Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
73/19.2T8VVD.G1
Relator: ROSÁLIA CUNHA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
COBERTURA DE “RESTAURAÇÃO ESTÉTICA DE EDIFÍCIO”
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Tendo as partes celebrado contrato de seguro com subscrição da cobertura designada como Restauração Estética de Edifício, acordando que o segurador indemnizará as despesas adicionais em que o segurado tenha que incorrer para salvaguarda da continuidade e harmonia estética do edifício e que a restauração compreenderá os elementos diretamente deteriorados por um sinistro e os trabalhos que devam efetuar-se para a reparação dos danos estéticos, há que apurar, perante os específicos contornos do caso concreto, quais os danos que comprometem a continuidade e harmonia estética pois só esses se integram na obrigação de reparação a cargo da seguradora.

II - Sendo possível substituir o chão do WC que se encontra danificado por mosaicos que, embora diferentes dos que aí se encontravam colocados, tenham características análogas e também combinem com os azulejos das paredes, não se pode considerar que exista dano estético que, ao abrigo da cobertura de Restauração Estética de Edifício, justifique a substituição da totalidade dos azulejos das paredes, os quais não apresentam qualquer estrago.

III - Do mesmo modo, a cobertura de Restauração Estética de Edifício não impõe a substituição da totalidade dos azulejos da parede e do chão da cozinha, que se encontram incólumes, se a zona que apresenta estragos se refere unicamente a três furos, situados em local não visível - por estarem sob a bancada, no interior dos armários da cozinha, que dispõem de portas, e atrás do local destinado à máquina de lavar - e sendo possível a colocação de azulejos e pavimento idênticos, embora não iguais, por tal desconformidade não constituir um dano que comprometa a continuidade e harmonia estética.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na 1ª seção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

F. C. veio propor contra X SEGUROS, S.A. ação declarativa de condenação com processo comum, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 18 696,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Como fundamento do seu pedido, alega, em síntese, que, no início do mês de dezembro de 2017, ocorreu uma rutura na canalização da casa de banho da sua habitação que causou estragos, não só na aludida divisão, mas também ao nível da cozinha, onde foi necessário proceder a furos para deteção da fuga.
Participou o evento à ré, no âmbito do contrato de seguro entre ambas celebrado, para ressarcimento de eventuais prejuízos decorrentes de danos por água na sua habitação, localização/reparação de avarias e restauração estética do edifício.
A ré, embora aceitando a responsabilidade pela reparação dos danos sofridos, rejeitou a substituição dos azulejos e tijoleiras que revestem as paredes e teto da cozinha, por entender que bastará a reparação dos furos, mantendo-se a harmonia estética.
Porém, inexistindo no mercado azulejos iguais aos que se encontram colocados na habitação da autora, a substituição apenas dos azulejos afetados por outros necessariamente diferentes não garante qualquer harmonia estética, já que se traduz, essencialmente, num remendo, visível a olho nu, pelo que pretende, conforme peticionado, a condenação da ré no pagamento da quantia necessária para reparação dos estragos sofridos.
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Regularmente citada, a ré contestou alegando, em síntese, que o valor da reparação apresentado pela autora é desproporcionado e excessivo, na medida em que as paredes da casa de banho não foram afetadas e na cozinha foi apenas intervencionada a parte inferior do balcão, assegurando-se a reparação, com harmonia estética, mediante a substituição dos cerâmicos do chão da casa de banho e das zonas intervencionadas na parte inferior do balcão da cozinha com material semelhante.
Sem prescindir, sustenta que o valor apresentado para reparação mediante substituição integral dos azulejos é também excessivo e não deve ultrapassar o montante de € 6.966,70.
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Foi proferido despacho saneador, definiu-se o objeto do processo e procedeu-se à seleção dos temas de prova.
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Procedeu-se a julgamento e a final foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:

