Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2747/22.1T8VNF-A.G1
Relator: MARIA EUGÉNIA PEDRO
Descritores: EMBARGO À INSOLVÊNCIA
VERIFICAÇÃO DA SITUAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. No processo de insolvência para apurar da possibilidade ou impossibilidade de solvência do devedor apenas devem ser consideradas apenas as obrigações vencidas.
II. De acordo com o disposto no art. 3º, nº1 do CIRE o que caracteriza o estado de insolvência é a insuficiência do activo líquido para fazer face ao passivo exigível.
III. Se no âmbito do processo executivo é apresentada uma proposta para aquisição do único bem imóvel pertencente ao devedor/ executado de valor superior às obrigações vencidas do mesmo, não há fundamento legal para declarar a sua insolvência.
Decisão Texto Integral:
Embargo à insolvência-(CIRE)

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
 
I. Relatório

Nos autos principais foi em 6.5.2022 declarada a insolvência AA a  requerimento da própria.
Por apenso, veio a credora L..., apresentar embargos, requerendo que seja revogada a sentença que declarou a insolvência da primeira.
Para o efeito, alegou, em síntese, que as únicas dívidas vencidas da requerida  são a por si reclamada e a do  filho dela e que, nos autos de execução em que era exequente, estava agendada data para a alienação do imóvel, propriedade da embargada, existindo propostas que permitiriam solver as dívidas vencidas. Argumentou que o anterior PEAP e este processo de insolvência consubstanciariam mecanismos processuais apenas para impedir a Embargante de ver ressarcido o seu crédito. Concluiu, dizendo que a Embargada não se encontra insolvente.
*
Recebidos os embargos deduzidos, e cumprido que foi o preceituado no artigo 41.º, n.º 2, Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (doravante apenas CIRE), contestou a embargada, que impugnou os factos articulados pela embargante.
*
Foi realizada a audiência de discussão e julgamento a que alude o artigo 35.º do CIRE, a qual principiou pelo despacho a identificar o objeto do litigio e a enunciar os temas da prova, tal como consta da respetiva ata.
*
 Em 14.7.2022, foi proferida  decisão que julgando procedentes os embargos revogou a sentença  que decretou a insolvência de AA.
*
Inconformada, apelou a insolvente AA, que termina as suas alegações com as seguintes conclusões :
                                          
PRIMEIRA: No caso "sub judice", salvo melhor entendimento, houve um erro manifesto na apreciação da prova, designadamente da prova documental carreada para os autos pela Embargante, existindo uma flagrante desconformidade entre aquilo que resulta da prova e o que foi julgado provado pelo Meritíssimo Juiz "a quo".
SEGUNDA: O decidido na primeira instância não encontra suporte razoável na prova documental nem em demais elementos probatórios, resultando, por isso, razões mais que suficientes para alterar algumas das respostas a alguns dos quesitos tal como foram dadas pelo tribunal recorrido.
TERCEIRA: Ao contrário do referido na sentença ora em crise inexiste qualquer prova documental, ou qualquer prova de outra natureza, donde de retire que “A Insolvente tem cumprido a generalidade das suas obrigações.”
QUARTA:. A Embargante limitou-se a carrear com a petição inicial documentos consubstanciados em peças processuais donde resulte que a Insolvente tem cumprido a generalidade das suas obrigações.
QUINTA: Desses documentos, mormente dos relativos à execução resulta que a Insolvente não tem capacidade financeira para cumprir com as suas obrigações, pois se assim fosse, a dita execução não existiria.
SEXTA: O único argumento ventilado pela Embargante para afastar os fundamentos da declaração de insolvência foi a existência de um imóvel pertencente à Insolvente cujo valor é suficiente para liquidar as suas dívidas.
