Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2696/09.9TBBCL.G1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
REGULAMENTO (CE) 44/2001
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/25/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - A competência do Tribunal, em geral, deve ser aferida em função do pedido formulado pelo autor e dos fundamentos (causa de pedir) que o suportam, ou seja, de acordo com a relação jurídica tal como é configurada pelo autor na petição inicial ( quid disputatum ou quid dedidendum ).
II - A competência internacional pressupõe que o litígio, tal como o autor o configura na acção, apresenta um ou mais elementos de conexão com uma ou várias ordens jurídicas distintas do ordenamento do foro.
III - Caindo determinada situação no âmbito de aplicação v.g. de um concreto Regulamento comunitário, e porque as regras internacionais integram-se no ordenamento jurídico de cada Estado, quando o Tribunal português é chamado a conhecer de uma causa em que haja um elemento de conexão com a ordem jurídica de outro Estado contratante, deverá ignorar as regras de competência internacional da lex fori, antes deve aplicar as regras uniformes do Regulamento.
IV - Alegando o autor na petição inicial factualidade [ v.g. que acordaram os outorgantes em submeter a venda à incoterm EXW, cumprindo a autora a sua obrigação de entrega da mercadoria ao comprador/réu nas instalações da primeira de Portugal ] que permite subsumir o contrato outorgado com a Ré na previsão da “Competência especial” a que alude o artº 5º, nº1, alínea b), primeira parte, do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22/12/2000, tal é por si suficiente para considerar o tribunal português onde a acção foi interposta como competente (internacionalmente) para a julgar.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 2ª Secção CÍVEL Do Tribunal da Relação de Guimarães
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1.Relatório.
F..,SA, com sede de Barcelos, Braga, veio intentar acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra R.., SRL, com sede em Bucareste, na Roménia, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 864.673,50, relativo ao fornecimento de mercadorias.
Para tanto alegou, em síntese, que :
- Nos anos de 2004 a 2006, vendeu e entregou à demandada diversa mercadoria de vestuário da marca Riverwoods, tendo a mesma sido entregue à Ré, e tal como de resto foi acordado/convencionado entre ambas, nas instalações da autora de Vila Nova de Famalicão, isto até Setembro de 2005 , e de então em diante, da Trofa;
- Na sequência do referido, e porque ademais acordaram as partes em submeter a compra e venda indicada ao regime do incoterm EXW, a Ré levantou as mercadorias que a autora lhe vendeu, o que fez nas datas e nos locais acordados, procedendo ela mesma por sua conta e risco à sua expedição de Portugal para a Roménia;
- Não obstante, não procedeu a Ré ao pagamento das facturas que a autora emitiu, e isto apesar das diversas interpelações para o efeito;
1.1. - Citada a Ré, veio a mesma apresentar contestação, deduzindo defesa por impugnação e excepção , sendo que no âmbito desta última veio arguir a excepção de incompetência absoluta do tribunal para conhecer da acção, aduzindo para tanto que em razão de regra de competência internacional aplicável ao caso, é antes na Roménia que a acção deveria ter sido proposta.
1.2.- Após a designação de dia para a realização de uma audiência preliminar, veio a diligência a ser dada sem efeito, atravessando nos autos o Exmº Juiz titular decisão que, conhecendo da excepção dilatória arguida pela Ré na respectiva contestação, declarou o tribunal internacionalmente incompetente para o conhecimento do pedido formulado, e , consequentemente, absolveu a Ré da instância , ao abrigo do disposto nos artºs 101º, 102º ,103º e 105º, n.º 1, todos do C.P.C.
1.3.- Entretanto, porque os pretensos créditos da autora foram cedidos às sociedades H.., SA, N.., SA, S.., Lda, A.. e J.., passaram os presentes autos - na sequência de incidente de habilitação - a prosseguir termos com todas as referidas “entidades” na posição de autores, sem substituição da autora primitiva.
1.4.- Notificados da decisão indicada em 1.2., atravessaram nos autos os AA H.., SA, N.., SA, S.., Lda, A.. e J.., instrumento de interposição de apelação, o que fizeram aduzindo as seguintes conclusões:
1. O requerimento redigido em língua estrangeira junto aos autos pela R. acompanhado de uma tradução particular sem qualquer valor oficial não pode ser julgado admissível como contestação e não corresponde à prática de um acto processual legal.
2. Entender diferentemente como se fez na decisão em crise (e, segunda na mesma se alega, numa putativa decisão implícita) viola o nº 1 do Art. 139º CPCiv. que exige que nos actos judiciais se use a língua portuguesa, pelo que deve tal alegada contestação ser desentranhada dos autos.
3. E, tendo já sido junta aos autos procuração forense passada pela R. a Ilustre mandatário judicial, devem considerar-se confessados os factos articulados pela A. e julgar-se por força de sentença constituída apenas por parte decisória, precedida de identificação das partes e de fundamentação sumária do julgado - cfr. nº 1 e 3 do Art. 484º CPCiv..
