Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1960/13.7TJVNF-F.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Não pode haver divergência entre o factualismo que serve de suporte à comunicação do Sr. Administrador para efeitos de declaração de resolução e o que fundamenta a sentença que decreta a eficácia dessa resolução, já que a causa de pedir da acção de impugnação assenta precisamente na materialidade fáctica dada a conhecer ao impugnante, por via da declaração de resolução, a fim de se salvaguardar o seu direito de impugnação.
II – É válida e eficaz a notificação de resolução de negócio feita pelo Sr. Administrador em favor da massa, se este não deixou de indicar os concretos factos que serviram de fundamento à declaração de resolutiva, seja com base nos requisitos exigíveis para a resolução incondicional, seja com base na causa de prejudicialidade para os credores e má-fé de terceiro relativa à resolução condicional.
III - A caracterização do acto prejudicial à massa insolvente como oneroso ou gratuito não afecta a validade do acto de resolução, uma vez que os factos integrantes da resolução são os mesmos.
Decisão Texto Integral:


25

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório;

Recorrente (s): B., S.A.(autora);
Recorrido (s): Massa Insolvente de C. (ré);
*
Nos presentes autos de Impugnação de Resolução de B., S.A. contra a Massa Insolvente de C., veio aquela interpor recurso da sentença que julgou a acção totalmente improcedente, e, em consequência, absolveu a ré Massa Insolvente de C. do pedido, mantendo-se a resolução impugnada.

