Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2464/18.7T8VRL.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: ENTIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
DEVER DE INFORMAÇÃO
RISCO DA OPERAÇÃO
CULPA GRAVE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA DA APELAÇÃO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Actua com culpa grave a entidade bancária que, como intermediária financeira: a) sabia que os autores, que eram seus clientes há anos, eram aforradores típicos de depósitos a prazo, avessos ao “risco”, e que eram pessoas que no máximo tinham a instrução primária; b) apesar disso, toma a iniciativa de os contactar, propondo-lhe que aplicassem € 50.000,00 “numa aplicação, um depósito”, que lhes traria maior rentabilidade, explicando apenas que tal aplicação/depósito seria feita pelo prazo de 10 anos, e que, caso a partir do 5º ano necessitassem de dinheiro, o banco encontraria uma forma de satisfazer essa vontade/necessidade; c) nada explicou sobre essa aplicação; d) os autores depositavam total confiança no seu gestor e por isso acreditaram nele, pensaram que estavam fazer um depósito a prazo ou algo idêntico, tão seguro como um depósito a prazo, e subscreveram o que só mais tarde vieram a saber serem “obrigações subordinadas X 2004”; e) se tivessem sido informados da verdadeira natureza do produto, e quais os riscos que envolvia, que não eram os do depósito a prazo, jamais teriam aceite a proposta do Banco; e) no final do prazo contratual foram informados pelo banco que a aplicação financeira em causa não tinha cobertura de garantia de capital, que era uma subscrição de obrigações da X – Sociedade Negócios, S.A., e que, uma vez que a referida sociedade se mostrava insolvente, tal resgate não lhe seria concedido, podendo e devendo reclamar o montante a que se julgavam com direito no aludido processo de insolvência.

II. Não vale a pena embarcar numa deriva formalista, buscando definições “científicas” do que é um “produto de risco” ou de “baixo risco”, ou de “alto risco”. Para decidir um caso concreto, risco significa apenas a possibilidade de o cliente perder grande parte ou todo o capital que aplicou.

III. A atitude do intermediário financeiro que não informa os seus clientes de todos os detalhes dos negócios que lhes propõe, sobretudo do risco envolvido na operação, porque eles certamente não iriam entender a complexidade dos “produtos financeiros” em causa, denota uma enorme arrogância intelectual, que ajuda a preencher o conceito de culpa grave.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

J. F. e esposa E. B. instauraram acção, na forma de processo comum, contra Banco ..., S.A, alegando em síntese que:

O gerente da agência de Carrazedo de Montenegro do então Banco ..., actual Banco ..., S.A., em Outubro de 2004, aconselhou o autor a fazer uma aplicação, por 10 anos, com possibilidade de resgate ao fim de 5 anos se necessitasse do dinheiro, que lhe traria uma maior rentabilidade do que o depósito a prazo que detinha naquele banco e que tinha a mesma segurança que o depósito a prazo, com garantia de reembolso do capital, a 100%, por parte do Banco.
Foi por causa da absoluta confiança que depositava no referido gerente e naquilo que o mesmo lhe dissera, que fez a referida aplicação, em Outubro de 2004, no valor de € 50.000,00.
Decorridos 10 anos após a realização da aplicação em causa, o autor ficou a saber que afinal subscrevera obrigações subordinadas X rendimento ..., e não foi reembolsado do capital que investira.
Confrontado com a ideia de poder perder tal capital, teve sofrimento.

Em consequência, pediu que:

a) Se declarasse que a aquisição do produto financeiro traduzido na compra de obrigações X rendimento ..., por parte dos autores ao réu, foi levada a efeito no pressuposto de que o produto financeiro em causa se mostrava a coberto da garantia de reembolso do capital a 100%;
b) Se declarasse que é da responsabilidade do réu o reembolso do capital reportado à aquisição por parte do autor das obrigações X rendimento ..., no valor de € 50.000,00;
c) Se declarasse que, com o seu comportamento, o réu assumiu perante o autor a responsabilidade pelo reembolso do capital e respectivos juros;
d) Se condenasse o réu a proceder ao imediato reembolso do capital de € 50.000,00, acrescido de juros vencidos desde 22-04-2014 até integral reembolso do capital;
e) Se condenasse o réu a pagar aos autores quantia indemnizatória a fixar em liquidação de sentença, nunca inferior a € 5.000,00, por danos morais sofridos pelo autor, com o comportamento imputável ao réu.

O réu foi citado e apresentou contestação. Invocou a prescrição do eventual direito dos autores, e impugnou parte da factualidade invocada pelos autores
Os autores exerceram o contraditório relativamente à matéria de excepção de prescrição.

Realizou-se a audiência prévia, com a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova.

Realizou-se a audiência de julgamento, finda a qual foi proferida sentença que julgando improcedente a excepção de prescrição, julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência:

a) declarou que é da responsabilidade do réu o reembolso do capital reportado à aquisição por parte do autor das obrigações X rendimento ..., no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros);
b) condenou o réu a proceder ao reembolso ao autor do capital de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde 27-10-2014 até integral reembolso do capital;
c) condenou o réu a pagar ao autor a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais que sofreu.
d) no mais, julgou a acção improcedente.

Inconformado com esta decisão, o réu dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo, findando a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