4. O requerimento da R., além disso, não é articulado, violando o nº 2 do Art. 151º CPCiv.
5. Não trazia duplicados, violando o Art. 152º do mesmo diploma.
6. E, por fim, não veio acompanhado de comprovativo do pagamento prévio de taxa de justiça.
7. Perante tudo isto aceitar que tal documento possa valer como contestação acarreta errada interpretação e por isso violação dos invocados preceitos legais assim como do Art. 486º-A CPCiv..
8. Mais: ocorre nulidade da Douta decisão em crise já que nem sequer conheceu de todos os fundamentos invocados pela Apelante para que a dita “contestação” fosse desconsiderada e desentranhada dos autos, maxime, o não pagamento prévio da taxa de justiça e o facto de não ser articulada – cfr. al. d) do nº 1 do Art. 668º CPCiv..
9. Deve, por isso, ser tal documento desentranhado dos autos e proferida decisão de mérito, considerando assente a factualidade alegada pela Apelante.
10. De todo o modo, a decisão de mérito da causa é, também ela, errada por violadora da lei.
11. Desde logo viola o princípio da cooperação plasmado no Art. 266º CPCiv assim como os poderes-deveres de usar de direcção do processo e do inquisitório, consubstanciando uma verdadeira decisão surpresa.
12. O que acarreta violação de tais preceitos e do Art. 265º nº 1, 2 e 3 CPCiv.
13. Antes devendo o Tribunal, ainda que fosse aceitável o seu entendimento – e crê-se que não é – convidado ou dado oportunidade à A. de fazer a prova da sua acção, designada e eventualmente, juntando aos autos o documento que, na opinião do próprio Tribunal, o faria decidir de modo distinto.
14. Não existindo como não existe tal documento escrito existem todavia as 19 facturas juntas as autos e em que constam expressamente os seguintes dizeres: Condições de venda: EXW Trofa
15. Dizeres que, como é evidente, expressam que o contrato (ou contratos) de compra e venda de mercadoria celebrado entre as partes ficou(aram) expressamente sujeito(s) ao regime do INCOTERM EXW, conforma consta, literalmente das competentes facturas.
16. Tais documentos não podem, por isso, valer com um sentido diferente, designadamente o atribuído pelo Tribunal, que contra toda a lógica, e apenas porque existe referido um local de destino, cria para a vendedora, contra o que expressamente foi acertado como condição de venda, uma obrigação de entrega em Bucareste, na Roménia.
17. Violando e contrariando não só o acordado e sempre praticado entre as partes como o que consta dos únicos documentos que titulam as relações comerciais entre as mesmas - as facturas dadas à cobrança nestes autos.
18. É sabido e unanimemente aceite pela Doutrina e Jurisprudência que os Incoterms são regras criadas pela Câmara de Comércio Internacional, significando o incoterm EXW (ex works) que a mercadoria é entregue no estabelecimento do vendedor, em local designado, recebendo-a o comprador no local da produção, na data combinada.
19. O que foi expressamente alegado, tendo-se vertido na PI que a Ré sempre recebeu os bens comprados nas instalações da A., inicialmente as sitas na Rua do Progresso, lote 8, Vilarinho das Cambas, Vila Nova de Famalicão e, posteriormente, após Setembro de 2005, na Rua das Cavadas, 161, Trofa.
20. O Local de destino não é nem nunca foi o local de entrega pela A. à R..
21. Nem sequer a R. se atreveu a alegar no seu ilegal requerimento que a A. se obrigara a entregar as mercadorias na Roménia, em Bucareste, na sua loja.
22. O levantamento das mercadorias nas instalações da A. ficava a cargo da R., que tratava ainda do seu despacho e transporte para Bucareste, algo a que a A. era alheia.
23. Para além de decidir contra a letra e sentido das únicas declarações negociais válidas (e conhecidas) quanto ao que as partes consagraram como condições de venda, ao dizer que o contrato até à data não foi junto aos autos pela A. e seus sucessores (sic) o Tribunal a quo assumiu que caso existisse nos autos documento que titulasse o dito contrato o mesmo alteraria o sentido da sua decisão.
24. Assim, proferir saneador sentença sem convidar a parte a juntar o documento e sem fazer sequer julgamento, impedindo a cabal instrução do processo é uma decisão surpresa que acarreta violação do nº 2 do Art. 265º, da al. a) do nº 1 do Art. 508º e do nº 4 do Art. 510º, todos do CPCiv..
