Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA LUÍSA ARANTES | ||
Descritores: | PROTECÇÃO DE DADOS PROIBIÇÃO DE PROVA | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 04/29/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | JULGADO PORCEDENTE | ||
Sumário: | I – O direito à imagem está tutelado criminalmente, mas apenas na medida em que não esteja coberto por uma causa de justificação da ilicitude. II – Não constituem provas ilegais, podendo ser valoradas pelo tribunal, a gravação de imagens por particulares em locais públicos, ou acessíveis ao público, nem os fotogramas oriundos dessas gravações, se se destinarem a documentar uma infração criminal e não disserem respeito ao «núcleo duro da vida privada» da pessoa visionada (onde se inclui a intimidade, a sexualidade, a saúde e a vida particular e familiar mais restrita) | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes na secção criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO No processo comum (com intervenção do tribunal colectivo) n.º102/09.8GEBRG da Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Braga, por acórdão proferido em 9/5/2013 e depositado na mesma data, o arguido André N... foi condenado pela prática de: -um crime de furto qualificado p. e p. pelo art.204.º n.º1 al.b) do C.Penal, na pena de um ano de prisão; -pela prática de um crime de burla informática p. e p. pelo art.221.º n.º1 do C.Penal, na pena de oito meses de prisão; -pela prática de um crime de abuso de cartão de garantia p. e p. pelo art.225.º n.º1 do C.Penal, na pena de nove meses de prisão. Em cúmulo jurídico, o arguido André foi condenado na pena única de vinte meses de prisão efectiva. Inconformado com a decisão condenatória, o arguido interpôs recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]: 1. Salvo o devido respeito, carece de fundamento de facto e de direito o douto Acórdão de fls. 362 a 389 dos autos, que condenou o aqui arguido ANDRÉ FILIPE FREITAS DAS NEVES pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204º, n.º 1, al. b) na pena de um ano de prisão; pela prática de um crime de burla informática p. e p. pelo art. 221º, n.º 1 do Código Penal e pela prática de um crime de abuso de cartão de garantia p. e p. pelo art.225º/1 do Código Penal na pena de nove meses de prisão, e em cúmulo, na pena única de vinte meses de prisão, que merecem a discordância do recorrente e se lhe afigura passível de reparo; 2. ENCONTRA-SE ERRADAMENTE E INCORRECTAMENTE JULGADA A MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA NOS PONTOS 1, 2, 3, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14 DOS FACTOS PROVADOS, OS QUAIS (FACTOS) DEVERIAM ANTES TER SIDO DADOS COMO NÃO PROVADOS PORQUE ASSIM O IMPUNHA TODA A PROVA PRODUZIDA E A AUSÊNCIA DE PROVA NESSE SENTIDO; 3. O Tribunal a quo valorou, para dar por assente a factualidade vertida nos pontos 1, 2, 3, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14, os fotogramas juntos aos autos, nomeadamente a fls. 106 a 122, fotogramas esses extraídos de imagens captadas, em manifesta intromissão na vida privada do recorrente, através de sistemas de videovigilância que não respeitam as imposições legais que regula a instalação e utilização de sistemas de videovigilância, nomeadamente o disposto na Lei 1/2005 de 10 de Janeiro, pelo que a sua utilização e valoração vedada porque nulas, o que se alega para os devidos e legais efeitos; 4. O regime de proibições de prova no âmbito do processo penal, encontra-se essencialmente regulado pelo preceituado nos artigos 125º, 126º, do Código Processo Penal, os quais devem ser conjugados com as garantias constitucionais de defesa, consagradas no art. 32º, CRP, mormente a injunção imposta pelo seu n.º 8, bem como, com as disposições específicas que disciplinam a obtenção do meio de prova de que se pretende fazer uso; 5. Deste regime podemos destacar que a realização da justiça penal, num Estado de Direito Democrático, como pretende ser o nosso, deve sempre assentar no respeito e garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos, mormente da preservação da dignidade humana; 6. Assim, logo o citado 32º, n.º 8 da CRP, é claro ao preceituar que “são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.”; 7. No mesmo sentido, se situa o estatuído no art. 126º do Código Processo Penal, ao enunciar discriminatoriamente no seu n.º 2, quais são as provas “ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas”; 8. Nesta conformidade, podemos desde já concluir que o regime da legalidade da prova, enquanto “imperativo de integridade judiciária”, que tanto versa sobre os meios de prova, como os meios de obtenção de prova, vem assim comprimir o princípio da livre apreciação da prova decorrente do artigo 127º do Código Processo Penal, estabelecendo as correspondentes proibições de produção ou de valoração de prova; 9. Por outro lado, tratando-se de prova proibida, a mesma deve ser oficiosamente conhecida e declarada em qualquer fase do processo, surgindo como autênticas nulidades insanáveis, a par daquelas que expressamente integram o catálogo do artigo 119º do Código Processo Penal; 10. Ora, nos presentes autos, o Tribunal a quo valorou fotogramas juntos aos autos, fotogramas esses extraídos de imagens captadas, em manifesta intromissão na vida privada do recorrente, através de sistemas de videovigilância que não respeitam as imposições legais que regula a instalação e utilização de sistemas de videovigilância, nomeadamente o disposto na Lei 1/2005 de 10 de Janeiro, pelo que as essas imagens/fotogramas foram obtidas fora dos casos previstos na lei, pelo que resulta, reitere-se e invoque-se para os devidos e legais efeitos, numa intromissão manifesta na vida privada e numa constrição inaceitável do direito à imagem, e as provas obtidas através dessa intromissão e violação do direito à