1. Por muito respeito que mereça o vertido na decisão a quo, com a mesma não se pode de modo algum concordar, sendo que a presente decisão veio surpreender sobremaneira o aqui Recorrente, pois que, considerando o Tribunal Recorrido a presente acção parcialmente procedente, não julgou correctamente.
2. Com tal decisão, a Mm.ª Juiz a quo violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D do CdVM; 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE; 220º, 232º e 236º, 483º e ss., 595º e 615º do C.C; 615.º, n.º 1, al. e) do CPC.
3. Apesar da natural e compreensível consternação que é possível observar das peças apresentadas a juízo pelo A., importa lembrar que a pretensão pelos mesmos deduzida se encontra despida de qualquer fundamento provatório, bem como factual, além de ser manifestamente mal direccionada contra o Banco R.
4. Certo é que o Banco R., tal qual estava obrigado, prestou ao A. informações completas, verdadeiras, actuais, claras, objectivas e lícitas (nos termos e para os efeitos do art. 7º do Código de Valores Mobiliários), quanto às obrigações por estes subscritas, dando cumprimento não só à lei, mas também a uma política de transparência e de confiança pela qual sempre se pautou.
5. Da prova produzida resulta, sem margem para dúvidas, que o A. sabia perfeitamente o que estava a subscrever, bem sabendo também das semelhanças e diferenças entre o instrumento financeiro subscrito e a figura do depósito a prazo (note-se que o próprio tratamento fiscal de um e de outro instrumento é inclusive diverso). Mas a “estranha” construção deste argumento ganha novas dimensões, se considerarmos o facto de o A. nunca ter reclamado de qualquer dos extractos bancários recebidos, onde o investimento em juízo aparecia referenciado individualmente tal e qual como fora realizado – e nunca enquanto depósito a prazo! –, bem como da ausência de qualquer reclamação junto do funcionário bancário que, alegadamente, lhe teria vendido um instrumento financeiro diverso do por si pretendido – é de facto estranho que tal intervenção junto do funcionário indicado nunca tenha ocorrido, pois se o sentimento de revolta era tal, cremos que sempre ditariam as regras comuns que o A. diligenciasse pelo contacto com o referido vendedor, o que nunca aconteceu.
6. O Apelante entende que os factos dados como provados nos números “5, 7 e 10” não deveriam constar do corpo da Sentença nos termos ali propostos, em face da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. Nestes termos, é o Banco Apelante de pugnar pela alteração de tais números, de acordo com a redacção adiante proposta.
7. O produto – Obrigações X Rendimento ... – terá sido vendido pela testemunha, que se tratava de uma aplicação pelo prazo de 10 anos, eventualmente só 5 anos, e que teriam juro um bocado melhor. Referiu, posteriormente, que tinham indicação que se tratava de um produto de aplicação financeira, sem risco.
8. Assim, resulta à saciedade que o facto 5 deveria ter tido a redacção que de seguida o Apelante propõe: “5 - Por essa altura, o gerente/gestor de cliente do Banco ... na agência/balcão de Carrazedo de Montenegro, contactou telefonicamente o A., propondo-lhe que procedesse ao resgate dessa aplicação financeira e aplicasse o respectivo montante numa outra aplicação, que lhe traria maior rentabilidade”.
9. Mais referiu que estaria convencido que os AA. quando assinaram o boletim de subscrição nem olharam para o mesmo, atenta a relação de confiança que tinham com a testemunha.
Admitiu, ainda, que era possível que tivesse sido entregue cópia do boletim de subscrição aos AA. Referiu ainda que não procediam à informação de muitas características do produto, até porque dado que os AA. não tinham grande entendimento na matéria, os mesmos não iriam perceber. No entanto, referiu sempre que se tratava de uma aplicação a 10 anos, tinha juros semestrais e que o juro, sendo a 10 anos, era melhor.
10. Pelo que vem expendido, é ostensivo que o facto 7 deveria ter a seguinte redacção adiante proposta: “7 – O A., além das informações referidas no 5, não foi informado de mais características acerca do produto em causa, uma vez que não entenderia as mesmas, tendo, contudo, recebido cópia da respectiva subscrição”.
11. Por fim, referiu ainda que se tivessem sido explicadas as características todas do produto, embora não podendo afirmar com certeza se subscreveria o produto na mesma, admitiu que os AA. subscrevessem na mesma. É que, ademais, a questão da garantia não se colocava aos clientes, uma vez que a realidade da altura era completamente diferente da realidade de hoje.
12. Parece meridianamente claro ao Apelante que o facto dado provado 10 deveria ter a seguinte redacção: “10 – Dando a sua anuência à aquisição do activo em causa, ainda que se tivessem sido informadas todas as características, dada a confiança demonstrada pelo”.
13. Os contratos de intermediação financeira implicam relações jurídicas que se estabelecem em níveis diferentes. O negócio de cobertura é o concreto contrato de intermediação financeira celebrado entre o intermediário e o cliente e que tem por objecto imediato conceder ao intermediário os poderes necessários para celebrar o negócio de execução. O negócio de execução, por seu turno, é o contrato celebrado entre o intermediário e o terceiro, no interesse e por conta do cliente (ou também o negócio celebrado directamente entre o terceiro e o cliente, com a intermediação do intermediário financeiro), e tem a maioria das vezes por objecto a aquisição, alienação ou qualquer outro negócio sobre valores mobiliários.
14. Claro está, que o dever de informação relativo ao negócio de cobertura deve ser prestado em momento anterior ao contrato de intermediação e o dever de informação relativo ao negócio de execução será cumprido já na vigência daquele, tal como sucederá, aliás, com os deveres de informação relativos aos instrumentos financeiros escolhidos! Os deveres de informação a prestar pelo intermediário financeiro, previstos no art. 312º nº 1 do CdVM, são os deveres de informação relativos ao próprio contrato de intermediação financeira, v.g., ao negócio de cobertura!
15. Já os art. 323º, 323º-A, 323º-B e 323º-C do CdVM tratam dos deveres de informação próprios, relativos, inerentes ou decorrentes dos negócios de execução, levados a cabo ao abrigo dos negócios de cobertura, como aliás decorre das epígrafes dos artigos.
16. Daí que não se possa retirar qualquer consequência jurídica da afirmação do incumprimento dos deveres previstos no art. 312º do CdVM, tendo antes que se buscar na densificação desses preceitos o conteúdo do dever de informação aí genericamente afirmado.
17. O RISCO que a sentença associa maioritariamente a um fenómeno de incumprimento da obrigação assumida (neste caso incumprimento do reembolso da obrigação) ou até à insolvência do emitente, NÃO É NEM PODE SER CONSIDERADO UM RISCO ESPECIAL! O risco de incumprimento ou risco de insolvência de um devedor são RISCOS GERAIS de qualquer obrigação, precisamente porque são características nucleares de toda e qualquer obrigação.
18. Versando como versa aquele art. 312º do CdVM sobre os deveres de informação a cumprir quanto ao contrato de cobertura, a menção aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar, refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira (no caso a execução de ordens) enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.
19. Parece-nos assim por demais evidente que a disposição do art. 312º nº 1 alínea e) relativa aos “riscos especiais nas operações a realizar” em nada se relaciona com a matéria em crise nos presentes autos pois o que é invocado na P.I. é a prestação de uma informação falsa quanto ao instrumento financeiro em si e esta disposição, como vimos, diz respeito à prestação de informação acerca do negócio de intermediação ou de cobertura.
