Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
408/22.0T8BRG.G1
Relator: ALEXANDRA VIANA LOPES
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
INTERPRETAÇÃO DAS CONDIÇÕES PARTICULARES E GERAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. As condições particulares e gerais do contrato de seguro devem ser interpretadas nos termos dos arts.236º ss do C. Civil.
2. Num contrato de seguro de bens contra riscos:
2.1. As condições particulares (que declaram segurar um “imóvel” de atividade de Oficina de Reparação de Veículos a Motor e de Estação de Serviço e um “conteúdo” sem discriminação deste; que indicam a localização do risco na A24, com código postal de localidade, sem circunscrição da área quilométrica exata da mesma), no contexto da atividade da autora de exploração de combustível em estações de serviço (sujeita a obrigações legais de publicitação de preços de conhecimento público em painel de sua responsabilidade a colocar a 2 km antes da estação de serviço- art.11º/1 e 2 do DL nº270/2005, na redação do DL nº120/2008, em referência aos arts.1º ss e 6º ss), devem interpretar-se, nos termos do art.236º, 237º e 238º do C. Civil, no sentido que a segurada pretendeu segurar todos os bens da Estação de Serviço situada na A24 na área da ... a Nova (quer os bens que constam dentro do imóvel situado na A24, quer o painel da mesma Estação de Serviço de comercialização de combustível, colocado na mesma A24, 2 km antes da mesma por imposição legal) e que a ré aceitou a abrangência desse objeto e local de risco, uma vez: que aquele é o sentido normal do ato da segurada; que a seguradora aceitou uma definição ampla do objeto, sem diligenciar pela delimitação mais rigorosa e excludente do conteúdo dos bens móveis e da localização do risco, conforme podia face aos seus meios técnicos e profissionais e à obrigação de conhecer as obrigações legais que impendem sobre a segurada; que o “conteúdo” não identificado na apólice está coberto, mediante o pagamento de prémio contratado, até ao valor de € 150 000, 00 e a reparação do dano do imóvel tem um valor na ordem dos € 5 000, 00; que a interpretação está suportada, no mínimo, pelo texto da apólice.
3.2. A interpretação de 3.1. não é afastada pelas condições gerais da apólice, que definem o local de risco no local ou nos locais das condições particulares (que, sendo latas, podem ser ambíguas), uma vez que as condições gerais devem ser interpretadas no sentido mais favorável ao aderente, nos termos do art.11º do DL nº446/85, de 25.10.
Decisão Texto Integral:
As Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte

ACÓRDÃO

I. Relatório:

Na presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, movida por ...- Área de Serviço Unipessoal Lda. contra ... Companhia de Seguros SA:
1. A autora, na sua petição inicial:
1.1. Pediu a condenação da ré no pagamento da indemnização de € 7 498, 97 por danos patrimoniais, acrescida de juros moratórios vincendos, desde a citação até pagamento.
1.2. Alegou, em síntese: que transferiu para a ré a responsabilidade por sinistros do estabelecimento comercial de desenvolvimento de atividade de exploração de combustíveis e conexos, tendo a apólice a franquia de 10%; que
participou à ré um sinistro no painel de preços de combustível de informação implantado na berma da A24, Km 153, decorrente de vandalismo e/ou roubo, que causou danos no painel de informação relativo aos preços de combustível, cujo orçamento de reparação custa o valor de € 7 498, 97; que, inexplicavelmente, a ré considerou que o sinistro estava excluído da cobertura da apólice.
2. A ré apresentou contestação, na qual defendeu: que o painel encontrava-se a 2 km da área de serviço de ... e a 35 km da área de serviço de ..., fora do local de risco- da área de serviço segura; que, de qualquer forma, o valor dos danos deve ser desvalorizado para € 5 296, 69 face à falta de fatura e ao facto dos equipamentos não serem novos, valor ao qual deveria ser deduzida a franquia; que o IVA não é devido, uma vez que não foi suportado, e, mesmo que tivesse sido, seria recuperado, nos termos do art.19º do CIVA; que impugna factos alegados.
3. Por despacho de 21.04.2022: foi fixado o valor da ação em € 7 498, 97; foi proferido despacho de saneamento tabelar; foram admitidos requerimentos de prova; foi designada data para a audiência final.
4. Realizou-se audiência final, na qual:
4.1. A 21.06.2022 foi determinada a junção de documentos requeridos na petição inicial, documentos estes que foram depois juntos.
4.2. A 07.10.2022:
a) As partes declararam que estavam de «acordo quanto à ocorrência do sinistro, os danos ocasionados pelo mesmo e valor a pagar pela seguradora, caso se conclua pela sua responsabilidade, a saber 4.767,02€.», tal como «que o dito painel se situa ao 153,5Km da autoestrada A24, a dois quilómetros da área de serviço descrita nos autos.».
b) O Tribunal ouviu as partes no seguinte sentido «Mostrando-se aceite o sinistro, o valor dos danos a ressarcir, caso se conclua pela responsabilidade da seguradora, pronunciem-se as partes quanto à necessidade de produção da prova testemunhal», após o que os mandatários das partes declararam prescindirem da prova testemunhal anteriormente arrolada.
c) Foram produzidas alegações.
5. A 16.11.2022 foi proferida sentença que julgou improcedente a ação.
6. A autora interpôs recurso de apelação, no qual apresentou as seguintes conclusões:
«1ª
Considera a Apelante que o tribunal “a quo” no julgamento da matéria de facto, deu como não provados factos que atentos os concretos meios de prova produzidos deveriam ter sido julgados como provados.

O concreto ponto considerado incorrectamente julgado como não provado consta do ponto únicoda douta decisão recorrida, com o seguinte teor;- que aquando da celebração do contrato tivesse a R. acesso ao mapa aludido em 13.

Contudo, salvo melhor entendimento, tal decisão está incorrecta, desde logo porque as partes, e no caso a ré, aceitou em sede de audiência de julgamento os factos alegados nos articulados, mormente na petição inicial e no requerimento de resposta às excepções ref. ...33, sem qualquer reserva.

Por conseguinte tendo sido admitidos por acordo os factos relativos ao sinistro nos termos alegados pela autora, o Tribunal não poderia dar como não provado tal facto, razão pela qual a decisão assim proferida enferma de erro de julgamento, que impõem a alteração da matéria de facto nos seguintes termos:
Provando: - que aquando da celebração do contrato a R. teve acesso ao mapa aludido em 13.

Nestes termos requer-se que este Tribunal de recurso, no uso dos poderes de sindicar a decisão proferida sobre a matéria de facto conferido pelo disposto no art. 662º do CPC, proceda á apreciação das alegações e conclusões formuladas e reapreciando os concretos meios de prova produzidos, altere a decisão da matéria de facto impugnada relativa ao concreto ponto julgando-o como provados como supra se referiu, como é de toda a justiça.

A autora explora entre outros, o estabelecimento de estação de serviço e combustível, sito na autoestrada A24, em ..., destinado “ Oficina de reparação veículos a motor; Estação de serviço”.

A autora celebrou com a ré Companhia de Seguros, pela forma escrita, um contrato de seguro denominado “multirriscos empresa” cuja apólice tem o nº ...35.

Tal contrato, mostrava-se válido e eficaz em dezembro de 2020.

