs. 43 e 44; A. dos Reis, in CPC An. IV, Coimbra Ed., 1981, pág.05 e A. Varela, in Manual de Proc. Civ. 1984, Coimbra Ed., pág 585)
13ª - Acresce que se a Mma Juiz tivesse efetuado a requerida inspeção judicial, poderia não só manter como até reforçar a convicção que, pelos vistos, já formara, omitindo-a, vendo-se os AA confrontados com uma decisão surpresa com que não contavam. Contudo, se a tivesse feito, também poderia ainda voltar atrás, infletindo-a, rejeitando eventuais elementos que lhe faltassem e/ou pudessem contrariar ou complementar a prova já carreada para os autos, com violação do disposto nos arts 3°-1, 5°-2 e 607°-4, todos do CPC.
14ª - Acresce que na douta sentença em mérito não se apreciou nem valorou, minimamente que fosse, ao teor das págs 18. 19 e foto 13 do relatório, em resposta aos arts de 16°-22° da cont. onde se descreve, com irrepreensível rigor, que o trajeto por Lobrigos, em certas situações, passa por caminhos com bastantes constrangimentos e condicionantes, referindo-se à reduzida altura do solo ao sobrado de duas casas, em jeito de túnel, que não permite o trânsito por ali de uma camioneta com alfaias e materiais na caixa, bem como à escassa largura do caminho próximo do referido túnel, que não permite o cruzamento de dois veículos ao longo de mais de 100 m, caminho esse, ainda por cima, implantado a cerca de 2 m de altura e sem qualquer proteção lateral, do terreno que o suporta.
15ª - Fica, pois, sem suporte fático a douta decisão em mérito, reportada à improcedência do pedido "principal", por atentar contra a prova testemunhal e documental produzida a argumentação de que "o caminho de Lobrigos é usado por vários proprietários que têm prédios nas imediações do dos autores, com características iguais a muitos outros que existem e dão acesso a propriedades, sendo um caminho perfeitamente transitável, ATÉ com veiculos ligeiros, como foi referido por UMA testemunha, nada se provando que impeça que os autores o usem para aceder ao seu dito prédio, como outros proprietários fazem, e, aliás, os AA também fizeram nos últimos anos, já que provado ficou que os mesmos conseguiram sempre realizar todos os trabalhos necessários na vinha e fazer a vindima, passando por esse caminho".
16ª - Tal argumentação vem suportada no depoimento das duas testemunhas arroladas pelos AA, L. C. e C. M., residindo o primeiro, na …, a cerca de 200 m e menos de 5 minutos da pequena belga de terreno que possui a poente dos prédios dos AA, indo de nascente para poente, e o segundo, na cidade da Régua, não tendo terrenos no local, e ambos tendo de comum, cf. gravação indicada na concl. 5ª, não passarem pelo caminho de Lobrigos há vários anos, ocultando ainda o primeiro que só se desloca até à sua belga com uma carrinha de tração 4x4, não usa ali quaisquer máquinas, não recorre a terceiros, sendo apenas ele e a mulher que, manualmente, cultivam aquele seu terreno ao longo do ano.
17ª - Sinal seguro de que a argumentação reproduzida na concl. 14ª não tem suporte fático está no facto de a Mma Juiz - sem se aperceber desse pequeno/grande pormenor - redigiu essa parte dos factos que deu por assentes, nos precisos termos que vão ali sublinhados e a negrito, cujo significado restritivo corresponde, de resto, ao depoimento daquelas duas testemunhas, fugindo-lhes a boca para a verdade, e, pior ainda, quando tal argumentação se mostra abalada pelo relatório pericial, designadamente nas respostas aos arts de 16° a 22° da contestação e fotos de 3 a 13.
18ª - Do que tudo resulta não se justificar o crédito dado àquelas testemunhas, não por serem apenas duas, não é o nº que conta, mas pelo teor das suas opiniões, aí residindo o motivo por que se discorda desse critério comparativo, cf. ref. supra, X-A), B), C), ao dep.to das que a Mma descredibilizou, sem aduzir um só facto concreto que justificasse tal entendimento.
19ª - A douta sentença não valorou as ilações essenciais que emergem dos factos assentes e referidos na 1ª e 2ª conclusões, e deu como não provados, sem os referenciar, os supra-numerados em VI-de 1 a 10, por ter enveredado por uma interpretação literal do art.1550° do CC e, sobretudo, incompleta, sem atentar na força probatória dos parâmetros inarredáveis da função subsuntiva, designadamente da enorme desproporção, provada nos autos, entre o prejuízo para os AA e a ausência dele, para os RR, (Vide, p.f. os Acs.TRC de 27/5/2014, e o de 13/5/2014 (proc. nº 4054/11.6TJCBR.C1)
20ª - A força do caso julgado material que fizera a sentença proferida na ação anterior, embora abrangendo a parte decisória, que não os seus fundamentos, abarca também os factos eventualmente caraterizadores do alegado acesso insuficiente, versus encrave relativo do ..., tanto mais que alguns deles, embora tivessem levado à improcedência do pedido de reconhecimento judicial da servidão que julgavam ter-se usucapido, repercute-se, agora, na presente ação, embora com efeitos opostos. (Cf. p.f., Ac. RP de13.10.76, in CJ 1976,3°, pág. 646 eAc. STJ de 29.06.1976, in BMJ, 258°, pág. 220).
21ª - Na verdade, as partes são as mesmas e o efeito prático que dos mesmos factos emerge aponta para a mesma finalidade, que é, vistos noutra perspetiva, a de poderem conduzir à procedência do pedido de constituição de uma servidão de passagem pedonal e carral por necessidade de os AA acederem, a pé e de carro, desde o … ao ..., e vice-versa, através da mesma extrema poente do prédio dos RR.(Cf, i.o., A. dos Reis in CPC An., Vol. III, pág. 121, e Miguel Teixeira de Sousa, in "Estudos sobre o Novo Processo Civil", pág. 576 e 577, e "A Causa de Pedir na Ação Declarativa", pág. 493 e 509")
22ª - Acesso que é usado pelos anteriores donos desses dois prédios desde, pelo menos, 1999 até finais de 2007, a pé, de carro e trator, sem a menor oposição por parte dos pais do R. contestante, que, presumidamente e por indução instrumental, aplaudira o alargamento do estradão para 4 m ao longo do ..., ... e ..., cf escrit. na al. A) da matéria assente na sentença recorrida, e facto assente no 10° item da sentença anterior, o que releva, mesmo aceitando-se, como tem de se aceitar, que tal passagem era "por favor", pois o certo é que passavam por lá com assentimento do Sr …-pai (cf depoimento da testemunha I. R. ao referir. do min. 06:56 ao 06:56 que "Nem pode plantar lá nada, (na extrema poente do ... dos RR) acho eu, que ali tem umas manilhas e é uma linha de água."
23ª - No que respeita à fundamentação e subsunção jurídicas, e ainda voltando à deficiente apreciação e valoração do Relatório "pericial", mostra-se o douto raciocínio da Mma Juiz inquinado de algum desrigor, que se intui da "Fundamentação", onde, de entre o mais, se deixou exarado que " ... relevante fora, ainda, o relatório da verificação não judicial qualificada ... do qual resulta, com interesse para a decisão, que o ... tem acesso por Lobrigos ... ", incorrendo, também por aí, na nulidade prescrita nos arts 615°-1.d), com violação do disposto nos arts . 5°-2 e 608°, do CPC.
24ª - Se, com tal asserção, de facto, pretendia fundamentar-se de jure, a douta decisão recorrida - não se ignorando, embora, que nem sempre a falta de pronúncia sobre todos os factos e argumentos alegados pelas partes integra aquela nulidade - não cumpre a mesma o disposto nos arts 154°-1, 2, e 607°-4 e 5°-2, 2ª parte do CPC, tanto menos quanto é certo que nada mais desse relatório foi dado como assente ou, mesmo, que tivesse sido levado em conta na altura da sua valoração e subsunção à norma, deixando-se de fora, portanto, a descrição fidedigna de situações e factos que a própria Perita observou e documentou naquele relatório, sobre os quais não chegou a Mma Juiz a pronunciar-se.