25. Acarretando ainda violação dos Arts 236º e 238º CCiv, por dar às facturas e declaração negocial nas mesmas vertidas um entendimento que é estranho à sua letra e ao sentido que uma pessoa normal daria à expressão condições de venda EXW Trofa, como, de resto, se ensina no Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de Acórdão 26-04-2007 invocado em que se diz claramente que A cláusula "EXW" aposta em documento respeitante ao sobredito contrato significa que a única responsabilidade do vendedor é tornar os bens disponíveis nas suas instalações, não sendo responsável pelo carregamento dos bens no veículo fornecido pelo comprador, a não ser que o contrário tenha sido acordado, suportando o comprador, inteiramente, os custos e o risco envolvidos no transporte dos bens das instalações do vendedor para o destino desejado.
26. Atento o exposto, a decisão em crise, violou ainda a alínea b) do nº1 do artigo 5º do o Regulamento (CE) nº 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000 que enuncia que “o lugar do cumprimento da obrigação será, no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues – que era a TROFA Portugal, nas instalações da A..
27. Violando igualmente os Arts 41º e 774º CCiv. bem como o Art. cfr. Art. 65º-A CPCiv.
Nestes termos, nos mais de Direito e sempre com o Mui Douto suprimento de V. Exas. deve ser concedido provimento ao presente recurso de apelação e, em consequência, ser revogado o despacho saneador sentença, sendo substituído por outro declare a competência do Tribunal e ordene o prosseguimento dos autos, com a instrução e julgamento da causa como é de inteira, JUSTIÇA.
1.5.- Não houve contra-alegações.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões ( daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória , delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem) das alegações do recorrente (cfr. artºs. 684º nº 3 e 685º-A, nº 1, ambos do Código de Processo Civil - com as alterações introduzidas pelo DL nº 303/07, de 24 de Agosto - revogado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho - cfr. artº 7º, nº1, deste último diploma legal ), as questões a apreciar e a decidir são as seguintes :
- Primo : Aferir se o despacho saneador sentença deve ser revogado, sendo substituído por outro que declare a competência do Tribunal e ordene o prosseguimento dos autos;
- Secundo: Apurar se a decisão interlocutória indicada no item 2.6. da motivação de facto do presente Acórdão padece do vicio de nulidade, nos termos do nº1, alínea d), do artº 668º, do CPCivil;
- Tertio : Aferir se a decisão interlocutória indicada no item 2.6. da motivação de facto do presente Acórdão enferma de error in judicando;
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2.- Motivação de facto
Considerou o tribunal a quo, na decisão apelada, resultar dos autos, assente , a seguinte factualidade :
2.1. - A ré, ora demandada, é uma sociedade com sede em Bucareste, sector 5, Sos. Panduri, 71, Roménia;
2.2. - A autora intentou a presente acção peticionando o pagamento devido pela venda dos produtos mencionados nas facturas acima referidas;
2.3. - Mais alegou a autora não ter a ré liquidado o preço relativo aos ditos produtos mencionados nas ditas facturas;
2.4. - Consta das facturas juntas pela autora aos autos o seguinte texto (entre o mais): “ Local de entrega/Livraison/Delivery: Ex.mos Senhores R.. SRL Centrul Comercial Orhideea Magazin 56 River Woods 210-210B Splaiul Independente/Roménia” ou “ Local de entrega/Livraison/Delivery: Ex.mos Senhores R..SRL Centrul Comercial Orhideea Magazin 56 River Woods 210-210B Bucaresti sector 6/Roménia” e “ Condições de venda: Exw Trofa Fabricado em Portugal”.
Porque pertinente para o conhecimento da presente apelação, do processado nos autos retira-se ainda que :
2.5.- Na sequência do articulado/contestação apresentado nos autos pela Ré, atravessou a autora nos autos um requerimento, a 11/1/2010, nele solicitando, v.g., que :
A - o documento apresentado pela Ré, qual articulado de contestação, porque redigido em Inglês, não ser atendido como efectiva oposição, impondo-se portanto o seu desentranhamento dos autos , e , consequentemente, ser a acção julgada com base na factualidade alegada na petição, que deve ter-se como confessada ;
B - a não vingar o referido em A, deve ainda assim o mesmo documento da Ré, porque não articulado, sem o pagamento de taxa de justiça e sem duplicados, ser desentranhado dos autos, ou, no mínimo, desconsiderado, decidindo-se a causa como é de lei, condenando-se a R. nos exactos termos formulados.
2.6.- A preceder a decisão a que se alude em 1.2. do presente Ac., proferiu o Exmº Juiz a quo o seguinte despacho :
“ Como se depreende do despacho de fls. 654 proferido em acta, considerou já (ainda que implicitamente) válida a contestação apresentada, o que, expressamente e desde já se reitera, na medida em que a mesma foi oportunamente traduzida (assim como os documentos que a acompanham) tendo sido paga a taxa de justiça em falta.
Pelo exposto, há-de o processo prosseguir.”
2.7. - É do seguinte teor o despacho indicado em 2.6. e proferido em acta :
“ Na contestação que apresentou, com base num alegado contrato de venda celebrado a 15-07-2003, cuja tradução consta de fls. 568 e ss., suscita a R. como questão prévia a incompetência internacional deste Tribunal.
