Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
33/15.2PFGMR -G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: LANÇAMENTO DE FOGO-DE-ARTIFÍCIO
OPERADOR CREDENCIADO
APREENSÃO DE MATERIAL PIROTÉCNICO
FALTA DE LICENÇA DE UTILIZAÇÃO
INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE CRIMINAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECUSO PPENAL
Decisão: JULGADO PROCEDENTE
Sumário: I - Sendo o arguido operador credenciado para o lançamento de fogo-de-artifício e contratado nessa qualidade, a detenção pelo mesmo de material pirotécnico classificado como sendo de categoria 4, por se inserir na previsão do ponto 1.a) do Anexo A das instruções sobre a utilização de artigos pirotécnicos e no artigo 6º, nº 1 e nº 3, al. iv) do DL 135/2015, de 28/07, não integra a o ilícito típico p. e p. pelo art. 86, nº 1, al. d) e art. 2º, nº 5 do RJAM (detenção de arma proibida).
II - Não possuindo licença para a utilização do material pirotécnico que lhe foi apreendido, a conduta do arguido apenas poderá ser, eventualmente, sancionada como mera contra-ordenação (arts. 25º do Regulamento sobre a Fiscalização de Produtos Explosivos e 38º, nº 1, do Regulamento sobre o Fabrico, Armazenamento, Comércio e Emprego de Produtos Explosivos, aprovados pelo DL 376/84, de 30/11), não cabendo ao Tribunal Criminal a competência para a apreciar os factos noticiados nestes autos, mas às autoridades administrativas (arts. 33º e 34º do RGGO), no caso, à PSP (art. 27º do citado Regulamento sobre a Fiscalização de Produtos Explosivos e art. 37º do DL 135/2015, de 28/7).
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

No processo sumário nº 33/15.2PFGMR da Instância Local, Secção Criminal de Barcelos, da Comarca de Braga, o arguido António M. foi julgado e condenado, como autor material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, n.º 1, al. d), em conjugação com o art. 2º, n.º 5, al. af), ambos do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, na pena de cem dias de multa, à razão diária de € 5, substituída pela pena de admoestação.

Inconformado com a referida decisão, o Ministério Público interpôs recurso formulando na sua motivação as seguintes conclusões:
«I. Face à matéria de facto provada, considerou o Tribunal que os factos provados se subsumem no disposto nos artigos 86.º, n.º 1, al. d) e 2.º, n.º 5, al. af) do RJAM.
II. Fazendo alusão ao DL n.º 34/2010, de 15 de abril, designadamente, ao disposto nos artigos 5.º e 6.º e 13.º, n.º 4 e ao ainda ao disposto no artigo 38.º, n.º 1 do Regulamento sobre o fabrico, armazenagem, comércio e emprego de produtos explosivos anexo ao DL 376/84, de 30 de novembro e ao artigo 25.º do Regulamento sobre a fiscalização de produtos explosivos também anexo ao DL n.º 376/84, de 30 de novembro, o Tribunal a quo concluiu no sentido de que o comportamento do arguido consubstancia a prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto nos artigos 86.º, n.º 1, al. d) e 2.º, n.º 5, al af) do RJAM.
III. Concordamos com o entendimento do Tribunal quanto à classificação do material pirotécnico apreendido, como de categoria 4 porquanto insere-se na previsão do ponto 1.a) do anexo A das Instruções sobre a utilização de artigos pirotécnicos elaboradas pela PSP (melhor infra referidas) e no artigo 6.º, n.º 1 e n.º 3, al. iv) do Dl n.º 135/2015, de 28 de julho.
IV. Salvo melhor opinião, não consideramos correta a interpretação jurídica que foi dada ao disposto no artigo 86.º, n.º 1, al d) do RJAM por referência ao artigo 2.º, n.º 5, al af) do RJAM porquanto existem normas legais sancionatórias em vigor que punem a conduta do arguido como contra ordenação.