Por via de tal contrato de seguro a autora transferiu para a ré a responsabilidade pela ocorrência de sinistros que pudessem vir a ocorrer no estabelecimento objecto do seguro e respectivo conteúdo.
Cfr.
10ª
Nos termos de tal contrato consta que o imóvel e conteúdo objecto de seguro ( local de risco), se situam na A24 – ... – Nó do I... .... Cfr.
11ª
Tal apólice garantia a indemnização ao segurado pelos danos e prejuízos ocorridos no seu prédio e conteúdo, além do mais, em virtude de danos causados por furto e roubo e actos de vandalismo ao limite máximo de 500.000,00 € para o edifício e 150.000,00 € para o conteúdo.
12ª
No inicio de dezembro de 2020, constatou a A. que o painel dos preços de combustível e de informação implantado na berma da A24, Km 153,5, que dista 2 km da estação de serviço não estava a funcionar.
13ª
O dito painel comparativo de preço foi adquirido pela A. em 2009, antes da celebração do contrato com a R., estando inscrito no mapa de amortizações da contabilidade da A..
14ª
No dia 11 de dezembro de 2020 a autora solicitou à empresa M... para verificar a avaria e na sequência das verificações realizadas, aquela empresa comunicou à autora que tinha sido retirado o painel solar e a estrutura de suporte não permitido assim o carregamento das baterias, bem como se encontrava danificada uma das caixas onde se encontravam os dígitos da 1ª linha de combustível e que tinha sido retirados manualmente.
15ª
O prejuízo sofrido pela A. decorrente da reparação do painel ascende a 5296,69€.
16ª
Nos termos do contrato celebrado entre as partes define-se local de risco como “ o local ou locais, expressamente indicados nas condições particulares, onde o segurado exerce a sua atividade e onde os bens se consideram seguros.” Sendo os bens seguros os identificados nas condições particulares ou seja o imóvel e o conteúdo.
17ª
Aquando da celebração do contrato teve a R. acesso ao mapa aludido em 13.
18ª
Considerou erradamente a douta sentença recorrida que o concreto painel comparativo de preços, pese embora fazer parte do conteúdo do estabelecimento de estação de serviço e abastecimento de combustíveis pois costa desde 2009 do mapa de imobilizado da autora, estaria fora do local de risco, conclusão que é errada e desmentida pelos factos provados.
19ª
Resulta manifesto que o estabelecimento comercial objecto do contrato de seguro está descrito nas condições particulares da apólice como “Oficina de reparação veículos a motor;  Estação de serviço”. Com efeito o estabelecimento da Apelante corresponde a uma estação de serviço ou área de serviço alem do mais de abastecimento de combustíveis localizada na auto estrada A24 – ... – Nó do I... ...,
20ª
Tal estabelecimento comercial é assim constituído por um conjunto de edifícios e vasto conjunto de equipamentos, utensílios e acessórios tudo organizado com a finalidade comercial de fornecer bens e serviços aos utentes da auto estrada.
21ª
Temos pois claro que se trata de uma universalidade de facto, abrangendo uma pluralidade de bens imoveis e de bens moveis, equipamentos e outros, todos eles adquiridos, discriminados e especificados no mapa de amortizações existente na contabilidade da Apelante.
22ª
Dessa universalidade faz parte integrante um painel comparativo dos preços, relativamente ao qual ocorreu o ajuizado sinistro, painel que foi adquirido pela Apelante em 2009 e desde e então está discriminado no mapa de imobilizado da contabilidade.
23ª
Não resta assim qualquer duvida de que tal equipamento é parte integrante do conteúdo do estabelecimento de Estação de serviço propriedade da Apelante, e existia como tal á data em que o contrato de seguro foi outorgado entre a autora e ré.
24ª
Com efeito tal equipamento constitui uma obrigação legal da Apelante na exploração comercial da Estação de serviço instalada na auto estrada A ...4, por força dos artigos 6º, 7º, 8º, 11º, do regime jurídico constante do Decreto -Lei n.º 170/2005, de 10 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º120/2008 de 10 de Julho.
25ª
Resulta deste quadro normativo que, apesar do painel comparativo de preços ser parte integrante do estabelecimento de estação de serviço a que corresponde, a sua concreta instalação antecede em dois quilómetros a própria estação de serviço, sem que isso altere a sua natureza de parte integrante da estação de serviço.
26ª
É da responsabilidade dos titulares dos postos de abastecimento a instalação, conservação e manutenção dos painéis comparativos, sendo os custos inerentes à instalação, conservação e manutenção dos painéis comparativos da exclusiva responsabilidade do titular do posto de abastecimento situado imediatamente após (2 Km) a colocação do respectivo painel.
27ª
Ou seja não resta assim qualquer duvida de que instalação, conservação e manutenção do painel comparativo de preço instalado dois quilómetros antes da estação de serviço da Apelante, é exclusivaresponsabilidade da Apelante titular do respectivo posto de abastecimento que está imediatamente após o local da colocação.
28ª
Por conseguinte, fazendo o painel comparativo de preços do combustível parte integrante da estação de serviço de abastecimento de combustíveis, que constitui o objecto da apólice de seguros contratada com a Apelada, a sua concreta localização continua a integrar o local de riscos coberto pela referida apólice.
29ª
Seria impensável que a Apelante tivesse contratado com a Apelada uma apólice de seguros para cobrir diversos riscos discriminados nas condições particulares da apólice, que pudessem afectar o estabelecimento comercial composto pelos imóveis e o seu conteúdo e deixasse fora do abito da apólice um equipamento essencial ou funcionamento do estabelecimento só porque, nos termos da lei, estava instalado dois quilómetros antes do próprio estabelecimento.
30ª
Ora o conjunto da estação de serviço com todos as sua partes integrantes e equipamentos incluído o concreto painel comparativo de preços está localizado na A24 – ... – Nó do I... ..., não resultado da apólice qualquer referência em especial a qualquer concreto quilómetro da auto estrada como sendo o local de risco.
31ª
Por conseguinte o facto de o painel estar instalado na auto estrada A ...4 ao quilómetro 153,5, sendo que a estação de serviço está instalada dois quilómetros mais a frente por imposição legal, não consta nas condições particulares da apólice como exclusão, que apenas se refere ao conjunto do conteúdo.
32ª
De salientar que nem sequer a Apelada alegou alguma vez que desconhecia a existência de tal painel comparativo de preços que precede a estação de serviços, desde logo porque por um lado a sua existência resulta de imposição legal, e por outro é notória a sua existência uma vez que para se aceder á estação de serviço necessariamente tem de se passar por tal equipamento.
33ª
Está provado que no inicio de dezembro de 2020, a Apelante constatou que o painel dos preços de combustível e de informação implantado na berma da A24, Km 153,5 não estava a funcionar, em virtude de actos de terceiro que danificaram e subtraíram componentes de tal painel. Este facto está tipificado nas condições particulares da apólice como evento abrangido no objecto seguro, pelo que apesar da sua especifica localização na auto estrada, não pode deixar de fazer parte integrante da estação de serviço e por conseguinte estar integrado no local de risco assim determinado no quadro da apólice de seguros contratada, e consequentemente gerador da responsabilidade da Apelada indemnizar os prejuízos nela causados.
34ª
Por força do contrato de seguro celebrado, a Apelada assumiu a responsabilidade pela ocorrência de determinados eventos que pudessem vir a ocorrer no estabelecimento comercial da autora composto pelos imoveis e pelo seu conteúdo, tudo conforme melhor discriminado nas condições particulares do contrato, bem como a obrigação de pagar o valor da reparação que esses sinistros traduzissem.
35ª
Ora tendo ocorrido danos na estrutura do painel de preços e seus componentes em virtude da ocorrência de vandalismo e /ou roubo, verificou-se um facto tipificado e abrangido pela eficácia da apólice, que fez espoletar a responsabilidade da Apelada nos termos do contrato celebrado.
36ª
A Apelada sabia e não poderia ignorar a existência de tal painel comparativo de preço, e sabia porque o mesmo constava do mapa de imobilizado da empresa, como ficou provado, mas também porque a existência de tal equipamento para alem de resultar de imposição legal que a Apelada no âmbito da sua actividade de seguradora não pode invocar desconhecimento, bem como tal existência é notóriaa anteceder a respectiva estação de serviço de abastecimento de .
37ª
A Apelada aquando da determinação do prémio de seguro a pagar pela Apelante, não poderia assim ignorar a existência daquele equipamento essencial, cuja localização antecedia a restante estação de serviço dois quilómetros, quer porque tal equipamento integrava o mapa de imobilizado da empresa quer porque a sua existência decorrer de imposição legal.
38ª
Ora, a Apelada fez constar das condições particulares da apólice de seguros que contratou com a Apelante como objecto seguro por um lado o próprio imóvel com determinadas coberturas e limites de indemnização e por outro o conteúdo do estabelecimento no seu conjunto, sem qualquer discriminação. Pelo que conteúdo é tudo quanto, para alem dos imoveis, integra o estabelecimento comercial de estação de serviço seguro, uma vez que nada foi em espacial assinalado ou excluído nas condições particulares da apólice.
39ª
Por assim ser, considerando a Apelante que o concreto painel comparativo de preços que foi alvo de vandalismo e furto, está incluído no âmbito do estabelecimento de abastecimento de combustíveis propriedade da Apelante e por conseguinte integra o local de risco estabelecido nas condições particulares da apólice de seguros, é a Apelada responsável pelos danos causados nesse equipamento, por terem resultado de facto típico abrangido pela mesma apólice, donde resulta a responsabilidade contratual da Apelada em ressarcir a Apelante pelos danos que tal evento lhe causou no valor nunca inferior a 5.296,69 €
40ª
Por conseguinte a douta sentença ora recorrida operou em errado julgamento da matéria e factonos termos supra expostos, bem como operou uma errada interpretação e aplicação das normas jurídicas vertidas nos art. 562º e ss, 798º, 799º e ss. do CC, e art. do 1º, 2º, 6º, 7º, 8º, 11º, Decreto -Lei n.º 170/2005, de 10 de Outubro, razão pela qual deverá ser revogada e substituída por outra que condene a Apelada no pedido, como é de justiça.
TERMOS EM QUE SE REQUER A V. EXA, CONCEDER PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO, E CONSEQUENTEMENTE REVOGAR A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE JULGUE PROCEDENTE A ACÇÃO, CONDENANDO A APELADA NO PEDIDO, E ASSIM SE REALIZARÁ JUSTIÇA
7. A ré respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:
«1. Bem andou a Meritíssima Juiz a quo na douta decisão que proferiu, a qual, como deixamos já afirmado, não nos merece qualquer censura, por se encontrar plenamente alicerçada na factualidade assente, à qual foi efetuada correta aplicação do direito.
2. Os argumentos usados pela Recorrente carecem de consistência, quer do ponto de vista da interpretação dos factos, quer do ponto de vista da aplicação do direito, como infra se demonstrará.
3. Efetivamente, concorda-se com a forma como o Tribunal a quo apreciou a prova, concordando igualmente com as corretas conclusões jurídicas extraídas das premissas de facto estabelecidas.