O recurso veio a ser admitido como apelação, com subida imediata, nos autos do apenso e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta a recorrente formula as seguintes conclusões:
1. A Sra. AI decidiu resolver o ato praticado pelo Insolvente a 17 de Maio de 2013, mais concretamente, o aditamento ao contrato de arrendamento para fins não habitacionais (indústria) com prazo certo a que faz referência no ponto 1 da sua comunicação.
2. Tendo fundamentado a sua decisão de resolução em dois preceitos – no artigo 120.º, nº 4 do CIRE e no artigo 121.º, nº 1, alínea h), do CIRE.
3. A Recorrente não se conforma com a resposta dada aos pontos G, H, I, J e K da decisão relativa à matéria de facto, pelo que são estes os concretos pontos de facto que a Recorrente entende que foram incorretamente julgados, assim se cumprindo o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 640.º do CPC.
4. Considera a Recorrente que relativamente aos pontos em questão foi produzida prova suficiente que justifique dar resposta diferente aos factos sobreditos e que não foram devidamente aplicadas as regras referentes ao ónus da prova.
5. A única prova produzida sobre os pontos G e H consistiu no depoimento de uma única testemunha, Sebastião, que a Recorrente considera ser claramente insuficiente, distante e opinativo, sem qualquer base argumentativa credível.
6. Decorre do depoimento da testemunha Sebastião que foi contratado pela Sr.a AI para proceder à avaliação do imóvel em apreço, designadamente para averiguar qual o valor de VENDA do mesmo - cfr. Estas declarações foram prestadas na audiência de julgamento realizada no dia 23/11/2015 e encontram-se devidamente registadas e gravadas nas passagens dos minutos 00:01:30 a 00:26:36.
7. O relatório em questão não foi junto aos autos, pelo se desconhecem as conclusões do mesmo.
8. De igual modo se desconhece se foi efetivamente realizada alguma avaliação ao imóvel.
9. De todo o modo, o que foi afirmado por esta testemunha foi que o seu alegado relatório teve como objetivo único o de apurar o valor de venda do imóvel e que para apurar o valor de locação teria de levar a cabo testes diversos - Estas declarações foram prestadas na audiência de julgamento realizada no dia 23/11/2015 e encontram-se devidamente registadas e gravadas nas passagens dos minutos 00:07:38 a 00:07:53.
10. A testemunha acabou, relutantemente, por referir que o imóvel deveria ter um valor de locação não inferior a €1.000,00, deixando bem claro que não lhe era possível declarar qual o exacto valor sem proceder a nova avaliação.
11. O depoimento desta testemunha revelou-se, pois, pouco claro, indeciso, inconcludente e desfasado do caso concreto.
12. Contrariamente ao que decorre da douta sentença, a testemunha José não afirmou ter negociado o contrato em causa em representação da Recorrente.
13. A testemunha José declarou que negociou o aditamento ao referido contrato e que quem negociou o contrato de arrendamento foi D., legal representante da Recorrente - Estas declarações encontram-se devidamente registadas e gravadas na passagem dos minutos 00:00:25 a 00:12:07 do seu depoimento, o qual teve lugar na audiência de julgamento realizada no dia 02/12/2015.
14. Mais declarou José que foi incumbido de negociar o aditamento ao contrato de arrendamento uma vez que a Recorrente apurou existirem valores de mercado mais baixos na zona para imóveis semelhantes e que por tal motivo pretendia a renegociação do contrato.
15. Contrariamente ao entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, entende a Recorrente que o depoimento desta testemunha foi claro, simples, preciso, objetivo, coerente, seguro, verosímil, independente, desinteressado e rigoroso.
16. O facto de a testemunha se encontrar ligada à estrutura da Recorrente não pode conduzir à pura e simples desconsideração do seu depoimento.
17. Aliás, este depoimento foi corroborado pelas declarações de parte de D. e pelo depoimento da testemunha Francisco.
18. Pelo que deveria ter merecido total acolhimento pelo Tribunal a quo.
19. Devendo, nesta parte, ser revogada a douta sentença recorrida e tal facto ser julgado como não provado.
20. Também o ponto H da matéria assente teve como único meio de prova as declarações da testemunha Sebastião.
21. A Recorrente não pode deixar de manifestar a sua total discordância com a fundamentação de facto adotada pelo tribunal a quo quanto a este ponto.
22. Não há uma desproporção entre as obrigações assumidas pelas partes.
23. Por um lado, a Recorrente vinculou-se ao contrato por um período de 20 anos e a pagar de forma periódica as rendas estabelecidas, além de ter de tolerar as reparações urgentes, bem como quaisquer obras ordenadas pela autoridade pública (nos termos do artigo 1038º do Código Civil (CC)) durante todo esse período.
24. Acresce que é a Recorrente quem responde pela perda ou deterioração da coisa, nos termos do artigo 1044º do CC.
25. Por outro lado, o insolvente entrega ao locatário a coisa locada e assegura-lhe o gozo desta para os fins a que a coisa se destina, tendo como contrapartida o pagamento das rendas.
26. Quer o insolvente quer a Recorrente constituíram, com este aditamento, novas obrigações proporcionais e compatibilizadas de acordo com os ditames da boa fé.
27. Devendo, nesta parte, ser revogada a douta sentença recorrida e tal facto ser julgado como não provado.
28. O Tribunal a quo respondeu aos pontos I e J baseando-se, única e exclusivamente, nas “regras de experiência comum”, desconsiderando totalmente as declarações de parte prestadas por D. e os depoimentos das testemunhas Francisco e José.
29. A única prova produzida sobre os pontos I, J e K consistiu nas declarações de parte de D. e no depoimento das testemunhas Francisco e José.
30. Todavia, confrontando a decisão da matéria de facto, em particular a resposta a este quesito verifica-se que o Tribunal a quo respondeu ao mesmo baseando-se, apenas e só, em regras de experiência comum.
31. Entende a Recorrente que foi produzida prova testemunhal bastante para que o Tribunal a quo tivesse julgado os pontos I, J e K de modo distinto.
32. Apesar de não lhe caber o ónus da prova, a Recorrente fez questão de produzir prova para demonstrar, sem margem para qualquer dúvida, aquando da realização do aditamento resolvido pela Sra. AI, não conhecia o insolvente nem era sabedora da sua situação económica.
33. Para o efeito, foram prestadas declarações de parte e foram inquiridas duas testemunhas que atestaram indubitavelmente tais factos.
34. Mais justificaram por que motivo foi celebrado o aditamento em questão: existiam várias alternativas ao imóvel arrendado, com valores de renda muito mais vantajosos.