V. Relativamente a legislação específica sobre pirotecnia à data da prática dos factos, 13 de dezembro de 2015 e ainda, atualmente, encontra-se em vigor a seguinte legislação avulsa:
- as instruções sobre a utilização de artigos pirotécnicos (disponíveis na internet) elaboradas em 2007 pela PSP, ao abrigo da sua lei orgânica e do DL n.º 376/84, de 30 de novembro que aprovou os regulamentos sobre o licenciamento dos estabelecimentos de fabrico e de armazenagem de produtos explosivos, sobre o fabrico, armazenagem, comércio e emprego de produtos explosivos e sobre a fiscalização de produtos explosivos as quais se encontram em vigor;
Relevante para o presente caso, atento os factos provados, são as instruções n.ºs 5 (necessidade de autorização prévia para a utilização destes artigos; constituiu as mesmas um síntese do artigo 38.º, n.º 1 do regulamento sobre o fabrico, armazenagem, comércio e emprego de produtos explosivos anexo ao DL n.º 376/84, de 30 de novembro) e n.º 8 (necessidade de estabelecer uma área de segurança aquando da sua utilização). Nos termos da instrução n.º 20 das aludidas instruções, “ Nos termos do artigo 25.º do Regulamento sobre a Fiscalização de Produtos Explosivos, aprovado pelo Decreto Lei n.º 376/84, de 30 de novembro, a violação das presentes Instruções constitui contra-ordenação punível com as coimas previstas no artigo 7.º do Decreto Lei n.º 265/94, de 25 de outubro e com as sanções acessórias previstas no artigo 9.º do mesmo diploma”.
- Nos termos do artigo 25.º, n.º 1 do Regulamento sobre a Fiscalização de Produtos Explosivos anexo ao DL 376/84, de 30 de novembro “Constituiu contra-ordenação a violação dos preceitos legais e regulamentares sobre produtos explosivos e matérias perigosas, bem como das instruções ou determinações da Comissão dos Explosivos ou das suas delegações e o não cumprimento das condições impostas nos alvarás ou licenças emitidos pela referida Comissão”.
Considerando que tal Comissão não existe atualmente, tendo as suas competências sido transferidas para a PSP ao abrigo do DL n.º 107/92, de 02 de junho, foi neste contexto que as supra referidas instruções foram elaboradas.
Temos pois uma legislação em vigor, designadamente o Decreto-Lei n.º 376/84, de 30 de novembro e as instruções supra referidas que punem a conduta do arguido como contra ordenação.
Relevante também em termos de legislação aplicável é o recente DL n.º 135/2015 de 28 de julho que revogou entre o mais DL n.º 34/2010, de 24 de abril (cfr. artigos 41.º e 42.º citado diploma: com exceção dos artigos 10.º e 27.º, n.º s 4 a 7 daquele diploma que entraram em vigor no dia 17 de outubro de 2016, os restantes preceitos ali previstos encontram-se em vigor desde o dia 29 de julho de 2015) o qual aplica-se aos artigos de pirotecnia.
Por via daquele diploma são definidas as regras que estabelecem a livre circulação de artigos de pirotecnia bem como os requisitos essenciais de segurança que os mesmos devem satisfazer (…) (cfr. artigo 1.º do referido diploma).
No referido diploma, nos artigos 34.º e seguintes encontra-se previsto o regime de fiscalização e regime sancionatório. No artigo 35.º, n.º 2 do citado diploma prevê-se o seguinte: “ A utilização de artigos de pirotecnia em violação das prescrições contidas nos respetivos rótulos ou em norma técnica que regulamente essa utilização, nomeadamente quanto ao local, utilização ou incumprimento das distâncias mínimas de segurança exigíveis, constitui contraordenação punível com coima de:(…) d) De (euro) 1 500 a (euro) 3 740, quando se trate de fogos-de-artifício da categoria F4;
Ora, as normas técnicas a que o artigo supra citado se refere são as que decorrem desse mesmo diploma e as instruções da PSP elaboradas ao abrigo do DL 376/84, de 30 de novembro supra referidas as quais se mantêm em vigor, sendo a sua violação como decorre do disposto desses diplomas punidas como contra ordenação.
VI. No caso dos autos, tal como se lê dos factos provados sob os números 1., 7 e 9 e tendo por referência o documento de fls. 43, o arguido é pessoa credenciada pela PSP para o lançamento de foguetes e fogos de artificio sendo a validade de tal credenciação até 19 de junho de 2015. Tal como decorre de tal documento, o arguido é pessoa que, à data da prática dos factos, estava tecnicamente habilitada para o lançamento de foguetes, ou queima de outros fogos-de-artifício nos termos do artigo 38.º do Regulamento sobre o fabrico, armazenagem, comércio e emprego de explosivos aprovado pelo DL n.º 376/84, de 30 de novembro.