Nestes termos, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada, condenando-se a ré, X Seguros S.A., a suportar as despesas que vierem a apurar-se, em sede de liquidação, decorrentes da substituição do pavimento do wc do r/c da habitação da autora, por material com idênticas características e qualidade àquele que se encontra ali colocado, assegurando-se a uniformidade do aspecto de todo o piso dessa divisão, e ainda as despesas decorrentes da substituição dos azulejos partidos no interior do balcão da cozinha (chão e paredes) por outros de iguais características e qualidade àqueles que se encontram ali colocados, assegurando-se a continuidade do piso e do revestimento nas partes afectadas.”
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O A. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

“1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos presentes autos, decisão de que se discorda e cuja revogação, por isso, na mesma parte se propugna.
2. Com efeito, não se conforma a recorrente com o entendimento perfilhado na sentença em crise de que, no caso concreto, se assegura e salvaguarda a uniformidade e harmonia estética do WC e da cozinha, ao substituir apenas o piso do chão daquela divisão e os azulejos e a tijoleira partidos no interior do balcão da cozinha por outros de características iguais.
3. A sustentar a posição da recorrente concorre toda a matéria de facto dada como provada, donde resulta a contratação expressa no contrato de seguro da cláusula de “Restauração Estética de Edifício”.
4. Na vigência do contrato de seguro celebrado, a Recorrida aceitou, ressarcir, entre outros, os danos resultantes de inundações, danos por água, localização/reparação de avarias e a restauração estética do edifício, da Recorrente, sito na Rua …, Freguesia de ..., em Vila Verde.
5. Tal como decorre do artigo 2.º dos factos provados “autora e ré acordaram que em consequência da verificação dos riscos “fenómenos da natureza, danos por água e furto ou roubo, desde que coberto pela apólice, o segurador indemnizará as despesas adicionais em que o segurado tenha de incorrer para salvaguarda da continuidade e harmonia estética do edifício”.
6. Dito isto, dir-se-á que o entendimento adotado por parte do tribunal recorrido e o qual se não concorda, não salvaguarda a garantia contratada pela aqui Recorrente, uma vez que, não permite a salvaguarda da continuidade e a harmonia estética nas divisões danificadas da habitação da Recorrente.
7. Tal como resulta dos factos provados, na vigência do contrato de seguro contratado, ocorreu uma ruptura na canalização da água quente da habitação da Recorrente. Para localização/verificação da rutura, foram efetuados pela Recorrente vários furos de pesquisa em zonas da passagem dos tubos do circuito da água quente, designadamente, na cozinha e no wc do R/C, procedendo-se, em concreto, a um rasgo no chão do WC, entre o bidé e a banheira e a um furo no chão e dois furos na parede no interior do balcão da cozinha, um sobre a banca e um por detrás da máquina de lavar.
8. Atendendo a esta factualidade, dúvidas inexistem de que ocorreu um evento previsto no contrato de seguro (danos por água) cuja localização/pesquisa e reparação acarretaram estragos em duas divisões do prédio objeto do contrato seguro, razão pela qual, o tribunal recorrido não podia ter adoptado o entendimento do qual ora se recorre.
9. Tal como resulta do artigo 8.º e 9º dos factos provados, a habitação da Recorrente foi profundamente remodelada há cerca de 17 anos e não existem atualmente no mercado azulejos e tijoleiras iguais aos que a Recorrente tem colocados no chão e paredes da cozinha e do WC da sua casa, para substituir os que foram danificados com os furos de pesquisa e reparação da rutura na canalização.
10. Mas ainda que se encontrem tais materiais, sempre seria visível a reparação, atento o facto de serem colocados azulejos e mosaicos novos em locais onde existem outros azulejos e mosaicos já desgastados pela utilização e pelo tempo, o que, não garante qualquer harmonia estética.