Com base nesse mesmo contrato invoca também a R. que este litígio deverá ser dirimido de acordo com a lei substantiva da Roménia.
A questão da competência internacional do Tribunal é o primeiro dos pressupostos processuais que cumpre apreciar , para o que se torna necessário obter o original do referido contrato, por forma a apurar se o mesmo foi ou não validamente subscrito pelos administradores que representavam a A., o que é negado por esta no articulado subsequente à contestação.
Determina-se, face ao exposto, que a R. seja notificada para no prazo de 15 dias juntar ao processo o original do alegado contrato de 15-07-2003, oportunamente se agendando data para continuação desta audiência preliminar “.
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3.Motivação de Direito.
Porque, como se nos afigura manifesto, a apreciação da questão sobre a qual incide directamente a apelação (a da excepção dilatória da incompetência do tribunal e que integra o objecto central do recurso ) merece ser tratada com prioridade - consubstanciando de resto excepção dilatória de conhecimento oficioso - relativamente à impugnação da decisão intercalar da “validade” da contestação , é sobre a mesma que nos debruçar de imediato.
3.1.- Se o tribunal a quo é internacionalmente incompetente para conhecer da presente acção, tal como o decidiu a primeira instância.
Como vimos supra, no âmbito do objecto central da apelação interposta, cabe apreciar da competência internacional do tribunal a quo para conhecer da acção de condenação de obrigação pecuniária intentada pelos apelantes, importando pois aferir da efectiva verificação de excepção dilatória da incompetência absoluta, excepção que, podendo ser suscitada oficiosamente pelo tribunal (cfr. artº 102º, nº1, do CPC), foi pelo tribunal de primeira instância considerado que se verificava, ainda que no seguimento da respectiva arguição pela Ré apelada.
A propósito da questão da competência internacional dos tribunais portugueses para de determinada acção poderem conhecer, como bem explica o STJ (1), justifica-se que seja ela trazida à colação quando a causa, através de qualquer um dos seus elementos, tem conexão com uma outra ordem jurídica, além da portuguesa , ou , melhor, quando determinada situação, apesar de possuir, na perspectiva do ordenamento jurídico português, uma relação com uma ou mais ordens jurídicas estrangeiras, apresenta também uma conexão relevante com a ordem jurídica portuguesa, sendo que, é aos tribunais portugueses que cabe aferir da sua própria competência internacional, de acordo com as regras de competência internacional vigentes entre nós.
Em conclusão, como referem Antunes Varela e outros (2) “a competência internacional (…), designa a fracção do poder jurisdicional atribuída aos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros, para julgar as acções que tenham algum elemento de conexão com ordens jurídica estrangeiras .Trata-se, no fundo, de definir a jurisdição dos diferentes núcleos de tribunais dentro dos limites territoriais de cada Estado”.
Dito isto, e antes de mais, importa precisar que é em face do pedido formulado pelo autor e pelos fundamentos ( causa petendi ) em que o mesmo se apoia, e tal como a relação jurídica é pelo autor delineada na petição ( quid disputatum ou quid dedidendum ), que cabe determinar a competência do tribunal para de determinada acção poder/dever conhecer . (3)
Ou, dito de uma outra forma, a competência “ afere-se nos termos em que a acção é proposta e não à luz dos factos ou razões aduzidas pelos demandados, não havendo, deste modo, motivo que justifique a sua apreciação à luz da versão da Ré, nem a relegação do seu conhecimento para final ”, ou seja , “ a determinação do tribunal internacionalmente competente está condicionada à natureza da relação jurídica configurada pelo Autor, ou seja, da causa de pedir por este invocada e ao pedido formulado “ (4)
Depois, nos termos dos artigos 17º, n.º 2, e 22º, nº1, ambos da LOFTJ (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro ) , importa não olvidar que é a lei do processo que fixa os factores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais, sendo que, “A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram “.
Ora, no âmbito da lei do processo, rege o artigo 61.º do Código de Processo Civil , o qual preceitua que “Os tribunais Portugueses têm competência internacional quando se verifique alguma das circunstâncias mencionadas no artigo 65.
Por sua vez, reza o artº 65º, do CPC, no respectivo nº1, que “ Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, a competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação de alguma das seguintes circunstâncias :
a) Ter o réu ou algum dos réus domicílio em território português, salvo tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro;
(…)
2. Para efeitos da alínea a), do número anterior, considera-se domiciliada em Portugal a pessoa colectiva cuja sede estatutária ou efectiva se localize em território português, ou que aqui tenha sucursal, agência ,filial ou delegação “.