35. Saliente-se que o Tribunal a quo não só desconsiderou pura e simplesmente os depoimentos das testemunhas e das declarações de parte da Recorrente, como ainda violou frontalmente as regras respeitantes ao ónus da prova relativamente a tais factos.
36. Na verdade, os pontos I e J correspondem a factos invocados pela Recorrida na sua carta resolutiva e cuja prova lhe incumbia.
37. Já que, como decorre do artigo 120.º, nº 4 do CIRE, apenas se presume a má-fé do terceiro quando o ato tenha sido praticado “nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente”.
38. Ora, não tendo resultado provado (nem poderia resultar) que a Recorrente é pessoa especialmente relacionada com o insolvente, a má-fé não se presume.
39. A tendência maioritária da jurisprudência vai no sentido de entender que o ónus da prova dos pressupostos da resolução (a prejudicialidade e a má fé) recai sobre a ré massa insolvente.
40. E, neste campo, a Recorrida não logrou produzir qualquer meio de prova para a demonstração de um facto cujo ónus de prova lhe cabia.
41. Nenhuma prova foi produzida que permitisse ao Tribunal a quo concluir pelo preenchimento de qualquer uma das alíneas do nº 5 do artigo 120.º do CIRE.
42. Antes pelo contrário, a única prova produzida foi no sentido de que a Recorrente não conhecia o insolvente nem a sua condição económica, e que desconhecia que o negócio era prejudicial para quem quer que fosse.
43. Pelo que mal andou o Tribunal a quo ao considerar tais factos como provados, devendo, nesta parte, ser revogada a douta sentença recorrida e tais factos serem julgados como não provados.
44. Consequentemente, em sentido inverso mas pelos mesmos motivos, deve o ponto K ser considerado provado, revogando-se a douta sentença recorrida também neste ponto.
45. Na ação de impugnação da resolução não podem ser discutidos factos que não tenham sido invocados na declaração resolutiva, designadamente na carta de resolução elaborada e enviada pela Sra. AI.
46. Na sua carta resolutiva, a Sra. AI invoca um fundamento de resolução incondicional que não consta da matéria de facto provada.
47. Mais concretamente, na sua carta resolutiva, a Sra. AI invocou que o ato em apreço “é resolúvel incondicionalmente em benefício da massa insolvente, sem necessidade deverificação de quaisquer outros requisitos, nos termos do art.º 121. n.º 1 al h) do CIRE”. 48. Aquela alínea refere-se a “Atos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência e que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte”.
49. Em ponto algum da douta sentença ficou dado como provado que o ato em apreço foi gratuito. Nem poderia ter ficado, na medida em que, com aquele ato, a Recorrente assumiu a obrigação de, durante 20 anos, proceder ao pagamento do valor mensal da quantia de €500,00.
50. O que totaliza o valor de €120.000,00 ao longo daqueles 20 anos.
51. Claro está que este ato não pode ser considerado gratuito.
52. De todo o modo, foi o que o tribunal a quo considerou, ao enquadrá-lo no âmbito de aplicação do artigo 121.º, nº 1, alínea b), referente a “Actos celebrados pelo devedor a título gratuito dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, incluindo o repúdio de herança, ou legado, com exceção dos donativos conformes aos usos sociais”.
53. Mesmo que se considere tratar-se de um ato desfavorável para os credores do insolvente (factualidade que foi impugnada pela Recorrente), não estaremos nunca perante um ato gratuito.
54. Nunca o tribunal a quo podia ter aplicado um normativo distinto daquele que foi invocado pela Sra AI na sua carta resolutiva.
55. E em ponto algum da carta resolutiva é invocado que estamos perante um ato gratuito, muito menos que o ato é resolúvel nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 121.º do CIRE.
56. A Recorrente, para exercer o seu direito de impugnação da resolução, tem necessariamente de saber que factos e fundamento são contra si invocados.
57. Não tendo sido invocado tal facto, a carta resolutiva não indica o fundamento da resolução incondicional e a declaração de resolução emitida pela Sra. AI é nula.
58. O tribunal a quo não podia ter resolvido o negócio com base numa factualidade que não foi invocada pela Sra AI nem na sua carta resolutiva nem na sua contestação.
59. Em ponto algum dos presentes autos foi levantada a possibilidade de resolução do ato em questão com base na alínea b) do nº 1 do artigo 121.º do CIRE.
60. Sempre inexistiria fundamento para resolver incondicionalmente o ato em apreço com base no artigo invocado pela Sra AI na sua carta resolutiva.
61. Na verdade, em ponto algum da douta sentença ficou dado como provado que, do ato em apreço resulta que as obrigações assumidas pelo insolvente excedem manifestamente as assumidas pela Recorrente.
62. Nem poderia ter ficado, já que não foi produzida qualquer prova nesse sentido, e dos elementos constantes do processo é possível constatar que apenas a Recorrente assumiu obrigações perante o insolvente.
63. Por outro lado, em ponto algum da carta resolutiva foi invocado que as obrigações assumidas pelo insolvente excedem manifestamente as assumidas pela Recorrente.
64. E não tendo sido invocado tal facto, a carta resolutiva não indica o fundamento da resolução incondicional e a declaração de resolução emitida pela Sra. AI é nula.
65. Pelo que o fundamento de resolução incondicional invocado pela Sra. AI na sua carta resolutiva não pode ser atendido, seja porque não resultaram provados factos que o corroborem, seja porque a carta resolutiva não contém qualquer elemento que o concretize.
66. Não resultando provado (nem poderia resultar) que a Recorrente é pessoa especialmente relacionada com o insolvente, a má-fé não se presume.
67. A prova da má-fé cabia à Recorrida, a qual, como já se referiu, não a logrou produzir.
68. Na verdade, entende a Recorrente que não resultou provado nenhum dos factos constantes das alíneas do nº 5 do artigo 120.º do CIRE.
69. Como também já se referiu, o ato em apreço não foi prejudicial à massa insolvente.
70. Assim sendo, não se encontram preenchidos os pressupostos de que depende a resolução do ato em benefício da massa insolvente, devendo proceder a impugnação apresentada pela Recorrente.
71. Por conseguinte, deve revogar-se a douta sentença recorrida do tribunal a quo e julgar totalmente procedente a impugnação da resolução apresentada pela Recorrente
72. A douta sentença recorrida violou, assim, o disposto nos artigos 120.º e 121.º do CIRE e 342.º do CC.
Pede que se revogue a sentença recorrida.