VII. Nos termos do artigo 7.º, n.º 3 do DL 135/15, de 28 de julho, o arguido podia adquirir, como adquiriu o material pirotécnico que veio a ser apreendido porquanto para efeitos de aplicação desses normativos legais o arguido é pessoa com conhecimentos especializados.
VIII. Somos do entendimento que previsão do artigo 86.º, n.º 1 al d) do RJAM não pode ser entendida como abarcando todas e quaisquer situações em que indivíduos e, designadamente, pessoas que trabalham no setor com conhecimentos especializados na área infringem qualquer norma técnica ou prescrição regulamentar sob pena de toda a legislação avulsa existente em vigor e, designadamente, posterior à entrada em vigor do disposto no artigo 86.º, n.º 1 al d) do RJAM (o referido DL 135/2015, de 28 de julho) que preveja que a infração de normas técnicas consubstancia a prática de um contra ordenação ficarem vazias de conteúdo além de ter de se considerar que todas as condutas ali plasmadas (de infração de normas técnicas) seriam crime o que, em nosso entender, não é essa a intenção do legislador.
IX. A não ser esse o entendimento não se entende por que motivo, posteriormente à entrada em vigor da atual redação da al. d) do artigo 86.º do RJAM, entrou em vigor o DL 135/2015, de 28 de julho punindo as condutas como as do arguido nestes autos como contra ordenação.
X. Em nosso entendimento, a interpretação mais correta a fazer sobre o crime de detenção de arma proibida previsto pelo artigo 86.º, n.º 1, al d) do RJAM na parte que nos interessa e levando em consideração o âmbito de aplicação da referida norma (detenção de arma proibida) é a de que o crime só existirá se a detenção daquele material pirotécnico exceto de categoria F 1 não for justificada, ou seja, quando o mesmo não for utilizado para o fim a que se destina, ou seja, para o seu fim normal, mas sim como arma de agressão.».

O arguido apresentou resposta à motivação aderindo à posição do Ministério Público no segmento de que os factos constantes da acusação apenas são susceptíveis de consubstanciar a prática de uma contra ordenação e nunca de um ilícito criminal; no mais, divergiu dizendo que a entidade competente para aplicação de coimas e sanções acessórias é a autoridade administrativa, sendo que, a optar-se pelo seu sancionamento directo, estar-se-á a violar o direito de audição e defesa do arguido.
Formula as seguintes conclusões:
«1.º - O arguido concorda com o recurso apresentado pelo Recorrente quanto à parte de que os factos praticados consubstanciam não um ilícito criminal, mas sim que os mesmos só poderão ser responsabilizados a título contra-ordenacional, aderindo às alegações apresentadas apenas nessa parte.
2.º -Todavia, em vez de pedir pela absolvição do arguido, o Recorrente entende que deverão V. Ex.ªs aplicar de imediato uma contra-ordenação, sem que dessa forma se respeitem as regras gerais do regime das contra-ordenações.
3.º - Nomeadamente, sem ser dada ao Arguido a possibilidade de se pronunciar sobre os factos, apresentando a sua defesa como deveria ser nos termos do decreto-lei 433/82, de 27 de Outubro na sua última versão dada pela Lei n.º 109/2001, de 24/12.
4.º - Desde logo não competiria ao Tribunal “o processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas e das sanções” já que tal faculdade no caso em concreto caberá sempre “às autoridades administrativas” nos termos do artigo 33.º do diploma supra citado.
5.º - Eventualmente poderia competir ao Tribunal a análise de uma contra-ordenação, mas para tal seria necessário que simultaneamente estivesse também a conhecer de outros ilícitos criminais, como decorre do artigo 38.º que dispõe sobre o processamento conjunto de crime e contra-ordenação.
6.º - O que não sucedeu nos presentes autos, pois que com a configuração do ilícito de que vinha acusado enquanto crime, esgotam-se os poderes do Tribunal para o poderem reavaliar enquanto contra-ordenação.