SÉTIMA:. A existência de um activo superior ao passivo, tendo aqui por referência só as obrigações vencidas, não é suficiente para, por si, ilustrar uma situação de viabilidade económica, já que é necessário que a mesma seja também capaz de demonstrar uma capacidade de gerar rendimentos aptos a assegurar o cumprimento da generalidade das obrigações no momento do seu vencimento, o que o imóvel em questão não é capaz.
OITAVA: O que foi alegado na petição inicial pela Embargante esgota-se em considerações e opiniões pessoais quanto à situação e intenção da Insolvente .
NONA:. A Embargante nada alegou que contrarie a douta sentença que decretou a insolvência da Insolvente.
DÉCIMA: Impunha-se à Embargante alegar factos novos que não tivessem sido tidos em conta pelo tribunal no momento em que proferiu a sentença de declaração de insolvência, demonstrando através de meios de prova que não estavam disponíveis naquele momento, ou que não foram considerados aquando daquela declaração, que a pessoa declarada insolvente não se encontra impossibilitada de cumprir com as suas obrigações vencidas.
DÉCIMA PRIMEIRA: Era à embargante que cabia a prova da solvência da Embargada.
DÉCIMA SEGUNA: A Embargante não alegou qualquer facto ou apresentou qualquer prova que não tenha sido tido em conta pelo tribunal que decretou a insolvência e que tivesse a capacidade de afastar os fundamentos da declaração de insolvência.
DÉCIMA TERCEIRA: Nessa medida, o tribunal recorrido jamais poderia dar como provada a factualidade vertida nos pontos 17. dos factos dados como provados.
DÉCIMA QUARTA: A Embargante na sua petição inicial não alegou qualquer facto que tivesse a virtualidade de modificar a sentença que embargou.
DÉCIMA QUINTA: A Embargante não carreou para os autos qualquer prova, mormente documental, donde decorra que a Insolvente tem cumprido a generalidade das suas obrigações.
DÉCIMA SEXTA: In casu, não se mostram provados, nem sequer foram alegados, os factos necessários para infirmar os fundamentos de facto e de direito subjacentes à sentença declaratória de insolvência em questão.
DÉCIMA SÉTIMA: Destrate, da prova produzida, não resulta minimamente provado a matéria vertida no ponto 17 dos factos dados como provados.
DÉCIMA OITAVA:, Impõe-se alterar para não provados o ponto 17 dos factos dados como provados.
DÉCIMA NONA:, A alteração da decisão da matéria de facto nos termos acabados de expor, implica a alteração da decisão sobre o mérito da causa, impondo a revogação da douta sentença e a sua substituição por outra que, ajuizando de modo diferente a matéria de facto, julgue e decida da causa considerando a manutenção dos requisitos de facto e de direito subjacentes à sentença declaratória de insolvência em questão, revogando-se a decisão de 14.07.2022 proferida nos presentes autos de embargo à insolvência
VIGÉSIMA: A decisão recorrida violou, entre outras, artigo 640.º CPC, artigos 3.º, n.º 1, 18.º, n.ºs 1 e 2 e 28.º todos do CIRE e artigo 342.º do Código Civil
TERMOS EM QUE, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Excias, deve dar-se provimento ao presente recurso, alterando-se a decisão da matéria de facto nos termos das conclusões supra e revogar-se a douta sentença, substituindo-a por outra que, julgando de modo diferente a matéria de facto e de direito, julgue e decida da causa considerando a manutenção dos requisitos de facto e de direito subjacentes à sentença declaratória de insolvência em questão, revogando-se a decisão de 14.07.2022 proferida nos presentes autos de embargo à insolvência
Fazendo assim serena e objetiva JUSTIÇA
*
 A embargante / recorrida L..., S.AR.L.,  respondeu, finalizando as suas contra-alegações  com as seguintes  conclusões:

I. A Recorrente alega que se encontra numa “situação económica muito difícil, mas verdadeiramente insolvente”,
II. “(…) Não consegue cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez e por não conseguir obter crédito.”
III. Não tendo a Recorrente “solvabilidade financeira para cumprir com as obrigações a que se encontra vinculada”.
IV. Apenas tem um ativo.
V. Trata-se de um imóvel - Prédio urbano, destinada a habitação, composto de cave com garagem e piscina, arrumos e casa de banho, ... com 2 divisões, cozinha e casa de banho, andar com 4 divisões e 3 casas de banho e logradouro, sito na Av. ..., ..., da união das freguesias ..., ... e ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o N.º ...74 e inscrito na matriz predial urbana com o artigo ...01, com valor patrimonial €250.716,38, determinado no ano 2020.
VI. Para justificar a sua situação económica difícil, a Recorrente informa que se encontra reformada por invalidez, auferindo uma pensão mensal de € 420,56.
VII. A Recorrente aufere outro rendimento, nomeadamente uma Prestação social para a inclusão, com o valor € 275,3, conforme a pesquisa à Segurança Social,
VIII. Poderão existir outros rendimentos que lhe permitam fazer face às despesas que esta tem.
IX. Há que esclarecer que o imóvel, apenas, tem como ónus a penhora da Banco 1..., S.A., no âmbito do nosso processo judicial nº 6134/11....,
X. Tendo todos os outros ónus, nomeadamente as três hipotecas e as três penhoras registadas a favor do Banco 2..., S.A., sido cancelados pelo pagamento, em 11 de Setembro de 2015.
XI. Estranha-se a alegada falta de liquidez da Recorrente ou a sua dificuldade em obter crédito!
XII. Precisamente o que parece suceder no caso em apreço, já que a Recorrente, conforme as pesquisas à Segurança Social não auferia qualquer rendimento, tendo passado a auferir a pensão de invalidez, não tendo liquidez há vários anos.
XIII. E conseguiu pagar diversas dividas ao Banco 2...!
XIV. A Recorrida não pode deixar de comparar a entrada da petição inicial dos presentes autos com a entrada da petição inicial do Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP), no passado mês de Outubro de 2021, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ... - ... - Juízo de Comércio - Juiz ..., sob o nº 5391/21.....
XV. Ora, tanto a petição inicial do PEAP, bem como a petição inicial da insolvência deram entrada, em momento semelhante,
XVI. Momento, este, em que o único activo da Recorrente, encontrava-se em venda por leilão eletrónico, na plataforma e-leilões, no âmbito do proc. judicial nº 6134/11...., em que é agora Exequente H..., em substituição do Exequente originário Banco 1..., S.A.
XVII. No primeiro leilão eletrónico, que ocorreu entre Setembro/Outubro de 2021, já tinha licitações apresentadas, mas foi cancelado com a apresentação do PEAP no âmbito do proc. nrº 5391/21.....
XVIII. E no último leilão eletrónico, que ocorreu em Maio de 2022, também com licitações apresentadas e acima do valor mínimo, mas foi cancelado com a apresentação da insolvência âmbito do proc. nrº 2747/22.....
XIX. Relativamente ao passivo, apresentado pela Recorrente a divida em deu origem ao proc. judicial nº 6134/11...., a alegada divida para com BB, seu filho, no valor de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros e dois créditos em que a Insolvente se encontra na qualidade de Fiadora, nomeadamente ao Banco 2..., S.A. e Banco 1..., S.A., reconhecidos como comuns (Sob Condição), estando a ser pontualmente cumpridos pelos seus respetivos mutuários.
XX. No no âmbito do PEAP, a Sra. Administradora Provisória foi notificada para prestar parecer nos termos do art.º 222º G, 4 CIRE, tendo esclarecido que os créditos do Banco 2..., S.A., e da Banco 1..., S.A., encontravam-se a ser cumpridos pelos primeiros mutuários dos respetivos créditos.
XXI. Caso houvesse a venda do imóvel (único ativo da Recorrente) pelo montante da avaliação, a Sra. Administradora Provisória concluiu que seria suficiente para liquidar as dividas da Insolvente,
XXII. E, por isso, não se encontraria a Recorrente em situação de insolvência.
XXIII. Considerando que, o leilão eletrónico encerrou no passado dia 3 de Maio, com propostas acima do valor mínimo, com a melhor proposta no valor de € 275.171,97.
XXIV. Conclui-se que é a própria Recorrente que dificulta a venda do imóvel e, em consequência, a liquidação das dividas que se encontram vencidas.
XXV. O mercado imobiliário nos dias que correm, será certo que a Recorrente conseguiria vender o imóvel sem qualquer dificuldade.
XXVI. Tendo a Recorrente se apresentado à Insolvência no dia 2 de Maio.
XXVII. E, considerando, que nessa data havia propostas que permitiam liquidar as dividas vencidas,
XXVIII. Facilmente se concluirá que a mesma não estará Insolvente.
XXIX. A Recorrente tem património e está propositadamente a retê-lo, para com isso conseguir justificar a sua situação de insolvência,
XXX. A Recorrida não consegue entender tal mecanismo de defesa, considerando que, com o produto da venda, a única divida vencida da Recorrente poderia ficar liquidada e ainda receberia valor em excesso.
XXXI. E como consta da Douta sentença em apreço conclui “(…) apesar do montante das obrigações em dívida, não está demonstrada a impossibilidade da devedora em as satisfazer. Aliás, a própria devedora obstou à satisfação imediata dos dois créditos vencidos. Logo, podemos dizer ser patentemente expectável que, tentada nova venda, continuem a existir propostas que superem o valor das dívidas vencidas. Entende-se, assim, que, ao contrário do que a pura aritmética poderia inculcar, a situação da embargada permite concluir que não está insolvente.”
XXXII. Dúvidas não poderão remanescer de que os embargos à sentença de declaração de insolvência são procedentes, revogando-se, assim, a sentença que decretou a insolvência de AA.
Termos em que, deverá ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se a decisão preferida pelo Tribunal a Quo, assim se fazendo a devida Justiça.
*
O  recurso foi admitido como  apelação,  com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente  devolutivo, o que foi mantido neste Tribunal.
*
Foram colhidos  os vistos legais 
*
Nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpres decidir.