25ª - Porém, como que em contraponto à matéria já assente no saneador, teve-se como não provada a matéria referida nos itens numerados de 1 a 10 do ponto VI. de que resultou o aligeiramento da carga probatória que ressalta dos factos provados e supra-transcritos em 1-3 a 6; lI-e,D; III-S,e; e V, só assim se compreendendo a prolação do juízo exceptivo, não fundamentado, aliás, de que "não se provara a insuficiente comunicação nem o excessivo incómodo ou dispêndio para os AA, usando o caminho de Lobrigos".
26ª -Tal juízo, puramente subjetivo, não é partilhado pelos recorrentes que se veem na necessidade de andar diariamente envolvidos nas lides agrícolas, trabalhando de sol a sol e suportando os elevados custos de uma exploração desta natureza, facilmente quantificáveis, se tivermos em conta a natureza das culturas praticadas no prédio carecido de passagem, de vinha VRD - produção de vinho generoso (Vulgo,vinho fino ou vinho do Porto) - azeite e frutas.
27ª - As conclusões e considerandos tirados pela Mma Juiz sobre se os AA, sem a constituição da servidão pretendida, têm dificuldades em aceder aos seus prédios, nos termos referidos nos arts 19°, 20°, e 23° a 25° da p.i. não podem colher, só revelando que não se valoraram os factos elencados em 1- 4, 5,6; II-c e D, 111-8 e C, fotos juntas à p.i, e à réplica; respostas dadas no relatório pericial aos arts de 16 a 22° da contestação, fotos juntas àquele relatório, designadamente as enumeradas de 3 a 13, e, ainda, o art. 32° da contestação
28ª - O caminho por Lobrigos implica sacrifícios de que a douta sentença não se faz eco, ao ter como não excessivo incómodo e dispendioso o percurso alternativo por ali, tal revelando, mais uma vez, não terem sido levados em conta o teor integral do relatório e demais documentação junta aos autos, nem tão pouco o depoimento do Autor e das testemunhas, que mais não poderiam ter dito para o demonstrarem. (Cf. o daquele, do min. 22:42 ao 23:54. o da testemunha I. R., do mino 04:36 ao 04:53 e o do A. P. - do min.12:19 ao 12:27. “A gente para se mudar de baixo para cima com o trator, a carrinha tem de descarregar o trator em cima, em Lobrigos, porque a carrinha não vai abaixo carregada com o trator e subir para cima também não sobe."
29ª - Inexiste nos autos quaisquer factos concretos que levassem a Mma Juiz a dar "mais crédito" às duas referidas testemunhas dos RR, do que às dos AA, que lá trabalharam para os anteriores donos, às que ainda trabalham lá quase todos os dias, e à Exma Perita que foi ao local duas vezes para elaborar o relatório junto aos autos, apenas cerca de 3 meses antes do julgamento, sendo certo que nenhuma daquelas duas testemunhas utiliza ou utilizou tal percurso para aceder a qualquer prédio. (Cf. Grav. dep.to do recte, do min.11:53 ao 11 :54; do min. 11:53 ao 11:54, e do 26:42 ao 26:50, que bem ilustra o lapso da fundamentação de facto ao imputar-se-lhe ali outro tipo de "confissão" que o próprio não fez.)
30ª - Desvirtuada se mostra a análise ao depoimento de P. A. que, embora admitindo que haja por ali outras vinhas, não declarou, contrariamente ao que consta da respetiva motivação, que os seus proprietários usem esse caminho como acesso às mesmas e, muito menos, para a realização dos trabalhos inerentes ao seu granjeio. Quando questionado, limitou-se, a dizer, do min. 07:11 ao 07:14: ''Acho que deve ser, não sei, isso não estou a ver ... ''''
31ª – O facto de o recorrente declarar que, após a sentença anterior teve de transitar por ali, para não perder totalmente o investimento na vinha e olival, e os produtos causou-lhe e tem vindo a causar elevados prejuízos, como deixou declarado no seu depoimento e foi corroborado pelas testemunhas, a que nenhum relevo deu a Mma Juiz. (Cf. o dep.to do Autor: do min. 24:09 ao 24:17 e do 4:29 ao 24:33:, O de João Alves- do min. 09:17 ao 089:24; do A. P. - do min.14:40 ao 14:14.do 14:41 ao 14:48. e do 14:57 ao 14:59.
32ª - Embora na respetiva motivação se considere que a testemunha I. R. "admitiu que a área por onde os autores pretendem passar pode ser plantada", tal não é exato, pois aquele não só não proferiu no seu depoimento nenhuma declaração nesse sentido, como o contrariou veementemente, ao referir, diretamente questionado sobre tal desiderato. (Cf. dep.to do min.06:56 ao 06:56 e do:07:20 ao 07:22:
33ª - Da letra do art. 1550° do CC resulta que o conceito de "encrave relativo" ou insuficiência" de ligação à via pública, deverá aferir-se pelas necessidades normais de acesso, ou seja, das relacionadas com a natureza das culturas a que o prédio está afeto, da forma como se procede à sua exploração e das despesas que acarreta, sendo certo que, no caso dos autos, os prédios dos recorrentes têm uma área global (aqui provada) de cerca de 4 hectares de vinha da região demarcada do Douro, oliveiras e árvores de fruto.
34ª - É possível calcular, aritmeticamente, mesmo com a força de presunção judicial, relativamente à quantidade, constância e frequência de serviços que uma exploração desta natureza lhes acarreta, e às despesas mínimas que terão de suportar na contingência de terem de recorrer ao acesso alternativo, atenta a natureza e constância dos trabalhos que tal tipo de exploração exige - maxime quando se mostram provados em C e D da douta sentença supra-descritos no ponto II, no tocante às despesas de exploração stricto sensu, e nos itens 3, 5 e 6 descritos no I, às do percurso por Lobrigos
35ª - Na verdade, do cotejo dos factos provados com os das als B) e C) e supra-transcritos em III, notoriamente se conclui através de uma regra de 3 simples, ou mesmo "de cabeça", que, por Lobrigos, sempre gastariam mais do décuplo das despesas, no mínimo, em desgaste de pneumáticos, combustível e 2 horas de trabalho que perderão mas terão de pagar ao pessoal, nas viagens de ida e volta por cada dia, que fariam se lhes for permitido passarem do ... ao ..., e vice versa, pela extrema poente do ....
36ª - Cumprido se mostra, pois, indo mesmo além do disposto no art. 412° do CPC, o onus probandi relativo à factualidade relevante do ponto de vista da demonstração do excessivo incómodo e/ou dispêndio em que assenta o reconhecimento do direito potestativo em causa, fazendo-o de forma bastante, ainda que não cabal, atendendo à constante variação dos preços e dos valores relativos às despesas de exploração e à quantidade e venda dos frutos colhidos, cujo cômputo será possível obter com base nos referidos elementos, objetivos e inalteráveis, que carrearam para os autos e lograram demonstrar.
37ª -É, assim, enorme, a desproporcionalidade entre a desvantagem ou prejuízo de relevo que daí resultaria para os RR, enquanto proprietários de uma nesga de terreno com 30 m de comprido, e a possibilidade de os AA também a usarem para vencerem a curtíssima distância que medeia entre o ... e o ..., obrigando-os a percorrer cerca de 20 Km por dia na viagem de ida e volta, quando poderiam fazê-lo em 10 seg, de carro, e em 30, a pé
38ª - De resto, nenhum prejuízo se provou, pois a extra poente do ... não só não é cultivada como também a usam os próprios RR, para facilitar o acesso de veículos e pessoas àquele seu prédio, pelo menos desde 20 anos antes do processo anterior, como se vê dos itens 8° e 10° da matéria assente na sentença anterior, datada de 08-04-2015, cf certidão e fotos da p.i. “réplica" e relatório da presente acção.-
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III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

