Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2/13.7TTBRG.G1
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PROFESSOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: 1 – A subordinação jurídica é o elemento que, por natureza, fundamenta a conclusão acerca da existência de um contrato de trabalho, sendo aferida pela ponderação da presença, na respetiva execução, de vários fatores indiciários.
2 – Não é de trabalho o contrato em que não se evidencia sujeição à autoridade do empregador.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Guimarães:

D.., residente na Rua.., Braga, A. nos autos supra, não se conformando com a douta sentença proferida, vem apresentar RECURSO DE APELAÇÃO.
Pede que se revogue a sentença proferida, concluindo-se pela existência de um contrato de trabalho, que se declare a ilicitude do despedimento e se condene a ré ao pagamento à autora dos seguintes:
a) O valor de €110928,96 (cento e dez mil novecentos e novecentos e vinte e oito euros e noventa e seis cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal até integral pagamento, referente à diferença de remuneração das retribuições efetivamente auferidas pela A. das retribuições praticadas no âmbito do ensino superior público durante os anos de 2007, 2008, 2009, 2010, 2011 e 2012.
b) O valor de €8470,59 (oito mil quatrocentos e setenta euros e cinquenta e nove cêntimos) a título de proporcionais relativos a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal referentes ao ano de 2012 ano de cessação do contrato de trabalho.
c) O valor de €18823,55 (dezoito mil oitocentos e vinte e três euros e cinquenta e cinco cêntimos) como indemnização pelo despedimento ilícito nos termos do artigo 391º do Código do Trabalho, à razão de 30 dias por cada ano completo de antiguidade, atendendo-se a todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até trânsito em julgado da decisão judicial, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal.
d) As retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, calculadas nos termos do presente pedido tendo por base a retribuição de professor auxiliar do ensino superior público em regime de exclusividade e tempo integral, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal até integral pagamento
Ou em alternativa seja a R. condenada a pagar à A:
e) O valor de €231873,19 (duzentos e trinta e um mil oitocentos e setenta e três euros e dezanove cêntimos acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal até integral pagamento, referente à diferença de remuneração das retribuições efetivamente auferidas pela A. dos valores calculados à razão do valor/hora fixado pela R. de €39,00 e do horário de trabalho em tempo integral.
f) O valor de €21840,00 (vinte e um mil oitocentos e quarenta euros) referente a proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal do ano da cessação do contrato de trabalho.

Apresentou alegações, que concluiu como segue:
I. A recorrente não se conforma com o sentido da decisão recorrida e, sobretudo, essa decisão não reflete de forma alguma a prova produzida e junta aos autos.
II. Primeiramente, há que conformar a questão da personalidade e capacidade jurídica da ré, que sendo uma cooperativa é detentora do estabelecimento de ensino onde a autora prestou as suas funções de docentes com a categoria de professor auxiliar, pois que, em face da ausência de personalidade jurídica da Universidade.., as vantagens e desvantagens da celebração contratual são assumidas pela titular do estabelecimento de ensino a C.., CRL.
III. Como aliás é referido nos próprios Estatutos da Universidade.., conforme consta do artigo 1º A Universidade.., adiante designada abreviadamente por U.., é um estabelecimento de ensino superior universitário, instituído pela C.., CRL, cujo interesse público é reconhecido nos termos do Decreto – Lei n.º 313/94, de 23 de Dezembro, e dos avisos n.º 2734/2005 (2.ª série) E 2735/2005 (2.ª série), ambos de 16 de Março de 2005.”
IV. A autonomia imposta pela lei ao estabelecimento de ensino, conforme estatui o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior não significa independência face à entidade instituidora, C...
V. Daí que C.., CRL e Universidade.. sejam partes de uma mesma unidade económica tendente à prossecução de uma atividade económica a titulo principal e também a título acessório.
VI. “Donde sem olvidar a índole pedagógica primeira do estabelecimento de ensino superior particular e cooperativo, também não se deve ignorar que, ao menos acessoriamente, prossegue uma atividade económica (…) ”, in Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 10/11.2YFLSB.
VII. Enferma a douta sentença recorrida de manifestos erros na apreciação da matéria de facto, designadamente pela subvalorização, senão mesmo desprezo por testemunhas que conheciam de forma direta e pessoal a relação e execução contratual entre a autora e ré.
VIII. Com efeito, deveria o Tribunal a quo levar em consideração e dar relevo aos depoimentos das testemunhas M.., P.. e i...
IX. Igualmente deveriam esses depoimentos que decorreram de uma forma coerente, credível e espontânea sido concatenados adequadamente quer com prova documental junta aos autos, assim como algumas passagens das testemunhas da ré que confirmam na essência o âmbito da relação contratual como de foro laboral.
X. Assim quanto aos pontos p) e q) da matéria de facto dada como provada resulta que através da apreciação e caracterização jurídica da ré como unidade económica complexa (entidade instituidora/entidade instituída), tal factualidade está irremediavelmente prejudicada.
XI. Devendo considerar-se a R. enquanto unidade económica, sendo composta pela entidade instituidora e entidade instituída.
XII. O ponto r) da matéria de facto dada como provada em face da prova produzida e existente nos autos, nomeadamente o depoimento da superior hierárquica e Coordenadora dos cursos onde a A. trabalhava, deveria resultar provado que: A autora prestava o seu trabalho de acordo com os horários pré determinados pela R. que em regra lhe era transmitidos no início de cada semestre, estando sempre em sob ordens e instruções da R., designadamente das direções dos cursos de Psicopedagogia Clinica e Psicologia, os quais determinavam vinculativamente a sua carga horária, disciplinas e conteúdos programáticos a lecionar.
XIII. A esse respeito saliente-se o depoimento da testemunha P.. 29:44 – 29:52 – “Os docentes apresentavam um plano de trabalho, digamos assim, e passaria pelo crivo ou não da Dra. M..?” Testemunha: 29:54 – 30:27 – “Claro, submetemos-lhe e era avaliado, havia sempre algumas mudanças porque a Professora F.. avaliava então também as coerências entre diferentes unidades curriculares, para não haver sobreposições, portanto tinha esse trabalho que por vezes também era facilitado através de reuniões de docentes regulares para, para que houvesse o máximo de coerência curricular em cada ano letivo, dentro de cada ciclo de estudos por licenciatura e por mestrado.”
XIV. Assim como a testemunha L..: 06:00 – 06:15 - Eu elaborava os horários com aquilo que a Professora F.. me dizia, consoante a distribuição do serviço docente que era estipulado pela Professora F.., na altura era a Professora F.. ou no caso do coordenador de curso.
