Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
81/11.1TBMSF.G1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
PREJUÍZO
MÁ FÉ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. A nulidade prevista no artigo 615 n.º 1 al. c) do CPC pressupõe um vício intrínseco da decisão traduzido na violação das regras da lógica, o que não se verifica no caso em apreço.
2. Para efeitos do disposto no artigo 610 n.º 1 al. b) do C.Civil, o prejuízo deve ser analisado numa perspectiva prática de impossibilidade ou agravamento desta na satisfação do crédito por parte do credor.
3. A má fé referida no artigo 612 n.º 2 do C.Civil basta-se com a percepção do prejuízo pelos intervenientes no acto, não sendo necessária a intenção de o causar.
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães

Autoras:
- M…;
- A…; e
- A….
Réus:
- A…; e
- M….
Alegam as autoras, em síntese, que o divórcio e subsequente partilha de bens feita pelos réus teve como único propósito evitar que a meação do réu marido nos bens do casal pudesse satisfazer as indemnizações que pudessem vir a ser arbitradas a seu favor.
Concluindo pela procedência da acção, pedem que:
- seja declarada, e os réus condenados a reconhecerem, a ineficácia em relação às autoras do acto de partilha do património do dissolvido casal;
- sejam os réus condenados a verem restituídos ao seu património comum os imóveis partilhados de modo a que as autoras se possam pagar na medida do necessário à custa dos mesmos;
- seja ordenado o cancelamento do registo efectuado a favor da ré M…, por via da aludida escritura de partilha, sobre os referidos imóveis.

Na contestação que apresentou, rejeita a ré M… a ideia de que o divórcio e subsequente partilha dos bens imóveis possa ter sido fraudulenta, antes constituindo uma vontade real e verdadeira dos então cônjuges.
Conclui pois pela improcedência da acção.

Na réplica, reiteram as autoras a sua versão dos factos, concluindo como na petição inicial, mais requerendo a condenação da ré como litigante de má-fé (os artigos 1º a 11º da réplica foram dados por não escritos).

Mantêm-se os pressupostos de validade e regularidade da instância já julgados presentes no momento da prolação do despacho saneador.
Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo, não se tendo suscitado nem verificado quaisquer excepções, nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Foi proferida sentença que julgou a acção procedente nos seguintes termos:
1. Declarar ineficaz em relação às autoras M…, A… e A… o acto de partilha do património do dissolvido casal formado pelos réus A… e M…, constante da escritura celebrada no dia 25 de Fevereiro de 2011, no Cartório Notarial de José António Resende, na cidade do Porto, exarada a fls. 111-113 do livro de notas para escrituras diversas n.º 47-A, através da qual foram partilhados os seguintes bens imóveis:
- prédio urbano, sito no lugar do…, casa de habitação de rés-do-chão, andar anexo, logradouro, com todas as suas pertenças, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mesão Frio sob o nº…, inscrito na matriz sob o artigo …; e
- prédio rústico (3/16 avos) sito no lugar de…, terra de vinha da região demarcada do Douro, arvores de fruto, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mesão Frio sob o nº …, inscrito na matriz sob o artigo ….
2. Reconhecer às autoras o direito à restituição dos identificados prédios, na medida da necessidade de satisfação dos seus créditos, de forma a poderem executar os prédios transmitidos no património do réu A….

Inconformada com o decidido, a ré interpôs recurso de apelação formulando conclusões.
Houve contra-alegações que pugnaram pelo decidido.
Das conclusões do recurso ressaltam as seguintes questões, a saber:
1.Impugnação na vertente do facto
1.1 Alteração das respostas restritivas e positivas para negativas aos quesitos 1 a 3 e 7 a 10 da BI.
2. Impugnação na vertente do direito
2.1 Nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão – artigo 615 n.º 1 al.c) do CPC.
2.2 Inexistência de má fé no negócio que fundamenta a impugnação pauliana.