De acordo com as conclusões acima transcritas cumpre:

- apreciar e decidir da nulidade arguida à sentença – omissão de pronúncia;
- reapreciar a decisão de facto;
- reapreciar a decisão de mérito, incluindo a suscitada excepção do abuso do direito.
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B) FUNDAMENTAÇÃO

IV.- Nas conclusões 23ª e 24ª argúem os Apelantes a nulidade da sentença prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do C.P.C., “com violação do disposto nos artss. 5º-2 e 608º, do CPC”.
O vício formal que vem invocado respeita aos limites da sentença, o qual se desdobra em duas situações de sentido oposto: o excesso de pronúncia e a omissão de pronúncia – cfr. alínea d).

Como é apodíctico o princípio do dispositivo impõe que sejam as partes a circunscrever o thema decidendum e a nulidade de omissão de pronúncia traduz o incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no n.º 2 do art.º 608.º do C.P.C. – o juiz deve pronunciar-se sobre as questões que as partes lhe coloquem, quer as formais, quer as que respeitam ao mérito da causa, devendo ainda conhecer de todos os pedidos que tenham sido formulados e de todas as excepções invocadas.
Sem embargo de dever conhecer ainda das questões de que lhe seja permitido conhecer oficiosamente, como resulta da 2.ª parte daquele dispositivo legal, não pode “ocupar-se” das questões que lhe não tenham sido suscitadas pelas partes, não podendo, assim, conhecer “de causas de pedir não invocadas, nem de excepções não invocadas, que estejam na exclusiva disponibilidade das partes”, como refere JOSÉ LEBRE DE FREITAS (in “A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3.ª ed., pág. 334).
Os Apelantes fundamentam o vício que invocam na “deficiente apreciação e valoração do Relatório “pericial”, invocando ainda “algum desrigor” nos dizeres constantes da fundamentação da decisão de facto (fls. 142 dos autos) relativos ao referido relatório.
Depois de fazer uma síntese de todos os depoimentos prestados e de se valorar cada um deles, justificando a credibilidade que atribuiu a umas testemunhas e não a outras, enumera a Meritíssima Juiz os documentos que considerou para a formação da sua convicção deixando ainda expresso que “Relevante foi, ainda o relatório da verificação não judicial qualificada levada a cabo, e que consta de fls. 92 a 113 dos autos, do qual resulta, com interesse para a decisão, que o prédio com o artigo matricial ... tem acesso pelo caminho de Lobrigos, referido nos autos”.
Sem embargo do que infra se vai referir sobre o valor probatório da verificação não judicial qualificada, e admitindo-se, embora, que esta conclusão não seja do agrado dos Apelantes, ressalvado o respeito devido, não se vislumbra que questão fáctica aqui se deixou por apreciar.
Termos em que se julga improceder a arguição da nulidade.
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V.- O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:

i) considerou provado que:

1. Os Autores são donos de sete prédios rústicos de vinha da região demarcada do Douro, sitos no lugar das .., freguesia e concelho do Peso da Régua, todos com inscrição matricial e registral a seu favor, sendo que:
A - O primeiro, inscrito na respetiva matriz sob o art. ..., encontra-se descrito na CRP sob o nº .../20001222 e ali registado sob AP. 5 de 2005.7/8.
B - Os restantes seis – por serem imediata e sucessivamente contíguos entre si e pertencerem ao mesmo dono – formam uma só unidade agrícola registada na CRP sob Ap. 2013 de 2011/03/24, com as menções matriciais e registrais ao diante indicadas, por ordem da respetiva contiguidade topográfica e atento o sentido norte-sul:
a - Matricial, sob o art. 76 - A, e registral, nº …/19870206
b - Matricial, sob o art. 272 - A, e registral, nº …/20110304
c - Matricial, sob o art. 113 - A, e registral, nº …/19870206
d - Matricial, sob o art. 112 - A, e registral, nº …/19931112
e - Matricial, sob o art. 114 - A, e registral, nº …/20110303
f - Matricial, sob o art. ... - A, e registral, nº …/20110304.
2. A nascente destes, possuem os Réus um outro - em regime de compropriedade e na proporção de 4/6 para os 1°s, 1/6 para a 2ª e 1/6 para a 3ª - sito no mesmo lugar de .., também rústico de vinha da região demarcada do Douro e de cultura arvense de sequeiro, inscrito na matriz sob art.... e descrito na CRP sob N° …/160704.
3. Entre a estrema sul do ... e a estrema norte do ... apenas medeia uma faixa de terreno que integra a estrema poente do prédio dos Réus, com 30 metros de comprimento por 3 metros de largura, em terra batida e no mesmo plano das estremas sul e norte daqueles dois.
4. Residindo os Autores em ..., seja qual for o prédio ou prédios a que pretendam dirigir-se, têm que se deslocar sempre até ao Peso da Régua, incontornavelmente, sendo que, a partir daquele lugar, para alcançarem, a pé e/ou de carro, os descritos em 1.B, bastar-lhes-á tomarem a estrada camarária que liga aquele lugar à povoação de .., que abandonam ali, para fletirem a poente, seguindo depois por um caminho de consortes cerca de 80 metros, ao cabo dos quais entram no ... descrito em 1.B-c), passam pelo ... e deste para o ....
5. Uma servidão de passagem a pé e de carro pelo ... dos Réus, mais precisamente pela faixa de terreno descrita no 3º item, permitiria aos autores acederem ao ... quando se encontram na extremidade norte do ..., e vice-versa, pela forma mais cómoda e mais curta, bastando-lhes percorrer os 30 metros que separam aqueles seus dois prédios, o que conseguem, à vontade, em 10 segundos, de carro, e em 30, se apeados.
6. Se para acederem ao ... forem obrigados a ir por Lobrigos, porque terão de partir sempre, do Peso da Régua, tomar a EN 2 que liga esse lugar a Santa Marta de Penaguião e ao chegarem a Lobrigos, fletirem para sul, seguindo depois pelo caminho que leva ao Rodo, para alcançarem, finalmente, a extremidade poente do ..., ao cabo de 1.100 m, percorrem, ao todo, ou seja, desde o Peso da Régua até este prédio, 6,6 Km.
A. Foi outorgada uma escritura pública, em 9.06.99, entre M. R. e mulher, então donos do ..., e J. S. e mulher, então donos dos ..., ... e ..., que ali fora designada como de “constituição de servidão”.
B. Em finais de 2007, os Autores viram-se impedidos de passar pelo prédio dos réus, pois, ao chegarem ao cabo do ..., pretendendo atravessar a faixa de terreno descrita com vista a poderem aceder ao ..., constataram que a mesma se encontrava ladeada por dois esteios em ferro, a suportarem um cadeado a obstruir a passagem de carros e de pessoas, pelo que logo removeram aquele artefacto, continuando a transitar por ali, por ser esse o trajeto mais cómodo e mais curto.
C. Para prosseguirem no ... com as tarefas em que andavam ocupados na unidade agrícola descrita em 1.B – quase sempre com máquinas, pessoal, adubos ou produtos químicos fitossanitários já preparados, i.é, já misturados nos tambores e barris, no estado líquido – ao chegarem ao cabo, ou seja, à estrema norte do ..., se não puderem transitar deste para aquele pela faixa dos Réus descrita em 3, ver-se-ão os Autores obrigados a voltar para trás com carros, máquinas, produtos, trabalhadores, bebidas e prezigo, e terem de repercorrer 1,4 Km de .. ao Peso, mais 6,6 Km, desde aqui a Lobrigos, e seguir pelo caminho público do Rodo, num total de 8 km, quando lhes bastava atravessarem em 10 segundos o ..., de sul para norte, para chegarem ao ....
D. Porque estamos no coração do Douro, a produção de fruta, azeite e a cultura vitivinícola são predominantes, e onde os tratamentos fitosanitários, por isso, são frequentes, bem como a rega do bacelo, da enxertia nova, as podas, cavas, escavas, redras, colheita e transporte de uvas, azeitonas, frutas e dos mais diversos produtos agrícolas exige um aturado e contínuo esforço.
E. No âmbito da ação com processo sumário n.º 220/08.0TBPRG – J2, que correu termos pela Instância Local de Peso da Régua, os Autores peticionaram contra os aqui Réus o reconhecimento e declaração de existência de uma servidão de passagem a pé e de carro, constituída por usucapião, materializada na faixa de terreno referida no art.º 3º da petição inicial, a onerar o prédio rústico dos Réus identificado no art.º 2º da petição inicial (art.º ...) e em benefício do seu prédio rústico identificado no art.º 1º-B (art.º ...).
F. Tal ação judicial foi julgada improcedente, com a consequente absolvição dos Réus dos pedidos aí formulados, cuja sentença final aí proferida transitou devidamente em julgado.
G. O caminho público de Lobrigos é utilizado por vários proprietários, nomeadamente confinantes com o prédio rústico dos Autores, que por aí processam com normalidade o trânsito apeado e carral.
ii) considerou não provado que (vão numerar-se para melhor identificação, utilizando-se a numeração romana para evitar a confusão com os “factos assentes” ):
I) Os anteriores donos do prédio com o artigo matricial ..., sempre passaram, a pé e de carro, durante mais de 30 anos, num e noutro sentido, ou seja, os donos do ... pelo ..., e os donos deste, pelos descritos em 1-B-a),b),c), o mesmo continuando os Autores a fazer desde que compraram o ... em 2005, convencidos de que lhes assistia tal direito, a pé e de carro, como lhes fora afiançado pelos vendedores.
II) À data da celebração da escritura referida em A., a constituição de servidão já continha os requisitos probatórios mais do que suficientes ao seu reconhecimento judicial por usucapião, pois há mais de 30 anos que já dava recíproca serventia - a uns e a outros e de uns para os outros, i.é, ao ..., ..., ..., ... e ....
III) Só não tendo intervindo os anteriores donos, ao tempo ainda vivos e com quem mantinham as melhores relações de vizinhança, porque a estrema poente daquele prédio, presumida e logicamente, já estava onerada por uma servidão da mesma natureza, embora com apenas 3 m de largo, bastante, aliás, pois naquela faixa o seu trajeto é muito curto e em linha reta, ao passo que nos demais é curvilíneo e os veículos que por ali passavam com cargas, precisavam de maior largura para o descrever.
IV) E a prova de que toda a gente reconhecia os anteriores donos do ... e os dos descritos em 1.B como legítimos titulares do direito de transitarem num e noutro sentido, a pé e de carro, pela faixa de terreno descrita no 3º item está no facto de o terem sempre feito, ao longo de mais de 30 e de 40 anos, e nunca ninguém lhes ter levantado quaisquer objeções, incluindo os anteriores donos do ..., enquanto vivos, e os próprios 1ºs Réus, que ali vivem e por ali andam diariamente, sem nunca os terem proibido de passar por lá, prática que nunca ninguém desrespeitou até finais de 2007.
V) A faixa oneranda não é nem nunca foi cultivada, sendo de reduzido ou, mesmo, de nulo valor material, atendendo a que o metro quadrado deste tipo de terreno, na ótica expropriativa, não excede os 60 cêntimos.
VI) O percurso pela estrada acarretará aos autores imensas despesas e perdas de tempo, o que os tem desmotivado de continuarem a granjear o ....
VII) O trajeto pela estrada mostra-se descabido, sendo mesmo desumano, obrigar os autores a percorrer, escusadamente, 6,6 Km acrescidos de 200 metros medidos com fita métrica, quando lhes bastava atravessar o ..., para acederem ao ... pelo ....
VIII) Para além de que, indo com cargas, pelo caminho de Lobrigos, só podem fazer esse percurso de carro, com segurança, em veículos de tração às 4 rodas, pois desenvolve-se em plano descendente de norte para sul, com acentuado declive de 20º, é em terra batida, cheio de curvas, socalcos e muito escorregadio, sobretudo desde outubro a abril, período mais pluvioso do ano, em que o piso se torna tão resvaladiço que é necessário ir retirá-los das lamas, empurrá-los e/ou rebocá-los até à E.N., trabalhos e dificuldades que os Autores já sentiram, após o indeferimento da providência cautelar Nº 125/16.0T8PRG-J2.
IX) E o pior está ainda para vir, sobretudo nas fases da poda, escava, levanta, tratamentos fitossanitários, vindimas e colheita da azeitona, quando acabam os trabalhos em que andam ocupados nos prédios descritos em 1.B e pretendem continuar com os mesmos no ..., ou vice-versa, ao passo que, já se disse, atravessando pela faixa dos Réus descrita em 3, bastam-lhes 30 segundos.
X) É raríssimo e quase impossível de acontecer, planear os respetivos trabalhos de forma a executá-los em dias diferente, pois trata-se de operações que têm de ser seguidas, porque executadas por máquinas e pessoas, sem parar, a não ser para abastecerem de combustível e produtos químicos, aquelas, e estas, para se alimentarem – sempre as descritas condicionantes persistiriam.
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VI.- Os Apelantes impugnam a decisão acima transcrita, pretendendo que na alínea D. se tenha como “não escrita” a expressão «com normalidade», e que sejam julgados provados os factos constantes dos números I; IV; V; VI; VII; e VIII, com a redacção que propõem.