11. Não se afigura viável a solução adotada por parte do Tribunal recorrido ao determinar a substituição dos materiais danificados no interior do balcão (chão e paredes) da cozinha, apenas nas áreas que são visíveis, implicando a não substituição de todo o revestimento das paredes e todo o piso da cozinha.
12. A ser aceite o entendimento acolhido na sentença pelo Tribunal recorrido, a Recorrente ficará totalmente impedida, futuramente, de alterar a disposição dos móveis existentes na cozinha, o que não se afigura razoável, uma vez que tal implica a impossibilidade para a Recorrente de alterar a decoração e disposição dos móveis existentes em tal divisão.
13. Por outro lado, e no que à divisão do WC diz respeito, com o entendimento sufragado pelo Tribunal recorrido, a Recorrente ver-se-á obrigada a ter materiais no piso de tal divisão, que não fazem qualquer conjunto (pendant) com os que atualmente existem nas paredes daquela divisão.
14. Com efeito, tal como resulta dos pontos 10 e 11 dos factos provados, os azulejos e as tijoleiras da cozinha e do WC do rés do chão, para além de possuírem nas paredes uma faixa decorativa e azulejos decorativos, constituem um conjunto harmonioso e com o mesmo padrão, cor e textura, formando aqueles revestimentos cerâmicos entre si – quer os da parede, quer os do piso - um conjunto com a mesma identidade de cor e padrão ou desenho, o que, como é obvio, ficará prejudicado com a solução alcançada por parte do tribunal recorrido.
15. Na verdade, não existindo no mercado azulejos e tijoleiras iguais para substituir os que se mostram danificados (o que ficou igualmente provado), a reparação a suportar pela recorrida deve necessariamente abranger quer as peças diretamente danificadas quer a área restante de chão e paredes da divisão de que fazem parte.
16. Só que, conforme resulta da matéria de facto provada, quer o chão quer as paredes das duas divisões em apreço (WC e cozinha) formam “um conjunto com o mesmo padrão, cor e textura dos materiais, (ponto 10), sendo que, foram estas características de identidade, cor e padrão que levaram a autora/recorrente a escolher e mandar colocar os revestimentos cerâmicos das paredes e chãos da cozinha e do WC do rés-do-chão quando fez as obras de restauro da sua habitação. (ponto 11 da matéria de facto).
17. Daí que seja manifestamente insuficiente, atentas as garantias contratadas no seguro efetuado e por forma a garantir a harmonia e unidade estética do edifício, assegurar apenas a substituição do chão do WC e as tijoleiras danificadas na cozinha.
18. É que, repare-se, mesmo sem a contratação desta garantia especifica da “Restauração Estética do Edifício” a recorrida já estava obrigada a suportar a substituição das peças cerâmicas danificadas por outras de idênticas características.
19. Com a contratação especifica desta cláusula da restauração estética do edifício, que se traduz na indemnização das despesas adicionais em que o segurado tenha de incorrer para salvaguarda da continuidade e harmonia estética do edifício, quer pela substituição de materiais idênticos aos existentes ou utilizando materiais de características e qualidade semelhante (pontos 1 e 2 da matéria de facto) e atenta a falta de material cerâmico igual ao colocado na habitação da recorrente, a recorrida obrigou-se a suportar a substituição da totalidade dos revestimentos de chãos e paredes das dependências afetadas.
20. É que, se assim não fosse, não fazia qualquer sentido a contratação desta garantia adicional e o pagamento do prémio correspondente.
21. Um dos riscos expressamente contratados no contrato de seguro que a Recorrente celebrou com a Recorrida - o qual foi determinante para a contratação do seguro contratado - foi precisamente o risco da restauração estética do edifício.
22. Assim, e uma vez que, a Recorrente contratou especialmente essa cláusula com a Recorrida, encontrando-se a mesma prevista no contrato de seguro, deveria o Tribunal recorrido, face aos factos dados como provados nos autos, ter concluído que para salvaguarda da harmonia e continuidade estética da habitação da Recorrente, existe absoluta necessidade de substituição dos azulejos das paredes e tijoleiras do chão quer da cozinha, quer do WC afetados.