Vamos conhecer das questões enunciadas.
1.1O tribunal respondeu restritivamente aos quesitos 1 e 3 e positivamente aos quesitos 7 a 10 da BI. porque se convenceu que o divórcio se fundou também em razões sentimentais, mas que a partilha dos bens, nos termos em que a concretizaram, teve o objectivo de dificultar o pagamento de eventuais indemnizações a fixar às autoras em virtude da morte de seu pai e marido. E apoia-se no depoimento de parte dos réus, no depoimento de várias testemunhas e, essencialmente, nos extractos de contas tituladas por ambos os réus, e movimentadas pela ré, entre o dia 25 de Outubro e 11 de Novembro de 2010, em que a ré sacou mais de 47.000€ e não justificou porque levantou tal quantia em tão curto espaço de tempo e onde se encontra. E foi esta atitude da ré que convenceu o tribunal no sentido de que ambos quiseram, numa primeira fase, acautelar o património familiar e, com a partilha, pouco mais de dois meses volvidos, nos termos em que foi concretizada (bens imóveis para a ré e dinheiro para o réu), tiveram o propósito de prejudicar os credores, uma vez que uma “coisa é executar bens que se conhecem e que existem, outra é o dinheiro que, como de resto se percebeu, aparece e desaparece em horas”.

A ré insurge-se contra a decisão sobre as respostas dos quesitos 1 a 3 e 7 a 10 da BI., frisando que o que a moveu a divorciar-se foram apenas os sentimentos de revolta e repulsa, que se geraram no seu íntimo, com a morte do seu irmão, por parte do seu marido. E destaca os depoimentos das testemunhas M…, M…, N… e M…, para realçar o elemento psicológico que esteve na génese da decisão de se divorciar. E desvaloriza a movimentação das contas bancárias, dos cheques passados à testemunha J…, pelo seu ex-marido. E concluiu que o dinheiro foi-lhe entregue, e, a partir daí, a ré desvinculou-se do que poderia acontecer a esse dinheiro das tornas.

Se é certo que o crime desencadeou sofrimento na ré, ao ponto de não querer viver com o seu marido, não é menos certo que a sua primeira reacção foi acautelar o património familiar, movimentando, em poucos dias, todo o dinheiro disponível nas contas bancárias (mais de 47.000€ entre 25/10 a 8/11 do ano de 2010, fls. 327 e 328, 427 a 429), à ordem ou a prazo, colocando-o a salvo de ataques de terceiros, eventuais credores, porque sabia que os familiares da vítima iriam tentar indemnizar-se dos danos sofridos. E, só numa fase mais adiantada, já em Janeiro de 2011, como o afirmou no seu depoimento de parte, é que desencadeou o processo de divórcio, que foi concretizado num curto espaço de tempo, seguido imediatamente de partilhas do património (23 e 25 de Fevereiro respectivamente), em que foram adjudicados os imóveis à ré e as tornas ao réu, no montante de 50.500€. Estes factos, no seu conjunto, levam a concluir que os réus serviram-se do divórcio para partilharem os bens de molde que fosse difícil aos potenciais credores se pagarem. Se há sentimentos, elementos psicológicos relevantes, julgamos que não foram o único móbil que determinou os réus a divorciarem-se. Tinham consciência de que iria haver indemnizações a pagar e era preciso acautelar o património, sendo o divórcio seguido de partilha, nos termos em que o fizeram, o meio mais adequado para dificultarem a apreensão dos bens que foram adjudicados ao réu marido. E tanto assim é que não se sabe onde o réu escondeu o dinheiro, depois de ter havido uma tentativa de penhora nas contas da testemunha J…, depositário das tornas do réu, que referiu que já entregou esse dinheiro ao réu e que consta dos documentos juntos a fls.508 a 515.
Daí que, numa perspectiva histórica, do devir, da prova relativa e não absoluta, seja de concluir que, da conjugação de todos os elementos de prova, documental e testemunhal, segundo as regras da experiência, da livre apreciação das provas e das presunções judiciais, as respostas aos quesitos impugnados correspondam à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, pelo que é de manter.