7.º - Aliás o n.º 3 do artigo 38.º acrescenta ainda que no caso de arquivamento do processo criminal, entendendo o Ministério Público que subsiste a responsabilidade pela contra-ordenação remeterá o processo para a entidade competente; não tendo a faculdade de per si enviar os factos - que entenda serem bastantes para um procedimento contra-ordenacional - para acusação e posterior julgamento por contra-ordenação, devendo sim encaminha-los para a entidade competente.
8.º - Pelo que é nosso entender que não poderão V. Ex.ªs, tal como não poderia o Tribunal a quo condenar o Arguido nos termos peticionados pelo Recorrente por violação das regras de competência como já aclarado.
9.º - Ainda que o supra exposto não seja atendido, o que apenas por uma mera hipótese de raciocínio se coloca, sempre se dirá que cabe sempre ao Arguido o direito de audição e de defesa.
10.º - Direito que deriva de um princípio constitucionalmente consagrado, e que decorre do artigo 50.º do diploma supra citado nomeadamente que “Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.”
11.º - Aplicando-se de imediato uma contra-ordenação com a fixação da coima, sem ser dado ao arguido o direito de defesa está-se a violar um dos direitos basilares do sistema penal português, inconstitucionalidade que desde já se invoca para os devidos efeitos legais.
12.º - Do exposto deverá o recurso apresentado ter provimento na parte em que os factos carreados para o processo não consubstanciam um ilícito criminal mas uma mera contra-ordenação…
13.º - … E em consequência deverá o arguido ser absolvido dos factos de que vem acusado, negando-se provimento à aplicação imediata de uma contra-ordenação por carecer de fundamento legal que o justifique.».

A Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer: «o recurso merece provimento e nesta conformidade, afigura-se-nos que o arguido deve ser absolvido do crime por que foi condenado e ser ordenado o envio de certidão do processo à PSP, com vista ao conhecimento da responsabilidade contra-ordenacional (arts. 3º, n.º 1, al a), 19º, n.º 5, e 27, n.º 2, do Regulamento sobre a Fiscalização de Produtos Explosivos, aprovado pelo DL n.º 376/84, de 30 de Novembro, e 37º, n.ºs 1 e 2, al. b), do DL n.º 135/2015, de 28 de Julho).».
Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP sem que houvesse resposta.
«
No recurso suscitam-se as questões de saber se a conduta protagonizada pelo arguido constitui um mero ilícito contra-ordenacional e, assim sendo, a que entidade compete o respectivo sancionamento.
«
Importa apreciar tais questões e decidir. Para tanto, deve considerar-se como pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso os factos considerados na decisão recorrida (transcrição):
«1. O arguido é operador de fogos de artifícios e, nessa qualidade, foi contratado para lançar fogo pirotécnico, no dia 13/12/2015, com a finalidade de anunciar o começo e o final da celebração das festividades em honra do Padroeiro da freguesia de S….
2. Neste contexto, no dia 13/12/2015, cerca das 11h00m, na Avenida S…, em S…, mais concretamente junto à Capela de S…, onde decorriam as referidas festividades, quando o arguido se preparava para lançar uma balona de 75mm que tinha acabado de colocar num engenho de lançamento, aí se deslocaram agentes da PSP de Barcelos procederam à sua fiscalização.
3. No seu decurso, verificaram que o arguido, para além de não ter cuidado de criar uma área de fogo e de segurança para o lançamento que se preparava para fazer, não dispunha das necessárias licenças legais para proceder ao lançamento dos seguintes artigos de pirotecnia naquelas festividades, previamente adquiridos por ele à empresa denominada “Piromagia”, que aquele tinha consigo ao seu lado e que se preparava para lançar: - três (3) balonas 4 meias cargas (100mm) 100 gramas cada; - três (3) balonas de bateria forte de 75mm, com matéria ativa de 80 gramas cada; - três (3) balonas de tiro, de calibre 65mm, com 30 gramas de matéria ativa cada.
4. Tais artefactos de pirotecnia continham uma mistura de substâncias explosivas, destinadas a produzir um efeito calorífico, luminoso, sonoro, gasoso ou fumígeno, e devido à sua composição e reações químicas apenas poderiam ser lançadas no exterior, ao ar livre.