Houve contra-alegações pugnando-se pelo decidido.

II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações.

As questões suscitadas pelo recorrente podem sintetizar-se da seguinte forma:

a) Se se verifica a nulidade da decisão por excesso de pronúncia e em objecto diverso do pedido;
b) Se há lugar à alteração da matéria de facto, quanto aos pontos 4 e 5;
c) Se se verifica erro de julgamento quanto à matéria de direito, devendo ser declarada a ineficácia e revogação da resolução em benefício da massa insolvente, por falta de fundamento legal;


Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos;

1. De facto;

I - A factualidade considerada na decisão recorrida foi a seguinte:

A. Por sentença proferida nos autos principais, datada de 08/07/2013, já transitada em julgado, foi declarada a insolvência de C., pessoa singular, tendo o processo dado entrada em juízo a 05/07/213 e sido nomeada Administrador da Insolvência, a Drª ….
B. No dia 17 de Maio de 2013, foi celebrado um Aditamento ao Contrato de arrendamento para fins não habitacionais (indústria) com prazo certo, no qual “C.” e a aqui Autora acordaram em alterar o teor das cláusulas 4.ª n.º 1 e 5.ª do contrato de arrendamento supra mencionado, celebrado sobre o bem imóvel que melhor se descreve: “Prédio Urbano - edifício de 2 pisos destinado a armazém e atividade industrial, com logradouro - sito na Rua…- denominado: lote 5 - com a área total de 626 m2, sendo 560 m2 de área coberta e 66 m2 de área descoberta. Descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …, inscrito na matriz predial urbana com o número …, freguesia de …, ".
C. A Sra. Administradora da Insolvência resolveu tal ato.
D. De acordo com o aludido aditamento, foi alterado o prazo de arrendamento de 3 para 20 anos, bem como o valor da renda mensal de € 1.500,00 para € 500,00 mensais.
E. A resolução levada a cabo pela Sra. Administradora da Insolvência teve por fundamento o facto de considerar que o ato constituiu um “negócio prejudicial para a massa insolvente, por colocar em crise a possibilidade de satisfação dos credores”.
F. À data do referido ato (o aditamento ao contrato de arrendamento para fins não habitacionais) já a Impugnante era arrendatária do referido imóvel desde 02/01/2013.
G. O referido imóvel tem um valor de locação nunca inferior a 1.000,00 euros mensais.
H. O aumento do prazo de duração de arrendamento, para 20 anos, quando eram três anos acarretou uma diminuição drástica no valor comercial do imóvel locado.
I. Aquando da realização do referido aditamento ao contrato de arrendamento, já a Impugnante sabia do estado económico-financeiro em que se encontrava o insolvente, pois, além de saber que não tinha C. capacidade para cumprir com as suas obrigações e que a sua insolvência era iminente, também sabia que o aditamento ao contrato de arrendamento era prejudicial porque diminuía, frustrava, dificultava, punha em perigo ou retardava a satisfação dos credores da insolvência.
J. O acto celebrado a título gratuito foi o meio encontrado pelo Insolvente e pela Autora, como forma de dissipar o seu património (direitos), e reduzir o valor do seu activo (valor comercial do imóvel), assegurando-o, de forma, a se furtar às suas obrigações, prejudicando dessa forma, a garantia dos seus credores.
*
Matéria de facto não provada
K. Até ser notificada da resolução operada pela Sra. Administradora da Insolvência, a Impugnante desconhecia a situação de insolvência em apreço.
L. A Sr.ª Administradora da Insolvência teve conhecimento do referido acto mais de seis meses antes de ter comunicado a resolução do mesmo.
M. O referido imóvel tem um valor de locação superior a 1.500,00 euros mensais.