20. Entendemos que nada ficou por dizer ou explicar quanto à natureza dos instrumentos financeiros. Da remissão feita para o art. 312º-E nº 1 resulta que o legislador manda também o intermediário financeiro informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!
21. O investimento efectuado foi feito em obrigações da X que é um instrumento do mercado monetário (art.º 1 alínea b) do CdVM). Não é um investimento sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!
22. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ se tais riscos de facto existirem! E não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título! É que a este respeito, impõem-se clarificar, que em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.
23. O risco de incumprimento não constitui qualquer risco especial da operação! A ser alguma coisa, o risco de incumprimento de uma obrigação de compra (subjacente naturalmente ao cumprimento da opção potestativa de venda) é um RISCO GERAL de qualquer obrigação!
24. Na data do endosso das referidas obrigações, a redacção do CdVM era aquela resultante das sucessivas alterações do D.L. 486/99 de 13/11 até ao D.L. 52/2006 de 15/03. À data da contratação das aplicações não existia sequer qualquer dever de informação quanto aos riscos associados ao instrumento financeiro, ou quanto ao risco de perda da totalidade do investimento, conforme hoje decorre do art. 312º-E nº 2 alínea a)! Ao contrário do que hoje sucede, não havia na anterior redacção do CdVM qualquer norma que taxativamente obrigasse o intermediário financeiro a prestar informações acerca dos riscos do tipo de instrumento financeiro em que se pretendia investir. Essa foi a grande inovação da D.M.I.F. e do diploma que a transpôs!
25. As Obrigações eram então, como é ainda, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu. Assim, dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro como a subscrição daquela Obrigação. Pelo que o mesmo era então adequado a alguém como os Recorridos. Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações X Rendimento ..., porque pertencendo todas as empresas ao mesmo Grupo, o risco da X estava indexado ao risco do próprio Banco. O investimento efectuado era assim um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”.
26. O dever de informação neste contrato será um dever secundário, genérico ou acessório da prestação principal, por estar umbilicalmente ligado àquela (não resistindo autonomamente sem ela) e podendo até condicioná-la.
27. Ou seja, e em conclusão, A VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO NÃO IMPLICA QUALQUER PRESUNÇÃO DE ILICITUDE! E, portanto, tinha que ser o A. a alegar e provar que concretas informações é que o Banco Réu deveria ter dado, que não deu! Não o tendo feito, tem a presente acção necessariamente que claudicar!
28. Não está alegado, e muito menos provado, que se tenha tornado impossível receber (total ou parcialmente) o montante investido pelo A. nas Obrigações. Daí resulta, portanto, que a condenação do Banco Réu no pagamento da integralidade do valor desembolsado pelo Autor é manifestamente excessiva e não cumpre com o critério teoria da diferença prevista no art. 566º nº 2 do CC.
29. Não há qualquer matéria provada que permita a conclusão que o comportamento R. foi decisivo e causal na produção dos danos, pois que foi com base na informação que foi transmitida ao Autor, que deu o seu acordo na aquisição da Obrigação X Rendimento ... – numa primeira e segunda fase, respectivamente. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou. Num segundo momento é necessário provar que aquele negócio produziu um dano. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.
30. Não podendo, por fim, o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães olvidar que a falta de reembolso ocorreu por efeito da insolvência da emitente e não por causa de qualquer deficiente informação ou actuação do intermediário financeiro.
31. O A. foi recebendo, periodicamente, as quantias relativas aos cupões, que sempre lhe foram pagos até à insolvência da emitente e recebia mensalmente os extractos bancários com indicação expressa de carteira de obrigações e nada reclamou durante o referido período. Não se verificando, assim, o nexo de causalidade adequada entre a actuação do Recorrente enquanto intermediário financeiro e, o não reembolso, na maturidade, do capital investido.
32. Assim, ou o A. alegava e provava que se tivesse sido cumprido o dever de informação, não teria realizado o investimento, ou então, tem que arcar com as normais consequências de um investimento que se tornou ruinoso, pois não há forma de corrigir a titularidade do risco, pela responsabilidade — the risk lies where it falls!
33. Ainda que se censure a conduta do Banco Réu (o que não se concede), essa censura NUNCA poderá ser reconduzível a um dolo ou a uma culpa grave. De facto, lida e relida a matéria de facto, a sensação que fica é que o funcionário envolvido do Banco Réu sequer concebeu a possibilidade de estar a faltar ao dever de informação acerca da aplicação financeira e que, com essa falta, poderia estar a determinar o investimento do cliente num produto que este não quereria se estivesse devidamente informado.
34. A ideia que perpassa é que o funcionário do Banco Réu estava absolutamente convencido da segurança do investimento e da adequação do mesmo ao perfil de investidor do A. Terá havido, portanto (e quando muito) uma indução do A. em erro, sem que por parte do funcionário do Banco Réu houvesse intenção ou consciência de o fazer – trata-se, portanto, de uma indução negligente em erro.
35. Tal conduta apenas pode ser reconduzível à mais leve das formas de negligência – a negligência inconsciente. Esta graduação da culpa do intermediário financeiro tem particular interesse, sobretudo em sede da prescrição, pois o art. 324º do CdVM.
36. Parece-nos evidente e manifesto que o A. conheceu os termos em que o negócio foi concluído, designadamente a inexistência de garantia de capital e juros e a subordinação da obrigação aquando da recepção dos extractos bancários no seu domicílio, ou pelo menos em Novembro de 2008, data da nacionalização do Recorrente! Não obstante, a acção apenas foi proposta em Dezembro de 2018! E, portanto, já se encontrava prescrita qualquer putativa responsabilidade do Banco Réu!
37. Não havendo declaração negocial, bem ou mal emitida, não pode haver obrigação jurídica – seja ela qualquer for - de fonte contratual, pelo que não pode, em qualquer circunstância, entender-se que o Banco assumiu uma obrigação de reembolso ou que a afiançou!
38. Por último, há que referir que aquela conduta dos AA. e lesados, supra referida em sede de impugnação da matéria de facto, tem que ser valorada para efeitos da violação dos direitos dos AA. É que foi o A. marido quem deu carta-branca ao funcionário do Réu, para que este aplicasse o dinheiro como bem entendesse, assim prescindindo do seu direito a ser previamente informado e de conduzir o seu investimento. Uma tal conduta potencia a inobservância do dever de informação que o funcionário do Réu venha a incorrer, pois conforta-o nesse incumprimento, contribuindo para que ele próprio não cumpra com o seu dever, até convencido que o credor da informação não pretende ter a maçada de a receber, pois dela prescindiu...E, nos termos do art. 570º nº 2 do C.C., havendo culpa do lesado, fica definitivamente excluída a obrigação de indemnizar, sempre que a imputação de responsabilidade se baseie numa presunção de culpa, como foi a presunção do artigo 304.º-A n.º2 do CdVM que serviu ao Mmo. Juiz a quo para estribar a condenação do Réu!

