Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
437/15.0GAMNC.G1
Relator: ALDA CASIMIRO
Descritores: CRIME RODOVIÁRIO
EXECUÇÃO DA PENA ACESSÓRIA
NÃO SUSPENSÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I) No Código Penal a única suspensão de execução da pena que existe é a suspensão da execução da pena de prisão (artº 50 do Código Penal).
O facto de não se admitir a suspensão da execução da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados tem a ver com políticas criminais.
É o conteúdo do facto de natureza ilícita que justifica a censura adicional dirigida ao arguido em função de razões de prevenção geral e especial e que constitui a razão de ser de aplicação da pena acessória.
II) E o Código da Estrada prevê apenas a possibilidade de suspensão da inibição de conduzir mas tal reduz-se apenas a contra-ordenações estradais e ainda assim, actualmente, apenas com referência às contra-ordenações graves e não às muito graves (artº 141º do CE), o que é demonstrativo que a suspensão só tem lugar naqueles casos em que o juízo ético de ecnsura e as razões de prevenção se mostram ténues.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães,

Relatório

No âmbito do processo sumário com o nº 437/15.0GAMNC que corre termos na Secção Comp. Gen. (J1) da Inst. Local de Monção, Comarca de Viana do Castelo, foi o arguido,
M.A., solteiro, motosserrista, nascido a 13.08.1978 em S. Paio, Melgaço, filho de E… e de L…, residente em B…, Melgaço,
condenado, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1 a) do Cód. Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 (seis) meses.
*
Sem se conformar com a decisão, o arguido interpôs o presente recurso em que apresenta as conclusões que se transcrevem:
1ª) É certo que o consumo excessivo de álcool está na origem de grande número de acidentes rodoviários de consequências por vezes dramáticas, com destruição de famílias inteiras e prejuízos de milhões de euros;
2ª) Entendemos que foi sobrevalorizado o depoimento de uma das testemunhas, tendo sido o recorrente condenado com base nesse depoimento, sendo certo que da prova produzida em julgamento não resultou qualquer prova que permitisse a sua condenação, pelo contrário da prova produzida, nomeadamente testemunhal, resultou a dúvida se o arguido teria cometido o crime pelo qual vinha acusado, pelo que a decisão recorrida não podia concluir pela condenação do ora recorrente por carecer de provas inequívocas da sua culpa;
3ª) A testemunha tida como isenta, credível e séria, no desempenho das suas funções de autoridade, dissuadiu o arguido de efectuar contraprova dizendo-lhe que a taxa iria subir e não baixar e que não valeria a pena realizá-la;
4ª) Negou-lhe um direito constitucionalmente consagrado, tendo em conta a sua posição privilegiada em detrimento da posição menos favorável do arguido;
5ª) Além disso, o militar da GNR, repetimos, testemunha isenta, credível e séria não identificou correctamente o veículo em que o arguido se deslocava, bem como o número de passageiros do veículo;
6ª) A mesma testemunha afirma, bem como o arguido e a testemunha de defesa que o arguido se encontrava bem, conduzia bem, estava “direitinho”, não aparentava ter o álcool que lhe foi detectado;
7ª) Quem garante que o talão com o resultado do teste seja efectivamente o do arguido? Estavam mais pessoas a ser fiscalizadas na mesma altura!
8ª) Da prova produzida, quanto muito, poder-se-ia entender que existiriam dúvidas quanto à culpa do recorrente M.A. tendo em conta o depoimento do mesmo acerca do que bebeu, bem como da testemunha relativamente à quantidade de álcool ingerida, as quais, devendo ser valoradas a seu favor, significam que a sentença recorrida também violou o princípio “in dúbio pro reo”;
9ª) Este princípio impunha que a escassez probatória demonstrada nos autos, relativamente à quantidade de álcool ingerida e a tão elevada taxa de álcool detectada, bem como a errada identificação por parte da testemunha da acusação relativamente ao veículo conduzido pelo arguido, bem como o número da passageiros que vinham no veículo, fosse valorada a favor da posição processual do arguido, ora recorrente;
10ª) Pois mais vale absolver um culpado do que condenar um inocente;
11ª) A taxa de álcool no sangue atinge o seu pico máximo cerca de uma hora após a sua ingestão;
12ª) Uma taxa de alcoolémia de 2g/L já representa uma intoxicação severa, uma taxa de valores superiores a 3g/L representam taxas potencialmente mortais;
13ª) No caso concreto atenta a factualidade dada por provada na sentença recorrida relativamente às condições sociais, familiares, profissionais e económicas do arguido, que aqui se dão por integralmente reproduzidas e à inexistência de quaisquer antecedentes criminais, e ainda á inexistência de quaisquer antecedentes estradais, entendemos dever ser dada primazia á vertente educacional e ressocializadora;
14ª) O agregado familiar do arguido, composto por 2 filhos de 3 e 7 anos e mulher desempregada dependem totalmente do salário por ele auferido, no montante de cerca de 500 euros do qual retiram mensalmente 302,00 euros para pagamento de empréstimo para aquisição de carro, e 102,00 euros para pagamento de renda de casa, ficando com pouco mais de 100,00 euros disponíveis para fazer face a todas as demais despesas do agregado familiar;
15ª) Conforme resulta da decisão recorrida, o arguido é motosserrista e motorista, sendo ele a pessoa responsável por transportar os colegas de trabalho e levá-los aos locais de trabalho, por isso o uso diário da carta de condução é absolutamente essencial ao exercício da sua profissão e, pelo que já foi referido, à subsistência do seu agregado familiar;
16ª) Nos termos do artigo 141.º, n.º 1 do C.E., pode ser suspensa a execução da sanção acessória de inibição de conduzir, caso se verifiquem os pressupostos de que a lei penal faz depender a suspensão da execução de penas, que se encontram elencadas no artigo 50.º do C. Penal;
17ª) No caso concreto tais condições – personalidade do arguido, suas condições económicas, conduta anterior ao cometimento do crime, inexistência de antecedentes criminais – mostram-se preenchidos, pelo que a simples censura e a ameaça da execução efectiva da inibição de conduzir serão suficientes para alcançar as finalidades da punição;
18ª) Pelo que deve a sanção acessória de inibição de conduzir ser suspensa na sua execução pelo período de dois anos;
19ª) Como tal, a sentença deverá ser substituída por douto acórdão que absolva o arguido do crime de que vem acusado com base no princípio do “in dúbio pro reo”, mas caso assim não se entenda, o que apenas se coloca por mera hipótese académica, deverá a sanção acessória de inibição ser suspensa na sua execução.
*

A Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância defendeu que a sentença recorrida seja confirmada.
*

Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu douto e circunstanciado Parecer no sentido da improcedência do recurso e da manutenção do decidido.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
* * *

Fundamentação

Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
1) No dia 3-12-2015, pelas 17:20m, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro misto, de matrícula ....., na via pública, mais concretamente na zona da Rotunda do Centro de Saúde de Monção, área desta vila e comarca.
2) Na sequência de uma fiscalização de trânsito levada a cabo por Militares da GNR – Posto Territorial de Melgaço, foi o arguido submetido ao teste de despistagem de ar expirado por análise qualitativa, através do aparelho DRAGER, tendo acusado um teor de álcool superior ao limite legalmente permitido, pelo que foi então submetido ao teste por análise quantitativa, através do aparelho DRAGER ALCOOTEST, modelo 7110MKIII-P, com o nº ARNA-0006, aprovado e verificado pelo IPQ, tendo então acusado uma taxa de álcool no sangue de 3,31 g/l correspondente à TAS de 3,49 g/l registada, deduzido o valor máximo de erro admissível;
3) O arguido declarou não pretender contraprova;
4) O arguido bem sabia que não podia conduzir veículos automóveis na via pública ou equiparada com aquela taxa de álcool no sangue, mas apesar desse conhecimento não se coibiu de ingerir antes da condução bebidas alcoólicas suficientes para o levarem a acusar aquela taxa de alcoolemia.
5) Agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei.
6) O arguido vive com a sua mulher e dois filhos, com idades compreendidas entre 3 e 7 anos; tem como habilitações académicas o 6º ano de escolaridade; aufere o ordenado mínimo nacional; vive em casa alugada e paga de renda de casa 120,00 € por mês; contraiu um empréstimo para aquisição de um veículo automóvel cuja prestação mensal é no valor de 302,00 €; a esposa está desempregada;
7) O arguido toma medicação para a dependência alcoólica de que padece.
8) Não tem antecedentes criminais.
* * *

Apreciando…
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
O recorrente invoca erro de julgamento e requer a suspensão da execução da pena acessória.