XV. O ponto s) através da análise crítica dos depoimentos de várias testemunhas transcritos nas motivações de recurso deveria ter a seguinte formulação: A autora desempenhou funções de ordem letiva e avaliação de conhecimentos das suas e outras unidades curriculares, assim como desenvolveu funções de apoio aos alunos, submissão de projetos à Fundação da Ciência e Tecnologia, desenvolvimento dos cursos de Psicologia e Psicopedagogia da U.., encarando as suas funções como uma carreira a longo prazo na instituição em estrito cumprimento das ordens e instruções da R.
XVI. Consubstanciando o referido veja-se a afirmação da testemunha M..: 13:13 – 14:19 - Não, porque o serviço que a Dra. D.. prestava não é um serviço, ou seja, quando nós estamos, e como estávamos, numa projeção ou numa tentativa de projeção da universidade é muito importante a parte académica e os nossos docentes, tem, usufruíam de liberdade para fazer escolhas, que não eram escolhas contratuais, mas é, digamos, havia um projeto até de internacionalização, se alguma universidade convidava para ir dar uma aula, mesmo que não fosse no regime do programa Erasmus, isso era muito bem acolhido, porque isso eram pontos para o curriculum do docente e implicitamente pontos para a qualificação da universidade. Portanto, todos esses, no caso da Dra. D.. ela não prestava serviço noutra universidade.
XVII. Ou ainda a minutos 33:26 a 34:04- Vi por parte da Dra. D.. como vi por parte de outros docentes, para eles era uma carreira, ou seja, é uma carreira no sentido de que a ligação eu eles tinham com a instituição era uma ligação que se projetava no tempo e em que eu na qualidade de coordenador, até um determinado momento, também sempre a projetava como uma carreira, ou seja, a instituição tinha que se qualificar com a sua prestação porque era naquela instituição que iam fazer a sua carreira.
XVIII. Igualmente refere a testemunha P.. a minutos 19:33 – 20:16 – Claro, isto é normal de professor auxiliar, obviamente, o que diz respeito à gestão académica, à gestão universitária, à cargos que são cargos colegiais e há cargos que são individuais, por exemplo, (…) portanto havia dois tipos e cargos de gestão académica e todos nós tínhamos, obviamente, que os cumprir, portanto, investigação, docência e gestão académica, são três áreas…
XIX. O ponto t) da matéria de facto dada como provada, considerando a multiplicidade de tarefas realizadas pela autora por ordens e interesse da ré deveria ter a seguinte redação: A Autora durante a execução contratual esteve sempre vinculada a um período de tempo integral, fosse em atividades letivas ou científicas, fosse na assistência da Coordenação dos Cursos ou dos seus alunos, fosse em tarefas burocráticas atinentes à reformulação dos cursos de Psicopedagogia e Psicologia, o qual lhe consumia e extrapolava o período normal de trabalho.
XX. Como refere a testemunha P.. no seu depoimento 14:54 – 15:39 Claro, isto implicava, implicava em muitas alturas, mais de 10 horas de trabalho por dia, houve noites longas de trabalho na universidade.., o nosso início, sobretudo nos primeiros anos, foram extremamente exigentes em que o nosso envolvimento é total, por isso foi uma instituição à qual demos imenso, eu não exagero se disser que em média, durante esses primeiros anos, sobretudo por causa deste trabalho burocrático de base, de adequação dos cursos e pedido de abertura de novos cursos, a nossa média de trabalho seria de 10 horas diárias, facilmente, e 5/6 dias por semana.
XXI. Também a testemunha I.. a minutos 10:59 – 12:03 - Era algo que a Universidade lhe pedia, era algo, a Professora F.. ligava-lhe a qualquer hora e interrompia férias, eu acompanhei a Professora D.. ao Porto numa tarde de Agosto porque, e é lógico, para quem está nos estabelecimentos de ensino sabe, que o Julho e Agosto são meses, não há férias, aliás quem está na direção não tem, férias, para dizer melhor, e portanto os cursos preparam-se nessa altura, eu acompanhei, a professora apoiava-se muito no sentido de pedir conselhos e também, de alguma maneira da grande experiência que a Dra. D.. tinha, dos contactos que tinha, da possibilidade de trazer pessoas que pudessem enriquecer, de todo o apoio, portanto ligava, pedia, perguntava-lhe opinião e de alguma maneira deu-lhe uma quantidade enorme de disciplinas novas que, ou seja, quando era preciso resolver alguma situação de um curso a Professora D.. estava, eu suponho que ela terá umas 14 ou 15 disciplinas diferentes nos 5 anos que esteve na Universidade..…
XXII. Quanto ao ponto u) da matéria de facto dada como provada A autora no âmbito da relação contratual estabelecida com ré realizava com zelo, dedicação, assiduidade e diligencia todas as tarefas relativas ao serviço docente, tais como seja a lecionação e preparação de aulas, preparação dos cursos de Psicopedagogia e Psicologia, realização de projetos para a FCT, acompanhamento dos alunos, exigindo da mesma dedicação total e exclusiva
XXIII. A este respeito a testemunha P.. a minutos 17:52 – 19:18 – Não, de modo nenhum, há muito trabalho que transcende o trabalho de docência, ou seja, há trabalho de investigação, são três grandes áreas, é um trabalho cientifico em que é preciso criar projetos e submeter projetos, aliás submetemos um projeto à fundação da ciência e tecnologia, em rigor até submetemos dois, depois não foram bem-sucedidos, mas que, que não tivemos o financiamento da FCT, mas submetemos dois projetos, um sobre o abandono escolar, o outro sobre o desenvolvimento da identidade e do raciocínio moral, depois a FCT não financiou mas fizemos a implementação desses projetos através dos mestrados e através das nossas próprias investigações pessoais, portanto, primeiro digamos, isto é, a base do ensino superior e do sistema universitário em qualquer país, haver investigação cientifica, um professor universitário deve ensinar o que investiga, depois há a docência, e a docência compreende as horas letivas, compreende a preparação cientifica, a avaliação dos conhecimentos, o atendimento dos alunos, e depois a orientações de teses, orientações de teses de mestrado (…)
XXIV. No que se refere ao ponto v) da matéria de facto dada como provada deveria, com base na prova produzida e transcrita, complementada com a prova testemunhal, ter a seguinte redação: Os horários letivos da A., para cada semestre, foram sempre fixados pelo órgão académico competente, prevalecendo sempre a posição e decisão assumida pelo órgão académico no interesse da ULP a qual era meramente informada à A..