I – DA MATÉRIA DE FACTO:

4. Defende a Recorrente pela alteração da factualidade dada como não provada, da qual resulta - que aquando da celebração do contrato tivesse a R. acesso ao mapa aludido em 13.
5. Para tal, sustenta a sua posição no acordado pelas partes em sede audiência de discussão e julgamento, tal como decorre da ata da mesma com a referência n.º ...09.
6. Mas, salvo melhor opinião, é falsa a interpretação que a aqui Recorrente faz de tal acordo das partes, já que ficou consignado em ata:
“Seguidamente, pelos I. mandatários das partes, foi pedida a palavra e, no uso da mesma, disseram que estão de acordo quanto à ocorrência do sinistro, os danos ocasionados pelo mesmo e valor a pagar pela seguradora, caso se conclua pela sua responsabilidade, a saber 4.767,02€.
Mais referiram que as partes estão acordadas no sentido que o dito painel se situa ao 153,5Km da autoestrada A24, a dois quilómetros da área de serviço descrita nos autos.”
7. Diferente, e errada, é a interpretação que a Recorrente faz, ao considerar, nos artigos 3.º e seguintes das conclusões formuladas, já que as partes acordaram, tão só e apenas, e como ficou expresso na douta sentença: a ocorrência do sinistro, os danos ocasionados pelo sinistro e, a se considerar existir responsabilidade da seguradora, a indemnização se fixar em € 4.767,02.
8. Assim, não se mostraram as partes acordadas, como erroneamente conclui a aqui Recorrente, quanto aos factos alegados nos articulados, nomeadamente quanto ao alegado na petição inicial e no requerimento de resposta às exceções, sem qualquer reserva.
9. Se assim fosse, entendimento com o qual a Recorrida não se conforma nem se pode conformar e apenas se coloca por mera hipótese, porque não corresponde à verdade dos factos, as partes estariam a transigir quanto ao litígio, o que equivaleria a que a Ré/Recorrida reconheceria que o referido painel faria parte integrante do estabelecimento comercial da Autora/Recorrente e, como tal, integrava o local de risco objeto do contrato de seguro, confessando-se a Ré/Recorrida devedora da referida quantia de € 4.767,02.
10. E se assim fosse, os autos terminariam por transação, a ação não teria corrido os seus termos e culminado na prolação de sentença pelo Tribunal a quo, a qual não nos merece qualquer censura, já que tal como refere a mesma, por referência ao consignado em ata, a única questão que as partes entenderam estar controvertida é a de saber se o painel em causa nos autos integra o local de risco/o estabelecimento da
A. objecto do contrato de seguro.
11. Ainda, a Recorrente conclui pela responsabilidade contratual da Recorrida no ressarcimento dos danos que o evento lhe causou no pagamento de uma indemnização de valor nunca inferior a € 5.296,69.
12. Certamente por lapso a Recorrente peticiona tal valor, já que as partes acordaram que, a ser a Recorrida responsabilizada, sê-lo-ia pelo valor de € 4.767,02, pelo que nunca o poderá ser pelo valor indicado pela Recorrente que, como se referiu, decerto se trata de um mero lapso de escrita.
13. Pelo exposto, não pode tal argumento colher proveito, pelo que se deve manter a sentença proferida nos seus exatos termos, conservando a factualidade dada como assente e provada e a factualidade dada como não provada.