II. Delimitação do objecto do recurso

Face ao disposto nos artºs  608º, nº2, 609º, nº1, 635º, nº4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso é  delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo  das questões que o tribunal deva conhecer oficiosamente.

Assim, as questões  a decidir  são :
-  apurar se deve ser alterada a matéria de facto  
-  apurar se face à matéria de facto  provada a embargada se encontra solvente ou insolvente.
*
III.  Fundamentação de facto

O Tribunal a quo   considerou provados os seguintes factos:

1. Por Contrato de Cessão de Créditos, outorgado em 20 de Dezembro de 2019, a Banco 1..., S.A. e a C... – Sociedade Financeira de Crédito, S.A. cederam à L..., S.A.R.L. uma carteira de créditos, bem como todas as garantias a eles inerentes.
2. Fruto da cedência de 1., a Embargante é Credora da embargada, sendo que o valor que se encontra em divida ascende € 171.660,02.
3. A actual divida à embargante dera origem ao proc. judicial nº 6134/11...., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., ... - Juízo de Execução - Juiz ....
4. O agregado familiar da embargada é composto apenas por si.
5. A embargada aufere uma pensão mensal de € 420,56 e uma prestação social para a inclusão com o valor €275,3.
6. A embargada é proprietária de um Prédio urbano, destinado a habitação, composto de cave com garagem e piscina, arrumos e casa de banho, ... com 2 divisões, cozinha e casa de banho, andar com 4 divisões e 3 casas de banho e logradouro, sito na Av. ..., ..., da união das freguesias ..., ... e ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o N.º ...74 e inscrito na matriz predial urbana com o artigo ...01, como valor patrimonial €250.716,38, determinado no ano 2020.
7. O imóvel de 6. tem apenas como ónus a penhora da Banco 1..., S.A., no âmbito do Processo nº 6134/11...., tendo todos os outros ónus, nomeadamente as três hipotecas e as três penhoras registadas a favor do Banco 2..., S.A., sido cancelados pelo pagamento, em 11 de Setembro de 2015, a saber:
i. Ap. ...8 de 02/03/2005 – hipoteca do Banco 2..., S.A. com capital de €39.134,00;
ii. Ap. ...9 de 02/03/2005 – hipoteca do Banco 2..., S.A. com capital de €22.129,07;
iii. Ap. ...0 de 02/03/2005 – hipoteca do Banco 2..., S.A. com capital de €87.248,79;
iv. Ap. 6620de29/09/2010 –penhora registada a favor do Banco 2..., S.A. com uma quantia exequenda de € 119.412,04 – proc. Judicial nº 3836/10....;
v. Ap. 2899de16/12/2010 –penhora registada a favor do Banco 2..., S.A. com uma quantia exequenda de € 20.783,50 – proc. Judicial nº 6188/10....;
vi. Ap. 3240de20/12/2010 –penhora registada a favor do Banco 2..., S.A. com uma quantia exequenda de € 9.959,33 – proc. Judicial nº 5590/10.....
8. No passado mês de Outubro de 2021, a embargada deu entrada de um PEAP, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ... - ... - Juízo de Comércio - Juiz ..., sob o n.º 5391/21...., num momento em que, tal como com a petição inicial no processo de insolvência, o imóvel se encontrava em venda por leilão eletrónico, na plataforma e-leilões, no âmbito do proc. judicial nº 6134/11...., em que é agora Exequente Habilitada L..., em substituição da Exequente originária Banco 1..., S.A.
9. O primeiro leilão eletrónico, que ocorreu entre Setembro/Outubro de 2021, já tinha licitações apresentadas, mas foi cancelado com a apresentação do PEAP no âmbito do Proc. n.º 5391/21.....
10. O segundo leilão eletrónico encerrou no passado dia 3 de Maio, com propostas acima do valor mínimo, com a melhor proposta no valor de € 275.171,97, tendo-se a Insolvente apresentado à Insolvência no dia 2 de Maio.
11. Com o produto da venda obtido no leilão, a divida vencida respeitante à embargante poderia ficar liquidada e a devedora ainda receberia valor em excesso.
12. São os seguintes os créditos que constam da lista definitiva de credores
i. Banco 2..., S.A.: €52630,,91 (fiança em contrato mútuo) – comum sob condição;
ii. Banco 1..., S.A.: €81278,29 fiança em contrato mútuo) – comum sob condição;
iii. BB: €4500,00 (empréstimo pessoal) – subordinado;
iv. L... SARL: €175.081,71 (fiança em contrato mútuo) – comum
13. BB é filho da embargada e foi ele quem subscreveu a declaração a que alude o artigo 222.º C, n.º 1 do CIRE no âmbito do PEAP;
14. Os dois créditos em que a Insolvente é Fiadora, ao Banco 2..., S.A. e à Banco 1..., S.A., reconhecidos como comuns (Sob Condição), estão a ser pontualmente cumpridos pelos seus respetivos mutuários.
15. Sem qualquer justificação, a embargada pôs termo as negociações no âmbito do PEAP e apresentou-se à Insolvência quando tinha propostas para aquisição do imóvel em venda na plataforma e-leiloes.
16. No âmbito do PEAP, a Administradora Judicial Provisória foi notificada para prestar parecer nos termos do art.º 222º G, 4 CIRE, tendo esclarecido que os créditos do Banco 2..., S.A. e da Banco 1..., S.A. se encontravam a ser cumpridos pelos primeiros mutuários dos respetivos créditos, encontrando-se, apenas, vencida a dívida de que a embargante é titular e que, caso houvesse a venda do imóvel (único ativo da devedora) pelo montante da avaliação, o produto da venda seria suficiente para liquidar as dividas da Insolvente.
17. A Insolvente tem cumprido a generalidade das suas obrigações.
*
Com interesse para a decisão, não foram considerados infirmados  quaisquer factos.
*
-Da impugnação da matéria de facto