imagem são nulas nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 126º do Código de Processo Penal, nulidade essa que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos; 11. Ora, dos autos, e dos documentos juntos, resulta que os sistemas de videovigilância utilizados nos locais onde alegadamente foram praticados os factos NÃO respeitavam as imposições legais que regula a instalação e utilização de sistemas de videovigilância, nomeadamente o disposto na Lei 1/2005 de 10 de Janeiro, nos artigos 3º e 4º da referida lei, não se vislumbrando nos referidos locais qualquer aviso da existência de câmara de videovigilância, pelo menos, a existir, não se encontrava devidamente assinalado – nesse sentido cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 8324/2008 – 9, de 30 de Outubro de 2008; 12. Ora, não pode de todo ser aceitável que um sistema de videovigilância tenha sido instalado ilegalmente e ilegalmente proceda à captação de imagens em manifesta violação do direito à imagem e intrometendo-se na vida privada de cada um, e essas imagens, ilegalmente obtidas, possam ser utilizadas num processo de natureza criminal; 13. Pelo exposto, nos termos do n.º 3 do artigo 126º do Código Penal e 26º da Constituição da República Portuguesa, são nulas as provas, no caso as imagens obtidas pelos sistemas de videovigilância que não poderiam ter sido valoradas pelo Tribunal a quo, como vieram a ser valoradas; 14. Pelo exposto, desde logo, a factualidade vertida nos pontos 1, 2, 3, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14, teria que ser dada como não provada, uma vez que o Tribunal a quo, na formação da sua convicção sobre essa matéria de facto dada como provada valorou positivamente e de forma preponderante essas provas/fotogramas cuja valoração estava vedada porque obtidas através de métodos proibidos de prova; 15. Acresce que, sem prescindir, não há, nem houve, a produção de qualquer prova directa, quer indirecta, quanto a participação pelo arguido no crime de furto qualificado pelo veio a ser condenado, uma vez que não existiram testemunhas que tivessem presenciado os factos, nem sequer qualquer outra prova que permita com o mínimo grau de certeza concluir pela sua participação ou comparticipação nesse crime; 16. Não foram encontradas quaisquer provas materiais de que o recorrente André participou nesse crime de furto, nomeadamente não foram encontrados em seu poder quaisquer dos objectos furtados no veículo automóvel – e de qualquer forma sempre se teria que demonstrar como vieram à posse do arguido quaisquer dos objectos – nem foram identificados quaisquer vestígios biológicos ou outras que permitissem ao Tribunal a quo dar como provada a sua participação nesse furto qualificado; 17. No ponto 1 dos factos assentes foi dado como provado que “No dia 15 de Junho de 2009, entre as 13 e as 16 horas, o arguido André N..., agindo de comum acordo com o Albano M... e com a Maria S... e na prossecução de um plano delineado por todos decidiram assaltar o veículo de matrícula 21-34-..., Peugeot, modelo 206, propriedade de Alexandre M..., que se encontrava estacionado na Rua T..., nesta cidade de Braga”; 18. Salvo o devido respeito, para além do já supra referido, não foi, em audiência de julgamento, produzida qualquer prova no sentido de se poder dar como provado que o arguido, ora recorrente ANDRÉ N..., tivesse tido qualquer intervenção ou participação no furto aqui em julgamento, nem que tivesse “agido de comum acordo” e “na prossecução de um plano delineado por todos decidiram assaltar o veículo de matrícula 21.34-..., Peugeot, modelo 206, propriedade de Alexandre M..., que se encontrava estacionado na Rua T..., nesta cidade de Braga”; 19. Desde logo, do depoimento dos ofendidos, nomeadamente das testemunhas Alexandre M... e esposa Florbela M..., nada resultou, em termos probatórios, que permita atribuir a autoria ou co-autoria do furto no veículo de matrícula 21-34-..., uma vez que nenhum deles presenciou os factos, nem nenhum deles conhece os arguidos, o que apenas permitiu ao Tribunal a quo valorar o seu depoimento relativamente a identificação dos objectos furtados e valor dos mesmos, conforme consta da douta motivação; 20. Acresce que as testemunhas Abílio F... e Eduardo O..., todos agentes da GNR, conforme resulta do texto do douto acórdão, estes afirmaram “terem recolhido as imagens que constam dos prints de fls. 104 a 122, devidamente examinados em audiência de julgamento”, e no caso concreto da testemunha Eduardo O... “afirmou que já conhecia o arguido André, no âmbito das funções, desde 2004 e após ter visionado as imagens no computador indicou, sem qualquer dúvida o arguido André como estando presentes nas mesmas cuja indumentária consistia em ténis brancos, t-shirt e calções escuros, indicação essa também efectuada em audiência de julgamento nomeadamente relativamente ao print 26 de fls 109; prints de fls. 110; prints 7,8,11 e 12 (este só quanto à indumentária) de fls. 111 e prints de fls. 116 e 117”; 21. Ora, nenhumas destas testemunhas virem o aqui recorrente a praticar qualquer crime, nem sequer através do visionamento daqueles fotogramas. Nos fotogramas em causa, apenas podemos observar a existência de indivíduos de sexo masculino e feminino no interior de lojas ou superfícies comerciais, desconhecendo-se qual deles em concreto efectuava uma qualquer compra, e se o fazia, e se nesse caso utilizava um qualquer meio de pagamento de obtenção ilícita, e se sequer o/a individuo em causa tinha consciência dessa proveniência ilícita; 22. Acresce que, face à prova produzida, e pelos mesmos fundamentos já expendidos supra e que aqui se dão por reproduzidos, também não poderia ter sido dado como provado a factualidade vertida no ponto 2 dos factos provados. Não tendo sido em momento algum encontrados ou apreendido na posse do recorrente ANDRÉ N... quaisquer desses objectos que ali se encontram identificados, e não tendo, como supra se referiu, sido produzida qualquer prova que permitisse ao Tribunal a quo, dar como provado, a sua participação nos factos, a qualquer título, e não podendo essa participação ser presumida, como fez o Tribunal a quo, não poderia a factualidade vertida nos pontos 1 e 2 ter sido dada como provada, antes devendo, face à prova validamente produzida e validamente junto aos autos, ter essa factualidade sido dada como não provada; 23. Mais foi vertida nos ponto 3 e 4 da factualidade dada como provada, que “na posse do cartão de débito n.