II – DA MATÉRIA DE DIREITO: O PAINEL COMPARATIVO DE PREÇOS COMO PARTE INTEGRANTE DO CONTEÚDO DA ESTAÇÃO DE SERVIÇO E DEFINIDO COMO OBJETO SEGURO NO CONTRATO DE SEGURO

14. Defende a A./ Recorrente que, fazendo o painel comparativo de preços do combustível parte integrante da estação de serviço de abastecimento de combustíveis, que constitui o objeto do contrato de seguro celebrado entre as partes, a sua concreta localização continua a integrar o local de riscos coberto pela referida apólice.
15. Atenta a factualidade dada como provada e assente, pressupondo o acordado pelas partes, e a factualidade dada como não provada, no que ao caso importa, e como se explanará infra, a exclusão do painel comparativo de preços situado a 2km da estação de serviços no contrato em mérito prende-se com o local de risco.
16. O local de risco, enquanto elemento essencial na determinação do risco – tal como decorre das Condições Gerais juntas aos autos (Cláusula 1ª. Definições) – foi objeto de negociação entre os contraentes, fixado como a Área/ Estação de Serviço de ..., denominada Estação de Serviço A24 – ... – Nó do I..., ..., Viseu.
17. É no local de risco que se integram os objetos seguros, isto é, onde os bens se consideram seguros e que constituem o objeto do contrato de seguro e encontram-se identificados nas Condições Particulares.
18. O risco assume-se assim com caráter de essencialidade e determinação do objeto do contrato de seguro, que se inclui no seu núcleo fundamental – o que implica que sem risco não há contrato de seguro.
19. Aquando da celebração de um contrato de seguro (multirriscos, nos autos), a transferência desse risco para a seguradora encontra-se condicionado e dependente de uma retribuição, o pagamento do prémio de seguro, calculado com base da análise do risco, e relacionado com a maior ou menor previsibilidade de o mesmo se concretizar.
20. Determinante para a adequação do cálculo do prémio de seguro às circunstâncias concretas do caso e ao risco que a Seguradora terá de assumir, afigura-se essencial a delimitação do risco e o a determinação do local do mesmo, atento o dever jurídico de informação que recai sobre o segurado na declaração inicial do risco– que encontra consagração legal no artigo 24.º do DL n.º 72/2008, de 16 de Abril, que aprovou o Regime Jurídico do Contrato de Seguro.
21. Nestes termos, a declaração inicial de risco, enquanto dever pré-contratual que impende sobre o segurado, apresenta-se como um sistema de declaração espontânea/questionário aberto, em que cabe ao tomador do seguro/ segurado transmitir as informações para poder delimitar o risco.
22. Na medida em que a relação contratual se pauta pelo princípio do boa-fé, afigura-se necessário que o segurado declare as circunstâncias conhecidas para que a Seguradora decida sobre a celebração do contrato e respetivo conteúdo, e isto pois é o único modo que permite delimitar o risco e influir em determinadas cláusulas do contrato que com o risco se liguem.
23. Assim, não pode ser assacada à aqui Recorrida responsabilidade pelo ressarcimento dos danos no painel informativo dos preços, ao abrigo do contrato de seguro celebrado entre as partes, porquanto se afigura como atentatório da boa fé impor o pagamento de uma indemnização em sinistro ocorrido em local exterior ao local de risco, para a qual não recebeu o respetivo prémio de seguro porquanto não foi indicado/mencionado expressamente pelo segurador, aqui Recorrente.
24. Aliás, das Condições Particulares não resulta qualquer referência a objetos situados em local distante e exterior ao local de risco, este sim definido e tido em consideração para efeitos do cálculo do prémio e das coberturas assumidas, o que sei impunha ao segurado, aqui Recorrente.
25. A concreta localização do referido painel, distado 2km do local do risco, não implica, per si, da sua consideração como parte integrante do local de risco, da Área de Serviço Segura, porquanto não foi o mesmo havido para efeitos de assunção e transferência do risco para a Seguradora. A ser considerado para efeitos do risco assumido pela aqui Recorrida, o que não se concebe, o prémio de seguro teria de ser naturalmente mais elevado, atenta a impossibilidade, física e natural, de controlo, supervisão e monitorização sobre o mesmo painel.
26. Este o entendimento perfilhado na sentença ora aqui posta em crise e que não nos merece qualquer censura e ao qual aderimos na íntegra: “Essencial, quanto a nós, para a determinação do prémio em situações como a dos presentes autos é a vigilância, o controlo que o segurado tem sobre os bens seguros, de modo algum, se podendo equiparar o risco de bens situados na estação de serviço – no local de risco, tal qual vem indicado nas condições particulares – a bens que distam km daquele local, e onde, a vigilância da A., se nos afigura impossível, atenta a sua localização – na berma de uma AE – ao contrário, da estação de serviço, onde a A. tem funcionários em permanência, o que necessariamente torna muito mais vulnerável este equipamento do que aqueles que se situam na área de serviço propriamente dita.
Nesta conformidade, e porque nas condições particulares do contrato celebrado entre as partes nenhuma menção é feita a bens situados fora do espaço físico da estação de serviço, mormente ao painel em causa nos autos, ainda que o mesmo em termos contabilísticos integre tal estabelecimento, entendemos que não está incluído no contrato celebrado entre as partes, para o estar, atenta a sua localização a 2km do local indicado como local de risco, teriam as partes que lhe ter feito menção expressa, nas condições particulares da apólice.”
27. Pelo exposto, não tendo sido transferido para a seguradora o risco por eventuais danos causados ao painel informativo de preços atendendo à falta de cobertura ao abrigo do contrato de seguro, não pode tal argumento colher.
TERMOS EM QUE: deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença em crise nas partes agora sob censura, com o que se fará a acostumada JUSTIÇA!».

II. Questões a decidir:

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do C. P. Civil.

Definem-se, como questões a decidir:

1. Se o facto julgado não provado deve ser julgado provado por acordo das partes e se há matéria a expurgar oficiosamente da matéria de facto provada na sentença recorrida.
2. Se ocorre erro de direito e a ré deve ser condenada: por o equipamento danificado dever ser julgado integrante do estabelecimento que foi objeto do seguro, não só face ao facto provado mas face ao regime dos artigos 6º, 7º, 8º, 11º do Decreto -Lei n.º 170/2005, de 10 de outubro, alterado pelo Decreto-Lei nº120/2008, de 10 de julho; por a causa do sinistro integrar o objeto coberto pelo seguro.

III. Fundamentação:

1. Matéria de facto provada e não provada:
1.1. Na sentença recorrida:

«Com relevância para a decisão da causa consideramos provados, atento o acordo das partes – ver ata de 7.10.2021 os seguintes factos:
1º A autora desenvolve a actividade de exploração, em áreas de serviço rodoviárias, do comércio de combustíveis, óleos, lubrificantes, pneus, peças, acessórios e outros materiais e artigos para veículos automóveis, do comércio a retalho de artigos de loja de conveniência, de serviços de lavagem, limpeza e assistência a veículos automóveis e, ainda, das actividades de restauração e/ou de hotelaria. Projecto, o financiamento, a construção e o equipamento, em áreas de serviço rodoviárias, das infraestruturas e das estruturas necessárias para o exercício do seu objecto principal.
2º A autora explora entre outros, o estabelecimento de estação de serviço e combustível, sito na autoestrada A24, em ....
3º A autora celebrou com a ré Companhia de Seguros, pela forma escrita, um contrato de seguro denominado “multirriscos empresa” cuja apólice tem o nº ...35.
4º Tal contrato, mostrava-se válido e eficaz em dezembro de 2020.
5ª Por via de tal contrato de seguro a autora transferiu para a ré a responsabilidade pela ocorrência de sinistros que pudessem vir a ocorrer no estabelecimento objecto do seguro e respectivo conteúdo.
6º Nos termos de tal contrato consta que o imóvel e conteúdo objecto de seguro (local de risco), se situam na A24 – ... – Nó do I... ....
7º Referindo-se que a atividade desenvolvida no local de risco é “Oficina de reparação veículos a motor; Estação de serviço”.
8º Tal apólice garantia a indemnização ao segurado pelos danos e prejuízos ocorridos no seu prédio e conteúdo, além do mais, em virtude de danos causados por furto e roubo e actos de vandalismo ao limite máximo de 500.000,00 € para o edifício e 150.000,00 € para o conteúdo.
9º A apólice, nos termos das condições particulares, tinha franquia de 10 % do valor de prejuízo.
10ºA autora pagava um prémio de seguro anual de 572.07 €.
11º No inicio de dezembro de 2020, em data não apurada, constatou a A. que o painel dos preços de combustível e de informação implantado na berma da A24, Km 153,5 não estava a funcionar.
12º Tal painel dista 2km da estação de serviço aludida em 6º.
13º Tendo sido adquirido pela A. em 2009, antes da celebração do contrato com a R., estando inscrito no mapa de amortizações da contabilidade da A.
14º No dia 11 de dezembro de 2020 a autora solicitou à empresa M... para verificar a avaria.
15º Na sequência das verificações realizadas, aquela empresa comunicou à autora que tinha sido retirado o painel solar e a estrutura de suporte não permitido assim o carregamento das baterias, bem como se encontrava danificada uma das caixas onde se encontravam os dígitos da 1ª linha de combustível e que tinha sido retirados manualmente.
16º De imediato, a autora apresentou participação de tal sinistro á ré companhia de seguros, para proceder à vistoria e consequentemente à reparação e indemnização dos danos ocorridos.
17º Tal sinistro deu origem ao processo interno com o nº .../001.
18º Em simultâneo a autora apresentou participação criminal contra incertos, que segue termos com o nº 124/21.....
19º O prejuízo sofrido pela A. decorrente da reparação do painel ascende a 5 296,69€.
20º O que deduzindo a franquia de 10% aludida em 9º, perfaz a quantia de 4 677,02€.
21º Nos termos do contrato celebrado entre as partes – ver fls. 67v -, define-se local de risco como “o local ou locais, expressamente indicados nas condições particulares, onde o segurado exerce a sua atividade e onde os bens se consideram seguros.”.
22º Mais se define que os bens seguros são os identificados nas condições particulares.
Factos não provados
- que aquando da celebração do contrato tivesse a R. acesso ao mapa aludido em 13.»