23. Acresce que, na substituição das tijoleiras do chão do WC os azulejos inferiores das paredes irão ficar necessariamente partidos, sendo que, não havendo material cerâmico igual para a sua substituição, os azulejos das paredes terão que ser igualmente substituídos, sendo que, não é possível substituir as tijoleiras do chão do WC sem afetar e danificar os azulejos das paredes que se mostram juntos ao chão, pelo que, afetando ou partindo alguns destes azulejos, o que é inevitável, será necessário substituir os azulejos das paredes, facto que, in casu, a recorrida também deve assegurar.
24. Decidiu ainda a sentença em crise que a Recorrida “ainda está obrigada a suportar as despesas com a substituição dos azulejos partidos no interior do balcão (chão e paredes) por outros de iguais características e qualidade; assim se assegurando a maior uniformidade do aspecto daquela área que não é visível, nem implica neste pressuposto, a substituição de todo o revestimento de todas as paredes e de todo o piso da cozinha”.
25. Como resulta das fotografias juntas com os articulados (p.i. e contestação) o interior do móvel da cozinha é todo ele forrado na parede e no chão com o mesmo material cerâmico que reveste o chão e as paredes daquela divisão.
26. O que a sentença em crise decidiu foi que na cozinha os azulejos e tijoleira a colocar, porque se encontram no interior do móvel, podem ser diferentes dos restantes.
27. A recorrente também não se conforma com esta decisão, uma vez que desta forma fica irremediavelmente arredada a possibilidade de alterar a disposição dos móveis da cozinha.
28. Sendo a cozinha toda ela revestida com a mencionada tijoleira a formar um conjunto com o mesmo padrão, cor e textura dos materiais, cuja identidade de cor e padrão levaram a autora a escolher e mandar colocar os revestimentos (pontos 10 e 11 da matéria de facto) é impensável permitir fazer remendos no material cerâmico desta divisão.
29. Assim, na decisão proferida, foi totalmente ignorada a contratação entre as partes da cláusula da restauração estética do edifício, cujo prémio de seguro foi calculado de acordo com a cobertura do risco contratado.
30. A sentença recorrida, acolheu a decisão proferida como se não tivesse sido contratada a cláusula em apreço, sendo que, não pode o Tribunal desconsiderar que no caso em apreço, através da apólice nº 4700318403, a recorrente contratou especificamente a garantia da “Restauração Estética do Edifício”, pelo capital de 12.500,00€, sendo certo que, conforme resulta do ponto 2 da matéria de facto provada “autora e ré acordaram que em consequência da verificação dos riscos de (…) "Danos por água" (…) desde que cobertos pela apólice, o segurador indemnizará as despesas adicionais em que o Segurado tenha que incorrer para salvaguarda da continuidade e harmonia estética do edifício.”, compreendendo a restauração “os elementos directamente deteriorados por um sinistro e os trabalhos que devam efectuar-se para a reparação dos danos estéticos, limitando-se à habitação ou dependência em que se encontrem, sendo certo que, “Se for impossível a substituição por materiais idênticos aos existentes, a restauração realizar-se-á utilizando materiais de características e qualidade semelhantes á dos originais.”.
31. Assim, é entendimento da recorrente que a recorrida deve ser condenada a cumprir o que expressamente contratou na apólice de seguro, isto é, assegurar a unidade e harmonia estética do edifício suportando os custos com a substituição dos materiais cerâmicos das paredes e chãos da cozinha e do WC, uma vez que não existe no mercado material igual ao que se mostra colocado.
32. Em face do exposto, sempre se mostrará bem fundada a pretensão da Recorrente, pelo que, deve entender-se que existe absoluta necessidade de substituir todos os azulejos e tijoleiras das paredes e chãos da cozinha e do WC do rés do chão.
33. A decisão ora impugnada violou, entre outras, as disposições conjugadas dos artigos 562.º e seguintes do Código Civil e o disposto no artigo 1.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro previsto no DL n.º 72/2008 de 16 de Abril, fazendo uma interpretação incorrecta de tal artigo.”
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A ré contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DO RECURSO

Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, a questão relevante a decidir consiste em saber se, face ao contrato de seguro celebrado, a ré tem a obrigação de suportar o custo da substituição de todos os azulejos e tijoleiras das paredes e chão da cozinha e do WC do rés do chão da habitação da autora.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

1. No exercício da atividade seguradora, em 3 de março de 2014, por escrito, titulado pela apólice nº 4700318403, a solicitação da autora, a ré aceitou ressarcir, entre outros, os danos resultantes de inundações, danos por água, localização/reparação de avarias e a restauração estética do prédio sito à Rua da …, Freguesia de ..., da cidade de Vila Verde, que constitui a habitação da autora.
2. No âmbito supra descrito, autora e ré acordaram que “em consequência da verificação dos riscos de “Fenómenos da natureza”, “Danos por água” e “Furto ou Roubo”, desde que cobertos pela apólice, o segurador indemnizará as despesas adicionais em que o Segurado tenha que incorrer para salvaguarda da continuidade e harmonia estética do edifício.
A restauração compreenderá os elementos diretamente deteriorados por um sinistro e os trabalhos que devam efetuar-se para a reparação dos danos estéticos, limitando-se à habitação ou dependência em que se encontrem.
Se for impossível a substituição por materiais idênticos aos existentes, a restauração realizar-se-á utilizando materiais de características e qualidade semelhante à dos originais.”
3. No início do mês de dezembro de 2017, na vigência do acordo descrito em 1., a autora, ao abrir a água quente da sua habitação, detetou falta de pressão na saída das torneiras que fez antever uma rutura e fuga de água na canalização do circuito da água quente.
4. No propósito de verificar a possível rutura e solucionar a origem do problema da falta de pressão no circuito da água quente, a autora efetuou alguns furos de pesquisa em zonas de passagem dos tubos do circuito da água quente, como a cozinha e o wc do r/c.
5. Com a abertura dos furos de pesquisa foram afetados os azulejos e tijoleiras da cozinha e as tijoleiras do WC do rés do chão, nas partes perfuradas, sendo um rasgo no chão do wc, entre o bidé e a banheira, e um furo no chão e dois furos na parede no interior do balcão da cozinha, um sob a banca e um por detrás da máquina de lavar.
6. Em resultado dos furos de pesquisa efetuados, apurou-se que a falta de pressão da água quente tinha origem na rutura de um tubo da respetiva canalização do WC do rés do chão da habitação, que causava uma fuga de água.
7. Em 20 de dezembro de 2017, a autora participou à ré os factos descritos de 2. a 5.
8. A habitação da autora foi remodelada há cerca de 17 anos.
9. Atualmente, não existem no mercado, para venda, azulejos e tijoleiras iguais aos que foram colocados nas paredes e chão da cozinha e no WC do rés-do-chão daquela habitação.
10. Os azulejos e as tijoleiras da cozinha e do WC do rés-do-chão têm, nas paredes uma faixa decorativa ou azulejos decorativos, formando um conjunto com o mesmo padrão, cor e textura dos materiais.
11. Estas características de identidade de cor e padrão levaram a autora a escolher e mandar colocar os revestimentos cerâmicos da sua cozinha e do WC do rés-do-chão, quando fez as obras de restauro da sua habitação.
12. Com vista à reparação dos estragos causados na cozinha e no WC do rés-do-chão, a autora solicitou um orçamento que previu as seguintes intervenções:
- retirada dos móveis da cozinha e loiças da casa de banho com vista ao início dos trabalhos;
- efetuar o levantamento dos azulejos da parede e do chão da cozinha e da casa de banho;
- fornecer e colocar novos azulejos e tijoleira na cozinha e na casa de banho;
- fornecer e colocar faixas decorativas nas paredes da cozinha;
- fornecer e colocar quatro azulejos decorativos na casa de banho;
- substituir e pintar a sanca na cozinha e na casa de banho;
- recolocar os móveis e loiças na cozinha e na casa de banho.
13. A ré aceitou a reparação dos estragos verificados na habitação da autora, rejeitando, no entanto, a substituição de todos os azulejos e tijoleiras da cozinha e casa de banho.