º 0258... e do seu código os arguidos dirigiram-se à ATM do BPI, sita na Rua P...onde, após introduzirem o cartão do ofendido, digitaram o código e levantaram as quantias de 200€ e 200€ de que se apropriaram.” E “Na posse do cartão de crédito n.º 3389... os arguidos, na referida ATM após introduzirem o cartão do ofendido, digitaram o código e levantaram as quantias de 200€ e 200€ de que se apropriaram”; 24. Salvo o devido respeito, não foi validamente produzida qualquer prova segura e inequívoca que permita dar como provado, como se deu, que foi o arguido ANDRÉ N... quem tinha na sua posse o referido cartão de débito n.º 0258..., uma vez que ninguém referiu em audiência de julgamento que foi o arguido, ora recorrente quem procedeu ao levantamento das quantias supra referidas, e que este sequer conhecesse a proveniência daquele cartão de débito, ou que sequer foi este, por si ou por entreposta pessoa, quem se apropriou ilicitamente desse cartão de débito, e o utilizou, para fazer levantamentos ou pagamentos, pelo que a supra identificada factualidade deveria ter sido dada como não provada, pois assim o impunha toda a prova validamente produzida; 25. Mais foi dado como provado no ponto 7 que “para pagamento dos referidos telemóveis introduziram o cartão de crédito n.º 3389... e o respectivo código no terminal de pagamento automático”; 26. Ora, conforma já supra referimos, não se pode afirmar com mínimo grau de certeza e de segurança que foi o aqui arguido, ora recorrente ANDRÉ N... quem introduziu ou utilizou, por si ou através dos demais – quer sejam a Maria S... ou o Albano M... ou quem quer que seja –, o cartão de crédito n.º 3389... e o introduziu respectivo código. Acresce que também foi produzida qualquer prova que permitisse, como supra se referiu, dar como provada que este conhecia a proveniência ilícita daquele cartão de débito, pelo que a supra identificada factualidade deveria ter sido dada como não provada, pois assim o impunha toda a prova validamente produzida e a ausência de prova nesse sentido; 27. Mais se deu como provado nos ponto 8, 9 e 10 da matéria de facto provada que o arguido conjuntamente com a Maria S... e o Albano M..., “Deslocaram-se depois à loja NIKE, onde adquiriram, peças de vestuário e sapatilhas para todos, no valor de 254,75 € e 440,75 €. Para pagamento de tais peças os arguidos introduziram o crédito n.º 3389... e o respectivo código no terminal de pagamento automático da referida loja. Depois na loja LEVI`S (DETIPIN COM VEST) adquiriram roupa, no valor de 427,00€. Para pagamento da tais peças os arguidos introduziram o cartão de crédito n.º 3389... e o respectivo código no terminal de pagamento automático da referida loja”; 28. No que respeita ao arguido ANDRÉ N... não foi produzida prova segura e inequívoca que era o arguido que tinha na sua posse os cartões, nem que foi o mesmo que introduziu os cartões nos respectivos terminais de pagamento automáticos da loja e marcou o respectivo código, quer enquanto autor, quer enquanto co-autor. Nem sequer podemos afirmar que este fez quaisquer compras, e se as fez, e se utilizou qualquer cartão de proveniência ilícita, não foi produzida qualquer prova segura e inequívoca de que o recorrente sabia/conhecia a proveniência ilícita dos mesmos. Para praticar o furto aqui em julgamento não são necessárias três pessoas, sendo até aliás inverosímil, tendo em conta as características do furto, que este fosse efectuado por três pessoas. E quem furtou e tendo o código e apercebendo-se das quantias disponíveis como certamente terá apurado através de consulta de saldo numa ATM, poderá ter querido compartilhar ou oferendar os seus amigos ou seu companheiro. Naturalmente nestas circunstâncias, quem beneficiou dessas prendas, não pode ser penalmente responsabilizado pela sua conduta; 29. Ora, e tendo em conta a prova validamente produzida nos autos tal factualidade deveria ter sido dada como não provada, pelo que de todo não deveria ter sido dada como provada, como o foi, a prática pelo arguido ANDRÉ N... dos crimes pelos quais veio a ser condenado, uma vez que a sua conduta, sem prescindir tudo quanto se disse quanto à nulidade das imagens obtidas através do sistema de videovigilância, e a inexistência de prova segura e inequívoca da sua participação ou comparticipação nos crimes dos autos, também é certo que a sua conduta, de acordo com a prova validamente produzida, não preenche os tipos legais de crime pelos quais veio o mesmo a ser acusado e condenado; 30. Pelo exposto não poderia ter sido dada como provada a factualidade vertida nos pontos 11, 12, 13 e 14 dos factos provados, quanto ao aqui recorrente André N..., antes devendo a mesma, quanto a este, ser dada como não provada, face a ausência de prova segura e inequívoca da sua participação nos crimes dos autos pelo quais estes veios a ser condenado. Face à prova validamente produzida e a absoluta ausência de prova da participação do arguido nos crimes dos autos, tendo em conta o princípio do in dúbio pro reo, necessariamente que toda a factualidade dada como provada quanto ao aqui recorrente André tinha que ter sido dada como não provada, nomeadamente a matéria de facto dada como provada nos pontos 11, 