1.2. Por aditamento desta Relação, nos termos do art.663º/2 do C. P. Civil:

a) As convenções referidas em 6º a 10º de III- 1.1. supra encontram-se definidas nas condições particulares da Apólice ...35 (fls.11 e 12).
b) Nas Condições Gerais 300 do Seguro de Multirriscos Empresas, da Companhia ..., para as quais remete a Apólice ...35 (ao definir «Ao presente contrato aplicam-se as Condições Gerais: Multirriscos Empresas, Nº300. As Condições Gerais acima referidas e que integram o presente contrato de seguro  estão disponíveis em ... (através da consulta pelo código de pesquisa FM193) e em todas as agências do Segurador»), a cláusula 1ª define, entre outros:
a) Como Local de Risco e Bens seguros o constante dos factos 21º e 22º de 1.1. supra.
b) Como Franquia: «Valor de regularização do sinistro, nos termos do contrato seguro que não fica a cargo do Segurador, e cujo montante ou forma de cálculo se encontra estipulado nas Condições Particulares».

2. Apreciação do objeto do recurso:

2.1. Sobre a matéria de facto:

2.1.1. Impugnação de facto deduzida pela recorrente:

A recorrente defendeu que o facto julgado não provado («que aquando da celebração do contrato tivesse a R. acesso ao mapa aludido em 13») deve ser julgado provado por acordo das partes por a ré, na audiência, ter aceitado sem reserva os factos alegados nos articulados, mormente na petição inicial e na resposta às exceções (conclusões 1ª a 5ª).
A recorrida opôs-se a esta impugnação, defendendo que a declaração realizada na audiência não se reporta a este facto alegado no contraditório de 28.06.2022 e não permite que o facto seja julgado acordado pelas partes.

Importa apreciar.
Por um lado, verifica-se que o facto julgado não provado pelo Tribunal a quo foi extraído do alegado pela autora no exercício do contraditório de 28.06.2022 (em relação às Condições Gerais da Apólice de Seguro juntas pela ré na pendência da audiência, altura que a autora declarou pretender também o seu direito de contraditório às exceções da contestação, nos termos do art.3º/4 do C. P. Civil), facto este que encontra-se antecipadamente impugnado pela posição assumida pela ré quanto à falta de cobertura do sinistro participado.
Por outro lado, examinando a ata da audiência, verifica-se que nesta encontra-se lavrado:
«Seguidamente, pelos I. mandatários das partes, foi pedida a palavra e, no uso da mesma, disseram que estão de acordo quanto à ocorrência do sinistro, os danos ocasionados pelo mesmo e valor a pagar pela seguradora, caso se conclua pela sua responsabilidade, a saber, 4.767, 02 €.
Mais referiram que as partes estão acordadas no sentido que o dito painel se situa ao 153, 5 Km da autoestrada A24, a dois quilómetros da área de serviço descrita nos autos.»
Assim, encontram-se provadas estas declarações das partes na audiência de julgamento, por força probatória plena da ata lavrada no processo e assinada pela Juiz que presidiu à audiência (art.371º do C. Civil).
Ora, os temas factuais objeto do acordo (sinistro, danos e localização do painel estragado) não integram, de forma clara, o facto extraído do alegado a 28.06.2022 e julgado não provado (respeitante ao acesso pela ré a um mapa de amortizações da contabilidade onde estaria inscrito o painel).

Desta forma, julga-se improcedente a impugnação.

2.1.2. Eliminação oficiosa de facto de 1.1. por esta Relação:

Examinando a matéria constante do ponto 20º da decisão de facto da sentença recorrida transcrita em III-1.1. supra («O que deduzindo a franquia de 10% aludida em 9º, perfaz a quantia de 4677, 02€»), em confronto com a matéria dos pontos 9º e 19º da mesma decisão, tal como com as declarações das partes em audiência referidas em III- 2.1.1. supra, verifica-se: que a matéria do art.20º é conclusiva e não é matéria de facto, uma vez que o valor contratualmente devido pela seguradora, face aos factos provados (valor do prejuízo e valor da franquia prevista nas condições do contrato) e ao regime legal aplicável, corresponde à apreciação que o Tribunal deve realizar na apreciação jurídica da matéria de facto provada; que, de qualquer forma, a subtração da franquia ao valor do dano provado no facto 19º (€ 5 296, 69- € 529, 66, correspondente a 10% do prejuízo), corresponde ao valor € 4 767, 02, declarado acordado pelas partes antes da sentença, e não ao valor indicado no ponto 20º da decisão de facto.
Desta forma, deve expurgar-se da sentença recorrida a matéria indevida (e errada e contrária ao acordo das partes) na mesma integrada.

Pelo exposto, determina-se a eliminação do ponto 20º («O que deduzindo a franquia de 10% aludida em 9º, perfaz a quantia de 4677, 02€») do acervo da matéria de facto provada.

2.2. Sobre o erro de direito:

A recorrente defendeu existir um erro de direito da sentença, por entender que o equipamento do sinistro deve ser julgado parte integrante do estabelecimento objeto do seguro (uma universalidade de facto que integra um conjunto de edifícios e um vasto conjunto de equipamentos, utensílios e acessórios organizados com a finalidade comercial de fornecer bens e serviços aos utentes da autoestrada), não só face ao facto que entendeu dever estar provado III- 2.1.1. supra mas face ao regime dos artigos 1º, 2º, 6º, 7º, 8º, 11º do Decreto -Lei n.º 170/2005, de 10 de outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º120/2008, de 10 de julho (conclusões 6ª a 40º).
A recorrida, na sua resposta, defendeu: que a exclusão do sinistro do âmbito de cobertura da apólice prende-se com o local de risco (definido no art.1º das condições gerais e negociado nas condições particulares como o da área da estação de serviço), no qual se integram os bens seguros objeto do contrato; que a delimitação do âmbito do risco, que é o núcleo fundamental do contrato (art.24º do RJCS), e o local do mesmo são determinantes para a quantificação do prémio de seguro (retribuição da transferência do risco) definido face à análise do risco e à previsibilidade de este se concretizar; que cabe ao tomador de seguro/segurado o dever pré-contratual de transmitir à seguradora, em declaração em questionário aberto, todas as informações para esta poder delimitar o risco e decidir sobre a celebração do contrato e o respetivo conteúdo, de acordo com os princípios da boa-fé; que não pode ser-lhe exigida a responsabilidade, ao abrigo do contrato de seguro, pelo ressarcimento de danos num painel exterior ao local de risco, pelo qual a seguradora não recebeu prémio de seguro, sendo que nas condições particulares não consta a referência a objetos situados em local exterior e distante ao local de risco (conclusões 14º a 27º da resposta).
Impõe-se apreciar a questão suscitada neste recurso de apelação, face aos factos provados e ao regime de direito aplicável.