XXV. O ponto w) da matéria de facto dada como provada em face da sua abstração e imprecisão dado que não se reporta a qualquer facto concreto deverá ser removido do elenco dos factos dados como provados.
XXVI. O ponto x) decorrente da prova produzida, designadamente pelo referido pela testemunha N.. no minuto 17:30 do seu depoimento deve ter a seguinte forma: A R. fazia o controlo das efetivas horas de início e termo das aulas dadas pela A., o qual era aferido pelo denominado “controlo de chave”.
XXVII. No que se refere ao ponto y) que foi dado como provado, em função quer do documento 11 que se junta na petição inicial assim como da própria construção e composição jurídica da ré deveria resultar provado que: A Ré, considerando a sua titularidade da entidade instituída e a sua inerente responsabilização pelos atos dos órgãos académicos da U.., determinava à Autora, como determinou, a elaboração de horários, atribuição do serviço docente e calendarização de avaliações.
XXVIII. O ponto bb) tal como foi dado como provado deve ser objeto de alteração, porquanto não só da prova testemunhal vertida nas motivações de recurso e para a qual se remete, mas também pela documentação junta, mormente em sede de resposta à contestação deve ter a seguinte formulação: Durante a execução contratual, A., além da atividade letiva também prestou assistência a alunos, bem como integrou iniciativas relativas a conferencias e apresentações de livros e outras atividades com alunos agindo como docente da U...
XXIX. O ponto gg) em razão da prova produzida, designadamente pelas testemunhas I.. e L.., deve ter a seguinte formulação: A autora por diversas ocasiões deslocou-se ao estabelecimento de ensino da R. para proceder, quer a reuniões com demais docentes e coordenação dos cursos no tocante à escolha e organização de conteúdos programáticos, assim como se deslocava em períodos de férias letivas para a vigilância de provas das suas unidades curriculares e de outras unidades ou mesmo outros cursos.
XXX. Dada a situação da apreciação do Tribunal ser manifestamente redutora, insuficiente e errónea, resulta da prova produzida, nomeadamente do depoimento da testemunha N.. que deve ser aditado o ponto ii) com a seguinte redação: Os órgãos académicos da universidade podiam propor à entidade instituidora a aplicação de sanções disciplinares, estando o poder disciplinar presente nas relações entre os docentes e os órgãos de direção académica.
XXXI. Assim como resulta dos depoimentos analisados o carácter animo e vontade da autora aquando da celebração do contrato assim como da sua execução, o que leva ao aditamento do ponto jj): A Autora, atendendo também à postura da direção dos cursos onde lecionava, encarou e considerou a execução contratual do seu serviço de docência como uma relação contratual duradoura, estável e com possibilidade de progressão, prefigurando esse vinculo contratual numa autêntica carreira universitária.
XXXII. Outro ponto diferenciador do regime cível e laboral é a possibilidade de o superior hierárquico dispor da força do trabalho do colaborador aonde mais lhe convém no interesse da unidade económica que este serve.
XXXIII. Nesse sentido e porque tal resulta claramente do depoimento da superior hierárquica da autora, deve resultar como provado que: No âmbito da execução contratual a coordenação impôs unilateralmente à autora a lecionação de unidades curriculares de modo a preencher lacunas da universidade.
XXXIV. Por fim, no que à matéria de facto diz respeito, importa, por ser expressão da verdade e dos depoimentos credíveis que foram prestados demonstrar e realçar que a autora em face da execução contratual esteve sempre dependente economicamente da ré.
XXXV. Assim como em todo esse período de vinculação contratual a autora não prestou o seu trabalho para outra entidade.
XXXVI. Como tal deve ser aditado o ponto mm) à matéria de facto dada como provada com a seguinte redação: As funções desempenhadas pela autora para a U.. exigiram-lhe total disponibilidade, não tendo a autora assumido qualquer vínculo jurídico com qualquer outra instituição e como tal dependia economicamente da ré.
XXXVII. Importa igualmente fazer apelo ao artigo 72º do Código de Processo de Trabalho, que no seu número 1 estatui que: “Se no decurso da produção de prova surgirem factos que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve ampliar-se a base instrutória ou, não a havendo, tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto, desde que sobre eles tenha incidido discussão.”
XXXVIII. “Subjacente a esta solução legislativa está carácter público dos interesses que a lei adjetiva laboral procura acautelar com vista a uma melhor realização da justiça e da harmonia sociais. Mas importa realçar, para que não fiquem dúvidas, que o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que os poderes inquisitórios conferidos ao juiz, pelo n.º 1 do art. 72º do Código de Processo do Trabalho, não excluem, mas antes integram, os poderes investigatórios que lhe são atribuídos, em geral pelo Código de Processo Civil e que abarcam os factos instrumentais, e, acrescenta-se agora, também os factos complementares e concretizadores dos factos essenciais que resultem da instrução e discussão da causa. “Adosinda Pereira, in “Processo laboral e o julgamento da matéria de facto”, do Colóquio Anual sobre Direito do Trabalho, Supremo Tribunal de Justiça, 19 de Setembro de 2007.
XXXIX. No mesmo sentido se alude à Revista n.º 2898/07, acessível em www.dgsi.pt, onde se consignou que «os poderes inquisitórios consignados no artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho – que incluem os emergentes da regra geral do artigo 264.º do Código de Processo Civil e permitem ao juiz atender aos factos essenciais ou instrumentais que resultam da discussão da causa, mesmo que não tenham sido articulados –, estão sujeitos a limitações, sendo uma delas a de que tais factos só poderão fundar a decisão se não implicarem uma nova causa de pedir, nem a alteração ou ampliação da causa ou causas de pedir iniciais e, bem assim, o conhecimento de exceções não deduzidas e que não sejam de conhecimento oficioso pelo tribunal».
XL. Assim, atendendo à riqueza dos depoimentos que, todos eles, em maior ou menor extensão versam e consubstanciam factualidade idónea a preencher variadíssimos pressupostos, ou factos índices, da existência de uma relação laboral.
XLI. E que consequente impunha uma decisão diversa da que foi tomada, devendo considerar-se o contrato celebrado entre a autora e a ré como um contrato de trabalho.