Comecemos por verificar os requisitos legais necessários para que este Tribunal reaprecie  a decisão da matéria de facto.
(…)
*
  A embargada/recorrente pretende que a factualidade  do nº17 dos factos  provados  cujo teor é  “ A  insolvente  tem cumprido a generalidade das suas obrigações” seja dada como não provada.
Para tanto aduziu que o tribunal  a quo incorreu em erro manifesto na apreciação da prova,  pois que  a embargante  se limitou a carrear  para os autos documentos  que consubstanciam peças processuais, nomeadamente do processo executivo, dos quais  não resulta que  tenha capacidade financeira para cumprir as suas obrigações, pois se assim fosse a  execução não existiria, acrescentando  que  a existência de um imóvel com valor para liquidar  as suas dívidas, não é suficiente   para, por si só,  ilustrar uma situação de  viabilidade económica, já que o mesmo  não gera rendimentos que lhe permitam assegurar o cumprimento da generalidade das  suas obrigações.
Mostrando-se cumpridos os ónus legais, cumpre apreciar a impugnação.
Na sentença  impugnada  a Mma Juíza a quo  fundamentou assim  a sua decisão :“ Para a prova da factualidade vertida supra foram valorados os documentos juntos aos autos pela embargante, relativos ao processo executivo e à cedência do crédito de que se arroga, a alegação da embargada em sede de petição inicial, os documentos juntos aos autos principais, o relatório do Administrador da Insolvência, a lista definitiva de credores e, ainda, o depoimento de AJP nomeada no Processo Especial para Acordo de Pagamento que, falando de forma desinteressada e distanciada, explicou a razão pela qual havia considerado que a devedora não se encontrava numa situação de insolvência.”
Ora, analisados os documentos  constantes dos autos e o depoimento da AJP, CC, que se ouviu integralmente, não  vemos  que o tribunal a quo tenha incorrido em  erro  na apreciação da prova, sendo que a testemunha inquirida  no essencial confirmou  o parecer escrito apresentado no PEAP da embargada.
Todavia, o que se extrai  com segurança  da conjugação de  todos os documentos  e do depoimento prestado é mais rigorosamente que, além  dos credores   identificados  em  2 e 12.,   não são conhecidos  quaisquer outros credores  da   embargada.    Com efeito,  nem no processo especial  para acordo de pagamento, nem no requerimento de insolvência, nem neste embargos são identificados outros. E  entendemos que é isto que deve  ser  levado  aos factos provados, pois  o teor do nº17  assume  uma feição conclusiva e  até valorativa considerando  que o objecto    do processo é apurar a situação de solvência ou insolvência da embargada.
Como decorre do disposto no art. 607º, nº4 do C.P.Civil de 2013, o tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante ou de direito. 
E conforme se decidiu no Ac. do STJ de 28.09.2017, proc. 809/10.7TBLMG.C1.S1( Relatora Fernanda Isabel Pereira) “ Muito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPCivil tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos.

Assim,  julgando-se parcialmente procedente  a impugnação da matéria de facto,  determina-se que o nº17 dos factos provados passa a ter a seguinte redacção :
17. Além  dos credores   identificados  em  2 e 12.,   não  são conhecidos  quaisquer outros  credores  da   embargada
*
IV. Fundamentação de direito

A recorrente/embargada sustenta que deve ser revogada a sentença  impugnada e mantida a declaração de insolvência, alegando que a embargante  não alegou, nem provou factos capazes de afastar os fundamentos da declaração de insolvência enquanto a embargante pugna pela manutenção da sentença recorrida.
É consabido que a sentença declaratória de insolvência pode ser impugnada, alternativa ou cumulativamente, através de embargos ou de recurso.
Os embargos servem para alegar factos novos ou para requerer novos meios de prova (cfr. artigo 40.º, n.º 2 do CIRE) e o recurso destina-se à discussão de razões de direito (cfr. artigo 42.º, n.º 1 do CIRE)
Ou seja, enquanto o recurso se baseia na consideração de  que, face aos elementos apurados, a declaração de insolvência não deveria ter sido proferida, a impugnação por via de embargos funda-se na alegação pelo embargante de factos ou indicação de meios de prova que não tenham sido tidos em conta pelo Tribunal e que possam afastar os fundamentos de declaração de insolvência.
E a embargante  alegou  factos complementares  e  carreou  novos meios  probatórios,  na sua maioria documentos, em ordem  a demonstrar que a embargada não se encontra em situação de insolvência.
A caracterização da situação de insolvência  é-nos dada  pelo n.º 1 do artigo 3.º do CIRE, que preceitua : “É considerado em situação de insolvência  o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, acrescentando o n.º 4 do mesmo preceito que se equipara à situação de insolvência atual a que seja meramente iminente, no caso de apresentação pelo devedor à insolvência.
Verificada  essa  impossibilidade do devedor assumir o cumprimento  das suas obrigações vencidas, todos os credores  são chamados a reclamar os seus créditos e todo o património do devedor responde pelas respectivas dívidas, sendo o processo de insolvência uma execução colectiva ou universal, como se retira da interpretação integrada dos artigos 1.º, 47.º, n.ºs 1 a 3, 128.º, nºs 1 e 3 e 149.º, nºs 1 e 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Como refere João Labareda, O CIRE na evolução do regime da falência no direito português, in Colectânea de Estudos sobre a insolvência, p. 67, «a letra deste preceito releva, só por si, que não está aqui em causa uma relação quantitativa entre o activo e o passivo do devedor, mas uma situação financeira que o impede de pagar, pontualmente, os seus débitos».
A situação patrimonial deficitária, com passivo manifestamente superior ao activo só é critério legal acessório da situação de  insolvência em relação   às pessoas coletivas e patrimónios autónomos, como decorre do nº2 do art.  3º do CIRE.