5. O arguido detinha os artefactos de pirotecnia supra descritos que, nas referidas circunstâncias, se preparava para lançar no ar, bem sabendo que não dispunha de autorização legal das autoridades competentes para o efeito e, por isso, se encontrava fora das condições legais e em contrário das prescrições da autoridade competente.
6. O arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.
7. O arguido é lançador de fogo-de-artifício auferindo cerca de 500 euros mensais; vive em casa própria suportando um valor mensal de cerca de 290 euros para amortização do empréstimo bancário concedido para a respetiva amortização e tem 3 filhos maiores sendo dois deles economicamente dependentes.
8. O arguido não tem antecedentes criminais.
9. O arguido obteve credenciação para o lançamento de foguetes de fogo-de-artifício por parte do departamento de armas e explosivos da PSP da Direção Nacional da área de operações e segurança conforme documento junto aos autos pelo arguido.».
«
1. Os elementos integrantes do ilícito por cuja autoria o arguido foi condenado.
O arguido foi condenado como autor material de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. d) em conjugação com o disposto no artigo no artigo 2º, nº 5, al. af), do Regime Jurídico das Armas e das Munições (Lei n.º 5/2006, de 23/02, na redacção introduzida pela Lei n.º 50/2013, de 24/07, por ser a aplicável à data da prática dos factos (13/12/2015).
Dispõe este normativo que «Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, … quaisquer engenhos … ou artigos de pirotecnia, exceto os fogos-de-artifício de categoria 1, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias
Por sua vez, o art. 2º, nº 5, al. af) estabelece «Para efeitos do disposto na presente lei e sua regulamentação e com vista a uma uniformização conceptual, entende-se por:
«'Artigo de pirotecnia' qualquer artigo que contenha substâncias explosivas ou uma mistura explosiva de substâncias, concebido para produzir um efeito calorífico, luminoso, sonoro, gasoso ou fumígeno ou uma combinação destes efeitos, devido a reações químicas exotérmicas autossustentadas.».
Para além da acepção resultante deste último preceito, tendo por referência a data da prática dos factos, existe uma panóplia de legislação que alude ao conceito de «substâncias explosivas», destacando-se de entre elas o DL 135/2010 de 28/07, que define «as regras que estabelecem a livre circulação de artigos de pirotecnia» e determina «os requisitos essenciais de segurança que os artigos de pirotecnia devem satisfazer tendo em vista a sua colocação no mercado» transpondo para a Ordem Jurídica Interna a Directiva n.º 2013/29/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 12/06 de 2013 e a Directiva de Execução n.º 2014/58/EU da Comissão de 16/04 de 2014.
Tal diploma aplica-se aos artigos de pirotecnia entendendo-se como tal os artigos que contenham substâncias explosivas ou uma mistura explosiva de substâncias concebido para produzir um efeito calorífico, luminoso, sonoro, gasoso ou fumígeno ou uma combinação destes efeitos, devido a reações químicas exotérmicas autossustentadas (cfr. artigo 2.º, n.º 1 do citado diploma).
O DL 303/90 de 27/09, aplicável «ao fabrico, armazenagem, comércio e emprego de artifícios pirotécnicos luminosos, fumígenos ou sonoros, destinados a sinalização», estabelece no seu art. 2º, nº 1, que «o fabrico de artifícios de sinalização só poderá realizar-se em estabelecimentos identificados que, dispondo de instalações adequadas, tenham sido devidamente legalizados pela Inspecção dos Explosivos», cominando com a prática de contra-ordenação as infracções ao nele disposto.
E, finalmente, o DL 376/84 de 30/11 institui o regulamento sobre o licenciamento dos estabelecimentos de fabrico e de armazenagem de produtos explosivos, em que se abrangem as fábricas de pirotecnia e que acabou por dar origem às instruções sobre a utilização de artigos pirotécnicos elaboradas pela PSP, que estabelecem as regras a que devem obedecer a utilização de artigos pirotécnicos e a realização de espectáculos com estes artigos.