XLII. Dado o caracter abrangente das funções da autora que não se limitava à atividade letiva, stictu sensu, mas também na realização de exames e avaliações das suas unidades curriculares, acompanhamento do seus alunos, realização de conferências e workshops vigilância de exames escritos das suas unidade curriculares e bem assim de outros docentes ou cursos, a realização de tarefas burocráticas e administrativas relacionadas com a organização dos conteúdos programáticos, acreditações ministeriais, procedimentos concursais da bolsas da FCT, ou seja, toda uma panóplia de funções que lhe exigiram disponibilidade e dedicação plena e exclusiva à Universidade...
XLIII. Sempre estando presente no espirito da A. o cariz laboral da sua prestação encarando o seu posto de trabalho como uma carreira e almejando uma natural progressão.
XLIV. Sabendo igualmente a A. qual a natureza do seu contrato, assim como os deveres de zelo, diligencia e assiduidade, não sendo evidente o poder disciplinar da R. mas estando sempre presente.
XLV. Paralelamente resulta provado que resulta provado que a autora estava inscrita na Segurança Social como trabalhadora da Ré no período compreendido entre 2007 e 2012.
XLVI. A esse respeito sendo irrelevante porque não sendo sequer vinculativo entre os outorgantes o acordo Tripartido entre a Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado, a Inspecção Geral do Trabalho e a Inspecção da Geral da Segurança Social.
XLVII. Dado o seu caracter oficioso e informal, não tendo qualquer validade jurídica, constituindo uma mera declaração de intenções entre aquela associação e os órgãos inspetivos da então Inspecção Geral do trabalho e da Inspecção Geral da Segurança Social.
XLVIII. E não sendo a ré uma instituição privada de solidariedade social ou a Santa Casa da Misericórdia, inexiste qualquer razão para o pagamento de 14 meses de retribuição, a menos que exista, como existiu, um contrato de trabalho celebrado entre a R. e a A.
XLIX. Pelo que, salvo o devido respeito atendendo a toda prova testemunha e documental coligida deveria o Tribunal a quo considerar a relação contratual existente entre a autora e ré como um contrato de trabalho, por estarem preenchidos variadíssimos pressupostos desse contrato, a saber e sinteticamente:
- A emanação por parte da R. de ordens e poderes de direção de superiores hierárquicos da A., investidos de poderes quer da academia quer da cooperativa, consubstanciados em ordens quanto à distribuição do serviço docente, conteúdos programáticos a lecionar, horários, vigilância de provas que não de unidades curriculares da autora.
- Controlo da atividade letiva da autora, nomeadamente quanto à efetiva lecionação de aulas.
- Possibilidade de a ré exercer poder disciplinar sobre a autora.
- Propriedade da Ré de equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pela autora.
- Realização da atividade em local pertencente à ré.
- Realização por parte da autora de tarefas burocráticas e administrativas, acompanhamento de estudantes.
- Realização de atividades extralectivas como workshops e conferências enquanto docente da U...
- Inscrição da Autora como trabalhadora dependente figurando a ré como entidade patronal para efeitos tributários.
- A dependência económica da A. relativamente à Ré.
- A efetiva exclusividade da prestação do trabalho da autora para a ré.
- Pagamento de 14 salários por ano.
L. Sendo demasiado evidente para passar em claro que todos estes indícios respeitante à execução do contrato e ao cariz laboral do mesmo possam passar despercebidos e incólumes ao mais distraído observador.
LI. “A cargo da entidade patronal estão os poderes determinativo da função e conformativo da prestação de trabalho, ou seja, o poder de dar um "destino concreto" à força de trabalho que o trabalhador põe à sua disposição, quer atribuindo uma função geral ao trabalhador na sua organização empresarial, quer determinando-lhe singulares operações executivas.
LII. A subordinação apenas exige a mera possibilidade de ordens e direção e pode até não transparecer em cada momento da prática de certa relação de trabalho, havendo muitas vezes a aparência da autonomia do trabalhador que não recebe ordens diretas e sistemáticas da entidade patronal, o que sucede sobretudo em atividades cuja natureza implica a salvaguarda da autonomia técnica e científica do trabalhador.
LIII. Como salienta o Prof. Monteiro Fernandes (6), "para haver subordinação jurídica basta um estado de dependência potencial (conexo à disponibilidade que o patrão obteve pelo contrato). A verificação da existência de subordinação traduz-se, empiricamente, num juízo de possibilidade e não de realidade."
LIV. Repare-se que, para além de satisfazer prestações ditas complementares às correspondentes à contrapartida pela mera prestação de determinada atividade (subsídios de férias e de Natal), a R. observava, em relação ao A., os procedimentos típicos exigidos pelo Estado relativamente a um trabalhador dependente, como sejam proceder à retenção na fonte do IRS, ao pagamento da Taxa Social Única e à inscrição, nessa mesma qualidade, do A. na Segurança Social (factos provados sob os n.ºs 22 a 27).
LV. Sendo de notar, como se fez no referido acórdão de 10.09.2008, proferido na Revista n.º 2.447/07, que, como refere Sousa Ribeiro - (8). , “o exercício de prerrogativas laborais tem forte valor indiciário positivo no sentido da qualificação da relação como de trabalho”, sendo, por outro lado de lhe negar firmemente, na hipótese contrária, valor “negativo” excludente dessa qualificação.Com o cumprimento dessas obrigações, a R. assumiu, claramente, as vestes de empregador, não se compreendendo que agora pretenda das mesmas ver-se despojada.
LVI. Embora não tenham existido factos concretos para se confirmar o exercício do poder disciplinar, não são também bastantes para infirmar que a R. fosse detentora de tal poder, sendo certo que do não exercício do poder disciplinar – apenas compreensível em situações de crise contratual — não pode, sem mais, retirar-se a sua não titularidade. E isto porque a posição de supremacia, traduzida no poder diretivo, disciplinar e regulamentar nas formas de trabalho subordinado, pode ser mais ou menos rigorosamente exercitada, sendo que o exercício desses poderes na vertente disciplinar e regulamentar não tem que ser, forçosamente, contínuo e até mesmo necessário.”
LVII. Quanto à análise do contrato de trabalho e procedendo à sua subsunção ao artigo 12º do Código do Trabalho temos que as alienas a), b) e c) estão integralmente cumpridas.
LVIII. Nessa consequência e vingando a sindicância da matéria de facto e reconhecendo-se a existência de um contrato de trabalho e a consequente declaração de despedimento ilícito impõe-se que a ré seja condenada na totalidade do pedido como originariamente requerido.