2. De direito;

a) Erro na apreciação da prova; se há lugar à alteração da matéria de facto constantes das alíneas G, H, I, J e K;

O recorrente impugna a matéria de facto, no que concerne aos factos dados como provados nas alíneas G, H, I e J supra e não provado na alínea K, da sentença recorrida, os quais deveriam ser merecido resposta inversa, cujo teor é o seguinte:
Provado:
«G. O referido imóvel tem um valor de locação nunca inferior a 1.000,00 euros mensais.
H. O aumento do prazo de duração de arrendamento, para 20 anos, quando eram três anos acarretou uma diminuição drástica no valor comercial do imóvel locado.
I. Aquando da realização do referido aditamento ao contrato de arrendamento, já a Impugnante sabia do estado económico-financeiro em que se encontrava o insolvente, pois, além de saber que não tinha C. capacidade para cumprir com as suas obrigações e que a sua insolvência era iminente, também sabia que o aditamento ao contrato de arrendamento era prejudicial porque diminuía, frustrava, dificultava, punha em perigo ou retardava a satisfação dos credores da insolvência.
J. O acto celebrado a título gratuito foi o meio encontrado pelo Insolvente e pela Autora, como forma de dissipar o seu património (direitos), e reduzir o valor do seu activo (valor comercial do imóvel), assegurando-o, de forma, a se furtar às suas obrigações, prejudicando dessa forma, a garantia dos seus credores.
*
Não provado:
K. Até ser notificada da resolução operada pela Sra. Administradora da Insolvência, a Impugnante desconhecia a situação de insolvência em apreço».

Baseia-se para o efeito nos elementos de prova atinentes às declarações de parte prestadas por D. e os depoimentos das testemunhas Francisco e José.

Apreciando.
Em matéria de valoração das provas, nomeadamente dos depoimentos em questão, o tribunal a quo aprecia-os livremente, por força do disposto no artº 607º, nº 5, do CPC, salvo o estatuído na parte final do mesmo preceito.
É certo que, no que respeita à questão da alteração da matéria de facto, face ao invocado erro na avaliação da prova testemunhal, mas, dizemos nós, sem se descurar no caso concreto a prova documental, cabe a esta Relação, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artº 662º, do CPC, e, enquanto tribunal de 2ª instância, reapreciar, não apenas se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os restantes elementos constantes dos autos revelam (1), mas, também, avaliar e valorar (de acordo com o aludido princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto (2).
Mas é inelutável não olvidar que, mesmo havendo gravação sonora dos meios de prova produzidos oralmente, o Tribunal de recurso está cerceado de toda a panóplia de elementos probatórios ao dispor do Tribunal a quo que enriquecem a reconstituição dos factos, como seja, desde logo, a nível testemunhal, a espontaneidade do testemunho, a linguagem gestual, os silêncios ou hesitações, enfim, a percepção do imediatismo, credibilidade e isenção desse depoimento.