Indicam os meios de prova que suportam a sua pretensão, transcrevendo e situando nos tempos da gravação os excertos dos depoimentos.
1.- O actual C.P.C. introduziu o duplo grau de jurisdição também quanto à matéria de facto e resulta do que acima ficou referido estarem preenchidos todos os requisitos enunciados nos n.os 1 e 2, alínea a) do art.º 640.º do referido Código, pelo que, em princípio, nada obsta à pretendida reapreciação.
Na reapreciação da decisão de facto cumpre à Relação observar o que dispõe o art.º 662.º do C.P.C., devendo, enquanto instância de recurso também da matéria de facto, formar a sua própria convicção, para o que lhe cumpre avaliar todas as provas carreadas para os autos, sem que esteja sujeita às indicações que sejam dadas pelo recorrente e pelo recorrido.
De acordo com o art.º 341.º do Código Civil (C.C.) as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. Não se podendo exigir que esta demonstração conduza a uma verdade absoluta (objectivo que sempre seria impossível de atingir), quem tem o ónus da prova de um facto terá de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como referem ANTUNES VARELA et AL. (in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 420).
As regras sobre o ónus da prova que constam dos art.os 342º. a 346.º do C.C. devem ser complementadas pelo princípio de direito adjectivo consagrado no art.º 414.º do C.P.C., que rege sobre a interpretação da dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, dúvida que se resolve contra a parte à qual o facto aproveita.
2.- Foi com o intuito de propiciar a averiguação da verdade material dos factos que este Código introduziu um novo meio de prova, que designou por “verificações não judiciais qualificadas” e a sua génese ficou assim explicada na Exposição de Motivos: “sempre que seja legalmente admissível a inspecção judicial, mas o juiz entenda que se não justifica, face à natureza da matéria ou à relevância do litígio, a percepção directa dos factos pelo tribunal, pode ser incumbido técnico ou pessoa qualificada de proceder aos actos de inspecção de coisas ou locais ou de reconstituição de factos e de apresentar o seu relatório”, e depois acrescenta-se: “Permite-se, deste modo, que sejam averiguados com acrescida eficácia e fiabilidade factos que, não implicando o juízo científico que subjaz à prova pericial, possam ser melhor fixados ou esclarecidos por entidade isenta e imparcial e tecnicamente apetrechada”, sendo intenção confessada a de evitar o recurso habitual à “falível prova testemunhal” e dispensar as inspecções judiciais que não sejam proporcionais ao relevo e natureza da matéria litigiosa.
Uma vez que se lhes aplicam, com as necessárias adaptações, as disposições relativas à inspecção judicial, há que considerar o que vem regulado nos artigos 491.º a 493.º.
Assim: as partes devem ser notificadas do dia e hora da verificação, para que possam exercer o direito de estarem presentes por si ou pelos seus advogados, e podem prestar os esclarecimentos ou chamar a atenção do técnico para factos com interesse para a resolução da causa.
Da verificação é lavrado um auto no qual devem ser registados todos os elementos úteis para o exame e decisão da causa. Para além de fotografias e esboços que ajudem a transmitir a realidade verificada, deverão ainda ser referidas as circunstâncias em que as verificações tiveram lugar, as pessoas que estiveram presentes, os esclarecimentos ou observações que fizeram e tudo o mais que permita ao tribunal ajuizar do valor probatório da diligência, que, à semelhança da prova pericial e do resultado da inspecção judicial, é livremente apreciada pelo tribunal (art.os 494.º, n.º 2 do C.P.C. para as verificações e 389.º e 391.º do C.C., respectivamente para a prova pericial e para a inspecção).
Refira-se, porém, que a verificação realizada por autoridade ou oficial público no exercício das suas funções faz prova plena dos factos que estes ali registem como tendo sido por si praticados, e esta força probatória plena só pode ser ilidida com base na falsidade do auto – é o que resulta dos art.ºs 371.º e 372.º, explicando-se neste que o auto é falso quando “nele se atesta como tendo sido objecto de percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi”.
Os factos em reapreciação admitem a prova testemunhal, cujo valor probatório está sujeito à livre (pressuposto que conscienciosa) apreciação do julgador – cfr. art.º 396.º do Código Civil (C.C.).