LIX. Assim, em face de todo o exposto deverá a presente apelação deverá obter provimento porquanto existiu uma deficiente, errónea e superficial apreciação da matéria de facto assim como uma errónea aplicação dos factos ao Direito, tendo sido violados sucessivamente os artigos 1152º do Código Civil, os artigos 12º e 381º do Código de Trabalho e ainda os artigos 72º número 1 do Código de Processo de Trabalho, com evidentes e graves danos para a verdade material.

C.., CRL, com sede no.., Lisboa, Ré nos autos do processo à margem identificados, tendo sido notificada da junção do requerimento de recurso, com alegações, veio apresentar a suas Contra-Alegações, nas quais conclui que o Tribunal a quo não errou no julgamento, tendo extraído conclusão jurídica totalmente conforme a factualidade provada, não violando, deste modo, o disposto nos invocados artigos 12.º e 381.º do Código do Trabalho, nem tampouco no artigo 1152.º, Código Civil. Deve, assim, a sentença recorrida ser mantida e absolvida a R. de todos os pedidos formulados pela A., com as demais cominações legais.

O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer de acordo com o qual, por um lado, o recurso em matéria de facto deve ser rejeitado e, por outro, a apelação deve improceder.
A Recrte. pronunciou-se.

Exaramos, agora, um breve resumo dos autos para melhor compreensão.
D.., intentou a presente ação emergente de contrato de trabalho, sob a forma de processo comum, contra “C.., CRL”, pela qual pede que se declare que o vínculo entre a A. e a Ré consubstancia um contrato de trabalho a termo incerto e assim se decrete a ilicitude do seu despedimento, sendo a Ré condenada, consequentemente, a pagar-lhe as seguintes quantias:
a) € 11.0928,96 (cento e dez mil novecentos e novecentos e vinte e oito euros e noventa e seis cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal até integral pagamento, referente à diferença de remuneração das retribuições efetivamente auferidas pela A. das retribuições praticadas no âmbito do ensino superior público durante os anos de 2007, 2008, 2009, 2010, 2011 e 2012;
b) € 8.470,59 (oito mil quatrocentos e setenta euros e cinquenta e nove cêntimos) a título de proporcionais relativos a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal referentes ao ano de 2012 ano de cessação do contrato de trabalho;
c) €18.823,55 (dezoito mil oitocentos e vinte e três euros e cinquenta e cinco cêntimos) como indemnização pelo despedimento ilícito nos termos do artigo 391º do Código do Trabalho, à razão de 30 dias por cada ano completo de antiguidade, atendendo-se a todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até trânsito em julgado da decisão judicial, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal; e
d) as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, calculadas nos termos do presente pedido tendo por base a retribuição de professor auxiliar do ensino superior público em regime de exclusividade e tempo integral, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal até integral pagamento.

Ou em alternativa seja a R. condenada a pagar à A:
a) € 231.873,19 (duzentos e trinta e um mil oitocentos e setenta e três euros e dezanove cêntimos acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal até integral pagamento, referente à diferença de remuneração das retribuições efetivamente auferidas pela A. dos valores calculados à razão do valor/hora fixado pela R. de €39,00 e do horário de trabalho em tempo integral;
b) € 21.840,00 (vinte e um mil oitocentos e quarenta euros) referente a proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal do ano da cessação do contrato de trabalho;
c) €27.300,00 (vinte e sete mil e trezentos euros) referente à indemnização pelo despedimento ilícito da A. à razão de 30 dias por cada ano completo de antiguidade, atendendo-se a todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até trânsito em julgado da decisão judicial, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal;
d) As retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, calculadas de acordo com o presente pedido isto é: (€39,00 x 35 x 4 = €5460,00) acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal até integral pagamento
A R. apresentou contestação, alegando, essencialmente, que não existiu entre as partes qualquer contrato de trabalho mas dois contratos sucessivos de prestação de serviços de docência. Termina, pedindo a improcedência da ação e a sua absolvição dos pedidos.
Procedeu-se seguidamente a julgamento e, após, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, por não provada, absolvendo a Ré de todos os pedidos formulado pela Autora.

Sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, as conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – O Tribunal errou no julgamento da matéria de facto?
2ª – Deve considerar-se o contrato celebrado entre a A. e a R. como um contrato de trabalho?

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Detenhamo-nos, então, sobre a 1ª questão acima enunciada – o erro de julgamento da matéria de facto.
A Recrte. invoca os depoimentos de M.., P.. e I.. para, por um lado, propor distinta redação para os pontos p), q), r), s), t), u), v), x), y; bb) e gg) do acervo factual constante da sentença, por outro requerer a remoção do ponto w) e, por fim, pugnar pelo aditamento de novos pontos de facto.
O Ministério Público emitiu parecer no qual defende a rejeição do recurso nesta matéria, tendo-se a Recrte. insurgido contra esta posição.
Vejamos!
O Artº 640º/1 do CPC dispõe que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente, obrigatoriamente, especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa, a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Como é sabido, cabe às partes alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas (Artº 5º/1 do CPC).
Por outro lado, a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova (Artº 410º do CPC).
É, assim, sobre os factos que constituem a causa de pedir que incide toda a instrução.
Conforme temos vindo a decidir, os concretos pontos de facto submetidos a julgamento foram os constantes dos articulados apresentados pelas partes, pelo que é com referência aos concretos artigos que a impugnação se deve realizar (ou, tendo sido elaborados quesitos, na sequência da enunciação dos temas da prova, então será sobre a resposta dada a tais quesitos que há-de recair a impugnação).
É sobre a resposta dada a tal matéria que se pode aquilatar do bem ou mal fundado da decisão de provado ou não provado. É relativamente aos pontos de facto articulados que deve ser proferida uma decisão e, logo, é essa decisão que pode ser impugnada. Deste modo, a decisão que deve ser proferida sobre as questões impugnadas, é a decisão de provado ou não provado relativamente à matéria articulada.
Assim, a impugnação da matéria de facto não tendo, como no caso concreto, sido elaborados quesitos, faz-se por referência aos artigos das peças processuais relevantes porquanto aí se encontra a base que serviu de mote ao julgamento. E, assim, em sede de impugnação, o recorrente terá que indicar os artigos onde se encontra a matéria de facto objeto de erro no seu julgamento, pois é aí que estão os concretos factos que, tendo sido alegados, foram submetidos a julgamento. E é a decisão que tais pontos de facto mereceram que pode ser impugnada.
