Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
542/12.5GEGMR.G1
Relator: JOÃO LEE FERREIRA
Descritores: CARTA DE CONDUÇÃO
VELOCÍPEDE
CÂMARA MUNICIPAL
CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: Comete o crime de condução sem habilitação legal do artº 3º nº1, do D.L .nº 2/98, de 3 de Janeiro, o arguido detentor da antiga licença de condução de velocípede com motor emitida pela Câmara Municipal, não por caducidade desse título, mas porque deixou de estar em vigor o preceito que o habilitava a conduzir um ciclomotor
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães,

1. No processo comum nº 542/12.5GEGMR, por sentença proferida em 31 de Outubro de 2014, o tribunal singular da Secção Criminal da Instância Local de Guimarães da Comarca de Braga condenou o arguido José J., pelo cometimento de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º nº 1 do DL nº 2/98, de 3 de Janeiro na pena de cem dias de multa, à razão de cinco euros

O arguido interpôs recurso pugnando pela revogação da decisão, invocando em síntese ser titular de uma licença de condução de velocípedes, emitida pela Câmara Municipal de Guimarães em 4-12-1985 e, se essa licença tinha caducado por não ter sido trocada, então o arguido incorreu no cometimento de uma contra-ordenação e nunca de um crime.

A Exmª procuradora-adjunta em representação do Ministério Público no Tribunal Judicial de Celorico de Basto, apresentou resposta, concluindo que o recurso não merece provimento.

Neste Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto teve vista do processo e emitiu parecer fundamentado, no sentido da procedência do recurso, revogando-se a sentença recorrida, que deverá ser substituída por outra que, excluindo a qualificação do erro como censurável, decrete a absolvição do arguido (cfr. fls. 153 a 157).

Recolhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. Na sentença consta a seguinte fundamentação da decisão em matéria de facto (transcrição) :

1. No dia 1 de Novembro de 2012, pelas 19 horas, na via pública, na Rotunda do Castelo, S. João, Vizela, nesta comarca de Guimarães, o arguido conduziu o ciclomotor de matrícula ..-..-.., sem para tal estar habilitado com a necessária licença de condução.
2. O arguido conhecia os factos descritos e quis atuar da forma que o fez, bem sabendo que conduzia aquele veículo na via pública, que o mesmo se tratava de um ciclomotor e que não tinha documento que o habilitasse à data à condução desse tipo de veículos.
3. Sabia ainda que tal conduta era proibida.
4. O arguido fazia aquela condução com uma taxa de álcool no sangue de 0,71 g/l, cuja ação deu lugar a levantamento de auto de contra-ordenação.
5. O arguido é possuidor de uma licença de condução de velocípedes, emitida pela Câmara Municipal de Guimarães, em 04/12/1985.
6. A licença não ostenta qualquer prazo de validade.
7. O arguido é reformado, auferindo €461,00 mensais e vive com a esposa que é reformada e aufere €300,00 mensais.
8. Vive em casa arrendada, pagando €200,00 de renda mensal.
9. Frequentou a escola até à 3ª classe.
10. O arguido não tem antecedentes criminais.”

3. A questão colocada nos presentes autos pelo recorrente consiste fundamentalmente em saber se a licença de condução de velocípedes com motor emitida pela Câmara Municipal de Guimarães constitui titulo bastante para permitir a condução de um veículo com a categoria de ciclomotor e, no caso de resposta negativa, se quem conduz um ciclomotor nessas circunstâncias pode cometer um crime de condução sem habilitação legal ou, antes, uma contra-ordenação .

Na redacção vigente em 4 de Dezembro de 1986, ou seja, na data em que o arguido obteve a licença de condução de velocípedes (com motor) Na sequência do alegado pelo arguido, ficou a constar da matéria de facto provada da sentença que a data de emissão da licença pertence ao ano de 1985, mas certamente por lapso, porque se trata do ano de 1986, conforme decorre do ofício da C.M.G., a fls. 26 e da cópia simples do documento, a fls. 96. Esse erro é aqui irrelevante., o artigo 38º do Código da Estrada definia velocípedes como sendo “os veículos de duas ou mais rodas accionadas pelo esforço do próprio condutor por meio de pedais ou dispositivos análogos”, e velocípedes com motor, como os veículos com pedais ou dispositivos análogos que permitam ao condutor accionar o veículo a uma velocidade razoável, suficiente para o seu emprego normal, sem o recurso ao motor, cuja cilindrada não exceda 50 cm3, com velocidade máxima limitada a 50 km/h. Por sua vez os ciclomotores eram definidos por exclusão, como os veículos de duas ou mais rodas com motor de cilindrada não superior a 50 cm3 que não fossem de considerados como velocípedes.