Na sequência das disposições processuais legais acabadas de referir, desde logo se constata que elas próprias ( maxime o nº1, do artº 65º do CPC ) clarificam que , no âmbito da aferição da competência internacional dos tribunais portugueses, importa todavia salvaguardar as normas ( que prevalecem ) constantes de tratados, convenções , regulamentos comunitários e leis especiais ratificadas ou aprovadas, que vinculem internacionalmente (5) o Estado Português, o que tudo importa inevitavelmente o reconhecimento do primado do direito internacional convencional ao qual o Estado Português se encontre vinculado sobre o direito nacional, designadamente a prevalência do direito comunitário sobre o direito nacional.
Concluindo, tudo conduz a que, a aplicação das disposições legais do CPC que fixam e estabelecem os factores de atribuição da competência internacional dos tribunais portugueses, mostra-se negativamente delimitada pelo das convenções internacionais regularmente ratificadas e/ou aprovadas, e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português (6), razão porque, caindo determinada situação no âmbito de aplicação v.g. de um concreto Regulamento , as normas deste último prevalecem sobre as normas de direito interno que regulam a competência internacional .
De resto, porque as regras internacionais integram-se no ordenamento jurídico de cada Estado , quando o Tribunal português é chamado a conhecer de uma causa em que haja um elemento de conexão com a ordem jurídica de outro Estado contratante, deverá ignorar as regras de competência internacional da lex fori, antes deve aplicar as regras uniformes do Regulamento.(7)
Chegados aqui, e em face do alegado pelos apelantes na petição inicial, manifesto é que, in casu, o quid disputatum ou quid dedidendum apresenta diversos elementos de conexão ( vg. quanto ao local da entrega e do destino das mercadorias vendidas ) que se relacionam, quer com o ordenamento jurídico Português, quer com a ordem jurídica da Roménia.
Estamos, portanto, perante litígio que, inquestionavelmente, encontra no âmbito do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22/12/2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial [ que entrou em vigor em 1.3.2002 e que substituiu, entre os Estados Membros da União Europeia, – com excepção da Dinamarca – a Convenção de Bruxelas de 1968, sendo directamente aplicável a todos os Estados Membros ] o espaço adequado e específico de onde há-de brotar a solução da presente instância recursória .
Vejamos, pois, o que nos diz ele.
Ora, começando pelo nº 1, do respectivo artº 2º, reza ele, sob a epígrafe de “condições Gerais”, que “Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado “, mas, do dispositivo imediatamente a seguir ( o 3º,nº1) , logo se excepciona que “ As pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado-Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo “.
Já sob a epigrafe de “ Competências especiais”, dispõe o artº 5º do citado Regulamento que:
Uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro:
1.
a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;
b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:
- no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues,
- no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;
c) Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a);
(…) “.
Interpretando, conjugadamente, as disposições do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 16 de Janeiro, acabadas de citar e transcrever parcialmente, duas notas/observações se impõem desde logo efectuar.
A primeira, a de que (8) a obrigação relevante para a fixação da competência jurisdicional é, no tocante aos tipos contratuais referidos no artº 5º,nº1, unicamente a obrigação característica do contrato e não, por exemplo, a correspondente obrigação de pagamento de uma quantia em dinheiro.
A segunda, a de que, fixando o artº 2º, nº1, um principio geral, em matéria contratual, aduz já o artº 5º, nº1, uma regra excepcional, sendo ambas susceptíveis de utilização em termos alternativos, ou seja, ao invés da regra geral da competência do tribunal do domicílio do réu , pode o demandante lançar mão de uma regra de competência especial em matéria contratual, vg. demandando o réu no tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deve ser cumprida.(9)
Aqui chegados, no seguimento do acabado de expor, e tendo presente, importa não olvidar, que é em função do que a apelante alegou na petição inicial que importa aferir se o tribunal português é ou não o competente para a acção, e , bem assim, que para efeitos da aplicação do referido regulamento, uma sociedade ou outra pessoa colectiva ou associação de pessoas singulares e colectivas tem domicílio no lugar em que tiver a sua sede social ( cfr. artº 60º), dir-se-á que a primeira alternativa ao dispor da apelante era a de intentar a acção na Roménia.
Vejamos, de seguida, se permitido era ainda à apelante intentar a acção em Portugal, e isto agora ao abrigo da possibilidade especial de intentar a acção no tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação e que é o lugar onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues.
Ora, a respeito de tal matéria , alegou a apelante ( como se refere no Relatório do presente Ac. e decorre dos artºs 5º , 6º, 15º, 18º e 19º, todos da petição ) que vendeu e entregou à demandada diversa mercadoria de vestuário da marca Riverwoods, e tal como de resto foi acordado/convencionado entre ambas, foi a mercadoria vendida entregue à Ré nas próprias instalações da autora de Vila Nova de Famalicão, isto até Setembro de 2005, e de então em diante, nas instalações da Trofa.