Ou, conforme decidiu o STJ, no Ac. de 8-3-2006, Proc. 05S3823, o recorrente "tem de concretizar um a um quais os pontos de facto que considera mal julgados, seja por terem sido dados como provados, seja por não terem sido considerados como tal. (…) Se um dos fundamentos do recurso é o erro de julgamento da matéria de facto, compreende-se que os concretos pontos de facto sobre que recaiu o alegado erro de julgamento tenham de ser devidamente especificados nas conclusões do recurso. Na verdade, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, importa que os pontos de facto que ele considera incorretamente julgados sejam devidamente concretizados nas conclusões, pois se aí não forem indicados o tribunal de recurso não poderá tomar conhecimento deles".
No caso sub judice, a Recrte. não faz qualquer indicação com referência à factualidade submetida a instrução.
Remete, ou para a enunciação levada a cabo na sentença, ou para factualidade que extrai dos depoimentos invocados, sem que tenha a mínima preocupação de situar os factos nos autos.
Sendo, embora, verdade, que o Artº 72º do CPT permite ao tribunal uma maior amplitude na aquisição factual, também o é que tal aquisição obedece a um procedimento que passa pela enunciação dos factos e submissão a prova contraditória.
No caso concreto, omitiu, pois, a Recrte., a menção aos concretos pontos de facto incorretamente julgados e a menção à concreta decisão pretendida sobre tais pontos – a decisão de provado ou não provado sobre o concreto artigo da petição ou da contestação. São os factos aí enunciados que podem motivar a resposta, pelo que impugnando-se a decisão de facto o recorrente deve efetuar a correspondência entre a resposta pretendida e a matéria alegada.
Razão pela qual, se rejeita o recurso nesta parte.

Discutida a causa mostram-se provados os seguintes FACTOS:
a) Autora e Ré celebraram os contratos denominados “contrato de docência em regime de tempo integral”, juntos a fls. 31 a 34, cujo teor se dá por integral reproduzido, o primeiro datado de 1 de Outubro de 2007 e o segundo de 1 de Março de 2008.
b) Nos termos do primeiro contrato outorgado, a Autora comprometeu-se a prestar serviço de docência em regime de tempo integral, compreendendo a lecionação de aulas, a avaliação de conhecimentos e a prestação semanal de um período igual a metade da carga horária letiva, para assistência a alunos, orientação de teses e estágios e para atividade de investigação.
c) Mais se estipulou que a Ré colocaria a disposição da Autora as instalações, equipamentos e pessoal necessários ao desempenho das funções que lhe fossem atribuídas e que o período de serviço de docência semanal e o respetivo horário seriam definidos pela Ré, de acordo com a especificidade da atividade e a conveniência do docente.
d) Como contrapartida dos serviços declarados, ficou consignado que a Ré pagaria à Autora uma retribuição de acordo com a tabela em vigor em cada ano letivo.
e) Convencionaram ainda que o contrato, com vigência pré-determinada, poderia cessar antecipadamente por mútuo acordo, ou com aviso prévio de 30 dias de uma das partes, ou ainda, a todo o tempo, quando ocorresse facto que determinasse a sua caducidade ou importasse a sua rescisão, prevendo-se expressamente, como motivo de rescisão, o facto de os serviços académicos competentes entenderem dever dispensar o serviço prestado pela Autora.
f) No segundo contrato outorgado entre as partes, com cláusulas muito semelhantes ás do primeiro, a Autora comprometeu-se igualmente a exercer as funções de docência, em regime de tempo integral, compreendendo o mesmo objeto do anterior, estipulando-se agora que aquela não ficava dependente nem era subordinada da Ré, e que desempenharia os serviços ajustado com plena independência cultural, científica e pedagógica.
g) Voltou ainda a ficar convencionado que a Ré colocaria a disposição da Autora as instalações, equipamentos e pessoal necessários ao desempenho das funções que lhe fossem atribuídas e que o período de docência semanal e o respectivo horário seriam definidos pela Ré de acordo com a especificidade da atividade, as necessidades da Universidade e a conveniência do docente.
h) A retribuição convencionada no segundo contrato manteve-se tal como convencionado no primeiro.
i) Tal como no primeiro contrato, para além de terem estipulado um período de vigência, convencionaram que o segundo contrato poderia cessar antecipadamente por mútuo acordo, ou com aviso prévio de 30 dias de uma das partes, ou ainda, a todo o tempo, quando ocorresse facto que determinasse a sua caducidade ou importasse a sua rescisão, prevendo-se expressamente, como motivo de rescisão, o facto de os serviços académicos competentes entenderem dever dispensar o serviço prestado pela Autora.
j) Por força dos referidos contratos, a Autora exerceu as funções de professora auxiliar – lecionando várias disciplinas do curso de Psicopedagogia Clínica – na Universidade.. desde 1 de Outubro de 2007 até 30 de Outubro de 2012.
k) Entretanto, no dia 16/08/2012, a Autora recebeu uma carta da Ré com o seguinte teor:
“Em 1 de Outubro de 2007 foi celebrado com V Exª um contrato de docência cujo termo inicial era de 29 de Fevereiro de 2008 e que se renovou nos anos letivos subsequentes.
Vimos agora comunicar a V Exª que em virtude da informação dos órgãos académicos competentes e nos termos dos parágrafos 3º e 4º da cláusula 5ª do aludido contrato, não procederemos á sua renovação no próximo ano letivo, cessando assim a colaboração que vinha prestando, a partir de 30 de Setembro próximo.”
l) A Autora esteve inscrita na Segurança Social como trabalhadora por conta doutrem, figurando a ora sociedade Ré como entidade empregadora no extrato de remunerações de fls. 46 e ss, compreendendo os períodos de Outubro de 2007 a Julho de 2012.
m) A retribuição auferida pela Autora era fixada de acordo com o número de horas letivas efetivamente lecionadas em cada mês, sendo paga catorze vezes ao ano.
n) A R. é uma cooperativa de ensino, cujo objeto social é o ensino e a formação profissional.
o) Nessa qualidade e com tal objeto, a R. é entidade instituidora de múltiplos estabelecimentos de ensino, nomeadamente, estabelecimentos de ensino superior, entre os quais, a Universidade...
p) A R., enquanto entidade instituidora, detém uma estrutura organizativa diferente dos próprios estabelecimentos de ensino por si instituídos, nomeadamente da U..
q) A A. nunca esteve inserida na supra mencionada estrutura organizativa da R., entidade instituidora da U...
r) A A. prestou o serviço contratado com total autonomia científica e pedagógica.
s) O serviço prestado pela A. à U.. correspondeu sempre e somente à lecionação de aulas e avaliação de conhecimentos.