ALBERTO DOS REIS referindo-se ao princípio da liberdade de apreciação da força probatória dos depoimentos das testemunhas escreveu: “o tribunal julga segundo a sua consciência ou segundo a convicção que formou; a convicção forma-a, não em obediência a regras legais preestabelecidas, a quadros, critérios ou ditames impostos por lei, mas através da influência que no seu espírito exerceram as provas produzidas, avaliadas segundo o seu juízo e a sua experiência.”. Assim, acrescenta, “no sistema da prova livre nada obsta a que o julgador se determine, na formação da sua convicção, precisamente pelo testemunho de parente ou amigo da parte a quem esse testemunho aproveita” (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. IV, págs. 358-359).
Da admissibilidade da prova testemunhal decorre a permissão para o recurso às presunções naturais, de acordo com o disposto no art.º 351.º, do mesmo Código, que são ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – cfr. art.º 349.º, ainda do C.C..
Como explicita VAZ SERRA “ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência, ou de uma prova de primeira aparência” (in B.M.J. nº. 112º., pág. 190).
O julgador, usando as regras da experiência comum, do que, em circunstâncias idênticas, normalmente acontece, interpreta os factos provados e conclui que, tal como naquelas, também na situação aprecianda as coisas se passaram do mesmo modo, ou seja, perante um facto instrumental que tenha sido provado, conclui que ele revela a existência de outro facto, essencial à decisão.
3.- Os Apelantes impugnam a decisão quanto à alínea G, visando essencialmente a expressão “com normalidade” referida ao trânsito, “apeado e carral”, que pretendem seja considerada como “não escrita e/ou complementada com a menção de factos concretos que objectivem a sua menção conclusiva”, alegando que ela faz uma transcrição “acrítica e sem qualquer fundamento” das “afirmações vagas e genéricas levadas pelos RR aos arts 16º, 18º e 19º da contestação” (cfr. cls. 4.ª e sgs.)
O Tribunal a quo fundou a sua convicção nos depoimentos das testemunhas C. M. e L. C., que teve como credíveis, e ainda, no que ora interessa, no relatório de verificação não judicial qualificada, constante de fls. 92 a 113.
Os Apelantes, ao que se extrai das conclusões 5.ª e 6.ª, parece considerarem que só a identificação pessoal dos “vários proprietários confinantes” poderia demonstrar a realidade daquela facticidade, criticando a redacção da referida alínea por nela se ter omitido “a natureza e extensão das ali referidas unidades agrícolas que por ali passam com normalidade, os concretos meios de acesso utilizados, formas de cultivo e colheita dos eventuais produtos, bem como onde vivem tais proprietários, para fazermos uma ideia dos metros que percorrem desde Lobrigos até ao suposto prédio, e quantos minutos perdem no trajeto de ida e volta” (cls. 5.ª) e apelam para “as respostas do relatório pericial aos factos alegados nos arts 16º, 17, 18, 19, 20, 21 e 22 da contestação”, complementadas pelas “fotos e outros documentos”,
Como se deixou já referido, as verificações não judiciais qualificadas, sendo um sucedâneo da inspecção judicial, são, à semelhança do resultado desta inspecção (art.º 391.º do C.C.) livremente apreciadas pelo tribunal.
Sem embargo de a convicção do julgador dever ser alicerçada em provas consistentes, numa situação como a presente, e atendendo à facticidade em causa, o grau de exigibilidade da demonstração da sua realidade basta-se com o depoimento testemunhal e com o que se pode extrair das fotografias “3 a 5” do relatório pericial, para as quais, de resto, remete a Senhora Técnica - cfr. fls. 104 dos autos (pág. 13 do “auto”).
E o que aquelas fotografias retratam é um caminho em terra batida, ladeado de prédios rústicos cultivados, com os rodados bem marcados no chão, sinal inequívoco do seu uso frequente. Para quem conhece os caminhos desta região duriense não vê qualquer diferença notória em relação a tantos outros que servem as propriedades rústicas menos emblemáticas, e também são em tudo semelhantes aos caminhos rurais sobretudo das zonas Beirãs, cujo terreno apresenta características idênticas.
É claramente um caminho de consortes, que evidencia estar afecto ao uso dos proprietários dos prédios com ele confinantes ou que a ele têm acesso.
E por isso é que quemquer que seja que olhe para as referidas fotografias colhe, sem lhe restarem dúvidas, que o “trânsito” por aquele caminho se faz com a “normalidade” que lhe é inerente.
E esta asserção não será contrariada pelo acidentado do trajecto já que, como se sabe, as Vinhas do Douro estendem-se monte acima e os caminhos rurais acompanham o relevo do terreno.
Assim como não será contrariada pelo dito “constrangimento” retratado a fls. 110, em que o sobrado de uma casa fica por cima da estrada, formando um túnel, por se tratar de um arruamento urbano, e, por isso, as suas condições de transitabilidade serem totalmente divergentes das de um caminho rural, sendo de presumir que, para além de o trânsito estar aqui devidamente regulamentado, haja alternativas para a circulação de veículos de maiores dimensões que não caibam na abertura do túnel (se bem que nenhuma testemunha, sequer, referiu, o que os Apelantes agora afirmam: que “a sua carrinha, carregada com o tractor, não passa por ali”).
Para além da maior distância que os Apelantes têm de percorrer, as dificuldades apontadas, seja pelo Apelante, seja pelas testemunhas I. R., J. A. e A. P., são as “más condições da estrada”, que «tem buracos» e pouca largura do caminho de consortes que “não dá para cruzar dois veículos”, e também não dá para fazer a inversão de marcha dos veículos dos Apelantes. Esta última é uma razão que não necessitará de maior contradição que não a que resulta da possibilidade de os mesmos Apelantes criarem espaço na sua propriedade para os seus próprios veículos darem a volta. A segunda, do estado da estrada (crê-se que camarária) constituirá motivo para ser levado ao conhecimento das Entidades Públicas competentes, e a “pouca largura” do caminho de consortes, quem conhece os caminhos rurais sinceramente se questionará e se haverá algum que em toda a sua extensão permita uma tal “comodidade”.
Finalmente, cumpre fazer ressaltar que, como, pelo menos, reconheceu a testemunha A. P., desde que foi impedida a passagem pelo prédio dos Apelados/Réus – há dois anos -, ainda que com maiores perdas de tempo, os serviços agrícolas continuaram a fazer-se - «vamos à volta», disse.
Retrata, pois, a realidade o termo utilizado pelo Tribunal a quo.
Sendo claramente desmerecedora da crítica que os Apelantes lhe movem, a supramencionada alínea G. deve manter-se nos seus precisos termos.
Impugnam ainda os Apelantes a decisão de facto visando alguns dos factos “não provados”.
Aceitando a referida decisão quanto à facticidade vertida nos n.os II, III, IX, e X, propõem a junção dos n.os I e IV, VI e VII, com uma redacção que vai buscar elementos fácticos às alíneas B e C, dos “factos assentes”, e à decisão de facto constante da sentença proferida na anterior acção n.º 220/08.0TBPRG, que moveram aos aqui Apelados/Réus, pedindo o reconhecimento da servidão de passagem que então alegaram ter sido constituída por usucapião.
O art.º 421.º do C.P.C. actual reproduz com algumas alterações linguísticas o art.º 522.º do Cód. anterior, continuando, por isso, a poderem valorar-se num outro processo contra a mesma parte os depoimentos e as perícias produzidos num processo anterior com audiência contraditória, salvo se o regime de produção de prova no primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo, caso em que os depoimentos e perícias produzidos no primeiro só valem como princípio de prova no segundo.
Como alertam JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, o n.º 1 daquele art.º 421.º “não exige a identidade de partes no processo em que a prova é produzida e naquele em que é invocada”, apenas exigindo que “a parte contra quem a prova é invocada, isto é, aquela que resulta desfavorecida com o resultado probatório, tenha tido parte no primeiro processo e que nele tenha sido respeitado o princípio da audiência contraditória”, ou seja, que a parte tenha sido convocada para os actos de produção de prova e admitida a intervir neles (in “Código de Processo Civil Anotado”, volume 2.º, 3.ª ed., pág.234).
Como já acima se referiu, na primeira acção as partes foram as mesmas e com a mesma posição que têm nesta acção.
Ora, está junta a estes autos uma cópia de um relatório pericial (cfr. fls. 38 a 40). Contudo, as fotografias que o ilustram e as respostas dadas pelo Senhor Perito que o subscreve não divergem das que constam no relatório de verificação não judicial qualificada, constante de fls. 92 a 113.
Sem embargo, não demonstra aquele relatório, assim como o não demonstra o relatório de verificação não judicial qualificada a realidade dos factos em análise, mesmo com a redacção proposta pelos Apelantes.
De qualquer modo, concorda-se com os Apelantes quando afirmam que “na ótica da causa de pedir e do pedido tais factos são de todo inócuos ao mérito da presente acção” (cfr. n.º 2 do ponto IV, fls. 170 dos autos).
Ora, sendo tais factos despidos de interesse para a apreciação da causa, sempre se revela uma inutilidade a reapreciação da decisão quanto a esta parte, sendo que a prática de actos inúteis no processo é proibida, conforme estabelece o art.º 130.º do C.P.C. [cfr. neste sentido, o Acórdãos desta Relação de 10/09/2015 (ut Proc.º 639/13. 4TTBRG.G1), e da Relação de Coimbra de 25/10/2016 (ut Processo n.º 12/14.7TBLRA.C1, ambos in www.dgsi.pt.)].
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VII.- Pretendem, pois, os Apelantes que sobre uma faixa de terreno do prédio dos Apelados se constitua uma servidão de passagem que lhes permita transitar livremente do seu prédio (melhor dizendo, da sua unidade agrícola) inscrito na matriz no artigo ... para o prédio (para a unidade agrícola) que também lhes pertence, inscrito na matriz no artigo ..., e vice-versa.