Por outro lado, o pretenso ‘vício’ que a apelante diz inquinar a apreciação da prova pelo tribunal (a saber o de conferir uma credibilidade global à versão da testemunha da ré, Sebastião Pinto, em detrimento da tese da autora) não deixa de ser o mesmo fundamento, mas ao invés, que suporta o objecto do recurso. Ou seja, a credibilidade, a objectividade, a clareza estará do lado dos depoimentos das testemunhas da autora.
Afigura-se-nos que não seja assim.
Com efeito, ouvido e escrutinado o conteúdo do depoimento da testemunha da ré, Sebastião, em confronto com o relato das declarações de parte da autora, D., seu legal representante, e das testemunhas da autora, Francisco, contabilista, e José, sem se descurar os elementos de prova documental juntos aos autos, como seja o conteúdo do contrato de arrendamento de fls. 24 a 27 e o seu aditamento a fls. 28, podemos concluir que a convicção formada pelo tribunal a quo, quanto à decisão de facto, além de não padecer de qualquer erro manifesto ou grosseiro, coaduna-se, em termos de razoabilidade e adequação, com os elementos probatórios que resultam dos depoimentos gravados em audiência e dos citados documentos carreados nos autos, sendo ainda de sufragar as presunções judiciais plasmadas em sede de motivação da matéria de facto, a fls. 81 e 82 dos autos.
Com efeito, no que concerne à materialidade fáctica da alínea G e H, respeitante ao valor de locação do imóvel em causa e aumento do prazo de duração do arrendamento, o testemunho de Sebastião, engenheiro e perito avaliador de imóveis, além de se revelar objectivo, directo (por ter visto o referido imóvel a fim de o avaliar) e especializado, evidenciou-se isento e imparcial, ao invés do relato da testemunha José, que alegou ter negociado o contrato em causa em representação da autora, e que se limitou simplesmente a invocar que houve renegociação do contrato de arrendamento porque surgiram valores de mercado mais baixos, sem qualquer outro tipo de sustentação, além de mostrar interesse no desfecho da causa.
Tal testemunha limita-se a referir que existiam disponíveis imóveis por valor inferior, não indicando quais, onde, qual o valor ou características, inexistindo qualquer comunicação a solicitar qualquer renegociação do valor da renda, nem apresentando qualquer razão plausível para tão redução excessiva do valor da renda e aumento expressivo da duração do contrato, tanto mais que não enunciou quaisquer circunstâncias anómalas e supervenientes à celebração do contrato de arrendamento no âmbito do sector imobiliário que justificassem minimamente aquela modificação contratual.
No tocante ao factualismo vertido nas alíneas I e J é igualmente de sufragar a fundamentação do tribunal a quo, com base nas regras de experiência comum e normalidade da vida, ao justificar que “As alíneas I e J da matéria de facto assente resultam das regras de experiência comum: à luz de critérios de lógica e razoabilidade, entendemos que só pode ser pelas razões descritas nas alíneas em causa que este aditamento foi celebrado, considerando que já havia um contrato de arrendamento em vigor, que nenhuma razão válida foi apresentada que justificasse a alteração, que esta se mostrou deveras prejudicial ao insolvente e que foi realizada apenas 2 meses antes da apresentação do devedor à insolvência”.
Já a matéria de facto não provada resultou da prova em contrário ou de nenhuma prova ter sido feita quanto a tais factos.
Já as declarações de parte do legal representante da A., D., além de serem interessadas e parciais, denotam serem inverosímeis quanto ao conhecimento do estado patrimonial do insolvente.
O depoimento da testemunha Francisco mostrou-se inócuo para a descoberta da verdade.
Enfim, o que perpassa de toda a alegação nesta parte é, sobretudo, um inconformismo por parte da apelante, quanto à decisão de facto, mas sem apontar um verdadeiro erro de julgamento, face ao princípio da liberdade de julgamento por parte do tribunal recorrido.
Acresce que a decisão de facto, quanto aos pontos impugnados, mostra-se também conforme as regras de experiência comum, cujo apelo o julgador a quo fez, com base na demais factualidade provada e elementos documentais juntos aos autos, sendo que as aludidas testemunhas da recorrente foram incapazes de justificar a alteração ao contrato de arrendamento, com redução da renda de 1.500,00€ para 500,00€, e de duração do contrato de 3 para 20 anos, sendo certo que entre a celebração do contrato e o seu aditamento mediaram menos de cinco meses e decorridos 2 meses sobre tal aditamento foi o devedor/senhorio declarado insolvente.
A mera invocação de valores mais baixos de mercado para justificar uma diminuição da renda em dois terços e no espaço de cinco meses, concomitante com a extensão da duração do contrato em mais 17 anos, além de ser insuficiente e simplista, contrasta manifestamente com as regras de lógica, razoabilidade e equilíbrio das prestações que presidem a qualquer negócio deste tipo.
Atendendo aos depoimentos prestados e documentos juntos, provou a recorrida que a recorrente não podia deixar de conhecer o carácter prejudicial do negócio celebrado, que aquela conhecia o insolvente, sendo do seu conhecimento a situação de insolvência em que este se encontrava, ao qual acresce, o desfasamento ostensivo entre o valor da renda até à data do contrato e o valor da renda acordado aquando do aditamento, bem como o aumento do prazo do arrendamento.
É também notório que, quer o valor da renda, quer a duração do contrato se reflectem no valor de mercado do imóvel (renda mais baixa do que o valor real e duração longa do contrato desvalorizam o imóvel e, como tal, prejudicam os credores do seu proprietário, o devedor/senhorio/insolvente).
Porquanto se deixa exposto, escrutinada a prova testemunhal em conjugação com os demais elementos probatórios, de natureza documental, decide-se manter a materialidade fáctica constante da decisão recorrida, designadamente quanto às alíneas G, H, I, J e K concretamente impugnadas - artº 663º, nº 6, do CPC.