Na redacção posterior do Decreto-Lei nº 114/94, de 3 de Maio, o Código da Estrada abandonou a designação de velocípede com motor como categoria autónoma de veículo, mantendo contudo a categoria de ciclomotor, definido no artigo 115.º como o veículo de duas rodas dotado de motor com cilindrada não superior a 50 cm3, cuja velocidade não exceda em patamar e por construção, 45 km por hora. Para a designação de velocípede, o Código reservou apenas a previsão do veículo com duas ou mais rodas em linha accionado pelo esforço do próprio condutor por meio de pedais ou dispositivos análogos . O Código da Estrada previa a existência de uma licença de condução de ciclomotores e motociclos de cilindrada não superior a 50 cm3, reservando diploma próprio, a definição das provas a que devam ser submetidos os candidatos a titulares de licença de condução ou à sua revalidação, bem como o conteúdo, as características e o prazo de validade desses títulos (artigo 132.º).

Nos termos do artigo 47º do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir, aprovado pelo Decreto-Lei nº 209/98, de 15 de Julho, durante o prazo de um ano, a contar da entrada em vigor do diploma, os titulares de licença de condução de velocípedes com motor estavam habilitados a conduzir ciclomotores e podiam requerer a troca da licença de velocípedes com motor por licença de condução de ciclomotor, na Câmara Municipal da sua área de residência “Artigo 47.º - Troca de licença de velocípede com motor

1 - Durante o prazo de um ano a contar da entrada em vigor do presente diploma, os titulares de licença de condução de velocípedes com motor estão habilitados a conduzir ciclomotores. 2 - Durante o prazo referido no número anterior, podem os titulares de licença de condução de velocípedes com motor requerer, na câmara municipal da área da sua residência, a troca daquele título por licença de condução de ciclomotor. 3 - O requerimento a que se refere o número anterior deve ser instruído com fotocópia do bilhete de identidade do requerente e o correspondente atestado médico. 4 - Os serviços competentes das câmaras municipais que procedam à troca de títulos a que se refere o n.º 2 devem ficar com a licença de condução de velocípede com motor de que o requerente era titular e arquivá-la no respectivo processo.”. Por força do artigo 4.º do Decreto-Lei nº 315/99, de 11 de Agosto, esse prazo foi ainda prorrogado até ao dia 30 de Junho de 2000.

Impõe-se por isso notar que o arguido foi titular de uma licença de condução e esteve habilitado a conduzir o referido veículo entre 4 de Dezembro de 1986 e 30 de Junho de 2000. Nesta ultima data, porque entretanto nunca procedeu à devida “troca” nos serviços competentes da Câmara Municipal, nem efectuou as provas necessárias de habilitação de acordo com o novo regime, o arguido ficou sem licença para conduzir os veículos motorizados designados como ciclomotores.

Esta situação não apresenta qualquer similitude com as hipóteses de “caducidade” de títulos de conduzir, designadamente por falta de revalidação, nem se vislumbra previsão de contra-ordenação rodoviária, nomeadamente nas disposições dos artigos 121.º, 124.º e 130.º do (actual) Código da Estrada.

Como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-10-2008 para uma situação idêntica, o arguido deixou, de ter título que lhe permitisse conduzir ciclomotores a partir de 30 de Junho de 2000, não porque o título tivesse caducado, mas porque deixou de vigorar o preceito que permitia a condução de um ciclomotor pelo titular de licença de condução de velocípede com motor, ou seja, que habilitava o titular desta licença a conduzir um ciclomotor. E, por isso, praticou actos integradores do crime do art. 3º nº 1 do Decreto-Lei n.º 2/98, por que veio a ser condenado” (proc. n.º 08P2821Rel. Cons. Arménio Sottomayor, in www.dgsi.pt )

Sem necessidade de outros considerandos, concluímos que na ocasião da fiscalização, o arguido recorrente não se encontrava habilitado legalmente para a condução do ciclomotor, pelo que inexiste erro de julgamento na decisão recorrida e o recurso não merece provimento.

4. Em caso de decaimento ou improcedência total do recurso, o arguido-recorrente tem que ser condenado nas custas pela actividade processual a que deu causa, compreendendo a taxa de justiça e os encargos (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal, na redacção do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro).

Tendo em conta o disposto no artigo 8º nº 5 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais e a complexidade do processo, considera-se justo e equitativo fixar a taxa de justiça devida em três UC.

5. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso do arguido José J., mantendo na íntegra a sentença recorrida.

Condena-se o arguido nas custas do recurso, com três UC de taxa de justiça.

Guimarães, 25 de Maio de 2015