Foram considerados não provados os seguintes factos:

A) Para reparação dos estragos ocorridos na cozinha e casa de banho do r/ da habitação da autora é necessário proceder aos trabalhos descritos em 12.
B) A reparação dos danos causados na habitação da autora ascende ao montante de 15.200,00€, acrescido de IVA.
C) A reparação dos estragos na habitação da autora ascende ao montante de 6.966,70.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

Cumpre apreciar e decidir.

Como referido supra, a questão a decidir consiste em saber se, face ao contrato de seguro celebrado, a ré tem a obrigação de suportar o custo da substituição de todos os azulejos e tijoleiras das paredes e do chão da cozinha e WC da habitação da autora.

Nos autos está plenamente assente e aceite pelas partes a existência, validade e caracterização do contrato de seguro, a existência do sinistro e a responsabilidade da ré na reparação dos danos decorrentes desse sinistro.
Apenas importa determinar a concreta extensão ou amplitude da reparação, sendo nessa medida que as partes divergem.
Segundo a autora, face à cláusula de restauração estética de edifício, a ré tem que substituir na totalidade os azulejos e tijoleiras quer das paredes, quer do chão, da cozinha e do WC.
A sentença, por seu turno, decidiu que a reparação apenas abrange a substituição do pavimento do wc e a substituição dos azulejos partidos no interior do balcão da cozinha (chão e paredes), solução com a qual a ré concorda.

Vejamos então quais os danos cuja reparação é imposta à ré pelo clausulado do seguro contratado.