*

b) Se se verifica erro de julgamento quanto à matéria de direito, devendo ser declarada a ineficácia e revogação da resolução em benefício da massa insolvente, por falta de fundamento legal;

A apelante argumenta que existe erro quanto à questão de direito consubstanciado na circunstância de os fundamentos que servem de base à improcedência da acção se circunscreverem aos pressupostos da alínea b) do artº 121º, do CIRE, e não da alínea h) do mesmo preceito, como foi comunicado à autora impugnante.
Salvo o devido respeito, entende-se que não lhe assiste razão.
O que não pode haver é divergência entre o factualismo que serve de suporte à comunicação da Srª. Administradora para efeitos de declaração de resolução e o que fundamenta a sentença que decreta a eficácia dessa resolução, já que a causa de pedir da acção de impugnação assenta precisamente na materialidade fáctica dada a conhecer ao impugnante, por via da declaração de resolução, a fim de se salvaguardar o seu direito de impugnação.
Ora, se atentarmos no conteúdo da carta enviada à impugnante, nela consta precisamente toda a factualidade que é subsumível na citada alínea h) e que alicerça a motivação da resolução em benefício da massa insolvente levada a cabo pela Srª. Administradora, independentemente da qualificação jurídica levada a cabo na decisão recorrida se referir à alínea b) do artº 121º, do CIRE.
Teve, portanto, a autora conhecimento desses factos e pôde impugná-los.
Também, sendo a resolução em causa uma declaração receptícia, face aos específicos e objectivos termos daquela [designadamente os motivos nela expressos de celebração, em 27.12.2012, entre autora e insolvente, de uma escritura pública relativa a ‘contrato de arrendamento para fins não habitacionais (Indústria) com prazo certo’ de um prédio urbano pertencente ao insolvente e a favor da declaratária, onde foi fixada a renda mensal de 1.500,00€ e a duração do contrato de 3 anos, sendo-lhe depois feito um aditamento em 17.05.2013 com redução da aludida renda para 500,00€ e aumento da sua duração para 20 anos, a que se seguiu, decorridos cerca de dois meses, a declaração de insolvência do senhorio/devedor [sendo que ficou demonstrado que, aquando desse aditamento, a autora/arrendatária sabia do estado económico-financeirodo do senhorio e do estado iminente da sua insolvência e que assim lesava os seus credores, reduzindo o valor desse seu activo (valor comercial do imóvel)], tais descritos fundamentos factuais da declaração resolutiva são de molde a serem medianamente apreendidos pela autora, como o seriam por um declaratário normal, colocado na posição daquela.
Tanto mais que nessa comunicação, além das referências concretas a tal aditamento, alterando substancialmente quer a renda, quer a duração do contrato, é dado conhecimento de que se trata de acto que foi manifestamente prejudicial para a massa insolvente e lesivo dos interesses dos credores, que tal negócio teve por objectivo onerar o prédio do insolvente com prejuízo dos restantes credores, que era do conhecimento da declaratária a difícil situação económica e financeira do insolvente, por estar endividado e saber de tal – vide carta de notificação de fls. 22 e 23 enviada à autora.
Em suma, conclui-se que, na notificação de resolução de negócio feita pela Srª. Administradora em favor da massa, esta não deixou de indicar os concretos factos que serviram de fundamento à declaração de resolutiva, seja com base nos requisitos exigíveis para a resolução incondicional, seja com base na causa de prejudicialidade para os credores e má-fé de terceiro relativa à resolução condicional, como decorre da matéria fáctica apurada (alíneas I e J dos factos provados) – cfr. artºs 120 e 121º do CIRE.
Acresce que a decisão recorrida não deixa de ter presente todo este factualismo em sede de fundamentação jurídica, mas já para enquadrar juridicamente tal acto como gratuito (artº 121º, nº 1, al. b)) porque parte do pressuposto de que a diferença de renda de 1.500,00€, como fora estipulado (ou de 1.000,00€, valor mínimo mensal dessa locação) para 500,00€ correspondia a uma gratuitidade do devedor a favor da autora.
Daí a subsunção imprópria de tal comportamento do devedor como acto por si celebrado a título gratuito.
Como quer que seja, considere-se acto gratuito ou acto oneroso, segundo a perspectiva do beneficiado ou prejudicado, certo é que estamos perante esse concreto acto celebrado pelo devedor a favor da autora/arrendatária em que as obrigações por aquele assumidas (contraprestação da renda a receber no dito valor de 500,00€, muito inferior quer ao valor contratado, quer ao valor mínimo de locação, bem como a extensão desmesurada e sem justificação da duração do contrato de 3 para 20 anos) excedem de forma manifesta e linear as da contraparte, onerando dessa forma o imóvel em causa.
Esse desequilíbrio decorre desde logo do facto de se fixar a renda em metade do seu valor mínimo de locução, como se provou, e de se aumentar em mais 17 anos a duração do contrato, contribuindo desta forma patente para a depreciação do valor comercial do imóvel.
Em resumo, a caracterização do acto como oneroso ou gratuito não afecta a validade do acto de resolução, uma vez que os factos integrantes da resolução são os mesmos. Não se descortina, pois, qualquer nulidade na declaração de resolução.
E certo é que na carta de resolução tais factos não deixaram de ser subsumidos inclusivamente como acto a título oneroso, com base no disposto no artº 121º, nº1, al. h), do CIRE.
Mostram-se assim preenchidos os pressupostos legais da resolução incondicional.
Ademais, importa ainda dizer que o caso sub judice contempla os requisitos da resolução condicional previstos no artº 120º, nºs 1, 2, 3, 4 e 5, al. b), do CIRE, não obstante se considerar, como defende a recorrente, que nesta mera relação senhorio/arrendatária, não estamos perante um acto em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente.
Em suma, esta relação locatícia não traduz uma tal relação especial que releve para efeitos do apontado nº4 do artº 120º - cfr. artº 49º do CIRE.
Todavia, como emerge do citado artº 120º, nºs 1 a 4, pode ser resolvido em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa, os quais se presumem, quando se trata de actos de qualquer dos tipos referidos no artº 121º e haja má-fé de terceiro, como, aliás, consta também da declaração de resolução.
No caso em análise, ficou demonstrada pela massa insolvente essa prejudicialidade, que é ostensiva, e a má fé de terceiro – vide matéria vertida nas alíneas G, H, I e J dos factos provados.