2.2.1. Enquadramento jurídico:
2.2.1.1. Do contrato de seguro:

No contrato de seguro «o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente.» (art.1º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo DL nº72/2008, de 16.04, entrado em vigor a 1 de janeiro de 2009).
O contrato de seguro rege-se: pelo princípio da liberdade contratual (art.405º do C. Civil), sem prejuízo das regras de caráter imperativo do Regime Jurídico do Contrato de Seguro e da Lei Geral (arts.12º e 13º do RJCS); pelas regras supletivas, no que não for contratualmente previsto, daquele Regime Jurídico e de diplomas especiais, subsidiariamente, das disposições da Lei Comercial e da Lei Civil (arts.11º, 3º, 4º e 5º a 7º do RJCS).
Segurador e tomador do seguro estão reciprocamente obrigados ao cumprimento de deveres pré-contratuais, nos quais se integram, nomeadamente: os deveres de informação e de esclarecimento do segurador, nomeadamente quanto ao âmbito do risco que se propõe cobrir, sob pena de incorrer em responsabilidade civil nos termos gerais (arts.18º a 23º e 24º/4 do RJCS); os deveres do tomador do seguro ou do segurado de declarar factos relevantes para apreciar o risco do seguro («está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador»), sob pena de operarem os efeitos previstos para as omissões dolosas ou negligentes (arts.24º a 26º do RJCS). Todavia, o segurador que tenha aceitado o contrato de seguro não pode prevalecer-se «a) Da omissão de resposta a pergunta do questionário; b) De resposta imprecisa a questão formulada em termos demasiado genéricos; c) De incoerência ou contradição evidente nas respostas ao questionário; d) De facto que o seu representante, aquando da celebração do contrato, saiba ser inexacto ou, tendo sido omitido, conheça; e) De circunstâncias conhecidas do segurador, em especial quando são públicas e notórias.», salvo havendo dolo do tomador do seguro ou do segurado com propósito de obter uma vantagem (art.24º/3 do RJCS).    
O contrato seguro celebrado está sujeito às regras gerais da interpretação e integração dos negócios jurídicos (arts.236º a 238º do C. Civil), quer nas suas cláusulas particulares, quer nas suas cláusulas gerais predispostas (dispondo expressamente o art.10º do DL nº446/85, de 25.10., devidamente atualizado, que «As cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam.»).

No regime geral da interpretação dos negócios jurídicos, prevê-se:

a) A regra geral sobre o sentido normal da declaração, pela qual «1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. 2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.» (art.236º do C. Civil).
b) A regra especial dos casos duvidosos, que prevê «Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.» (art.237º do C. Civil), sendo que, existindo cláusulas contratuais gerais, os casos de dúvida por ambiguidade têm uma regulação especial protetora do aderente no art.11º do DL nº446/85, de 25.10., no qual se define que «1 - As cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real.2 - Na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente. 3 - O disposto no número anterior não se aplica no âmbito das acções inibitórias.».
Assinalam esta interpretação mais favorável, nomeadamente: o Ac. RG de 02.07.2013, proferido no processo nº1344/11.1TBVCT.G1, relatado por Filipe Caroço (disponível in dgsi.pt); o Ac. RC de 14.03.2017, proferido no processo nº 279/14.0TBCNT.C1, relatado por Barateiro Martins (publicado e disponível in dgsi.pt); Ac. RP de 20.02.2020, proferido no processo nº8318/18.0T8PRT.P1, relatado por Paulo Duarte Teixeira[i] (disponível in dgsi.pt); o Ac. RP de 15.06.2022, proferido no processo nº13214/20.8T8PRT.P1, relatado por Isabel Silva (disponível in dgsi.pt).
c) A regra especial nos negócios formais, que define «1. (…) não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso. 2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.» (art.238º do C. Civil).
No regime da integração prevê-se, por sua vez, que «Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta.» (art.239º do C. Civil).
Quando o contrato de seguro de dano incida sobre um conjunto de coisas, «1. Ocorrendo o sinistro, cabe ao segurado provar que uma coisa perecida ou danificada pertence ao conjunto de coisas objeto do seguro.» (art.125º/1 do RJCS)

2.2.1.2. Das obrigações dos titulares de postos de abastecimento de combustível:

O Decreto-Lei n.º 170/2005, de 10 de outubro, em execução à Recomendação n.º 3/2004 da Autoridade da Concorrência, estabeleceu uma obrigação geral de indicação do preço de venda a retalho dos combustíveis, bem como criou regras especiais para a indicação daqueles preços nos postos de abastecimento ao público existentes nas autoestradas. Este diploma veio a ser revisto pelo Decreto-Lei n.º 120/2008, de 10 de julho, que veio suprir a identificação da entidade responsável pela instalação, conservação e manutenção dos painéis comparativos do preço de venda a retalho dos combustíveis que constituem um elemento essencial de informação e contribuem para que o consumidor faça a sua opção de abastecimento antes de entrar no posto, e a republicar o diploma integrado pelas respetivas alterações.
Importa apreciar, assim, este regime.
Por um lado, no Capítulo I do diploma (sobre a Obrigação geral de indicação do preço de venda), o art.1º define a obrigatoriedade de indicação de preços de venda («1 — É obrigatória a indicação do preço de venda a retalho dos combustíveis efectuada nos postos de abastecimento de combustíveis. 2 — A indicação do preço de venda dos combustíveis deve ser feita de modo inequívoco, fácil e perfeitamente legível, de forma a alcançar -se a melhor informação para o utente.») e o art.2º a obrigatoriedade de o fazer através de painéis («1 — Sem prejuízo da informação disponível no equipamento de abastecimento, o preço dos combustíveis deve constar de painéis. 2 — Os painéis a que se refere o número anterior devem estar instalados de modo que a informação sobre os preços neles contida seja claramente visualizada pelo utente antes do acesso ao posto de abastecimento.»).

Por outro lado, no Capítulo III do diploma (sobre as Regras aplicáveis aos postos de abastecimento ao público existentes nas auto–estradas), definem-se especificamente:

a) As regras sobre as obrigações de informação de preços nas autoestradas, acompanhadas das regras que atribuem a responsabilidade pela colocação e atualização das informações.
Assim, para além da obrigação de atualização das informações fora das autoestradas do art.5º («A informação constante dos painéis referidos no artigo anterior deve ser actualizada sempre que ocorra uma alteração do preço de venda de qualquer dos combustíveis comercializados no posto em causa ou a introdução de um novo combustível para venda.»), o art.6º define para as autoestradas que «1 — A informação sobre o preço de venda a retalho dos combustíveis comercializados nos postos de abastecimento ao público existentes nas auto -estradas deve constar de um painel contendo a identificação dos combustíveis mais comercializados e respectivos preços oferecidos nos três postos de abastecimento seguintes integrados no percurso do itinerário em causa, no mesmo sentido de trânsito. 2 — Do último painel integrado no percurso do itinerário em causa, a colocar antes do penúltimo posto de abastecimento existente, deve constar a identificação dos combustíveis mais comercializados e respectivos preços oferecidos nos dois postos de abastecimento restantes.»).