Mais alegou a autora/apelante, que ambas as “partes” acordaram ainda em submeter a compra e venda outorgada ao regime do incoterm EXW, razão porque sempre entregou a mercadoria vendida à Ré em Portugal, designadamente nas suas instalações, locais onde a própria Ré as levantou através de um transportar, ao qual competia/incumbia depois diligenciar por sua conta e risco à respectiva expedição de Portugal para a Roménia.
No essencial, portanto, tal como a relação jurídica foi pelo autor delineada na petição - quid disputatum ou quid dedidendum - , constata-se assim que se mostra alegada pela apelante no referido articulado factualidade subsumível à previsão da alínea b), primeira parte, do nº1 artº 5º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 16 de Janeiro, a saber, situar-se em território Português o lugar onde, nos termos do contrato, os bens foram ou deviam ser entregues.
Acresce que, alegando a autora/apelante, que ambas as “partes” acordaram ainda em submeter a compra e venda outorgada ao regime do incoterm EXW, recorda-se que o inconterm EXW ( do grupo E , correspondendo a uma abreviatura da expressão “ex works“ ) é precisamente aquele que encerra uma menor intensidade obrigacional - obrigação mínima - para o vendedor , cumprindo o vendedor a sua “ (…) obrigação de entrega logo á partida, no local da produção ou fábrica, sendo esse o momento em que o risco se transfere “. (10)
E explicando melhor o significado/alcance do inconterm EXW, o único do grupo E, ainda que socorrendo-se para tanto de Menezes Cordeiro (11), refere ainda André de Matos Coelho e Sousa Marques (12) que “ Segundo a previsão A4 deste incoterm, o vendedor cumpre a sua obrigação de entrega quando, na data ou dentro do prazo acordados, colocar a mercadoria à disposição do comprador, no local mencionado para a entrega, sem carregamento em qualquer veiculo transportador. Grosso modo, a mercadoria será entregue na “Fábrica” ( nas instalações do vendedor), sendo o transporte alheio ao vendedor”.
Em suma, e porque como vimos já, mas insiste-se, é em face do pedido formulado pelo autor e pelos fundamentos ( causa petendi ) em que o mesmo se apoia, e tal como a relação jurídica é pelo autor delineada na petição ( quid disputatum ou quid dedidendum ), que cabe determinar a competência do tribunal para de determinada acção poder/dever conhecer, em face do alegado pelo autor na petição inicial tudo aponta para que a acção possa ser intentada em Portugal, verificando-se a previsão da alínea b), primeira parte, do nº1 artº 5º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 16 de Janeiro.
É certo que, pela leitura/análise que o a quo faz dos documentos/facturas juntas com a petição inicial pela apelante [ no sentido de que nelas se mostra indicado uma morada da Roménia como sendo o local de entrega da mercadoria ] , mas que é contrariada pela apelante [ no sentido de que nas facturas antes se mostra aposta a referência de “Condições de venda : EXW Trofa “ ] , das mesmas decorre expressamente que o local da entrega da mercadoria é na Roménia , e , daí - no entendimento da primeira instância - a competência internacional desde último País para a propositura da acção.
Sucede que, e para além da referida “leitura” se mostrar contrariada pela autora/apelante, o que importa é que os factos que ao Juiz incumbe atender, até para efeitos de aferição da excepção dilatória da incompetência, são aqueles que pelas partes tenham sido alegados nos articulados, “local” este o apropriado para as partes exporem os fundamentos da acção e da defesa, sendo que , cabendo às partes alegar os factos que integram a causa de pedir, o Juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes ( cfr. artºs 151º e 264º, ambos do CPC), isto por um lado .
E, por outro, já no que aos documentos concerne ( v.g. as facturas), não são eles factos ( a se ), mas meros elementos de prova de factos que, obviamente, hão-de obrigatoriamente pelas partes ser alegados nos respectivos articulados.
Importando finalmente concluir, porque a determinação do tribunal internacionalmente competente está condicionada à natureza da relação jurídica configurada pelo Autor na petição, e porque in casu na referida peça alega o autor factualidade ( que de resto - a bem da verdade - e de todo não se mostra infirmada pelo teor dos documentos/facturas juntas pela apelante, constando efectivamente das mesmas a referência :“Condições de venda : Trofa “ ) que cabe na previsão da “Competência especial” a que alude o artº 5º, nº1, alínea a) e b) do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22/12/2000, a apelação tem necessariamente que proceder, devendo considerar-se o tribunal português onde a acção foi interposta como competente (internacionalmente) para a julgar.
Destarte, em face do exposto e sem necessidade de mais considerações, deve a apelação dos apelantes proceder, impondo-se a revogação da decisão recorrida, devendo em consequência os autos prosseguirem os seus ulteriores trâmites legais .
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3.2. - Se a decisão interlocutória indicada no item 2.6. da motivação de facto do presente Acórdão padece do vicio de nulidade, nos termos do nº1, alínea d), do artº 668º, do CPCivil.