Como resulta do facto provado nº 2, as partes acordaram que o segurador indemnizará as despesas adicionais em que o segurado tenha que incorrer para salvaguarda da continuidade e harmonia estética do edifício.
A restauração compreenderá os elementos diretamente deteriorados por um sinistro e os trabalhos que devam efetuar-se para a reparação dos danos estéticos, limitando-se à habitação ou dependência em que se encontrem.
Se for impossível a substituição por materiais idênticos aos existentes, a restauração realizar-se-á utilizando materiais de características e qualidade semelhante à dos originais.
Provou-se que com a abertura dos furos de pesquisa foram afetados os azulejos e tijoleiras da cozinha e as tijoleiras do WC do rés do chão, nas partes perfuradas, sendo um rasgo no chão do wc, entre o bidé e a banheira, e um furo no chão e dois furos na parede no interior do balcão da cozinha, um sob a banca e um por detrás da máquina de lavar (facto nº 5).
A matéria descrita neste facto nº 5 é de mais fácil apreensão através da visualização das fotografias da cozinha e do WC que foram juntas com a p.i. e com a contestação.
Também é ponto assente que não existem no mercado, para venda, azulejos e tijoleiras iguais aos que foram colocados nas paredes e chão da cozinha e no WC (facto 9).
Dada a impossibilidade de aquisição de materiais iguais, resta apenas a sua substituição por materiais de características e qualidade semelhante à dos originais, conforme estabelecido na cláusula do contrato de seguro que rege esta matéria.
Assim, no que concerne ao WC, e dado o rasgo existente no chão, cujas concretas características se visualizam nas fotografias, a reparação dos danos estéticos a que a ré se encontra obrigada implica que todo o chão tem de ser substituído. Na verdade, se só fossem substituídos os concretos azulejos do chão partidos, uma vez que não existem azulejos iguais, o chão ficaria esteticamente afetado pois notar-se-ia sempre um “remendo” que necessariamente colidiria com o mais básico e elementar sentido estético.
Na sentença decidiu-se por tal substituição em termos que se nos afiguram absolutamente corretos e acertados.
Porém, a autora, para além da substituição da totalidade do chão do WC, pretende que sejam também substituídos os azulejos da parede na sua totalidade. Tal pretensão alicerça-se no facto de os azulejos da parede terem sido escolhidos para fazerem conjunto ou combinarem com os azulejos do chão.
Da visualização das fotografias relativas ao WC decorre que efetivamente os azulejos da parede combinam com os do chão.
Apesar de não existirem azulejos iguais aos do chão, existem azulejos semelhantes à venda no mercado. E é possível adquirir azulejos semelhantes que igualmente façam um conjunto harmonioso e esteticamente agradável com os azulejos da parede. Trata-se de um facto notório desde que se visualizem as fotografias que estão nos autos e se tenha um mínimo de conhecimento dos produtos à venda no mercado, conhecimento este acessível ao homem médio normal. Na verdade, como decorre das fotografias e é referido pela ré nas suas contra-alegações, não se trata de material com algum adorno, relevo ou exclusividade de construção, sendo perfeitamente possível a obtenção de material esteticamente idêntico e de qualidade análoga ao existente.
Por isso, sendo possível substituir a totalidade do chão por azulejos idênticos aos que lá estavam colocados e que igualmente combinam com os azulejos das paredes, ainda que não sejam iguais, entende-se que a reparação dos danos estéticos fica devidamente acautelada e salvaguardada com a substituição do chão do WC, não se tornando necessária para a reparação de tal dano estético a substituição dos azulejos da parede, os quais não apresentam qualquer tipo de estrago.
Invoca ainda a autora que “na substituição das tijoleiras do chão do WC os azulejos inferiores das paredes irão ficar necessariamente partidos, sendo que, não havendo material cerâmico igual para a sua substituição, os azulejos das paredes terão que ser igualmente substituídos, sendo que, não é possível substituir as tijoleiras do chão do WC sem afetar e danificar os azulejos das paredes que se mostram juntos ao chão, pelo que, afetando ou partindo alguns destes azulejos, o que é inevitável, será necessário substituir os azulejos das paredes, facto que, in casu, a recorrida também deve assegurar.”

Sucede que esta matéria não se encontra provada. Não está minimamente demonstrado nem resulta da experiência comum que a substituição da tijoleira do chão irá necessariamente danificar os azulejos inferiores das paredes.
Por isso, não é possível determinar a substituição dos azulejos da parede com base em algo que está por demonstrar.
Se tal vier a ocorrer, na altura terá que ser encontrada uma solução para essa situação. O que não é possível é determinar por antecipação a reparação de um dano futuro e incerto, visto que não ocorreu e nem se sabe se virá a ocorrer.
Assim sendo, considera-se que não há qualquer reparo a fazer à sentença recorrida naquilo que decidiu relativamente aos danos a reparar no WC.
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Vejamos agora a situação relativa à cozinha.