Não procede, pois, a apelação.

Sintetizando:

I - Não pode haver divergência entre o factualismo que serve de suporte à comunicação do Sr. Administrador para efeitos de declaração de resolução e o que fundamenta a sentença que decreta a eficácia dessa resolução, já que a causa de pedir da acção de impugnação assenta precisamente na materialidade fáctica dada a conhecer ao impugnante, por via da declaração de resolução, a fim de se salvaguardar o seu direito de impugnação.
II – É válida e eficaz a notificação de resolução de negócio feita pelo Sr. Administrador em favor da massa, se este não deixou de indicar os concretos factos que serviram de fundamento à declaração de resolutiva, seja com base nos requisitos exigíveis para a resolução incondicional, seja com base na causa de prejudicialidade para os credores e má-fé de terceiro relativa à resolução condicional.
III - A caracterização do acto prejudicial à massa insolvente como oneroso ou gratuito não afecta a validade do acto de resolução, uma vez que os factos integrantes da resolução são os mesmos.



III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.


Custas pela apelante.


Guimarães,............../........../.........
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(1) Nesta concepção, a divergência quanto ao decidido pelo tribunal a quo na fixação da matéria de facto só assumirá relevância no Tribunal da Relação se for demonstrada, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório.
(2) A jurisprudência tem vindo a evoluir no sentido de se firmar um entendimento mais abrangente no que se refere aos poderes de alteração da matéria de facto pela Relação, considerando-os com a mesma amplitude que a dos tribunais de 1ª instância. Nessa medida, e no que se refere à questão da convicção, já não estará em causa cingir apenas a sua actividade de apreciação ao apuramento da razoabilidade da convicção do julgador da 1ª instância, mas antes formar a sua própria convicção nos elementos probatórios disponíveis nos autos (cfr., entre outros, o Acórdão do STJ de 16.12.2010, proc. 2401/06.1TBLLE.E1.S1, in www.dgsi.pt).