Vamos fixar a matéria de facto consignada na decisão recorrida, que passamos a transcrever:
1. No dia 23 de Outubro de 2010, cerca das 10.45 horas, no lugar do Salgueiro, freguesia de Vila Marim, concelho de Mesão Frio, o 1.º R. atingiu M… com um projéctil de uma arma de fogo, provocando-lhe lesões traumáticas crâniomeningo – encefálicas, das quais resultaram a morte deste.
2. Com base, além de outros, nos factos descritos em A), foi deduzida acusação pelo Ministério Público de Mesão Frio em 30/03/2011 contra o 1.º R. pela prática de um crime de homicídio qualificado previsto e punido nos termos do disposto nos artigos26º, 131.º e 132.º, nº 1 e n.º2, alínea e), i) …meio insidio), j) (…com reflexão sobre os meios empregados…), do Código Penal, no âmbito do Processo (Inquérito) nº1740/10.1JAPRT cujos termos correm pelos Serviços do Ministério Público de Mesão Frio.
3. A 1.ª A. era casada com o M… desde 10 de Julho de 1977, sem precedência de convenção antenupcial.
4. M… nasceu em 17 de Janeiro de 1952.
5. O casal formado pela 1.ª A. e por M… tinha duas filhas: a A…, nascida a 19 de Março de 1980, solteira; e A…, nascida a 3 de Agosto de 1988, solteira.
6. M… não deixou testamento, nem qualquer outra disposição de última vontade.
7. As AA. são as únicas herdeiras de M…, pois não há quem com elas concorra ou lhes prefira na sucessão.
8. Em 14/04/2011, as AA. deduziram no indicado Processo nº 1740/10.1JAPRT pedido de indemnização civil, peticionando a condenação do A… no montante global de €410.157,75 (quatrocentos e dez mil cento e cinquenta e sete euros e setenta e cinco cêntimos), assim distribuída:
a) Dano da morte (perda do direito à vida): €75.000,00, a repartir pela 1.ª A. e pelas duas filhas de acordo com a sucessão legitimaria;
b) Danos morais sofridos pela vítima (pânico pela iminência de ser abatido): €7.500,00, a repartir pela 1.ª A. e pelas duas filhas de acordo com a sucessão legitimária;
c) Danos morais sofridos pela 1.ª A.: €25.000,00, a título de dano moral próprio da mesma;
d) Dano moral sofrido pela 3.ª A. (agravado pela assistência à morte de seu pai): €30.000,00, a título de dano moral próprio;
e) Dano moral sofrido pela 2.ª A.: €25.000,00, a título de dano moral próprio;
f) Danos patrimoniais/dano emergente (despesas com funeral, cemitério e jazigo): €4.057,75, a serem reembolsadas à 1.ª A. e duas filhas de acordo com a sucessão legitimária;
g) Dano futuro/lucro cessante: €243.600,00, a repartir pela 1.ª A. e pelas duas filhas de acordo com a sucessão legitimária.
9. Em 23 de Fevereiro de 2011, na Primeira Conservatória do Registo Civil do Porto, o 1.º R e a 2.ª R. acordaram no divórcio por mútuo consentimento.
10. Em 25 de Fevereiro de 2011, através de escritura outorgada no Cartório Notarial do Dr.º José António Resende, sito na Rua do Almada, nº 269-3º, na cidade do Porto, exarada a fls. 111 a 113, do livro de notas para escrituras diversas nº 47-A, os RR., sendo o 1.º R. representado pelo Dr.º Paulo Jorge da Costa Magalhães, declararam que pretendiam “(…) proceder à partilha dos bens pertencentes ao seu património comum do dissolvido casal (…)” que era constituído pelos seguintes imóveis sitos na freguesia de Vila Marim, concelho de Mesão Frio:
a) Prédio urbano, sito no lugar do…, casa de habitação de rés-do-chão, andar anexo, logradouro, com todas as suas pertenças, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mesão Frio sob o nº…, registado definitivamente a favor dos partilhantes pela inscrição de aquisição Ap.5 de1996/10/28, inscrito na matriz sob o artº …, a que atribuíram o valor de€100.000,00;
b) Prédio rústico (3/16 avos) sito no lugar de …, terra de vinha da região demarcada do Douro, arvores de fruto, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mesão Frio sob o nº…, registado definitivamente a favor dos partilhantes (na indicada proporção) pela inscrição de aquisição Ap.1 de 1987/12/03, inscrito na matriz sob o art.º …, a que atribuíram o valor de€1.000,00.
11. Mais declararam, na escritura de partilha referida em J), que procediam à partilha do seguinte modo: à 2.ª R., em pagamento da sua meação, eram adjudicados em exclusivo os dois identificados imóveis, no valor global de €101.000,00 e, como esta levava a os dois identificados imóveis, no valor global de €101.000,00 e, como esta levava a mais em seu pagamento a quantia de €50.500,00, repunha em tornas ao 1.º R. tal importância, tendo este, através do seu procurador, declarado ter já recebido a título de tornas da demandada mulher, a quantia devida (€50.500,00) e disso deu quitação.
12. Os RR. acordaram divorciar-se e proceder à partilha do património do casal nos moldes descritos em J) e K) para fazerem sair do património do casal bens capazes de garantir o pagamento de qualquer indemnização que fosse pedida por via do crime de homicídio qualificado praticado pelo 1.º R..
13. Os imóveis identificados em K) eram os únicos bens que ao dissolvido casal eram conhecidos e que poderiam satisfazer o pagamento de qualquer indemnização que fosse pedida pelas AA., nomeadamente a referida em H).
14. Através do divórcio, os RR. quiseram colocar-se em situação de efectuar a partilha dos bens do casal.
15. Tendo sido a sua descrita conduta unicamente determinada de forma a obstar a existência de património capaz de assegurar o pagamento das indemnizações que as AA. peticionaram.
16. Quando outorgaram a escritura de partilha referida em J), os RR. não ignoravam que as AA. iriam peticionar uma indemnização por morte de M…, e que o as AA. iriam peticionar uma indemnização por morte de M…, e que o1.º R. iria ser compelido ao seu pagamento.
17. Ao demandado não é conhecido qualquer outro bem e/ou rendimento.