Os estragos existentes na cozinha consistem num furo no chão e dois furos na parede no interior do balcão da cozinha, um sob a banca e um por detrás da máquina de lavar.
Como claramente resulta das fotografias juntas quer pela autora quer pela ré, o furo no chão encontra-se no interior de um armário com portas, o furo na parede sob a banca também está no interior de um armário com portas e o furo na parede que está atrás da máquina de lavar também se encontra sob a bancada de pedra.
Dada a concreta localização dos furos, quando as portas do armário da cozinha se encontram fechadas, o que é a regra na utilização normal de uma cozinha, e a máquina de lavar está colocada no seu lugar, a zona onde se encontram os furos não é visível.
Por isso, a substituição dos azulejos e tijoleira nas zonas afetadas, mesmo que permita ver que são diferentes dos demais que se encontram no local, nunca colide esteticamente com as restantes paredes e com o restante chão da cozinha porque se trata de zonas não visíveis.
A recorrente diz que com esta solução ficará totalmente impedida, futuramente, de alterar a disposição dos móveis existentes na cozinha, o que não se afigura razoável, uma vez que tal implica a impossibilidade para a recorrente de alterar a decoração e disposição dos móveis existentes em tal divisão.
Esta argumentação faria sentido se estivéssemos a falar de móveis não fixos que são passíveis de serem movimentados e colocados em diferentes locais da divisão da forma considerada mais harmoniosa ou decorativa.
Porém, no caso, trata-se de móveis de cozinha que se encontram fixos no chão e paredes e que não podem ser deslocados, a não ser mediante a realização de obras de desmontagem e montagem.
Mesmo que se mudem os móveis de cozinha, fazendo uma remodelação e substituindo-os por outros, os pontos de água e esgotos permanecem no mesmo local e igualmente não visíveis. Dados os concretos locais onde se encontram os furos, mesmo que a autora decida no futuro substituir na integralidade todos os móveis da cozinha, quando colocar novos móveis os mesmos sempre taparão os locais dos furos. Por isso, a reparação das zonas afetadas ainda que com material não igual ao existente, não causa dano estético porque não é visível.
E novamente aqui se repete o que se disse a propósito do wc: não existe material exatamente igual mas existe material semelhante.
A questão estética, com os concretos contornos que apresenta o caso concreto, visto se tratar de local normalmente não visível, não justifica minimamente, por enorme e flagrante desproporcionalidade, a substituição de todo o pavimento e azulejos da cozinha.
E importa não esquecer que foi dado como não provado que para reparação dos estragos ocorridos na cozinha e casa de banho do r/ da habitação da autora é necessário proceder aos trabalhos descritos em 12, ou seja, aqueles que a autora quer que sejam realizados.
Assim, não sendo os referidos trabalhos necessários para reparação dos estragos nem sendo necessários para salvaguarda da continuidade e harmonia estética ou para a reparação dos danos estéticos, conforme se vem de explanar, entende-se que não há qualquer reparo a fazer à sentença recorrida naquilo que decidiu relativamente à reparação quanto à cozinha.

Por conseguinte, improcede a apelação, sendo de confirmar na íntegra a sentença recorrida.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação pela autora.
Notifique.
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Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC):

I - Tendo as partes celebrado contrato de seguro com subscrição da cobertura designada como Restauração Estética de Edifício, acordando que o segurador indemnizará as despesas adicionais em que o segurado tenha que incorrer para salvaguarda da continuidade e harmonia estética do edifício e que a restauração compreenderá os elementos diretamente deteriorados por um sinistro e os trabalhos que devam efetuar-se para a reparação dos danos estéticos, há que apurar, perante os específicos contornos do caso concreto, quais os danos que comprometem a continuidade e harmonia estética pois só esses se integram na obrigação de reparação a cargo da seguradora.
II - Sendo possível substituir o chão do WC que se encontra danificado por mosaicos que, embora diferentes dos que aí se encontravam colocados, tenham características análogas e também combinem com os azulejos das paredes, não se pode considerar que exista dano estético que, ao abrigo da cobertura de Restauração Estética de Edifício, justifique a substituição da totalidade dos azulejos das paredes, os quais não apresentam qualquer estrago.
III - Do mesmo modo, a cobertura de Restauração Estética de Edifício não impõe a substituição da totalidade dos azulejos da parede e do chão da cozinha, que se encontram incólumes, se a zona que apresenta estragos se refere unicamente a três furos, situados em local não visível - por estarem sob a bancada, no interior dos armários da cozinha, que dispõem de portas, e atrás do local destinado à máquina de lavar - e sendo possível a colocação de azulejos e pavimento idênticos, embora não iguais, por tal desconformidade não constituir um dano que comprometa a continuidade e harmonia estética.
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Guimarães, 5 de março de 2020

(Relatora) Rosália Cunha
(1ª Adjunta) Lígia Venade
(2º Adjunto) Jorge Santos