Os recorridos contra-alegaram, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

“Conclui-se, assim, pela responsabilização do R., responsável perante os credores pelos actos dos seus funcionários (artº 800º, nº 1, CC), decorrente da ilicitude da sua conduta, presumindo-se a culpa, sendo certo que, não fosse a actuação do R., o negócio não seria celebrado. A actuação do R. causou ao A. um dano, concretizado no montante por ele investido e que não foi reembolsado na data do vencimento.

Importa ainda salientar que, relativamente ao Banco..., foi nacionalizada a totalidade das acções representativas do capital social, pela Lei nº 62-A/2008, de 11 de Novembro e posteriormente aprovada a operação de reprivatização pelo Decreto-Lei nº 2/2010, de 5 de Janeiro. Pela Resolução do Conselho de Ministros nº 38/2011, de 1 de Setembro, o governo procedeu à adjudicação da proposta apresentada pelo Banco ..., S.A., no âmbito do procedimento de venda directa lançado para alienação da totalidade das acções representativas do capital social do Banco .... Após a aquisição, foi extinto o Banco ... e prosseguiu a actividade o Banco ..., que mudou a sua designação para Banco ..., S.A., daí a legitimidade do R.

Por último, no que se refere aos juros, nos termos do artº 798º, CC, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causar ao credor, sendo que na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (artº 806º, nº 1, CC)”.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir são as seguintes:

a) erro no julgamento da matéria de facto
b) erro na aplicação do Direito

III
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

1- Os autores eram aforradores típicos de depósitos a prazo, avessos ao “risco”;
2- No máximo, tinham a instrução primária;
3- O que era do conhecimento do Banco ..., de que eram clientes há anos.
4- Em Outubro de 2004, os autores detinham uma aplicação financeira num fundo de investimento imobiliário, na agência/balcão de Carrazedo de Montenegro, do então Banco ..., com rendimento garantido pelo Banco ....
5- Por essa altura, o gerente/gestor de cliente do Banco ... na agência/balcão de Carrazedo de Montenegro, contactou telefonicamente o autor, propondo-lhe que procedesse ao resgate dessa aplicação financeira e aplicasse o respectivo montante numa outra aplicação, um depósito, que lhe traria maior rentabilidade.
6- Mais disse ao autor que tal aplicação/depósito seria feita pelo prazo de 10 anos, e que, caso a partir do 5º ano o autor necessitasse de dinheiro, o banco encontraria uma forma de satisfazer essa vontade/necessidade.
7- O autor não foi informado de mais nada acerca do produto em causa, nomeadamente, das características e riscos do mesmo.
8- Perante o referido pelo gerente do Banco ..., pessoa que o autor, enquanto cliente do banco, conhecia há longos anos e no qual depositava total confiança;
9- Pensando fazer um depósito a prazo ou algo idêntico, tão seguro como um depósito a prazo;
10- Sem que tivesse dado a sua anuência à aquisição do activo em causa, se tivesse sido informado que o mesmo apresentava riscos que não os apresentados por um depósito a prazo;
11- Acedeu então em resgatar € 50.000,00 da aplicação que detinha no Banco ... e em proceder à aplicação daquela importância como lhe fora sugerida pelo gerente da agência/balcão do Banco ... de Carrazedo de Montenegro.
12- Em 22-10-2004, o autor subscreveu então tal aplicação, que na verdade era constituída por obrigações subordinadas X rendimento mais, no montante de € 50.000,00, com reembolso em 27-10-2014.
13- Sempre foram pagos ao autor os juros do capital investido na referida aplicação financeira.
14- Em finais de Outubro de 2014, o autor foi informado pelo gerente do Banco ..., balcão de Carrazedo de Montenegro, de que a aplicação financeira em causa não tinha cobertura de garantia de capital, que era uma subscrição de obrigações da X – Sociedade Negócios, S.A., e que, uma vez que a referida sociedade se mostrava insolvente, tal resgate não lhe seria concedido, podendo e devendo reclamar o montante a que se julgava com direito no aludido processo de insolvência.
15- E isto porque, segundo o referido gerente, o Banco ..., ao vender as referidas obrigações, apenas funcionou enquanto intermediário da dita X, não sendo tais obrigações propriedade ou títulos do banco, mas apenas e só vendidas ao balcão do banco, por conta e risco da X.
16- O autor, confrontado com a ideia de perder todo o dinheiro que havia investido, passou noites sem dormir, dias e dias sem conseguir gerir os seus negócios, criou desestabilização no seio familiar, tendo estado por pouco uma possível dissolução do seu matrimónio e ainda hoje o A. sofre de depressão e angústia, decorrente do ocorrido.
17- O Banco ..., S.A., resultou da fusão ocorrida em 07-12-2012, por incorporação do Banco …, S.A. (Banco ...).

IV
Conhecendo do recurso.

Os recorrentes impugnam o julgamento da matéria de facto.

Constam do art. 640º CPC os requisitos formais de admissibilidade do recurso sobre matéria de facto. Numa breve síntese, o recorrente tem de formular conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º,4 e 641º,2,b); tem de especificar, nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (art. 640º,1,a); tem de especificar, na motivação, os concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados que deveriam levar a solução diversa; tem de indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação em que se funda; e tem de tomar posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.

Ora, da leitura das alegações dos recorrentes resulta que estes cumpriram o ónus de alegação que a lei impõe. Indicaram quais os pontos de facto que consideram mal julgados, indicaram qual a resposta que em seu entender o Tribunal deveria ter dado a esses pontos de facto, e indicaram os meios de prova que em seu entendimento justificavam decisão diferente, avançando argumentação nesse sentido.