Do erro de julgamento
Alega o recorrente que para a decisão da matéria de facto foi sobrevalorizado o depoimento de uma testemunha (o militar da GNR, P.D.), mas que esta testemunha não identificou correctamente o tipo de veículo conduzido pelo arguido (disse que era uma carrinha de caixa aberta quando não era), não disse com acerto quantos eram os ocupantes do veículo (disse 3 quando eram 5) e não foi convincente quanto ao pedido do arguido para a realização da contraprova, mais tendo referido que o arguido não parecia estar embriagado. E alega que tendo o arguido dito em audiência que bebeu pouco, o que foi confirmado pela testemunha F. P., que também disse que o arguido fazia uma condução normal, estão reunidas as condições para haver dúvida quanto ao talão dos autos pertencer a este arguido, podendo haver uma troca.
A nossa lei processual penal não estabelece requisitos especiais sobre a apreciação da prova – quer a directa quer a indiciária – estando o fundamento da sua credibilidade dependente da convicção do julgador (que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objectivável) que a valorará, por si e na conjugação dos vários indícios, sempre de acordo com as regras da experiência. Com efeito, o art. 127º do Cód. Proc. Penal prescreve que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. É o chamado princípio da livre apreciação da prova que, no entanto, e como ensina o Prof. Germano Marques da Silva (Direito Processual Penal, vol. II, p. 111) “(a livre valoração da prova) não deve ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas a valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão”.
Ora o princípio da livre apreciação da prova está intimamente relacionado com os princípios da oralidade e da imediação. O primeiro exige que a produção da prova e a discussão, na audiência de julgamento, se realizem oralmente, de modo a que todas as provas (excepto aquelas cuja natureza não o permite) sejam apreendidas pelo julgador por forma auditiva. O segundo, diz respeito à proximidade que o julgador tem com os intervenientes no processo, ao contacto com todos os elementos de prova, através de uma percepção directa.
Como salienta o Prof. Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, vol. I, p.233 e 234) “só os princípios da oralidade e imediação… permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles, por outro lado, permitem avaliar o mais concretamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais”.
Os meios de que o Tribunal de primeira instância dispõe para a apreciação da prova são diferentes dos que o Tribunal de recurso possui, uma vez que a este estão vedados os princípios da oralidade e da imediação e é através destes que o julgador percepciona as reacções, os titubeios, as hesitações, os tempos de resposta, os olhares, a linguagem corporal, o tom de voz, tudo o que há-de constituir o acervo conviccional da fé e credibilidade que a testemunha há-de merecer.
Isto significa que o Tribunal de recurso não pode sindicar certos meios de prova quando, para a credibilidade do testemunho, foi relevante o funcionamento do princípio da imediação, apenas podendo controlar a convicção do julgador da primeira instância quando ela se mostre contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos.
Tendo em consideração o supra exposto, vejamos se assiste razão ao recorrente.
O Tribunal recorrido fundamentou a sua convicção do teor do talão junto aos autos, nas declarações do arguido que confirmou ter ingerido álcool (embora tenha dito que não o suficiente para dar aquela taxa) e nos depoimentos das testemunhas, tendo-lhe merecido especial credibilidade o depoimento isento da testemunha P. D., militar da GNR. Ora esta testemunha confirmou ter explicado ao arguido a possibilidade de requerer contra-prova e disse que ele não a pediu – e o Tribunal recorrido, escudado no princípio da imediação, aceitou como bom tal depoimento, não vendo nós motivo para o alterar. A circunstância da testemunha não se lembrar do tipo de veículo e do número de ocupantes não pode causar estranheza, considerando as inúmeras ocorrências em que participam estes militares.
Quanto à possibilidade de troca do talão junto aos autos, não vemos como isso possa ser possível. O arguido confirmou o valor ali constante e o talão está assinado por ele. Para haver uma troca ela teria que ter sido feita logo na altura em que o talão saiu da máquina, o que é manifestamente impraticável considerando que só há uma pessoa a soprar de cada vez.
Por outro lado, o facto de o arguido não aparentar estar embriagado apesar da taxa de álcool revelada é, no caso, perfeitamente possível. O arguido, como afirmou, é dependente de álcool, o que lhe confere uma maior tolerância que o cidadão comum. E independentemente do que bebeu ao almoço, poderia ter já bebido durante a manhã. Com efeito, o álcool demora a ser metabolizado e permanece no organismo várias horas.
Assim, salvo o devido respeito por diferente opinião, não se suscita qualquer dúvida que possa pôr em causa o valor do talão junto aos autos e a matéria de facto dada como provada.
E, não havendo dúvida fundada, não se pode concluir por violação do princípio in dubio pro reo.
O nº 2 do art. 32º da Constituição da República Portuguesa consagra o princípio da presunção de inocência, de que o princípio in dubio pro reo constitui uma dimensão.
Referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição revista, p. 519) que “o princípio da presunção de inocência surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo. Além de ser uma garantia subjectiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa”.
Com efeito, este princípio (do in dubio pro reo) resume-se a uma regra de decisão: produzida a prova e efectuada a sua valoração, subsistindo no espírito do julgador uma dúvida insanável sobre a verificação ou não de determinado facto, deve o julgador decidir sempre a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.
Assim, o princípio em questão só se aplica perante uma situação de non liquet, uma dúvida insanável. Como se refere no sumário do Ac. do STJ de 27.05.2010, no Proc. 18/07.2GAAMT.P1.S1, “a eventual violação do princípio in dubio pro reo só pode ser aferida… quando da decisão impugnada resulta, de forma evidente, que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto, que tenha chegado a um estado de dúvida ‘patentemente insuperável’ e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido, optando por um entendimento decisório desfavorável ao arguido”.
Posto que uma tal referida evidência não se verifica no caso, é impossível concluir pela violação daquele princípio com protecção constitucional.