2.1. A ré apelante suscita a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão ao nível da motivação da decisão sobre a matéria de facto. Evidencia alguns argumentos, ao nível psicológico, conexionados com os sentimentos de revolta e angústia devido à morte do irmão pelo marido, que deveriam levar a respostas da matéria de facto no sentido da improcedência da acção.
Uma coisa é a motivação da decisão sobre a matéria de facto, que tem como fundamento explicar as razões porque o tribunal decidiu de determinada forma e não de outra, para que as partes possam impugnar a decisão no segmento do facto. Outra, os vícios intrínsecos da sentença, no segmento do direito, que geram as nulidades previstas no artigo 615 n.º 1 do CPC.
No caso em apreço, a ré apelante centra-se na motivação da decisão sobre a matéria de facto e não no segmento da matéria de direito. Daí que não seja aplicável, segundo pensamos, o disposto no artigo 615 do CPC. Mesmo a admitir-se a sua a aplicação, julgamos que não se verifica a contradição apontada e sancionada pelo artigo 615 n.º 1 al. c) do CPC., uma vez que a apelante apenas destaca uma parte dos argumentos e não toda a motivação que levou às respostas restritivas a alguns quesitos e às respostas positivas a outros, que a ré teve oportunidade de impugnar na vertente do facto.
Analisando toda a motivação e os fundamentos nela explanados, verifica-se que não há vícios de raciocínio, violação da lógica, no sentido de que os fundamentos levariam a uma determinada decisão e o tribunal seguiu noutra direcção. Pelo contrário, os argumentos são claros no sentido de que o elemento psicológico da ré, face à morte do irmão, levaram à resposta restritiva dos quesitos 1 e 3, ao eliminar o advérbio “ apenas” e o levantamento num curto espaço de tempo, entre o dia 25 de Outubro e 8 de Novembro, de mais de 47.000€ das contas bancárias tituladas pelos réus, convenceu o tribunal de que os réus se aproveitaram do divórcio para fazerem a partilha dos bens nos termos em que o fizeram, com o propósito de prejudicarem os credores, uma vez que todos os bens imóveis foram adjudicados à ré, ficando o réu com dinheiro. Daí que não se verifique a nulidade invocada.