Coligindo os  contributos  da doutrina  para a interpretação  da noção legal de  insolvência vertida no nº 1 do art.3º do CIRE, no Ac. desta Relação de Guimarães de 30-06.2022, proferido no proc. nº2582/21.4T8VNF-A.G1( Relatora Alexandra Viana Lopes) enunciam-se  assim os pressupostos a considerar na sua aplicação:

“ Por um lado, as obrigações do devedor em relação às quais deve ser apurada a sua possibilidade ou impossibilidade de solvência são, restritamente, apenas aquelas que já se encontrem vencidas. Assim, não é suficiente para permitir a declaração de insolvência a existência ampla de obrigações exigíveis ao devedor mas que ainda não se encontram vencidas- ( Mª do Rosário Epifânio, in  Manual de Direito da Insolvência, Almedina, 2020, 7ª ed.  p.27.)
Neste âmbito, todavia, em relação às obrigações vencidas, existem divergências em relação à suficiência ou não de uma situação de mora: Catarina Serra, in Lições da Insolvência, Almedina 2019, p. 57, defende que basta que exista uma situação de simples mora no cumprimento das obrigações vencidas; E Alexandre Soveral Martins, in Curso de Direito da Insolvência, Almedina, 3ª ed., p.63,  refere que «não basta a mora para haver impossibilidade de cumprir, pois pode tratar-se de um mero atraso momentâneo» .
Por outro lado, a impossibilidade de satisfação das obrigações vencidas não tem que abranger a sua totalidade mas é suficiente que se refira à sua generalidade, nem depende do seu valor, sem prejuízo da discussão da relevância ou irrelevância de atendimento de valores insignificantes para o decretamento da insolvência, matéria em que existe uma discordância doutrinária.
Maria do Rosário Epifânio, in op. cit p. 27, refere «a doutrina tem entendido desde logo que a impossibilidade de cumprimento relevante para efeitos de insolvência não tem que dizer respeito a todas as obrigações do devedor. Pode até tratar-se de uma só ou de poucas dívidas, exigindo-se apenas que a(s) dívida(s) pelo seu montante e pelo seu significado no âmbito do passivo do devedor seja(m) reveladora(s) da impossibilidade de cumprimento da generalidade das suas obrigações.» .
Catarina Serra, in op. cit p.58, defende que «para a insolvência não releva nem o número nem o valor pecuniário das obrigações vencidas. (…) tanto está insolvente quem está impossibilitado de cumprir uma ou mais obrigações de montante elevado (o montante em causa é demasiado elevado para que o devedor possa cumprir) como quem está impossibilitado de cumprir uma ou mais obrigações de pequeno montante ou de montante insignificante (o montante é insignificante e ainda assim ele não consegue cumprir).» .
Alexandre de Soveral Martins, in po,cit.p. 62 refere: «a impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas não significa que se tenha de fazer a prova imediata de que o devedor está impossibilitado de cumprir todas e cada uma dessas obrigações. Basta a prova imediata que o devedor não consegue cumprir as obrigações vencidas que, por sua vez, permitam ao julgador presumir que o devedor também não tem possibilidade de cumprir as restantes. (…).Mas, por outro lado, não basta que não consiga cumprir pontualmente uma parte insignificante das suas obrigações vencidas»
Por fim, a possibilidade ou impossibilidade de solvência das obrigações não tem um significado jurídico no âmbito da extinção das obrigações (arts.790º ss do C. Civil) mas tem um significado financeiro e afere-se, em particular, pela liquidez do ativo do devedor e pelas condições deste de acesso ao crédito para a satisfação das suas obrigações (de forma imediata ou em prazo julgado razoável).
Maria do Rosário Epifânio, in op.cit. p. 28, notas 41 e 42, refere «pode até acontecer que o passivo seja superior ao ativo mas não exista uma situação de insolvência, porque há facilidade de recurso ao crédito para satisfazer as dívidas excedentárias. E, por outro lado, pode acontecer que o ativo seja superior ao passivo vencido, mas o devedor se encontre em situação de insolvência por falta de liquidez do seu ativo (é dificilmente convertido em dinheiro).», anotando, em referência a Menezes Leitão, que «foi adotado o critério de fluxo de caixa, de acordo com o qual “o devedor é insolvente logo que se torna incapaz, por ausência de liquidez suficiente, de pagar as suas dívidas no momento em que elas se vencem”», em referência, v.g., a Abreu Coutinho, «que ativo líquido significa, por ex., dinheiro em caixa, depósitos bancários vencidos, produtos e títulos de crédito fácil e oportunamente convertíveis em dinheiro» .
Catarina Serra, op. cit., p. 58, assinalando que a insolvência decorrente da impossibilidade de cumprir não coincide necessariamente com uma situação patrimonial negativa, explica «Como efeito, pode muito bem verificar-se a primeira sem se verificar a segunda: não obstante ser titular de um património sólido e abundante, o devedor vê-se impossibilitado de cumprir por lhe faltar liquidez. E pode verificar-se a segunda sem se verificar a primeira: não obstante não ter património suficiente para cumprir as suas obrigações, o devedor mantém a capacidade de cumprir por via do crédito que lhe é disponibilizado.» .
Alexandre de Soveral Martins, in op. cit. p. 62 refere «Do que se trata, isso sim, é de não ter meios para cumprir as obrigações vencidas. Meios que o devedor não tem porque nem sequer consegue obtê-los junto de terceiros.» .
 