Podemos então conhecer do recurso sobre matéria de facto.

Trata-se de averiguar se a decisão da primeira instância contém erros de julgamento, quer os que os recorrentes lhe imputam, quer outros que sejam de conhecimento oficioso, que justifiquem a sua alteração.
A definição dos parâmetros que permitem ajuizar de um erro de julgamento, ou de qualquer outro vício da decisão que leve a uma alteração da decisão da matéria de facto consta do artigo 662º CPC.

Dispõe esse artigo, sob a epígrafe “modificabilidade da decisão de facto” o seguinte:

1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.

O nº 1 deste artigo contém o que podemos chamar de regime-base: se não for necessária a produção de qualquer outro meio de prova, contendo o processo todos os elementos necessários para decidir, quando os factos provados, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, a Relação deve decidir nesse sentido.
O nº 2 indica outros caminhos que a Relação pode seguir, se considerar que é necessária a renovação da produção da prova, ou a produção de novos meios de prova, ou se considerar que a decisão recorrida é deficiente, obscura ou contraditória, ou que é necessária a ampliação desta, ou ainda que a decisão recorrida não se mostra devidamente fundamentada sobre algum facto essencial, caso em que ordena que essa fundamentação seja completada.

Como ensina Abrantes Geraldes, o novo CPC recusou qualquer solução que pudesse reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, assim como recusou a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto. O legislador restringiu a possibilidade de revisão a concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.

Dito isto, a primeira pretensão do recorrente é que o facto provado nº 5 seja alterado, eliminando-se a referência a “um depósito”.

Porém, não lhe assiste qualquer razão.

Da audição do depoimento da única testemunha ouvida em audiência, aliás arrolada por ambas as partes, resulta que a decisão se mostra correcta. Com efeito, R. M., que foi gerente do Banco ... no balcão de Carrazeda de Montenegro, depôs de forma aberta e colaborante, respondendo a tudo e merecendo credibilidade pela forma como o fez. E foi categórico em dizer que ele e os então colegas tinham alguma pressão da administração para colocar (vender) este produto. Era falado como sendo uma aplicação financeira, sem risco. E quando perguntado directamente quais eram as características do produto que transmitiu ao autor J. F., respondeu que “não podia estar com grandes coisas com o cliente”, nem com este nem com outros. Acrescentou que também não podia dizer muito mais do que disse. O que ele tinha de transmitir ao cliente é que esta aplicação a 10 anos era um depósito a 10 anos, com juros semestrais mais favoráveis. E não transmitiu qualquer outra informação ao autor. Este pensava que estava a fazer um depósito a prazo, a 10 anos, com juros semestrais.
A testemunha repetiu várias vezes que o cliente ficou convencido que estava a fazer um depósito a prazo, acrescentando que pensa que ainda hoje está disso convencido. E, se dúvidas ainda houvesse, quando foi colocada a questão hipotética de saber se, caso tivesse sido dito ao autor que aquilo não era um depósito a prazo, e que existia algum risco, se mesmo assim ele teria aceite, a resposta imediata e categórica foi NUNCA !

E mais adiante, a testemunha voltou a dizer que se recordava de ter telefonado ao sr. António, e dizer-lhe que tinha um depósito a 10 anos para ele, sendo que a objecção do autor foi o prazo de 10 anos, mas a testemunha descansou o autor, disse-lhe que esse prazo poderia ser reduzido a 5, e que quando fosse preciso liquidez, o banco arranjaria maneira de ajudar os clientes.

E não ficamos por aqui. Mais adiante, quando lhe foi perguntado se falou ao autor sobre o risco da operação, respondeu que as coisas não se colocaram nesse patamar com este cliente em concreto, que só falou num depósito a 10 anos, com uma taxa melhor.

E não queremos terminar sem referir que ao longo de todo o depoimento, a testemunha deixou claro que estava a ser muito pressionado pelas chefias do Banco para colocar aquele produto junto dos clientes. E que ele, sabendo da confiança que o autor nele depositava, e que o autor era um investidor o mais conservador possível, que jamais colocaria dinheiro num produto de risco, tinha de lhe dizer que aquilo era um depósito a prazo. Que foi o que sucedeu.

Assim, deve manter-se a redacção do facto provado nº 5, pois a mesma corresponde ao correcto julgamento da matéria de facto.

Seguidamente, insurge-se o recorrente quanto ao facto provado nº 7, pretendendo que a redacção do mesmo seja alterada para: “O A., além das informações referidas no 5, não foi informado de mais características acerca do produto em causa, uma vez que não entenderia as mesmas, tendo, contudo, recebido cópia da respectiva subscrição”.

Aqui, podemos começar por dizer que não repugnaria à primeira vista aceitar a redacção que o recorrente propõe, só que, vendo bem, a alteração não se afigura útil em nada.

Temos de ter presente que a redacção que o Tribunal deu ao facto nº 7 é uma pura descrição factual: “o A. não foi informado de mais nada acerca do produto em causa, nomeadamente, das características e riscos do mesmo”. Trata-se de uma pura descrição objectiva, que corresponde à prova produzida. A redacção que o recorrente propõe envolve já uma realidade hipotética (se o autor tivesse sido informado das características do produto), e um juízo igualmente hipotético (não entenderia as mesmas). Que já não são factos, antes juízos opinativos e especulativos, e como tal não foram incluídos na referida peça processual. Ainda podemos acrescentar que esse aditamento seria totalmente inútil, além de contraditório. Com efeito, o facto relevante aqui é saber que ao autor não foi explicado o produto financeiro que lhe foi apresentado. Tudo o mais é conjectural. E mesmo a referência ao recebimento da cópia da subscrição nos parece ser igualmente inútil, pois a testemunha foi totalmente clara ao explicar o baixo grau de literacia do autor, e a confiança que este em si depositava, que fez com que tivesse aceite a proposta que lhe foi feita, confiando totalmente no que lhe foi transmitido. A partir do momento em que o autor aceitou subscrever aquele produto apenas com base nas explicações que a testemunha lhe deu, deixa de ser relevante saber se lhe foi ou não entregue uma cópia da subscrição. A contradição está em que, na própria visão do recorrente, se a explicação do produto não foi dada verbalmente porque o autor não a entenderia, então de que serviria entregar-lhe uma explicação por escrito ?