Diz a apelante que o tribunal a quo, na decisão que consta do item 2.6. da motivação de facto do presente Acórdão, não conheceu de todos os fundamentos que, no requerimento que atravessou nos autos a 11/1/2010 ( o indicado no item 2.5. da motivação de facto do presente Acórdão ) , justificaram/alicerçaram o pedido nele deduzido de desconsideração nos autos do pretenso articulado/contestação da Ré, impondo-se portanto o seu desentranhamento.
Designadamente, diz a apelante que no despacho referido não se pronunciou o Exmº Juiz sobre a “questão” suscitada do não pagamento prévio da taxa de justiça e do facto de a peça em causa não se “apresentar” articulada.
Ora, nada obstando a que no tocante ao despacho visado pela apelante possa ser arguido o vício (error in procedendo) de procedimento/processual subsumível à previsão do artº 668°, nº1, alínea d), do CPC, pois que, em razão do nº3, do artº 666º, do CPC, é o disposto no citado dispositivo legal aplicável aos próprios despachos, o certo é que, em rigor, não padece a decisão em causa do vício que lhe é assacado e isto apesar de, importa reconhecer, ser o despacho do a quo demasiado sintético e parco em considerações justificativas para o decidido.
É que, nele, e expressis verbis , refere o Exmº Juiz a quo que , no tocante à contestação apresentada pela ora apelada, expressamente reiterava a sua validade , a que acresce que , refere ainda, foi “ paga a taxa de justiça em falta.”
Dir-se-á, em razão do referido, que apesar de bastante pobre e superficial em sede de fundamentação, no despacho visado não deixou o tribunal a quo de resolver as questões acima indicadas e as quais a apelante no seu requerimento de 11/1/2010 submeteu à apreciação do tribunal.
Destarte, improcede portanto a 8 ª conclusão da apelação .
3.3. - Se a decisão interlocutória indicada no item 2.6. da motivação de facto do presente Acórdão enferma de error in judicando
Com referência, ainda à decisão interlocutória indicada no item 2.6. da motivação de facto do presente Acórdão, e porque nela o Exmº Juiz a quo reputa de “válida” a contestação da Ré, diz a apelante que padece tal decisão de error in judicando , e isto na medida em que a “peça” da ré não se mostra articulada ( nos termos do artº 151º,nº2, do CPC), não foi acompanhada de tradução legal, e , ademais, com ela não foi junto um qualquer documento comprovativo do pagamento prévio da taxa de justiça.
Conclui assim a apelante, que em razão dos apontados vícios, “obrigado” estava o a quo a, ao invés de considerar “válida” a contestação, decidir precisamente de modo contrário, determinando o seu desentranhamento dos autos, e, consequentemente, proferir de imediato decisão de mérito, considerando provada a factualidade alegada pela autora na petição.
Adiantando desde já o nosso veredicto, temos para nós que de todo não estava o a quo “obrigado” à prolação de uma tão drástica decisão, não encontrando ela uma qualquer fundamentação legal que a sustentasse.
Desde logo, e no tocante à falta de junção do documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial, é o próprio artº 150-A, nº2, do CPC , que , expressamente, afasta a aplicação imediata de uma qualquer sanção, no seguimento aliás das opções que o legislador vem fazendo nos sistemas processual e tributário-judicial a partir das Reformas de 1995-1996, caminhando paulatinamente no sentido da eliminação de “preclusões de índole tributária” ( cfr. Preâmbulos do Decreto-Lei nº 224-A/96 e do Decreto-Lei nº 324/2004 ), introduzindo v.g. diversas possibilidades de as partes cumprirem as suas obrigações processuais tributárias , e, só quando todas as novas oportunidades não são aproveitadas, antes são rejeitadas pela parte, impor então a produção de efeitos preclusivos ( vide, a propósito, as possibilidades a que aludem os artºs 150º-A, 476º, 486º-A, o revogado artº 512º-B e o artº 685º-D, todos do Cód. de Proc. Civil ).
Depois, sendo verdade que nos actos judiciais deve a parte usar a língua portuguesa, quando não o faça não fulmina de imediato a Lei adjectiva com a respectiva Nulidade, ou determina desde logo o desentranhamento dos autos da peça pela parte apresentada, nada obstando portanto que o Juiz, ao abrigo do disposto no artº 265º,nº1, ordene a correcção do vício com vista ao imediato e normal prosseguimento da acção, v.g. determinando a junção de competente tradução.
De resto, tal como decorre do nº 2, do artº 140º, do CPC, apenas se justifica que a tradução ( de documentos, é certo, mas que nada obsta a que se aplique mutatis mutandis aos demais actos processuais das partes) seja necessariamente efectuada por notário ou autenticada por funcionário diplomático ou consular do Estado respectivo quando existam dúvidas fundadas sobre a idoneidade da tradução apresentada.