12, 13 e 14; 31. Pelo exposto deveria o arguido, face à prova validamente produzida e face à ausência de prova segura e inequívoca da pratica pelo mesmo dos crimes dos autos e tendo erradamente sido dada como provada, quanto ao mesmo, a factualidade vertida nos pontos 1, 2, 3, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14 dos factos provados – o que ocorreu em manifesta violação dos princípios da verdade material, presunção da inocência e da livre apreciação da prova – deveria, e deverá, o mesmo ser absolvido nos crimes pelos quais estava acusado e pelos quais veio a ser condenado; 32. Por último sempre se dirá que, também não se logra perceber, com que fundamento e com base em que prova produzida, o Tribunal a quo deu como provada a comparticipação do Albano M... e da Maria S... nos crimes aqui em julgamento, sendo certo que inclusivamente estes não foram sequer ouvidos nos autos como testemunhas, quando podiam e deviam ser; 33. Sempre sem prescindir tudo o que foi referido supra, dispõe o artigo 27º/1 do Código Pena que “É punido como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso”; 34. Conforme ensina o Prof. Faria e Costa (in Jornadas de Direito Criminal, Fase I, 1983, pág. 174), resulta desde logo do preceito que a cumplicidade experimenta uma subalternização relativamente à autoria; projecta-se não na assunção de todas as consequências mas apenas no auxílio. A infracção sempre seria praticada, só que em outro tempo, lugar ou circunstância – há pois uma causalidade não essencial; 35. No caso concreto, admitindo para mero efeito de raciocino que o arguido/recorrente esteve presente na factualidade ocorrida no centro comercial B..., e admitindo as circunstâncias de tempo e lugar vertidas na acusação, e posteriormente nos factos provados do douto Acórdão, o arguido ANDRÉ acompanhava a Maria S... ou o Albano M..., nessa superfície comercial, quando estes procediam ao levantamento de dinheiro e faziam compras e que, sempre a sua conduta só poderia ser punível enquanto cúmplice e não co-autor; 36. Ora, a conduta do arguido, ora recorrente André N..., admitindo-se para efeito de raciocínio que este poderia ter furtado o cartão de débito em causa, e no caso de se entender valorar as imagens constantes dos autos, extraídas dos sistemas de videovigilância em causa – cuja legalidade foi posta supra em causa –, quanto muito, poderá subsumir-se ao auxílio material à prática dos crimes de burla informática e abuso de cartão de garantia, pelo que sempre este só deveria ser condenado enquanto cúmplice (neste sentido, cfr Figueiredo Dias, Questões Fundamentais – A Doutrina Geral do Crime, 2ª edição, 2007, p. 833 e ss); 37. Dispõe o artigo 203º, n.º 1 do Código Penal que “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”; 38. Mais dispõe o artigo 204º, n.º 1 que: “Quem furtar coisa móvel alheia: al. b) colocada ou transportada em veículo ou colocada em lugar destinado ao depósito de objectos ou transportada por passageiros utentes de transporte colectivo, mesmo que a subtracção tenha lugar na estação, gare ou cais”; 39. “O bem jurídico protegido pela incriminação é a propriedade, incluindo a posse e a detenção legítimas. O conceito penal de “propriedade” inclui o poder de disposição sobre a coisa, com fruição das utilidades da mesma. 40. No caso em concreto não se encontram preenchidos nem o tipo objectivo nem o subjectivo, uma vez que tendo em conta, sempre, a prova produzida em audiência de julgamento, não resulta daquela que o arguido, ora recorrente, tenha sido um dos autores do crime de furto qualificado, nem dos demais crimes de que foi condenado, devendo, por isso ser o mesmo absolvido; 41. Sem prescindir, a escolha da pena reconduz-se, numa perspectiva político-criminal a um movimento de luta contra a pena de prisão. A este propósito dispõe o art.º 70º do Código Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Assim exprime, o legislador, a preferência pelas penas não privativas da liberdade; 42. É certo que a única vantagem que a pena de prisão pode apresentar face a qualquer outra pena não privativa da liberdade, reside precisamente na circunstância de corresponder ainda hoje ao sentimento generalizado da comunidade a convicção de que, em muitos casos criminais, a privação de liberdade é o único meio adequado de estabilização contrafáctica das suas expectativas, se em seu entender “fazer-se justiça”, abaladas pelo crime, na vigência da norma violada, podendo ao mesmo tempo servir a socialização do transgressor; 43. Todavia não se poderá corresponder a tal sentimento generalizado da comunidade, condenando em penas de prisão efectiva. Antes de mais há que atender às constatações da moderna criminologia tendentes à afirmação de que “aquele que cumpre uma pena de prisão é desinvestido profissional e familiarmente, sofre o contágio prisional, fica estigmatizado com o labéu de ter estado na prisão e não é compensado, muitas vezes, com uma efectiva socialização”. Para além de que a privação da liberdade pode representar um peso diferente consoante a personalidade de quem a sofre sem que essa diferente “sensibilidade à privação da liberdade” possa ser adequadamente levada em conta na medida da pena. Não se olvidem, por fim, embora num plano diferente, os elevadíssimos custos financeiros públicos do sistema prisional; 44. Por conseguinte, a opção pela pena de prisão só se justificará quando tal for imposto pelos fins das penas – previstos no art.º 40º, n.