Da suspensão da execução da pena acessória
Requer o recorrente a suspensão da execução da pena acessória que lhe foi aplicada alegando que não tem antecedentes criminais ou estradais e que necessita da carta de condução por ser a pessoa responsável para transportar os colegas de e para o local de trabalho, solicitando por isso a suspensão ao abrigo do disposto no art. 141º, nº 1, do Cód. da Estrada.
Ao recorrente foi aplicada a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 (seis) meses ao abrigo do disposto no art. 69º, nº 1 a) do Cód. Penal e por ter cometido um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, nº 1 do mesmo Diploma.
Preceitua a alínea a) do nº 1 do art. 69º do Cód. que “é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido: a) Por crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução de veículo motorizado com violação das regras de trânsito rodoviário e por crimes previstos nos artigos 291.º e 292.º”. Esta norma não prevê qualquer possibilidade de suspensão desta proibição de conduzir.
No Cód. Penal a única suspensão de execução da pena que existe é a suspensão da execução da pena de prisão (cfr. o art. 50º do Cód. Penal).
O facto de não se admitir a suspensão da execução da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados tem a ver com políticas criminais.
É o conteúdo do facto de natureza ilícita que justifica a censura adicional dirigida ao arguido em função de razões de prevenção geral e especial e que constitui a razão de ser de aplicação da pena acessória.
Neste sentido defendia Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 164 e 165) “a necessidade e a urgência político-criminais de que o sistema sancionatório português passe a dispor – em termos de direito penal geral e não somente de direito penal da circulação rodoviária – de uma verdadeira pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados. Uma tal pena deveria ter como pressuposto formal a condenação do agente numa pena principal por crime cometido no exercício da condução, ou com utilização de veículo, ou cuja execução tivesse sido por este facilitada de forma relevante; e por pressuposto material a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável”. E, quanto às finalidades desta pena acessória, dizia o mesmo autor que, “se (…) o pressuposto material de aplicação desta pena deve ser que o exercício da condução se tenha revelado, no caso, especialmente censurável, então essa circunstância vai elevar o limite da culpa do (ou pelo) facto. Por isso à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa. Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano”.
Assim, os objectivos da política criminal ligados à pena principal e à pena acessória são distintos. Enquanto que os objectivos da pena principal se ligam aos fins genéricos de aplicação de qualquer pena, os objectivos da pena acessória dirigem-se mais especificamente à recuperação do comportamento estradal do condutor por forma a influenciá-lo fortemente no sentido da conformação positiva do seu comportamento rodoviário. Daí que não se tenha admitido a suspensão da execução da pena acessória.
É certo que o Cód. da Estrada prevê a possibilidade de suspensão da inibição de conduzir mas tal reduz-se apenas a contra-ordenações estradais e ainda assim, actualmente, apenas com referência às contra-ordenações graves e não às muito graves (cfr. o disposto no art. 141º do Cód. da Estrada), o que é demonstrativo que a suspensão só tem lugar naqueles casos em que o juízo-ético de censura e as razões de prevenção se mostram mais ténues.
No sentido de não ser possível suspender a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados aplicada nos termos do art. 69º do Cód. Penal veja-se, por todos, o Ac. da Relação do Porto de 8.03.2006, Proc. 0516505 e o Ac. da Relação de Coimbra de 7.01.2004, proc. 3717/03, pesquisados em www.dgsi.pt; e ainda Germano Marques da Silva, Crimes Rodoviários, 1ª ed., p. 28 e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2ª ed., p. 264.
* * *

Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, declarando-o totalmente improcedente, e confirmam a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro (4) UCs.
Guimarães, 23.01.2017 (processado e revisto pela relatora)
_
(Alda Tomé Casimiro)

(Paula Maria Roberto)