Ora, no caso em análise, o material apreendido foi considerado como sendo de categoria 4, por se inserir na previsão do ponto 1.a) do Anexo A das instruções sobre a utilização de artigos pirotécnicos e no artigo 6º, n.º 1 e n.º 3, al. iv) do DL 135/2015, de 28/07, classificação que não suscita controvérsia. Discutível é apenas a interpretação jurídica que mereceu o disposto no artigo 86.º, n.º 1, al d), por referência ao artigo 2.º, n.º 5, al af), do RJAM, dada a existência de normas legais sancionatórias que punem a conduta do arguido como mera contra ordenação. Vejamos.
Do cotejo dos factos provados, resulta que o arguido é operador de fogos-de-artifício e está credenciado para o lançamento de foguetes, ou queima de outros fogos-de-artifício (cfr. credencial de fls. 43), tendo sido, nessa qualidade, que foi contratado para lançar fogo pirotécnico.
Assim, detendo o arguido, nas ditas circunstâncias, o material no exercício lícito de uma actividade, estando apenas em causa a violação das normas que a regem e atenta a ratio da criminalização da detenção e uso de artigos de pirotecnia fora das condições legais operada pela Lei 50/2013, parece-nos evidente o desiderato do legislador de não criminalizar a violação de tais normas de detenção e armazenamento, fora das condições legais, como salienta a Exma. Sra. Procuradora Geral Adjunta, referenciando a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 136/XII, in www.parlamento.pt, que deu origem à Lei 50/2013.
Por outro lado, existindo legislação específica que comina a violação de tais normas como uma mera contra-ordenação não podemos deixar de entender que foi feita uma errada aplicação do direito aos factos.
Realmente, da conjugação dos arts. 25º do Regulamento sobre a Fiscalização de Produtos Explosivos e 38º, n.º 1, do Regulamento sobre o Fabrico, Armazenamento, Comércio e Emprego de Produtos Explosivos, aprovados pelo DL n.º 376/84, de 30/11, a conduta do arguido apenas poderá vir ser sancionada pela via contra-ordenacional por não possuir licença para a utilização do material pirotécnico que lhe foi apreendido.

2. A entidade competente para apreciar a conduta do arguido.
Perante as conclusões extraídas pelo recorrente com que pugna pela condenação do arguido pela prática de uma contra-ordenação veio o arguido insurgir-se, alegando, em suma, que, no caso concreto, a competência para «o processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas e das sanções» caberá sempre «às autoridades administrativas, não ao Tribunal Criminal, eventualidade em que lhe seria coarctada a possibilidade de se pronunciar sobre os factos, apresentando a sua defesa.
Prescrevem os arts. 33º e 34º do RGGO que, ressalvadas as especialidades previstas no diploma, o processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas e das sanções acessórias competem às autoridades administrativas, determinadas, em razão da matéria, pela lei que prevê e sanciona as contra-ordenações.
E dos arts. 38º e 39º, nº 1, do mesmo diploma resulta que apenas quando se verifique concurso de crime e contraordenação (ou quando, pelo mesmo facto, uma pessoa deva responder a título de crime e outra a título de contraordenação) cabe ao juiz competente para o julgamento do crime a aplicação da coima (e das sanções acessórias).
Assim, no caso em apreço, como regista a Exma. Sra. Procuradora Geral Adjunta, cabe à PSP apreciar os factos noticiados nestes autos, por força do art. 27º do Regulamento sobre a Fiscalização de Produtos Explosivos, aprovado pelo DL 376/84, de 30/11, e art. 37º do DL 135/2015, de 28/7.

Concluindo, perante os factos provados, a actuação do arguido não integra o crime que lhe vinha imputado, devendo o mesmo, por isso, ser absolvido, restando a possibilidade de ser, eventualmente, sancionado pela dita contra-ordenação, para cujo conhecimento é materialmente competente a PSP e não o Tribunal.
E, por conseguinte, mostra-se prejudicado o conhecimento da aventada questão da audição prévia e das garantias de defesa do arguido, no âmbito deste recurso.
*
Decisão:
Nos termos expostos, julga-se procedente o recurso e, consequentemente, revogando-se a decisão recorrida, decide-se:
a) absolver o arguido António M. da acusação;
b) determinar o envio pela 1ª instância de certidão do processo à PSP, com vista ao conhecimento da eventual responsabilidade contra-ordenacional, devendo remeter, igualmente, os produtos apreendidos.

Sem tributação.
Guimarães, 10/10/2016


Ausenda Gonçalves

Fátima Furtado