Diga-se ainda que o saber se o autor entenderia ou não as explicações que não lhe foram dadas é matéria que pode ser apreciada em sede de aplicação do Direito aos factos provados.

E assim, também o facto provado nº 7 se deve manter intocado.

Finalmente, o facto provado nº 10: “sem que tivesse dado a sua anuência à aquisição do activo em causa, se tivesse sido informado que o mesmo apresentava riscos que não os apresentados por um depósito a prazo.
O recorrente pretende antes a seguinte redacção: “10 – Dando a sua anuência à aquisição do activo em causa, ainda que se tivessem sido informadas todas as características, dada a confiança demonstrada pelo”.
Aqui, a primeira coisa a realçar é que a formulação sugerida pelo recorrente está truncada, ou incompleta, e é de difícil percepção. E não se consegue solucionar o problema recorrendo seja ao texto das alegações, seja ao texto das conclusões, porque é idêntico.
Todavia, vejamos: para melhor perceber o que pretende o recorrente, vamos olhar para os factos 8 a 11 em sucessão: “8- Perante o referido pelo gerente do Banco ..., pessoa que, o A., enquanto cliente do banco, conhecia há longos anos e no qual depositava total confiança; 9- Pensando fazer um depósito a prazo ou algo idêntico, tão seguro como um depósito a prazo; 10- Sem que tivesse dado a sua anuência à aquisição do activo em causa, se tivesse sido informado que o mesmo apresentava riscos que não os apresentados por um depósito a prazo; 11- Acedeu então em resgatar € 50.000,00 da aplicação que detinha no Banco ... e em proceder à aplicação daquela importância como lhe fora sugerida pelo gerente da agência/balcão do Banco ... de Carrazedo de Montenegro.
Percebe-se que estamos mais uma vez perante uma conjectura: se tivesse acontecido isto, X teria reagido desta maneira, ou daquela maneira; ora, entre as duas conjecturas, a que o Tribunal verteu no facto nº 10, e a que o recorrente quer ver lá colocada, que são totalmente opostas, é para nós óbvio que a prova produzida foi no sentido do julgamento feito pelo Tribunal recorrido: ou seja, de todo o depoimento da testemunha resulta que o autor é pessoa com muito baixa instrução, totalmente avesso ao risco, e que jamais subscreveria um produto se soubesse que o mesmo envolvia maior risco que um depósito a prazo.
Veja-se que a testemunha começou por se referir aos autores como reformados, com algumas poupanças, pessoas com a instrução primária, nem sei se terão a 4ª classe; pessoas avessas ao risco, não têm a mínima formação nem instrução para isso; sempre foram pessoas de poupança, muito comedidas. “Nem pensar de falar em risco com estas pessoas”. E, como já dissemos supra, perguntado sobre se tivesse sido dito ao autor que aquilo não era um depósito a prazo, e que envolvia algum risco, se ele teria aceite a subscrição, a testemunha respondeu com um enérgico e contundente “NUNCA”.

Concluímos assim que também aqui não há qualquer erro de julgamento por parte do Tribunal recorrido, pelo que se mantém a matéria de facto dada como provada.

A aplicação do Direito

Invoca o recorrente que a decisão da primeira instância violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º,1,a, 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D do CdVM; 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE; 220º, 232º e 236º, 483º e ss., 595º e 615º do C.C; 615º,1,e do CPC.

E afirma que o Banco réu, tal qual estava obrigado, prestou ao autor informações completas, verdadeiras, actuais, claras, objectivas e lícitas (nos termos e para os efeitos do art. 7º do Código de Valores Mobiliários), quanto às obrigações por este subscritas, dando cumprimento não só à lei, mas também a uma política de transparência e de confiança pela qual sempre se pautou.

Depois, desenvolve a sua argumentação na base da ideia de que não se verifica no caso concreto o risco que a sentença considerou que existia. Afirma que o risco de incumprimento ou risco de insolvência de um devedor são riscos gerais de qualquer obrigação, precisamente porque são características nucleares de toda e qualquer obrigação. Acrescenta mesmo que “dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro como a subscrição daquela Obrigação”. Perdoe-se-nos o comentário imediato, mas se é assim, não se percebe porque é que os autores tiveram necessidade de intentar esta acção para obter a devolução do dinheiro que entregaram ao réu a título devolutivo. Quando se afirma que algo é seguro, seja um veículo automóvel, seja um produto financeiro, seja um contrato de financiamento, e já temos aquilo que na língua inglesa se designa como o “benefit of hindsight”, que poderemos traduzir de forma algo grosseira como a vantagem de poder olhar para trás, só então a nossa apreciação sobre a segurança em causa é verdadeiramente válida e fiável. Neste caso concreto, a simples observação do que se passou com o capital que o autor investiu (e que não voltou a ver) deveria ser suficiente para ter algum cuidado ao qualificar de seguro o produto financeiro em causa; “se era seguro, então devolveram o dinheiro ao cliente”. Mas voltaremos a este assunto adiante.

A sentença recorrida considerou que na sua essência, aquilo que o autor pretende é que o réu o reembolse da quantia de € 50.000,00 que investiu em obrigações e respectivos juros, e assenta a sua pretensão na violação da obrigação contratual que o Banco ... perante si assumiu, garantindo-lhe o reembolso do capital investido, e no incumprimento das obrigações de informação que sobre o Banco ... impendiam enquanto intermediário financeiro. Depois concluiu que embora os autores tivessem invocado que o Banco ... lhes garantiu o reembolso do capital investido, tal não se provou, pelo que esse fundamento não pode proceder.

Analisando o outro fundamento, o Tribunal, verificando que o Banco ... actuou enquanto intermediário financeiro, no exercício de uma actividade de intermediação financeira, concluiu que o Banco ... incumpriu os deveres de informação que sobre si impendiam.
É esta conclusão que o recorrente quer agora atacar.
Mas, quanto a nós, sem êxito.
Damos aqui por reproduzida a argumentação do Tribunal recorrido, devidamente assente nos factos dados como provados.

Vejamos quais os aspectos essenciais a ter presentes.

Primeiro, de acordo com o art. 800º,1 do Código Civil, “O devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais factos fossem praticados pelo próprio devedor”. Assim sendo, a actuação do gestor de conta do Banco ... vinculou esta instituição bancária nos seus precisos termos, responsabilizando‐a pelo inerente cumprimento.