1.- O thema decidenduum é, assim, a constituição de uma servidão de passagem.
A servidão é um encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente, e tem como conteúdo quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de serem gozadas por intermédio deste último prédio, dito dominante (sendo o primeiro serviente) – cfr. artos. 1543º. e 1544º., do Código Civil (C.C.).
A servidão, enquanto encargo, constitui uma restrição ao direito de propriedade do prédio serviente, que se comprime para voltar a expandir-se se e quando a servidão se extinguir.
Trata-se de um direito real de gozo, ainda que limitado, e por isso, impõe-se erga omnes – não só ao proprietário do prédio serviente ao tempo em que foi constituída a servidão, como a terceiros, futuros adquirentes, mantendo-se mesmo que ocorra o fraccionamento deste prédio, assim como se impõe a quem, não sendo o titular do direito de propriedade, dele esteja a extrair as utilidades que proporciona. Impõe-se igualmente aos credores e aos titulares de outras servidões.
De acordo com o disposto no artº. 1547º. do C.C., quanto à constituição, as servidões dizem-se voluntárias ou legais, sendo que o que as distingue é estas poderem ser impostas coactivamente, por sentença ou por decisão administrativa, enquanto que aquelas se constituem por contrato, por testamento, por usucapião ou por destinação do pai de família.
Num primeiro momento a servidão legal é um direito potestativo que o seu titutlar tem de constituir coercivamente uma servidão sobre os prédios vizinhos, cujos titulares, recebendo, embora, uma indemnização, ficam sujeitos à constituição da servidão - MOTA PINTO, in “Direitos Reais”, Almedina, pág. 324, e OLIVEIRA ASCENSÃO, in “Direito Civil” “Reais”, 4ª. ed., págs. 251 e sgs..
Em bom rigor, a servidão legal só se converte numa verdadeira servidão depois de exercido aquele direito, como referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (in “Código Civil Anotado”, 2ª, ed., vol. III, pág. 636).
Diz-se, por isso, que a característica específica da servidão legal é o facto de o proprietário do prédio dominante poder impor ao dono do prédio serviente, contra a vontade deste, a servidão que expressamente a lei prevê.
Ora, o artº. 1550º., do C.C. atribui o direito de exigir a constituição de uma servidão, dita de passagem, sobre os prédios rústicos vizinhos, aos proprietários de prédios encravados, quer na situação de encrave absoluto, isto é, que não tenham, de todo, comunicação com a via pública, quer na situação de encrave relativo, ou seja, tendo-a, mas sendo ela insuficiente, aqui se incluindo ainda as situações em que as condições não permitam estabelecer essa comunicação sem excessivo incómodo ou dispêndio.

Deste modo, e considerado aquele art.º 1550.º e o art.º 1553.º do C.C., quem pretenda exercer o direito potestativo de constituição de uma servidão de passagem, deve alegar e provar:

1) que o seu prédio não tem comunicação com a via pública;
2) a situação e condições do seu prédio em relação à via pública mais próxima, especificando os incómodos e dispêndios que teria de suportar para estabelecer a comunicação entre ele e aquela via pública (necessário para se aferir da sua excessividade);
3) as características dos prédios que se interpõem entre o seu e a via pública, para se avaliar dos prejuízos que cada um irá ter de suportar com a constituição da servidão (a fim de se eleger aquele(s) por onde irá ser constituída a servidão, por ser(em) o(s) que sofre(m) menor prejuízo);
4) no prédio que virá a ser o serviente, quais os locais por onde poderá assentar a servidão (a fim de se eleger, dentre os possíveis, o local onde a servidão trará menores inconvenientes)

Como refere RODRIGUES BASTOS “pode o prédio ser contíguo à via pública, e, no entanto, não poder, em rigor, dizer-se que comunica com a via pública, por ser impraticável a passagem do prédio para a via”, dando como exemplo “o grande desnível do terreno”, e exemplifica a insuficiência da passagem com a existência de “um caminho para pé, por terreno próprio ou por servidão, e a exploração do prédio exigir a passagem de carros” (in “Direito das Coisas” 1975, pág. 134 e 135).
O que justifica o direito de constituir a servidão de passagem é a criação de condições para a exploração económica do prédio, ou seja, permitir ao proprietário do prédio dominante que dele possa retirar todo o rendimento que ele é capaz de produzir.