t) A A. nunca esteve vinculada a um período normal de trabalho, quer diário, quer semanal.
u) A A. apenas deveria assegurar, em virtude do tipo de serviço contratado (serviço docente), os horários letivos acordados no seio dos órgãos académicos, conforme contratualizado, horários letivos esses que poderiam variar como, aliás, variaram, ao longo da relação contratual, em função das conveniências pessoais e profissionais (além da docência) da A. e em função do número de turmas/alunos inscritos nas unidades curriculares lecionadas.
v) Os horários letivos da A., para cada semestre, foram sempre fixados pelo órgão académico competente, mediante acordo prévio com a A., o qual manifestava, também previamente, o âmbito da sua disponibilidade.
w) Tais horários letivos poderiam ser objeto de alterações pontuais promovidas pela A. sem que necessitasse de autorização prévia por parte da R.
x) Por parte da R., ou sequer dos próprios órgãos académicos, nunca houve qualquer controlo das efetivas horas de início e termo das aulas dadas pela A..
y) A elaboração de horários letivos, atribuição de serviço docente ou calendarização de avaliações são atos do foro estritamente académico, nos quais a R. nunca interferiu nem interfere.
z) As instalações e os equipamentos que a R. colocou à disposição da A., foram, e ainda são, equipamentos e instalações de uso comum pela comunidade académica, tais como salas de aula, mesas, cadeiras, quadros, retroprojetores, etc.
aa) A A. nunca teve gabinete, equipamento ou instrumentos para seu uso exclusivo.
bb) Durante a execução contratual, nunca a A. se predispôs efetivamente, nem tal lhe foi exigido pela R., a prestar qualquer outro tipo de serviço, nomeadamente assistência a alunos, orientação de teses e estágios ou atividades de investigação.
cc) A A. nunca recebeu da R. qualquer quantia a título de subsídio de almoço.
dd) A A. podia, sem a tal estar obrigada, transferir a aula para outra data, no caso de falta previsível.
ee) A A. podia compensar a aula, sendo a falta imprevisível.
ff) Como também podia fazer-se substituir por um colega da mesma área.
gg) Durante toda a execução contratual, nos períodos relativos às férias escolares de Verão (Agosto, um mês inteiro), de Natal e Ano Novo (em regra, 15 dias), Carnaval (em regra uma semana) e Páscoa (em regra também 15 dias), a A. nunca prestou qualquer serviço à R., não estava obrigada a estar disponível e nem sequer se deslocava às instalações da R.

FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
Aqui chegados, podemos deter-nos sobre a 2ª questão enunciada – a qualificação do contrato como de trabalho.
Apresenta-se-nos para análise e enquadramento um acordo, celebrado em 1/10/2007, secundado por um outro datado de 1/03/2008.
É consensual que a contratação de docentes do ensino superior particular e cooperativo tanto pode fazer-se recorrendo ao modelo do contrato de trabalho, como ao modelo do contrato de prestação de serviços. Tal como se consignou na sentença, “…quer do nº 2 do artigo 40º do DL nº 271/89, de 19 de Agosto, diploma que aprovou o Estatuto do Ensino Superior Particular ou Cooperativo, quer dos nºs 1 e 2 do artigo 24º do DL nº 16/94, de 22 de Janeiro, diploma que aprovou um novo Estatuto do Ensino Superior Particular ou Cooperativo e revogou o primeiro (alterado, por sua vez, pelo DL nº 94/99, de 23 de Março e pelo DL nº 74/2006, de 24 de Março), quer do atual RJIES, decorre que não existe uma configuração jurídico-material exclusiva para as relações de trabalho que tenham por objeto a prestação de docência (e/ou da investigação) em estabelecimentos de ensino superior. A contratação de docentes do ensino superior particular ou cooperativo opera-se num contexto de liberdade contratual (artigo 405º do Código Civil), podendo a instituição universitária e o docente recorrer, tanto ao contrato de trabalho (através de um convénio em que se verifique o condicionalismo de subordinação característico do contrato individual de trabalho) como ao contrato de prestação de serviços, optando, num caso ou no outro, pelo modelo de contratação que melhor se ajuste aos seus interesses (cfr. neste sentido o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 2005).”
Importa, pois, apreciar, de um lado, o próprio modelo de contrato subscrito e, por outro, a forma como se desenvolveu a prestação, sendo que em casos como o presente – docência universitária – não podemos deixar de ter presente o elevado grau de autonomia associado ao desenvolvimento da atividade e, bem assim, o grau de conhecimento e instrução das partes envolvidas.
Ora, no que toca a esta matéria, é desde logo sintomático, ter-se consignado expressamente em ambos os acordos celebrados que o contrato, com vigência pré-determinada, poderia cessar antecipadamente por mútuo acordo, ou com aviso prévio de 30 dias de uma das partes, ou ainda, a todo o tempo, quando ocorresse facto que determinasse a sua caducidade ou importasse a sua rescisão, prevendo-se expressamente, como motivo de rescisão, o facto de os serviços académicos competentes entenderem dever dispensar o serviço prestado pela Autora.
Tal clausulado não é próprio do regime laboral aplicável à relação jurídica que, como se sabe, só pode cessar nos termos consignados na lei.
Por sua vez, num segundo momento, foi-se ainda mais longe. Estipulou-se que a trabalhadora não ficava dependente nem era subordinada da Ré, e que desempenharia os serviços ajustados com plena independência cultural, científica e pedagógica.
Parece, assim, que se afastou claramente a prestação de trabalho em regime de subordinação jurídica.
Esta concreta menção pesa na valoração da situação já que, como é sabido, este é o elemento que, por definição, distingue o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços.
Da análise da definição legal de contrato de trabalho decorrente do CT de 2003 (atenta a data de início de funções, é aplicável à caracterização da relação laboral o regime dali decorrente) pode, com facilidade, concluir-se que no âmbito do contrato de trabalho se proporciona uma atividade, mediante subordinação.
Dispunha-se ali, à semelhança do que já ocorria na vigência da LCT, que contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, sob autoridade e direção desta.
Esta noção, coincidente com o disposto no Artº 1152º do CC, perpassou para a codificação de 2003, vindo, na mais recente formulação a sofrer algumas alterações decorrentes de uma modificação introduzida em 2009, sendo que, na sequência da reforma de 2012 se introduziu uma verdadeira presunção de laboralidade que facilita a integração do conceito.
O elemento autoridade é, pois, intrínseco à noção de trabalho subordinado, distinguindo-o do trabalho autónomo.