Ora, como bem se refere na sentença recorrida, “a intervenção do Banco ..., a que diz respeito o presente processo, reconduz-se a um serviço de intermediação financeira, tendo o referido Banco ... actuado enquanto intermediário financeiro, no exercício de uma actividade de intermediação financeira. E nessa qualidade de intermediário financeiro, sobre o Banco ... impendiam deveres gerais para com os clientes/investidores, como era o caso do A., designadamente, deveres de actuar segundo ditames de boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, e deveres específicos, dos quais se destacam o dever de informação, concretamente, o dever de prestar toda a informação necessária a que o A. pudesse tomar uma decisão de investimento esclarecida e fundamentada, como decorria, e decorre, do disposto no anterior art. 312º e no actual 304º, do CVM”. Veja-se a propósito o disposto no art. 293º,1 do Código dos Valores Mobiliários (CVM- Aprovado pelo DL 486/99, de 13 de Novembro).

E ainda, nos termos do art. 304º,2 do CVM, “nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência”.

Outra ideia essencial, referida na sentença recorrida, é que o nº 1 do artigo 312º CVM prevê que o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, nomeadamente relativamente aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar - al. a) à data dos factos, a qual correspondente à actual al. e)-, devendo a extensão e a profundidade da informação ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente - nº 2.

Ou seja, como bem se refere na sentença recorrida, “a informação que o Banco ... deveria prestar, relativa aos valores mobiliários em causa (obrigações) deveria ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, como decorria, e decorre, do art. 7º, n º 1, do CVM”. E, ao contrário do que alega o recorrente, não foi isso que sucedeu.

O recorrente dedica grande parte do seu esforço argumentativo a elaborar sobre o conceito de risco, pretendendo passar a ideia de que não havia necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento fosse feita, porque a mesma não era aplicável ao caso. Convenhamos que dizer isto depois do cliente ter perdido a totalidade do investimento que fez denota, no mínimo, uma grande confiança na tese defendida.

O art. 74º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, na redacção vigente à altura da aquisição do produto em causa (DL nº 298/92 de 31/12 antes da alteração introduzida pelo DL nº 1/2008 de 03/01) dispunha que nas relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados. O nº 1 do art. 7º do CVM, por sua vez, explica que a informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às actividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita. O dever de informação persegue um objectivo de protecção dos investidores por visar o seu esclarecimento, concorrendo para um mercado mais transparente e eficiente, uma vez que contribui para uma aferição do risco e do fair value mais correcta (Cfr. Paulo Câmara, in Manual dos Valores Mobiliários, Almedina, 2ª ed., p. 686).

E a sentença recorrida não deixa de referir que também no Código Civil, concretamente nos arts. 227º e 762º,2, se consagram deveres de actuação de boa fé, a que também o Banco ... estava vinculado.

Ora, a análise que a sentença recorrida faz dos factos provados, para concluir pelo incumprimento dos deveres de informação que impendiam sobre o Banco ..., enquanto intermediário financeiro, é inteiramente correcta. Como ali se diz, nenhuma informação foi dada ao autor, salvo a de que o produto em causa era igual ou semelhante a um depósito a prazo, por um prazo de 10 anos. Tal informação é inverídica (porque não estava em causa um depósito, mas sim obrigações - subordinadas - coisas distintas). A informação prestada foi incompleta, porquanto, nenhuma informação foi prestada ao autor sobre o produto que iria subscrever, sendo que importa não esquecer que enquanto um depósito a prazo está garantido pelo Fundo de Garantia de Depósitos, na altura no valor de € 25.000,00, tal não acontecia com as obrigações, factor este de grande relevância para alguém se decidir por investir num depósito a prazo ou em obrigações. Outra informação que ficou por fornecer ao cliente foi a da natureza e significado das obrigações subordinadas e qual o risco acrescido decorrente da subscrição de obrigações subordinadas - que são as reembolsadas em último lugar, em caso de falência do emitente, e que assim sendo, apresentavam um risco acrescido. Se por exemplo tivesse sido dito ao autor que o risco que ele corria era o de a entidade emitente (a X) falir, ele poderia nem sequer saber o que era a X, mas pelo menos poderia ir, antes de se comprometer, procurar informação, perguntar a outras pessoas suas conhecidas, sobre o que era a X e se era uma entidade sólida.

Sobre a relevância e necessidade da prestação da última informação supra referida, pronunciou-se, em sentido afirmativo, o Ac. do STJ de 19-03-2019, na dgsi, onde se disse que: “No caso, uma informação completa, e uma vez que o Banco estava a propor investimento em “obrigações subordinadas”, não podia deixar de esclarecer o Autor sobre o que eram obrigações, a entidade que as emitia, a sua relação com o Banco, e, como se tratava de “obrigações subordinadas” – que têm um risco acrescido, por serem reembolsadas em último lugar em caso de insolvência da emitente – deveria ter esclarecido o Autor do risco, ainda que hipotético, de não ser reembolsado do capital em caso de insolvência da X”. Mais ali se diz: “Esta informação deveria ser prestada ainda que, na altura da aquisição das obrigações, não existissem quaisquer indícios de insolvência da sociedade emitente. É que o perigo de o autor não ser reembolsado não deriva de, na altura da aquisição das obrigações, não haver indícios de insolvência da sociedade emitente; o perigo advinha dessa insolvência se verificar no futuro, concretamente na data prevista para o reembolso do dinheiro investido”.

Assim, não colhem as afirmações feitas pelo recorrente sobre a natureza conservadora das obrigações em causa, bem como a afirmação temerária de que dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro como a subscrição daquela Obrigação.

E como bem lembra a sentença, o Ac. do STJ de 19-03-2019, na dgsi decidiu que “ao afirmar que o investimento era em tudo igual a um depósito a prazo (e não era), ao deixar de informar e esclarecer que afinal se tratava de obrigações emitidas por terceira entidade, ao deixar de informar ou esclarecer em que é que se traduziam essas obrigações e ao deixar de informar ou esclarecer que se tratava de obrigações subordinadas, o réu violou por completo as supra citadas normas legais. O que significa que agiu ilicitamente, que cometeu um acto ilícito”.