E o STJ  no  Ac. de 24.01.2006, proferido no processo nº05A3958, ( Relator Fernando Magalhães)  disponível i. www.dgsi.pt, decidiu  a este propósito:

«- É considerada em situação de insolvência a empresa que se encontre impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações, em virtude de o seu activo disponível ser insuficiente para satisfazer o seu passivo exigível (art.º 3º CPEREF).
- O que verdadeiramente caracteriza a insolvência é a insuficiência do activo líquido face ao passivo exigível.
- O devedor pode ser titular de bens livres e disponíveis de valor superior ao activo, e mesmo assim, estar insolvente por esse activo não ser líquido e o devedor não conseguir com ele cumprir pontualmente as suas obrigações.».
  
Importa, pois, verificar se face aos factos provados, a embargada  tem activo  disponível  para fazer face ao  passivo exigível.
  
Na sentença recorrida, a Mma  Juíza,  concluiu  positivamente com a seguinte  argumentação:

“Do passivo e ativo da embargada.
Não obstante a devedora/embargada ter alegado em sede de petição inicial de insolvência como valor das obrigações vencidas o montante de €341.587,02 e como valor do seu património o total de €250.716,38 [mais a pensão mensal], provou-se no presente apenso que o valor dos créditos reclamados no âmbito do processo de insolvência e reconhecidos pela Administradora de Insolvência foi no valor de € 313 490,91 €, mas que apenas o crédito reconhecido à embargante não se encontra sob condição (para além do menor, no montante de € 4.500,00 do filho). Mais se comprovou que o imóvel com o valor patrimonial supra referido já teve proposta de aquisição de um montante de € de € 275.171,97. (…)
Ou seja, a pergunta que se deve fazer é a seguinte: Se o Tribunal tivesse conhecimento dos novos factos alegados e dos novos meios de prova apresentados no momento em que proferiu a sentença a declarar a insolvência da requerente ainda assim proferi-la-ia?
Ora, sabemos agora que grande parte dos créditos reconhecidos o foram sob condição e que dizem respeito a créditos em que a devedora consta como fiadora e que estão a ser cumpridos. E o que são créditos sob condição? Nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do CIRE, “consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico”. A embargada é fiadora de dois mútuos que estão a ser cumpridos. Do exposto resulta que pode dar-se o caso de o crédito nem sequer se chegar a constituir ou de não subsistir, se estiver sujeito à verificação de uma condição e ela não se verificar ou se estiver sujeito à não verificação de uma condição e ela verificar-se. Assim, a embargada pode nem chegar a ser responsável pelo pagamento de tais créditos.
Quanto ao património, provou-se que, para além de uma pensão referida pela embargada existe uma outra prestação social (ainda que diminuta) e que a devedora é proprietária de um veículo com baixo valor comercial. No entanto, apurou-se que o imóvel de que é proprietária estava na iminência de ser alienado no processo de execução. O que permitira pagar ao credor cuja dívida está vencida e, ainda, a seu filho.
Destarte, podemos concluir pela superioridade do ativo da embargada relativamente ao respetivo passivo. Noutros casos temos defendido que a existência de imobiliário e de outros bens não afasta a declaração de insolvência de um indivíduo, dado que essa circunstância não implica liquidez. Sucede que, no caso vertente, a liquidez só não existiu porquanto a devedora obstou à concretização da venda em processo executivo, apresentando PEAP que veio a terminar sem a apresentação de qualquer plano. Ou seja: foi a devedora quem obstou à existência de liquidez.
Do estado de (in)solvência da embargada
Escreveu-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26/01/2010, processo n.º 97/09.8TYVNG.P1, o seguinte: “O estado de insolvência traduz-se, portanto, numa impotência económica – a impotência para fazer face às obrigações assumidas. (…) Essa impotência constitui, evidentemente, uma realidade diversa da simples superioridade do passivo relativamente ao activo. O devedor pode estar impossibilitado de pagar aos seus credores e, no entanto, ter um activo superior ao passivo. E o inverso também é verdadeiro: o devedor pode, em dado momento, ter um activo inferior ao passivo, mas dispor de crédito, i.e., da possibilidade de mobilizar, por recurso a terceiros, disponibilidades monetárias que lhe permitam os compromissos para com os seus credores, à medida que se vão tornado exigíveis.
Deficit patrimonial ou insuficiência do activo e impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas não são, portanto, situações absolutamente coincidentes. É claro que a insuficiência do activo para satisfação do passivo exterioriza, tipicamente, a insolvabilidade do devedor uma vez que a persistência desse deficit patrimonial o impossibilitará, mais tarde ou mais cedo, de satisfazer ou solver, com pontualidade, os seus compromissos. Apesar disso, a insuficiência do activo e a impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, são critérios diferentes e autónomos de caracterização de uma mesma situação: o estado de insolvência do devedor.”
A este propósito e com interesse também se transcreve os ensinamentos vertidos no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 01/06/2020, processo n.º 375/19.8T8GRD-C.C1, disponível em www.dgsi.pt: «O devedor é insolvente logo que se torna incapaz, por ausência de liquidez suficiente, de pagar as suas dívidas no momento em que estas se vencem; incapacidade que não tem que ser nem abranger todas as obrigações assumidas pelo devedor e vencidas, uma vez que o que releva para a insolvência é “a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos”.