Na verdade, o contrato de trabalho caracteriza-se essencialmente “pelo estado de dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face à entidade empregadora, sendo que o laço de subordinação jurídica resulta da circunstância do trabalhador se encontrar submetido à autoridade e direção do empregador que lhe dá ordens, enquanto na prestação de serviço não se verifica essa subordinação, considerando-se apenas o resultado da atividade.
A subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho decorre precisamente daquele poder de direção que a lei confere à entidade empregadora (artigo 150.º) a que corresponde um dever de obediência por parte do trabalhador (artigo 121.º, n.os 1, alínea d), e 2) (Ac. do STJ de 4/02/2015, Procº 437/11.0TTOAZ, in www.dgsi.pt)
A facilidade com que o conceito se apreende em tese depara-se, as mais das vezes, com dificuldades de relevo quando em presença da concreta situação de facto. Esta dificuldade acentua-se quando, como no caso concreto, o trabalhador dispõe de elevada autonomia técnica.
Assim, impõe-se que recorramos, tal como se sustentou na sentença recorrida e é jurisprudência uniforme, a indícios reveladores da existência de subordinação jurídica, que é o elemento por excelência caracterizador do contrato de trabalho. Neste sentido podem ver-se os Acórdãos do STJ de 4/05/2001 (proc.º 3304/06.5TTLSB.S1), 31/01/2012 (proc.º 121/04.0TTSNT.L1.S1), 12/01/2012 (proc.º 2158/07.9TTLSB.L1.S1) e 4/02/2015 (proc.º 437/11.0TTOAZ), disponíveis em www.dgsi.pt.
Tais indícios prendem-se com a existência de horário de trabalho, a prestação da atividade em local previamente definido pelo empregador, a existência de controlo no exercício da atividade, a utilização de bens do beneficiário da atividade, a sujeição a poder disciplinar, a modalidade de retribuição, a atribuição de categoria profissional, o não recurso, pelo executante, a colaboradores externos, a repartição do risco, ou mesmo a observância de um ou outro regime fiscal e de segurança social, enfim, impõe-se que recorramos a elementos próprios de uma organização laboral. Há, ainda, indícios externos ao próprio contrato que podem elucidar, como por exemplo, a prestação da mesma atividade para outrem.
Não é, contudo, imperativo que todos os indícios se verifiquem em cada caso.
Imperativo é, porém, que dos indícios presentes se possa, sem dúvidas razoáveis, concluir pela existência de contrato de trabalho.
Do mesmo modo, não é por nos depararmos com um desses indícios que, desde logo, podemos chegar a conclusões seguras, até porque cada indício pode assumir diferente valor em presença de cada caso, tudo dependendo do tipo de relacionamento entre as partes.
E, como bem nota Pedro Romano Martinez, “os tradicionais indícios desatualizaram-se com a evolução tecnológica, com diferentes modos de organização do trabalho” (Direito do Trabalho, Almedina, 5ª Ed., 336) ”.
No caso sub judice a relação laboral foi estabelecida em 2007, consolidando-se em 2008.
Por força dos contratos celebrados, a Autora exerceu as funções de professora auxiliar – lecionando várias disciplinas do curso de Psicopedagogia Clínica – na Universidade.. desde 1 de Outubro de 2007 até 30 de Outubro de 2012.
É irrelevante para a integração do conceito que as instalações e equipamentos tenham sido disponibilizados pela R., já que outra coisa não poderia suceder no âmbito da concreta relação, sendo que é a partir do modus operandi no seio da organização empresarial que se deve aferir, em primeira linha, o tipo de contrato em presença.
São reveladores da integração na organização laboral a circunstância de Autora ter estado inscrita na Segurança Social como trabalhadora por conta doutrem, figurando a ora sociedade Ré como entidade empregadora no extrato de remunerações de fls. 46 e ss, compreendendo os períodos de Outubro de 2007 a Julho de 2012. E, também a de a retribuição auferida pela Autora ser paga catorze vezes ao ano.
Contudo, como se dá nota na sentença “… o facto de a Ré ter procedido a descontos para a Segurança Social, também não chega para caracterizar o contrato celebrado e executado como do foro laboral, face ao Acordo tripartido, junto a fls. 145 e ss., celebrado em 25 de Janeiro de 2007, entre a Associação Portuguesa do Ensino superior Privado, a Inspecção Geral do Trabalho e a Inspecção Geral da Segurança Social relativo ao Regime Contributivo dos Docentes do Ensino Superior Privado e das Instituições de Ensino Superior Privado face à Segurança Social. Na verdade, ficou desde logo consignado pelas partes nesse acordo que “a integração dos docentes em qualquer um dos regimes contributivos vigentes não é por si definitivo para se concluir acerca da natureza jurídica do vínculo contratual”, tendo sido aceite a aplicação do regime contributivo dos trabalhadores por conta de outrem aos designados “contratos de docência”, dele excluindo apenas as colaborações meramente pontuais.”
Militam contra, a inexistência de vinculação a um período normal de trabalho, quer diário, quer semanal, a circunstância de os horários letivos da A., para cada semestre, terem sido sempre fixados pelo órgão académico competente, mediante acordo prévio com a A., a qual manifestava, também previamente, o âmbito da sua disponibilidade e, bem assim, a possibilidade de tais horários letivos serem objeto de alterações pontuais promovidas pela A. sem que necessitasse de autorização prévia por parte da R.. Do mesmo modo, também a inexistência de qualquer controlo das efetivas horas de início e termo das aulas dadas pela A. inculca no sentido da ausência de subordinação jurídica.
Como acima dissemos, o traço diferenciador entre uma relação de trabalho subordinado e uma relação de trabalho autónomo reside na subordinação jurídica, figura que traduz uma posição de supremacia de uma das partes perante a outra.
Uma tal posição não é claramente patente na relação que se estabeleceu entre a A. e a R., sendo que, como dissemos, não podemos abstrair do nível de qualificação dos envolvidos e de quanto consignaram por escrito.
Donde, da factualidade não emerge que o contrato celebrado se possa ter como de trabalho.
Nem uma tal qualificação pode emergir de quanto se veio a consignar no Artº 12º do CT (versão de 2012), não só porque a relação laboral cessou em data coincidente com a entrada em vigor da presunção então estabelecida, como os próprios termos do contrato afastam a possibilidade de se presumir a existência de contrato de trabalho.
Termos em que improcede a apelação.

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Notifique.
Guimarães, 08/10/2015
Manuela Fialho
Alda martins
Sérgio Almeida