Como refere JOSÉ LUIS SANTOS, “Dada a função social da propriedade, a concessão da servidão legal de passagem funda-se na necessidade de condicionar o destino económico das coisas e no interesse geral que não permite a existência de propriedades condenadas à esterilifdade por falta de acesso” (cfr. Acórdão do S.T.J. de 12/10/2017, ut Proc.º 361/14.4TBVVD.G1.S1, in www.direitoemdia.pt).
E por isso é que será o rendimento do prédio o elemento a ter em conta na caracterização, como “excessivo”, do custo do estabelecimento da passagem por terreno próprio – só se justifica a imposição da constituição da servidão por prédio de outrem nos casos em que a comunicação com a via pública, sendo viável, implique uma despesa incomportável para a exploração do prédio.
E, como referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA “não pode atender-se apenas ao custo excessivo das obras de comunicação” já que, “por proposta de Vaz Serra a essa situação aditou-se … a dos prédios que só com excessivo incómodo (independentemente do volume das despesas) possam comunicar com a via pública” (loc. cit. pág. 637).
Subjacente ao direito de constituir uma servidão de passagem está ainda um juízo de proporcionalidade entre as vantagens advenientes da constituição da servidão para o titular do prédio encravado e o sacrifício imposto ao titular do prédio afectado com a servidão.
Este tem direito a ser indemnizado do prejuízo sofrido, nos termos do art.º 1554.º, do C.C., sendo o montante da indemnização calculado de acordo com as regras estabelecidas nos art.os 562.º e sgs., do mesmo Cód., abrangendo os prejuízos resultantes da constituição da servidão assim como os danos provenientes do exercício da servidão, sendo de incluir naqueles a desvalorização que sofre o prédio serviente – é manifesto que o valor de venda é inferior àquele que se obteria se o prédio não estivesse onerado com a servidão (cfr. o Acórdão da Relação do Porto de 03/07/2012, e jurisprudência aí citada - ut Procº. 3696/09.4T2OVR.C1.P1, in “www.dgsi.pt).
2.- Na situação sub judicio ficou provado que ambos os prédios dos Apelantes têm ligação directa com a via pública, ainda que esta ligação se faça através de um caminho de consortes, que é o utilizado pelos proprietários dos prédios confinantes com os dos Apelantes.
Ora, sendo a razão de ser das servidões de passagem o estabelecimento de ligações de um prédio com a via pública, o trajecto que há a considerar para efeitos de se avaliar da pertinência da sua constituição é o que vai de um destes pontos ao outro, ou seja, do limite do prédio à via pública (caminho público ou estrada) mais próximo.
Assim considerado, como tem de se considerar, impõe-se concluir que nem o prédio inscrito na matriz no artigo ..., nem o inscrito no artigo ... podem ser havidos como prédios total ou parcialmente encravados.
Vistas as coisas como os Apelantes as configuram, o que pretendem é que sobre o prédio dos Apelados se crie um atalho que lhes facilite o trânsito de um daqueles seus prédios para o outro, para que, estando a trabalhar num deles, lhes seja fácil e rápido aceder ao outro, deste modo evitando as perdas de tempo e os incómodos que resultam da necessidade de efectuarem o (reconhece-se que longo) percurso descrito em C. dos “factos provados”.
Não são, pois, razões de imprescindibilidade da servidão para a normal fruição dos prédios que justificam a sua constituição, mas essencialmente a comodidade dos Apelantes.
Ora, da noção do conceito de servidão resulta que não há, actualmente, servidões pessoais - encargos impostos a um prédio em proveito exclusivo de pessoas -, muito embora sejam as pessoas, os donos do prédio dominante, os titulares do direito de servidão, e sujeitos passivos os donos do prédio serviente, isto porquanto somente as pessoas podem ser titulares ou sujeitos de direitos, como se extrai do artº. 67º., do C.C..
E como refere o Acórdão do S.T.J. de 12/10/2017, na aferição da insuficiência da comunicação de um prédio à via pública “não relevam as potencialidades de desfrute de raiz meramente subjectiva, nem as pretensões de particular incremento na valorização da coisa, nem tão pouco a simples satisfação de melhores níveis de comodidade do proprietário do prédio dominante” (ut Proc.º 361/14.4TBVVD.G1.S1, in www.direitoemdia.pt).
A necessidade da servidão deve, pois, ser aferida não pela ponderação dos comoda do proprietário do prédio dominante mas tão somente pela relação entre os prédios e a via pública.
Ora, a servidão que se pretende constituir assume, na situação em presença, a natureza de um atravessadouro, já que configura um mero atalho, destinando-se apenas a encurtar distâncias entre os dois prédios.

Nesta situação de conflito entre o direito de propriedade dos Apelados (direito de propriedade que tem consagração constitucional, sendo equiparado aos direitos, liberdades e garantias – cfr. art.º 62.º da Constituição ), com o inererente direito a que o seu prédio não seja devassado, e a conservar a integralidade do seu uso, fruição e disposição, e a satisfação das comodidades dos Apelantes, deverá ser concedido o primado àquele direito, por mais compreensíveis que sejam as razões em que assenta a pretensão destes, e isto porque aos invocados gastos decorrentes da necessidade de percorrer aquelas distâncias contrapõe-se o desvalor económico que resulta para o prédio dos Apelados, que uma indemnização calculada com base no valor do terreno e na produção que dele é possível extrair dificilmente consegue ressarcir, não podendo fazer-se reflectir na esfera patrimonial dos Apelados os resultados das opções – de local de residência, de itinerários a percorrer, de planeamento dos trabalhos e de escolha dos instrumentos de trabalho – que são exclusivo dos Apelantes.
Do que vem de ser exposto se impõe concluir que os fundamentos invocados pelos Apelantes são insuficientes para preencher o pressuposto da necessidade da pretendida servidão para estabelecer a comunicação dos referidos seus prédios com a via pública.
Cumpre, pois, recusar provimento à pretensão recursiva dos Apelantes.
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C) DECISÃO

Considerando quanto acima fica exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, consequentemente confirmando e mantendo a decisão impugnada.
Custas da apelação pelos Apelantes.
Guimarães, 30/05/2019

Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes
Maria Purificação Carvalho