º 1 do Código Penal: “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (sublinhado nosso); 45. Estes fins – comummente designados pela doutrina como prevenção geral positiva ou de integração e prevenção especial positiva ou de socialização traduzem respectivamente o reforço da consciência comunitária e do seu sentimento de segurança face ao atentado contra a vigência da norma penal e a necessidade de efectuar um raciocínio de prognose em relação aos efeitos da pena na futura conduta do Arguido em vista da sua ressocialização – cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal II, Parte Geral, As Consequências Jurídicas do Crime”, Secção de Textos da Universidade de Coimbra, 1988, pág. 229 e ss. e “Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, Ano 1993, pág. 198 e ss. e por todos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.03.97 no processo nº 1057/96); 46. O disposto no artigo 40º do Código Penal fornece os critérios que hão-de presidir à aplicação das penas: a protecção dos bens jurídicos e a reintegração social do agente, sendo certo que “em caso algum a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa”. Compaginando o teor do artigo 40.º nº 2 e os elementos contidos no artigo 71.º, ambos do Código Penal, temos que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente (limite inultrapassável), das exigências de prevenção e tendo-se ainda em linha de conta todas as demais circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime (dos elementos essenciais da infracção), deponham a favor do arguido ou contra ele; 47. Pelo exposto, e sem prescindir o supra referido quanto à absolvição do recorrente quanto à pratica dos crimes aqui em julgamento, se assim não se entender (o que se concebe apenas por mero efeito de raciocínio) sempre deveria o Tribunal a quo ter optado pela suspensão da pena de prisão ou deveria a mesma ser substituída por multa ou por trabalho a favor da comunidade, para a qual o arguido dá o seu consentimento – a realizar nos períodos férias do arguido em que este esteja a Portugal –, uma vez que desta forma se realizava de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sendo certo que o arguido, actualmente e já desde pelo menos meados de Julho de 2011, adoptou uma postura conforme ao Direito, com evolução da personalidade positiva e demonstrando capacidade de se manter abstinente do consumo de produtos estupefacientes, encontra-se emigrado na Suíça e integrado e a trabalhar, longe do seus pares (cfr. resulta do relatório social junto aos autos a fls. …), e esteve, em 2011, em prisão preventiva, o que lhe permitiu sentir na “carne” o que é a prisão e a reclusão, reforçando qualquer juízo de censura e a própria ameaça de prisão; 48. Aliás, o arguido, desde aquela reclusão, decidiu-se, após tratamento, abandonar o consumo de produtos estupefacientes, e adoptar uma postura conforme ao direito, tendo inclusivamente, nos julgamentos a que entretanto foi sujeito – e foram infelizmente alguns e decorrentes do seu passado delinquente e dependente do consumo de estupefacientes – sido sempre, se não absolvido, condenado em penas de multa ou penas de prisão suspensas na sua execução; 49. Acresce que, o arguido encontra-se abstinente (o que ocorre há pelo menos 21 meses) e reorganizou a sua vida, o que tem implicado uma luta e empenho pessoal diário por parte do aqui recorrente André, o qual batalha por um futuro melhor, para si e para os seus, sem prescindir e sem esquecer ou escamotear os seus erros e crimes passados e as suas vítimas. O recorrente emigrou, está a trabalhar e residir na Suíça desde sensivelmente Julho de 2011, não cometeu mais crimes, nem disso naturalmente (porque não foram cometidos) há noticiais nos autos – está socialmente integrado, casou, encontra-se abstinente, está em vias de recuperar o seu filho que lhe foi “retirado”, tem comportamento conforme ao Direito, reconhece os seus crimes e erros e o facto de não ter sido, no passado, digno das oportunidades que os tribunais lhe deram; 50. O Tribunal a quo, apesar de ter percebido que estava perante um miúdo toxicodependente, com passado delinquente, e que está presentemente a reorganizar a sua vida, a formar-se enquanto homem, actualmente cumpridor da Lei, abstinente, trabalhador e pai, decidiu, mal, impôr uma pena de prisão efectiva, a qual irá interromper este novo percurso e esta recuperação, de um jovem que esteve perdido e que se está a “reencontrar”, que se encontra inserido e em franco processo de ressocialização – se não mesmo já ressocializado –, o que irá também importar a perda necessariamente do emprego na Suíça, e a própria autorização de residência nesse país. Acresce que esta pena, em concreto e tendo em conta a matéria de facto dada como provada, a conduta anterior e posterior ao crime, o ressarcimento dos prejuízos, a concessão perdão por parte da vítima, contraria, quanto a nós, os próprios fins das penas e é absolutamente desnecessária tendo em conta as concretas necessidades de prevenção geral e especial; 51. O André merece mais uma oportunidade. O André merece que alguém, nomeadamente este Venerável Tribunal ad quem, acredite e acarinhe este processo e este seu novo percurso. O André luta diariamente para não interromper o seu percurso, para ter um comportamento conforme o direito e para ter uma vida, livre, responsável, e junto daqueles que ama, e que o acompanham; 52. Qual a vantagem que pode existir em interromper este percurso, encarcerar este jovem – sem prescindir da sua concreta e exclusiva responsabilidade pelos seus actos – cercear um presente e condicionar um futuro? Cremos, sinceramente, não existir qualquer vantagem, nem qualquer necessidade de prevenção geral e especial que o imponha; 53. O Tribunal a quo, na determinação da medida da pena deveria reconhecer tal factualidade, ou parte dela, e ter percebido claramente que estava perante um jovem em recuperação e reintegração (processo que obviamente não demora dias, nem semanas, nem meses) optou, pelo facto de o recorrente não ter aproveitado, anteriormente, algumas oportunidades que o Tribunal lhe dera, cercear, punitivamente, o novo percurso em que o arguido se encontra a investir, implodindo um futuro no qual todos, a começar pelo arguido, deveriam investir; 54. O Tribunal a quo, com esta decisão e douta condenação, procurou apenas punir, 4 anos após a pratica dos factos, um comportamento e um passado, não reconhecendo um presente que deveria, com o devido respeito acarinhar e incentivar, suspendendo a pena aplicada na sua execução, nos termos do artigo 50º do Código Penal. A pena aplicada, que no caso concreto, revela-se desadequada e contraria os próprios fins das penas, causando efeitos gravíssimos no processo de ressocialização de um miúdo, quer procura ser um homem digno e que procura ter um futuro e proporcionar um futuro ao seu filho e a sua esposa; 55. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo faz uma errada apreciação quanto ao juízo de prognose favorável que era (e é) possível de fazer quanto ao arguido; 56. Impunha-se que o Tribunal a quo olhasse e percebesse o indivíduo que estava “à sua frente”, não se limitando a afastar a possibilidade de suspensão da pena de prisão com fundamento no seu registo criminal e no seu passado desaproveitamento das oportunidades concedidas; 57. Assim, é nosso entendimento que, face a actual conduta e integração, e face a reclusão que vivenciou, o arguido reflectiu sobre o seu percurso de vida e sobre a necessidade de adoptar um comportamento conforme o direito, manter-se abstinente, lutar para recuperar e criar o filho que lhe foi retirado em virtude da sua dependência e desestruturação, e assim fazer um juízo de prognose favorável, e ainda tendo em conta as concretas necessidades de prevenção geral e especial, as quais (estas últimas) eram elevadas a data da prática dos factos e que, actualmente, face à reclusão e evolução da personalidade durante essa reclusão, e abstinência, são diminutas, pelo que é nosso entendimento que a concreta pena aplicada – sem prescindir o supra referido quanto homologação da desistência de queixa apresentada pela ofendida e consequente extinção do procedimento criminal – deveria ser substituída por multa ou por trabalho a favor da comunidade, nos termos respectivamente do artigo 43º e 58º do Código Penal, para a qual o arguido dá o seu consentimento expresso, ou então, ser suspensa na sua execução sujeita a regime de prova, uma vez que actualmente, nos termos e pelos fundamentos supra aduzidos, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizava de forma adequada e suficiente as finalidades da punição; 58. Sem prescindir, no que a determinação da medida concreta da pena e respectiva fundamentação diz respeito, o Tribunal a quo não fundamentou suficientemente a sua decisão, nem esclarece o processo lógico-mental que motivou aquele concreta escolha da pena e respectiva dosimetria, numa clara violação do disposto no artigo 205º, n.º 1 e 32º. N.º 1 da Constituição da República Portuguesa, bem como, no artigo 374º, n.º 2 e 379º, n.º 1, alínea a) do Código Processo Penal, o que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos; 59. Acresce ainda que, no que se refere a opção pela não suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50º do Código Processo Penal, o Tribunal a quo para além de também fundamentar insuficientemente essa decisão e o respectivo processo lógico-mental, também faz uma errada apreciação, atendendo a concreta personalidade do arguido, às suas condições devida, à sua idade à data dos factos e a todas as circunstâncias que depunham a seu favor, e que em concreto permitiam claramente, sem prescindir todos os antecedentes criminais, e face a actual reclusão que lhe permitiu reflectir sobre o seu percurso de vida e sobre a necessidade de adoptar um comportamento conforme o direito, fazer um juízo de prognose favorável, e conclui, conforme supra referido que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizava e realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição; 60. Por último, sem prescindir, tendo em conta a matéria de facto dada como provada, e atendendo a concreta personalidade do arguido – a qual não foi devidamente apurada face a ausência do arguido em julgamento face ao facto do mesmo se encontrar nessa altura a residir na Suíça –, às suas condições de vida, idade à data dos factos e a todas as circunstâncias que depunham a seu favor – que não foram devidamente assentes porque o Tribunal a quo, omissivamente, entendeu não acolher a informação carreada para o processo no relatório social junto aos autos, sem que tivesse, para suprir essa omissão ordenado a produção de qualquer meio de prova, o que se afigurava essencial para a decisão da causa, afigurando existir omissão de diligência essencial que consubstancia nulidade, nos termos do disposto nos artigos 369º, 370º, 379º, n.º 1, alínea c) todos do Código Processo Penal, o que se alega para os devidos e legais efeitos e ainda insuficiência para a decisão da matéria de facto prova, o que consubstancia nulidade, nos termos da alínea a), do n.º 2 do artigo 410º do Código Processo Penal, o que se alega com as legais consequências, – e que não foram tidas em conta, e que em concreto permitiriam seguramente, sem prescindir todos os antecedentes criminais, e face a actual situação do arguido que decidiu dar um novo rumo a sua vida, rumo esse no sentido positivo e que se encontra espelhado no relatório social, e que não foi tido em conta, como deveria; 61. Ora, salvo o devido respeito, no caso em apreço quanto às condições económicas e pessoais do arguido entendeu o Tribunal a quo apenas dar como provado a factualidade vertida nos pontos 26, 27, 28, 29 os quais aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais; 62. E para fundamentar tal decisão sobre essa matéria de facto, o Tribunal a quo aduz os seguintes argumentos: “baseou-se o Tribunal no CRC junto aos autos e quanto à sua situação pessoal os relatórios sociais juntos aos autos, o último dos quais foi elaborado