Por sua vez, o art.11º/3 a 5 do diploma define as entidades responsáveis: pela atualização da informação («3 — É da responsabilidade dos titulares dos postos de abastecimento, cujo preço de venda a retalho e respectivos combustíveis se encontram identificados nos painéis comparativos, a actualização da informação a que se referem os artigos 5.º e 6.º»); e pela colocação da mesma nos painéis informativos e pela gestão da informação («4 — A responsabilidade pela colocação nos painéis comparativos da informação relativa aos tipos de combustíveis e ao preço de venda a retalho dos mesmos bem como a responsabilidade pela gestão desta informação pertencem aos titulares dos postos de abastecimento cujos preços de venda a retalho e respectivos combustíveis se encontram identificados nos painéis. 5 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, as entidades aí referidas podem, se para tal existir acordo com a concessionária da via rodoviária onde o painel se encontra colocado, optar por fornecer a esta ou a outra entidade, com a devida antecedência, os elementos necessários ao cumprimento daquela obrigação. »).
b) As regras de conteúdo e localização dos painéis comparativos, acompanhadas das regras que atribuem a responsabilidade pela sua instalação, conservação e manutenção:
Assim: a composição do painel é prevista no art. 7º, que prescreve que «O painel comparativo mencionado no artigo anterior deve obedecer às regras constantes dos artigos 4.º e 5.º e conter a indicação, expressa em quilómetros, da distância a que se encontra cada um dos postos de abastecimento nele mencionados.»;  e a sua colocação e localização é regulada no art. 8.º, que define que «1 — O painel comparativo a que se refere o artigo 6.º deve ser colocado à distância regulamentar das bermas e deve estar protegido por guardas de segurança. 2 — O painel referido no número anterior deve estar colocado a uma distância de 2 km de cada posto de abastecimento.» (bold aposto por esta Relação).

Por sua vez, o nº1 e 2 do art.11º do diploma atribui a responsabilidade pela instalação e manutenção destes painéis aos titulares dos postos de abastecimento, em particular, ao posto que se situe imediatamente a seguir à colocação do painel: «1 — É da responsabilidade dos titulares dos postos de abastecimento a instalação, conservação e manutenção dos painéis comparativos. 2 — Para efeitos do disposto no número anterior, os custos inerentes à instalação, conservação e manutenção dos painéis comparativos são da exclusiva responsabilidade do titular do posto de abastecimento situado imediatamente após a colocação do respectivo painel.».
c) A regra da sinalização da existência de painéis comparativos e da responsabilidade pela mesma.
Desta forma, o art.9º obriga à sinalização dos painéis, definindo que «Os painéis comparativos colocados nas auto –estradas não devem pôr em risco a segurança rodoviária e são precedidos, a 8 km, de sinais informativos de aproximação de painel comparativo.».
Por sua vez, o nº6 do art.11º do diploma atribui esta responsabilidade à concessionária da autoestrada: «6 — A responsabilidade pela instalação, conservação e manutenção dos sinais informativos de painéis comparativos, a que se refere o artigo 9.º, bem como os custos inerentes à sua realização são da responsabilidade da concessionária da via rodoviária onde se insere o posto de abastecimento a sinalizar, ainda que o referido painel se localize numa via rodoviária sob responsabilidade de outra concessionária.».

2.2.2. Apreciação da situação em análise:

Importa reapreciar a sentença recorrida, de acordo com as questões colocadas no recurso, face aos factos provados e ao regime de direito aplicável.

Por um lado, examinando o contrato de seguro celebrado entre a autora e a ré, para efeitos interpretativos, verifica-se:
a) Que nas condições particulares do contrato de seguro multirriscos (factos 3º a 10º, conjugados com o teor integral da apólice constante do documento nº ..., junto com a petição inicial) foi convencionado:
a1) Que é objeto do contrato de seguro um “imóvel” e um “conteúdo”.
Todavia, o “imóvel” não foi descrito, nem o “conteúdo” foi descrito e/ou discriminado nas condições particulares da apólice ou em anexo para as quais as mesmas remetessem.
a2) Que, entre os riscos cobertos do objeto do contrato seguro e indicados, constam atos de vandalismo, com uma cobertura ampla de € 500 000, 00 para o “imóvel” e € 150 000, 00 para o “conteúdo”.
a3) Que o local de risco situa-se na «A24- ...- Nó do I... ...».
Todavia, este local não se encontra delimitado ao quilómetro, com indicação do início e do fim da área de risco. E, por outro lado, o Código Postal «...» indicado para o mesmo, respeita a ... a Nova[ii], aldeia da freguesia ... do concelho ...[iii], que se encontra a 6, 4 km da Estação de Serviço[iv], de acordo com as informações públicas disponíveis on line, aproveitáveis como facto notório, nos termos do art.512º do C. P. Civil.
a4) Que a atividade da segurada no local do risco é «Oficina de Reparação de Veículos a motor. Estação de Serviço.».
b) Que, nas condições gerais, encontra-se previsto, de acordo com os factos 21º e 22º e as condições constantes de fls.67 ss: que o local de risco é «o local ou locais, expressamente indicados nas condições particulares, onde o segurado exerce a sua atividade e os bens se consideram seguros» e que os bens seguros são os constantes das condições particulares que, como se referiu, são vagas e não discriminam o conteúdo seguro.
Por outro lado, examinando o objeto de atividade da autora e o conteúdo de exploração da estação de serviço a que se destinou o contrato de seguro, constantes dos factos provados 1º e 2º da sentença recorrida, verifica-se que a autora: desenvolve, nomeadamente, atividade de exploração, em áreas de serviço, de comércio de combustíveis; explora o estabelecimento de estação de serviço e combustível sita na Autoestrada A24, em .... 
Ora, este quadro de atividade, como se referiu em III-2.2.1.2. supra, obriga a autora, como titular de uma estação de serviço com comercialização de combustível, a instalar, a conservar e a manter o painel comparativo de preços de combustível da estação de serviço imediatamente anterior à mesma e a colocá-lo a uma distância de 2 Km da mesma (arts.11º/1 e 2 e 8º/2 do DL nº170/2005, de 10.10. na redação do DL nº120/2008, de 10.07.).