Por fim, impondo a lei adjectiva que nas acções é obrigatória a dedução por artigos dos factos que interessem à fundamentação da defesa ( cfr. artº 151,nº2, do CPC), desde logo para possibilitar/facilitar o exercício do contraditório, permitindo uma melhor apreensão pela parte contrária dos fundamentos da defesa carreada para a contestação, a verdade é que o não cumprimento do apontado ónus ( que consubstancia em rigor mera irregularidade processual ) não implica, também e de imediato, a sua rejeição, devendo em rigor o “articulado “ ficar no processo a aguardar validação.
É que, olvida a apelante, findos os articulados, e nos termos do disposto no artº 508º,nº1, alínea b) , e nº2, deve ( dever vinculado ou obrigação) o juiz convidar as partes a suprir irregularidades dos articulados ou juntar documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa .
Destarte, impondo-se ao Juiz, findos os articulados, a prolação de decisão dirigido para o suprimento das irregularidades dos articulados, manifesto é que, vedado lhe está determinar , numa fase inicial do processo, o imediato desentranhamento de articulado de parte com o fundamento de se mostra ele redigido em incumprimento do disposto no artº 151º,nº2, do CPC.
Em razão de tudo o acabado de expor, e mais não se justifica dizer, nada obriga à revogação da decisão interlocutória do a quo e impugnada pela apelante na apelação dirigida para o despacho saneador que pôs termo ao processo.
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4- Sumariando:
I - A competência do Tribunal, em geral, deve ser aferida em função do pedido formulado pelo autor e dos fundamentos (causa de pedir) que o suportam, ou seja, de acordo com a relação jurídica tal como é configurada pelo autor na petição inicial ( quid disputatum ou quid dedidendum ).
II - A competência internacional pressupõe que o litígio, tal como o autor o configura na acção, apresenta um ou mais elementos de conexão com uma ou várias ordens jurídicas distintas do ordenamento do foro.
III - Caindo determinada situação no âmbito de aplicação v.g. de um concreto Regulamento comunitário, e porque as regras internacionais integram-se no ordenamento jurídico de cada Estado, quando o Tribunal português é chamado a conhecer de uma causa em que haja um elemento de conexão com a ordem jurídica de outro Estado contratante, deverá ignorar as regras de competência internacional da lex fori, antes deve aplicar as regras uniformes do Regulamento.
IV - Alegando o autor na petição inicial factualidade [ v.g. que acordaram os outorgantes em submeter a venda à incoterm EXW, cumprindo a autora a sua obrigação de entrega da mercadoria ao comprador/réu nas instalações da primeira de Portugal ] que permite subsumir o contrato outorgado com a Ré na previsão da “Competência especial” a que alude o artº 5º, nº1, alínea b), primeira parte, do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22/12/2000, tal é por si suficiente para considerar o tribunal português onde a acção foi interposta como competente (internacionalmente) para a julgar.
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5.- Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, na sequência dos fundamentos supra explanados, em :
5.1. - Não conceder provimento à impugnação da decisão interlocutória proferida pelo a quo e indicada no item 2.6. do presente Acórdão;
5.2. - Revogar a decisão proferida no despacho saneador e que pôs termo ao processo, declarando-se o tribunal a quo como competente para conhecer da acção, devendo assim a mesma prosseguir os seus normais termos, o que se determina .
Custas na primeira instância e na Relação, pela apelada.
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(1) Cfr. Acórdão de 8/4/2010 , in www.dgsi.pt. .
(2) In “Manual de Processo Civil” , Coimbra Editora, pág. 188.
(3) Cfr. Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979 , pág. 91, e Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, 1.º, 136..
(4) Cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24/3/2009, in www.dgsi.pt.
(5) Resulta do artº 8º, da CRP, que: 1.As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português. 2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português. 3. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos.
(6) Cfr. Dário Moura Vicente, in Direito Internacional Privado, vol. I, página 249.
(7) Cfr. Mota Campos, in Revista de Documentação e Direito Comparado, nº 22, 1986, pág. 144, citado no Ac. do STJ de 4/3/2010 , in www.dgsi.
(8) Cfr. Dário Vicente, citado no Ac. do STJ de 15/12/2011, Proc. nº 1468/10.2TBBRG.G1.S1, de que é Relator João Bernardo , e que neste conspecto seguimos de perto, estando acessível in www.dgsi.
(9) Cfr. Acs. do Supremo Tribunal de Justiça, citados no douto e já referido Aresto do mesmo STJ e de 15/12/2011.
(10) Cfr. André de Matos Coelho e Sousa Marques, in Temas de Direito dos Transportes, Vol. I, Coord de M.Januário da Costa Gomes, Almedina, 2010, págs. 249 e segs..
(11) In Introdução ao Direito dos Transportes, pág. 17.
(12) ibidem.
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Guimarães, 25 /11/2013
António Santos
Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Duarte