2.2 O tribunal julgou a acção procedente considerando verificados os pressupostos do instituto da impugnação pauliana. A ré apelante insurge-se contra o decidido no que tange à má fé da ré, porque entende que não houve prejuízo para as autoras, com a partilha, uma vez que foram definidos os bens que ficaram a caber a cada um dos réus, que correspondem aos valores reais e em que foram entregues ao réu as tornas devidas.
A questão do prejuízo terá de ser analisada numa perspectiva prática, de facilidade, dificuldade ou impossibilidade de as autoras obterem a satisfação integral dos seus créditos, como resulta da interpretação do artigo 610 n.º 1 al. b) do C.Civil que reza o seguinte “ Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de satisfação integral do seu crédito, ou agravamento desta impossibilidade”.
Com a partilha, foram adjudicados à ré os bens imóveis e ao réu as tornas. Como se sabe, o dinheiro é algo que pode facilmente ser escondido, sonegado, desaparecer de circulação, tornando muito difícil ou quase impossível a sua execução judicial. Daí que esta situação se integre na alínea b) do n.º 1 do artigo 610 do C.Civil, porque impossibilita ou agrava a possibilidade de satisfação do crédito das autoras. Não se coloca a questão da insolvência do devedor, mas a impossibilidade ou o agravamento da impossibilidade de satisfação do seu crédito com o património visível ou invisível do devedor (Antunes Varela Das Obrigações em Geral Vol.II, 4.ª edição, Coimbra Editora, pag.436).
Neste caso, o dinheiro emergente das tornas torna-se facilmente sonegável, o que muito dificulta, ou até impossibilita, a sua execução. E isto verificou-se quando as autoras tentaram executar o montante das tornas que estaria numa conta da testemunha L…, e que no acto da penhora veio dizer que esse montante já tinha sido entregue ao réu, através de um cheque, que se desconhece o seu paradeiro (documentos d fls. 508 a 515).
E é da conjugação do n.º 2 do artigo 612 com a al. b) do n.º 1 do artigo 610, ambos do C.Civil, que se determina o âmbito da má fé exigida na impugnação pauliana, quando estejam em causa actos onerosos. “ Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor”. Tem que haver, por um lado, prejuízo e por outro a consciência desse prejuízo por parte dos intervenientes no acto.
Uma parte da doutrina e da jurisprudência dominante no STJ. interpretam o normativo da má fé, na impugnação pauliana, no sentido de que basta a percepção do prejuízo pelos intervenientes, não sendo necessária a intenção de o causar. Destacam o elemento intelectual do dolo em qualquer uma das suas modalidades e da negligência consciente, dispensando o elemento volitivo, afastando a negligência inconsciente (conferir, entre outros, Ac. STJ. 19/05/2005, Ac. STJ.30/10/2007, Ac. STJ. 29/09/2009, Ac. STJ. 3/11/2009, Ac. STJ. 13/10/2011, e Ac. STJ. 9/02/2012 todos em www.dgsi.pt).
No caso dos autos ficou provado, pelas respostas restritivas e positivas aos quesitos 1, 2, 3, 7, 8, 9, e 10 da BI. que correspondem aos pontos de factos 12, 13, 14, 15, 16 e 17 da decisão recorrida, que os réus quiseram fazer a partilha dos bens de molde a adjudicarem à ré os bens imóveis e ao réu as tornas, sabendo que com este acto iriam retirar, do património comum, os bens imobiliários conhecidos, que podiam satisfazer o pagamento de qualquer indemnização que fosse pedida pelas autoras. Os réus sabiam que, com esta partilha, as autoras ficavam sem bens visíveis para executarem, o que tornaria mais difícil, ou até impossível, a apreensão das tornas. Pois, convertidas em dinheiro, seriam facilmente ocultadas, sonegadas pelo réu, o que a ré não desconhecia, nem podia ignorar, porque faz parte do conhecimento comum das pessoas medianamente inteligentes e diligentes.
Daí que possamos concluir que os réus agiram de má fé quando partilharam os bens nos termos em que o fizeram, impossibilitando, em termos práticos, a satisfação dos créditos das autoras.

Concluindo: 1. A nulidade prevista no artigo 615 n.º 1 al. c) do CPC pressupõe um vício intrínseco da decisão traduzido na violação das regras da lógica, o que não se verifica no caso em apreço.
2. Para efeitos do disposto no artigo 610 n.º 1 al. b) do C.Civil, o prejuízo deve ser analisado numa perspectiva prática de impossibilidade ou agravamento desta na satisfação do crédito por parte do credor.
3. A má fé referida no artigo 612 n.º 2 do C.Civil basta-se com a percepção do prejuízo pelos intervenientes no acto, não sendo necessária a intenção de o causar.

Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 17/12/2014
Espinheira Baltar
Henrique Andrade
Eva Almeida