no âmbito do processo 512/11.0GCBRG desta Vara de Competência Mista excepto quanto à situação do arguido na Suiça pois de tal relatório resulta que para a sua elaboração, e a tal respeito, apenas se basearam no que lhes foi transmitido pelo arguido, inexistindo qualquer suporte documental nem testemunhal de tal suposta realidade”; 63. Ora, com o devido respeito esse argumento não pode colher, uma vez que, nem todo o relatório social fora elaborado apenas com a informação prestada pelo arguido/recorrente, sem prescindir essa ser relevante, dai se fazer sempre uma entrevista, podendo contudo o Tribunal a quo, se duvidas tiver, ordenar a produção de prova suplementar, ao abrigo do disposto nos artigos 369º, 370º e mesmo 340º, todos do Código Processo Penal, nomeadamente pedindo esclarecimentos as técnicas que elaboraram os relatórios sócias para perceber as informações que estas dispunham e como tinha logrado chegar aquelas conclusões, ou ordenava a actualização do relatório social junto aos autos, ou ordenava a realização de um novo relatório social, ou ainda, uma vez que a empresa onde o arguido trabalha estava identificada no relatório social (“DIMEBA GMBH ARMIERUNGEN”, sediada em Basileia, oficiava a mesma, ou ao próprio arguido, para virem aos autos juntar prova documental quanto a existência do contrato, e identificar as respectivas condições contratuais. Diversa outra prova poderia ter sido ordenada, não devendo, como aconteceu, o Tribunal a quo quedar-se omissivamente, sem procurar produzir diligências que seriam essenciais a boa decisão da causa e à correcta determinação da pena, aparentemente atribuído ao arguido esse ónus de prova. Com todo o respeito que é devido e merecido, o Tribunal a quo, nesta questão concreta andou mal; 64. No mesmo sentido ver douto Acórdão da Relação do Porto, de 15 de Maio de 2013, no âmbito do processo n.º 262/11.8GAPRD.P1, o qual não podemos deixar de subscrever integralmente, uma vez que inquestionavelmente, para a escolha e fixação da pena e depois, para a decisão de aplicar penas de substituição, são fundamentais os dados relativos ao arguido, designadamente os relativos à sua personalidade, condições pessoais e situação económica, sendo certo que, mesmo que o arguido se encontra-se ausente em parte incerta (o que não é o caso), o que dificulta a realização relatório social, tal não torna a sua realização – do relatório social ou obtenção de informação sobre os dados relativos ao arguido – absolutamente impossível; 65. Impossível é deixar de ponderar esses dados e essas circunstâncias omissivamente e decidir assim quanto a medida da pena e quanto à eventual suspensão de uma pena privativa da liberdade; 66. Omissão e insuficiência esta que, nos termos e pelos fundamentos supra referidos e que aqui se dão por reproduzidos, se suscita para os devidos e legais efeitos; 67. Sem prescindir, quanto a suspensa da execução da pena e em jeito de conclusão: a aplicação da pena visa a protecção dos bens jurídicos violados (prevenção geral positiva) e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a medida concreta da pena exceder a culpa do agente (art. 40º do Código Penal), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem contra e a favor do agente (n.º 2 do artigo 72º do Código Penal); 68. Sempre que forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art. 70º do Código Penal); 69. Ora, no caso dos autos, sem prescindir o supra referido, sempre se dirá que, a pena concretamente aplicada é manifestamente exagerada e desajustada não tendo o Tribunal a quo valorado devidamente nenhuma circunstância que depusesse a favor do arguido, carecendo a decisão no que respeita à medida de pena, de fundamentação, uma vez que, no caso em concreto a exigência era ainda maior, pois o arguido, ora recorrente não se encontrava presente; 70. Logo, a pena concretamente aplicada de vinte meses de prisão foi desproporcional e desadequada e injusta e, salvo o devido respeito, determinada arbitrariamente, não tendo em conta as concretas necessidades de prevenção geral e especial, que ao caso eram devidas, desrespeitando os próprios fins das penas; 71. Pelo exposto, e sem prescindir o supra referido, e admitindo-se a prática dos crimes pelo arguido, ora recorrente, o que só se alega para mero efeito de raciocínio, deveria o Tribunal a quo ter optado por uma pena de multa e ser esta substituída por trabalho – cfr. artigo 48º – ou se assim não se entender, deveria a pena de prisão concretamente aplicada ser reduzida, e ser a mesma substituída por trabalho a favor da comunidade nos termos do artigo 58º do Código Penal, uma vez que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição; 72. Sem prescindir e assim não se entender, deverá a pena de vinte meses de prisão em que o arguido foi condenado ser suspensa na sua execução, nos termos propugnados; 73. Disposições violadas: Foram violados as disposições referidas supra e as demais que V. Exias suprirão, nomeadamente os arts. 203º e 204º, n.º 2, al. b), 221, n.º 1, 225º, n.º 1 do Código Penal, os artigos 61º 125º, 126º, 127º, 113º, 116º, 119º, 332º, 333º, e 334º, 369º, 370, 379º, do Código de Processo penal e os artigos 40º, n.º 1 e 2, 50º, 70º, 71º, n.º 1 e 2 e 72º, todos do Código Penal, e artigo 32º da Constituição da República Portuguesa. O Ministério Público junto da 1ªinstância respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência [fls.868 a 876 v.] Remetidos os autos ao Tribunal da Relação e aberta vista nos termos do art.416.º n.º1 do C.P.Penal, a Exma.Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da parcial procedência do recurso, devendo a pena única de prisão aplicada ser suspensa na sua execução [fls.886 a 890]. Cumprido o disposto no art.417.º n.