Por fim, verifica-se, quanto à propriedade e à localização do painel (factos provados em 11º a 13º da sentença recorrida) e quanto ao sinistro (11º a 18º dos factos provados na sentença recorrida):
a) Que o painel, comprado pela autora em 2009 e antes da celebração do contrato de seguro que transferiu o risco de danos da estação de serviço para a seguradora/ré: foi necessariamente adquirido pela mesma para explorar a estação de serviço com venda de combustível, uma vez que se trata de uma das obrigações legais que sobre si impende; encontrava-se na autoestrada A24, onde se encontrava a estação de serviço explorada no imóvel e conteúdo objeto do contrato de seguro, e a 2 Km da mesma, por se tratar da distância exigida no regime legal enunciado.
b) Que o painel avariou, por ato manual de terceiro, que retirou o painel solar, a estrutura de suporte e danificou uma das caixas onde se encontravam os dígitos da 1ª linha do painel (factos essenciais que, apesar de estarem incorretamente descritos na alegação e na decisão como conteúdo do meio de prova, do qual se diferenciam, podem ser extraídos do mesmo e foram aceites pelas partes).
Ora, examinando o contrato de seguro, celebrado entre a empresa autora e a seguradora/ré, no contexto da atividade de ambas, não pode deixar de entender-se que o sinistro integra o objeto do seguro.
Por um lado, interpretando as enunciadas disposições do contrato (nas quais as condições particulares, como se referiu: não discriminam o conteúdo dos bens móveis; indicam de forma abrangente a localização do risco da estação de serviço- sem circunscrição da área quilométrica exata da A24 e com indicação de código postal correspondente a uma área mais ampla do que a situação exata do imóvel; indicam a atividade a que se refere o risco), no contexto da atividade da autora (de exploração de combustível em estações de serviço), sujeita a obrigações legais de publicitação de preços de conhecimento público em painel de sua responsabilidade no que se refere a 2 km antes da estação de serviço[v] (art.11º/1 e 2 do DL nº270/2005, na redação do DL nº120/2008, em referência aos arts.1º ss e 6º ss), verifica-se:
a) Que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, deduz das declarações, nos termos do art.236º do C. Civil: que a autora pretendeu segurar todos os bens da Estação de Serviço situada na A24 na área da ... a Nova, quer os bens do imóvel situado na A24, quer o painel também colocado na mesma A24, ainda que a 2 km do imóvel onde é comercializado o combustível, por ser esse o sentido normal do seu ato (não sendo compreensível, num juízo de normalidade, que a autora quisesse excluir de um contrato de seguro da sua estação de serviço da A24 um dos bens da mesma, obrigando-a a sujeitá-lo a um contrato de seguro autónomo); e que a ré aceitou a abrangência desse objeto e local de risco, uma vez que os definiu de forma ampla e não diligenciou pela delimitação mais rigorosa e excludente do conteúdo dos bens móveis e da localização do risco.

Repare-se que, ainda que esta amplitude do objeto e do local tenham decorrido de imprecisão de resposta da tomadora de seguro ou segurada nas declarações que está obrigada a realizar antes do contrato nos termos do art.24º/1 do RJCS (o que não foi provado pela ré), esta imprecisão, numa situação em que não foi alegado e provado o dolo da segurada, não seria oponível pela ré/seguradora à autora/segurada, nos termos referidos do art.24º/3 do RJCS.
b) Que, em caso de dúvida sobre as condições particulares e sobre as condições gerais, esta interpretação referida em a) conduz a um maior equilíbrio das prestações neste contrato oneroso, nos termos do art.237º do C. Civil: pelas expectativas normais de uma tomadora de seguro/ segurada em relação aos riscos dos bens da sua Estação de Serviço na A24; pela possibilidade de controlo efetivo pela seguradora da definição do objeto e da localização exata de risco do contrato seguro, face aos seus meios técnicos e profissionais de que dispõe e à sua obrigação de conhecer as obrigações legais que impendem sobre a segurada; pelo valor elevado da cobertura contratada para os bens móveis (€ 150 000, 00) mediante o prémio de seguro acordado para bens não identificados no contrato de seguro, onde se integra latamente o pequeno valor comparativo do painel e do seu prejuízo (na ordem dos € 5 000, 00).
Esta interpretação não é afastada pelas condições gerais da apólice, que definem o local de risco no local ou nos locais das condições particulares (que são latas e, nessa medida, podem ser ambíguas), uma vez que, de acordo com o assinalado critério legal de interpretação das mesmas, nos termos do art.11º do DL nº446/85, de 25.10., as condições gerais devem ser interpretadas no sentido mais favorável ao aderente.
c) Que à interpretação referida em a) e b) não se opõe o texto expresso do documento formal da apólice, nos termos do art.238º do C. Civil, uma vez que a amplitude do texto do mesmo, como se referiu, integra esta compreensão.
Por outro lado, o sinistro provado no painel coberto pelo seguro, decorre do risco também coberto de subtração de bens e danificação por vandalismo.
Assim, cabe à seguradora, a quem foi transferida a responsabilidade pelos sinistros dos bens seguros, a responsabilidade de suportar o valor de € 4 767, 21, correspondente ao valor do dano de € 5 296, 69, deduzido da franquia de 10%, e já acordado pelas partes.
A esta indemnização acrescem os juros de mora, à taxa legal civil, devidos desde a citação da ré (arts.804º ss do C. Civil), de responsabilidade da ré/recorrida e seguradora.

IV. Decisão:

Pelo exposto, as Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, julgando procedente o recurso, acordam em:

1. Revogar a sentença recorrida.
2. Condenar a ré a pagar à autora a indemnização de € 4 767, 21, acrescida de juros de mora à taxa civil, contados desde a citação da ré e até pagamento.
*
Custas pela ré, nos termos do art.527º/1 do C. P. Civil.
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Guimarães, 11 de maio de 2023

Assinado eletronicamente pelas Juízes Desembargadoras Relatora, 1ª Adjunta e 2ª Adjunta

Alexandra M. Viana P. Lopes
Rosália Cunha
Lígia Venade
          

[i] Acórdão que sumaria:  «I - O contrato de seguro é um contrato formal que deve ser interpretado nos termos dos arts. 236 e 238º, do CC. II - Nessa tarefa deve-se atender a todos os elementos, nomeadamente ao teor global do clausulado. III - Elemento fundamental é delimitação do risco objecto do acordo que pela sua natureza densifica o sentido natural visado pelas partes. IV - Se uma cláusula dispõe que os danos de terceiros pela eclosão de um incêndio só serão indemnizados nos casos em que este teve origem no imóvel, não pode ser interpretada como limitando a indemnização aos danos ocorridos nesse mesmo local. V - Em caso de dúvida o contrato de seguro deve ser interpretado através do art. 11º, do DL 446/85, de 25 de Outubro, mesmo se a autora é uma seguradora pois ficou sub-rogada nos direitos do credor.»
[ii] Disponível, nomeadamente, em https://www.codigo-postal.pt/?cp4=3515&cp3=512
[iii] https://pt.wikipedia.org/wiki/Bodiosa
[iv] Averiguável, nomeadamente, em https://www.google.com/maps/dir/Bodiosa+Nova,+Bodiosa/Area+de+Servi%C3%A7o+A24+(Viseu),+A24+Area+Servi%C3%A7o+BP+Viseu,+lan%C3%A7o+A+Castro+Daire+Sul,+3515-292+Viseu/@40.7125036,-8.0121398,13z/data=!3m1!4b1!4m14!4m13!1m5!1m1!1s0xd2347ab31dd27ed:0x21e9ec928d45afc0!2m2!1d-7.9994421!2d40.7214514!1m5!1m1!1s0xd23486c9acb5015:0xbb5e69ea190ad707!2m2!1d-7.9435725!2d40.707463!3e0

[v] Razão pela qual a sentença recorrida erra manifestamente, ao discorrer, sem suporte legal, sobre a indefinição da responsabilidade da colocação dos painéis (referindo «E não se diga, que há uma imposição legal para que estes painéis existam, pelo que sempre a R sabia que o painel integrava o estabelecimento, e portanto, estava incluído no objecto seguro, neste ponto, relembramos que muitos dos painéis que se encontram instalados na AE, até têm preços de diferentes marcas de combustíveis, pelo que, é legitimo questionar se os mesmos pertencem à concessionária, a uma ou a todas as empresas ali aludidas, não se nos afigurando que, à falta de indicação expressa da A., a R. tivesse como saber que aquele painel era seu e integrava aquele estabelecimento em termos contabilísticos, pese embora, a distância física do mesmo em relação à estação de serviço.»), quando esta está claramente definida nos nº1 e 2 do art.11º, em referência aos arts.1º ss e 6º ss (e distingue-se da responsabilidade pela indicação e atualização das informações).