A insolvência (no caso das pessoas singulares, sempre) corresponde à impossibilidade de cumprimento pontual das obrigações vencidas, por ausência de liquidez, e não à insuficiência patrimonial, correspondente a uma situação líquida negativa, ou seja, pode haver situação líquida positiva e haver insolvência, se se verificar que a falta de crédito não permitem ao devedor superar a sua carência de liquidez para cumprir as suas obrigações vencidas, assim como, no polo oposto, uma situação líquida negativa não implicará a insolvência do devedor se o recurso ao crédito lhe permitir cumprir pontualmente as suas obrigações.»
Do exposto, se conclui que o devedor pode ter um passivo superior ao ativo e ainda assim não estar insolvente, desde logo, por possuir meios alternativos para solver as suas obrigações (nomeadamente, através de empréstimos).
De realçar, ainda, o que é referido por Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, vol. I, pp. 70/71: “O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos” (sublinhado nosso).
Desta feita, é de relevar para a declaração de insolvência as próprias circunstâncias do incumprimento. E - diremos nós - as circunstâncias do incumprimento são também de relevar para se decidir a impugnação da declaração de insolvência. Ou seja, se o devedor tem património e está deliberadamente a retê-lo, para com isso conseguir sustentar a sua situação de insolvência tal deve também ser valorado.
Como decorre do quadro traçado, os factos provados terão que ser lidos a partir de uma determinada lógica que permita a final concluir se no dia em que a devedora se apresentou à insolvência se se encontrava ou não em situação de insolvência. Tal lógica pressupõe que se tenha em conta a configuração concreta das dívidas da devedora e do seu ativo, mas também os meios que lhe assistem para fazer face àquelas, para assim se obter a justiça do caso.
Vejamos.
A embargada apresentou-se à insolvência a 03/05/2022, que veio a ser declarada no dia 6/05/2022. No dia anterior existia uma proposta de aquisição do imóvel que constitui o seu activo que lhe permitia liquidar a dívida à Embargante e ao filho. A pendência destes autos – como já tinha acontecido com a pendência do PEAP – obstou à concretização da venda.
Os outros dois créditos são condicionais e dizem respeito a mútuos contraídos por terceiros que estão a ser cumpridos. Ademais, importa ter presente que a embargada se encontra registada como sendo proprietária de um imóvel e que, na prática o valor patrimonial dos imóveis, muitas vezes está subavaliado. Relembremos que o imóvel tem uma área coberta e descoberta considerável, tem logradouro, garagem e uma piscina. Do que vem de ser exposto, e uma vez que, como já se concluiu supra, não nos podemos ater a uma perspetiva meramente aritmética, se os factos dados provados fossem conhecidos pelo Tribunal aquando da declaração de insolvência da embargada, o juízo sentencial seria de que a devedora não estava insolvente. Isto porque, apesar do montante das obrigações em dívida, não está demonstrada a impossibilidade da devedora em as satisfazer. Aliás, a própria devedora obstou à satisfação imediata dos dois créditos vencidos. Logo, podemos dizer ser patentemente expectável que, tentada nova venda, continuem a existir propostas que superem o valor das dívidas vencidas. Entende-se, assim, que, ao contrário do que a pura aritmética poderia inculcar, a situação da embargada permite concluir que não está insolvente.”
Desde já adiantamos que concordamos com as considerações expendidas na sentença impugnada que  fez uma correcta  aplicação  das normas legais e se mostra bem fundamentada.
Na verdade, ante o quadro factual apurado,  é  forçoso  concluir  que  a embargada, à data da apresentação  à insolvência,  possuía activo disponível  e suficiente para satisfazer as  suas obrigações vencidas,  pois,  no dia  3.5.2022,  foi apresentada  no processo executivo uma proposta  no valor de   € 275.171,97 para aquisição  do imóvel de  que é proprietária,  somando  aos créditos da embargante  e do seu filho, os únicos  vencidos( €179,581,75).
Tendo a embargada assumido as obrigações, sabia que o todo o seu património e não apenas os seus rendimentos podiam vir a responder pelo respectivo cumprimento. Não existe fundamento  para a declaração de insolvência, porquanto com a alienação do imóvel no processo executivo  pode solver as dívidas vencidas, o que já teria sucedido se aquela  não tivesse apresentado o PEAP e, a seguir, desistido das negociações sem qualquer justificação, apresentando-se à insolvência no dia anterior ao encerramento do leilão electrónico para a venda  do imóvel.

Em suma,   não se  verificando  a situação de insolvência da embargada, pois a mesma não se encontrava à data em que se apresentou à insolvência impossibilitada de cumprir  as suas obrigações vencidas (cfr.art. 3º/1 do CIRE), falece a argumentação  do recurso, impondo-se a  manutenção da  sentença recorrida.
*
V. Decisão:

Pelo exposto, os Juízes desta  Secção Cível  do Tribunal da Relação de Guimarães, acordam em julgar improcedente a apelação da embargada, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela embargada- art.527º, nº1 e 2 do CPCivil
Notifique
Guimarães,  2 de Março de 2023

Os Juízes Desembargadores
Relatora: Maria Eugénia Pedro
1ºAdjunto: Pedro Maurício
2ºAdjunto: José Carlos Duarte