º2 do C.P.Penal, o recorrente apresentou resposta ao parecer, concluindo nos termos do recurso apresentado, mas aderindo aos argumentos aduzidos no parecer quanto aos fundamentos para a suspensão da execução da pena de prisão [fls.898 a 899]. Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência. II – FUNDAMENTAÇÃO Decisão recorrida O acórdão recorrido deu como provados e não provados os seguintes e respectiva motivação: «1. Factos Provados Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos: 1. No dia 15 de Junho de 2009, entre as 13 e as 16 horas, o arguido André N..., agindo de comum acordo com o Albano M... e com a Maria S... e no prossecução de um plano delineado por todos decidiram assaltar o veículo de matrícula 21-34-..., Peugeot, modelo 206, propriedade de Alexandre M..., que se encontrava estacionado na Rua T..., nesta cidade de Braga. 2. Para o efeito, por forma não apurada o arguido, o Albano e a Maria S... abriram as portas do referido veículo e daí retiraram e fizeram seus: · Um GPS MARCA tom tom, no valor de 100 euros; · Uma bolsa de senhora tira colo, de marca Cavalinho, em couro de cor castanha e bege, no valor de 80€, · uma carteira porta documentos, da mesma cor e marcas, no valor de 50€, contendo documentos pessoais da esposa do proprietário do veiculo Florbela M..., nomeadamente BI, cartão contribuinte, cartão eleitor, dois cartões multibanco em nome da mesma, um de crédito e outro de débito, de uma conta do BES, uma porta moedas, uma caderneta de grávida e 100€ em notas e moedas do BCE. 3. Na posse do cartão de débito n.º 0258... e do seu código o arguido, o Albano e a Maria S... dirigiram-se à ATM do BPI, sita na Rua P...onde, após introduzirem o cartão do ofendido, digitaram o código e levantaram as quantias de 150€, 200€ e 50€ de que se apropriaram. 4. Na posse do cartão de crédito n.º 3389..., na referida ATM após introduzirem o cartão do ofendido, digitaram o código e levantaram as quantias de 200€ e 200€ de que se apropriaram. 5. Em seguida dirigiram-se ao centro comercial B.... 6. Uma vez aí deslocaram-se à loja Worten Mobile onde adquiriram os telemóveis com os IMEI`S 354208031935..., 352965037646... e 354850029279..., Nokia E71, Sony Ericson w595 e Nokia 5610, respectivamente, pelo valor de 364,00€, 249,90€ e 159,90€. 7. Para pagamento dos referidos telemóveis introduziram o cartão de crédito n.º 3389... e o respectivo código no terminal de pagamento automático 8. Deslocaram-se depois à loja NIKE, onde adquiriram, peças de vestuário e sapatilhas para todos, no valor de 254,75€ e 440,75€. 9. Para pagamento de tais peças introduziram o cartão de crédito n.º 3389... e o respectivo código no terminal de pagamento automático da referida loja. 10. Depois na loja LEVI`S (DETIPIN COM VEST) adquiriram roupa, no valor de 427,00€. Para pagamento de tais peças introduziram o cartão de crédito n.º 3389... e o respectivo código no terminal de pagamento automático da referida loja. 11. O arguido actuou do modo descrito em conjugação de esforços com o Albano e a Maria S... e em execução de plano prévio antes por eles delineado, no propósito concretizado de se introduzir no interior do veículo automóvel, e apoderar-se dos objectos acima referidos, assim os retirando da disponibilidade do seu proprietário, sendo certo que sabia que os mesmos lhe não pertenciam. 12. Sabia o arguido que o cartão de crédito não lhe pertencia e que não tinha autorização do seu proprietário para o utilizar e, apesar disso, não se coibiu das suas condutas, utilizando o referido cartão, efectuando levantamentos e pagamentos contra a vontade do seu legitimo dono, causando-lhe, desta forma, prejuízo. * 2. Factos Não Provados: 1. Para além das compras e levantamentos constantes dos factos provados, os arguidos utilizaram os referidos cartões para efectuar outras compras e pagamentos no valor de 3.000,00€. 3. Motivação: 3. Na posse do cartão de crédito n.º 3389..., na referida ATM após introduzirem o cartão do ofendido, digitaram o código e levantaram as quantias de 200€ e 200€ de que se apropriaram. 4. Em seguida dirigiram-se ao centro comercial B.... 5. Uma vez aí deslocaram-se à loja Worten Mobile onde adquiriram os telemóveis com os IMEI`S 354208031935..., 352965037646... e 354850029279..., Nokia E71, Sony Ericson w595 e Nokia 5610, respectivamente, pelo valor de 364,00€, 249,90€ e 159,90€. 6. Para pagamento dos referidos telemóveis introduziram o cartão de crédito n.º 3389... e o respectivo código no terminal de pagamento automático 7. Deslocaram-se depois à loja NIKE, onde adquiriram, peças de vestuário e sapatilhas para todos, no valor de 254,75€ e 440,75€. 8. Para pagamento de tais peças introduziram o cartão de crédito n.º 3389... e o respectivo código no terminal de pagamento automático da referida loja. 9. Depois na loja LEVI`S (DETIPIN COM VEST) adquiriram roupa, no valor de 427,00€ . Para pagamento de tais peças introduziram o cartão de crédito n.º 3389... e o respectivo código no terminal de pagamento automático da referida loja. 10. Os objectos e o dinheiro nunca foram recuperados pelos proprietários. E os factos não provados passam a ser os seguintes: 1-O arguido André participou na execução dos factos referidos nos pontos 1 a 9 dos factos provados. 2. O arguido André actuou em conjugação de esforços com o Albano e a Maria S... e em execução de plano prévio antes por eles delineado, no propósito concretizado de se introduzir no interior do veículo automóvel, e apoderar-se dos objectos acima referidos, assim os retirando da disponibilidade do seu proprietário, sendo certo que sabia que os mesmos lhe não pertenciam. 3. Sabia o arguido André que o cartão de crédito não lhe pertencia e que não tinha autorização do seu proprietário para o utilizar e, apesar disso, não se coibiu das suas condutas, utilizando o referido cartão, efectuando levantamentos e pagamentos contra a vontade do seu legitimo dono, causando-lhe, desta forma, prejuízo. |