E ainda se decidiu no Ac. do STJ de 07-02-2019, na dgsi, que “… temos por certo impender sobre o mesmo o dever de, em momento anterior à subscrição da obrigação dar a conhecer … as reais características deste produto financeiro, designadamente os maiores riscos envolvidos nesta operação, incluindo o especial risco de não retorno do capital investido em caso de insolvência da entidade emitente, factor que assume especial relevância visto estarmos perante uma obrigação subordinada com reembolso a dez anos e sem possibilidade de reembolso antecipado por iniciativa do subscritor”.

Ou, mais recente ainda, e particularmente relevante, o Acórdão do STJ de 21/3/2019 (Relator: Oliveira Abreu), onde se pode ler: “I. O objectivo essencial da actividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação, expressos no art.º 312.º do CVM, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, actualidade, clareza, objectividade e licitude. II. A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa)”.

É para nós incontornável que a informação supra referida deveria ter sido dada ao autor, e que, sem a mesma, não estava ele em condições de tomar uma decisão de investimento esclarecida e fundamentada, como se exigia legalmente que estivesse. Mais intensa era a obrigação de informação a cargo do réu quanto o autor era uma pessoa com a instrução primária, não se sabendo sequer se a terá completado, que era avesso ao risco, e actuava “financeiramente” com base na confiança que tinha no gerente da agência de Carrazedo de Montenegro do Banco ..., e que, se tivesse sido informado do risco decorrente da subscrição daquelas obrigações, não o teria feito.

E não vamos embarcar numa deriva formalista, buscando definições “científicas” do que é um “produto de risco” ou de “baixo risco”, ou de “alto risco”.

Para o que agora nos interessa, risco significa apenas a possibilidade de o cliente perder grande parte ou todo o capital que aplicou no produto. Para alguém com as características dos autores, é isso a única coisa que interessa. Certamente que não perpassa sequer pelo espírito deste tipo de clientes bancários efectuar um juízo de ponderação de risco, entre o juro acrescido que vai ganhar, por um lado, e a probabilidade de o produto correr mal, e por duas ordens de razões: primeiro porque não concebem sequer o conceito de colocar voluntariamente as suas poupanças numa aplicação financeira que possa correr mal e que os possa deixar sem o capital investido. E segundo, porque para fazer esse juízo de ponderação é necessário dominar um enorme manancial de informação sobre mercados financeiros e produtos financeiros, e desde logo entender como funciona um produto financeiro do teor daquele que lhes foi apresentado, coisa que não sucede com os autores. Pelo contrário, foi-lhes dito pelo gestor de conta que era um depósito a prazo mais rentável, e foi nisso que acreditaram.

E assim, convencido que estava a colocar as suas poupanças num depósito a prazo, em 22-10-2004 o autor subscreveu obrigações subordinadas X rendimento mais, no montante de € 50.000,00, com reembolso em 27-10-2014.

Ficou provado, e é incontroverso, que em finais de Outubro de 2014, o autor foi informado pelo gerente do Banco ..., balcão de Carrazedo de Montenegro, que a aplicação financeira em causa não tinha cobertura de garantia de capital, que era uma subscrição de obrigações da X – Sociedade Negócios, S.A., e que, uma vez que a referida sociedade se mostrava insolvente, tal resgate não lhe seria concedido. Ora, como bem se compreende, para todos os efeitos práticos isto significa que o cliente perdeu o capital que investiu. E estamos em crer que à pergunta “então para onde é que ele foi”, nem um astrofísico conseguirá responder. Segue-se pois que se o cliente perdeu o capital que confiou ao Banco, é porque, quod erat demonstrandum, no “ADN” do referido produto, existia esse risco de perda total. E era justamente isso que o Banco, através dos seus funcionários, deveria ter transmitido com total lealdade, e actuando de boa-fé, ao seu cliente, o autor. Obrigação, como já se viu, imposta por lei, e não por qualquer ordem moral.

O recorrente espraia-se em argumentação para tentar convencer que o produto subscrito não tinha um risco diferente do que teria um depósito a prazo, e que portanto não se justificava que o cliente fosse expressamente advertido do risco envolvido na operação; quer fazer passar a ideia de que era um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”. Mas todo esse esforço soçobra fragorosamente perante o singelo e brutal facto do desaparecimento do capital. E isto porque, mais uma vez, o relevante não era apresentar ao cliente uma definição legal ou doutrinária sobre o conceito de produto de risco, era antes esclarecer o cliente do que poderia em abstracto correr mal com o produto, e quais as consequências. Essa informação, que assiste às instituições de crédito como algo de simples e banal, para o cliente médio, e mais ainda para este cliente em concreto, é totalmente desconhecida, e logo tem de lhe ser transmitida pelo outro contraente ou pelo intermediário. Só assim o cliente poderia tomar uma decisão informada e esclarecida. E, note-se, que ainda para mais neste caso concreto nem foi o cliente a procurar o Banco, para investir o seu dinheiro: foi o Banco, por intermédio de um seu funcionário, que activamente procurou vender (apetece-nos escrever “impingir”) aquele produto aos seus clientes.

Donde não colhe toda a longa e douta argumentação do recorrente para nos convencer de que não havia necessidade de que a advertência do risco da perda da totalidade do investimento fosse feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, porque não é inerente ao produto.

Basta aliás ler a secção designada “Advertência aos investidores”, contida na nota informativa do produto em causa, logo na 2ª página, para perceber que existe risco de perda de capital. O mínimo dos mínimos, para cumprir a obrigação de informação que impendia sobre o Banco ..., seria informar o cliente que o que lhe estava a ser proposto era uma obrigação subordinada, e sendo certo que seria necessário igualmente explicar o que isso era, e explicar ainda o que poderia suceder em caso de falência ou liquidação da emitente.

Se formos, por exemplo, ao site da DECO (www.deco.proteste.pt) pesquisar “obrigação subordinada”, encontramos de imediato esta referência: “as obrigações subordinadas são as reembolsadas em último lugar em caso de falência do emitente. Dessa forma, apresentam um risco acrescido e, por isso, oferecem normalmente uma remuneração ligeiramente superior. Só são recomendadas quando a solvabilidade dos emitentes é bastante elevada”. Se o Banco tivesse informado disso mesmo o cliente -e era tão fácil fazê-lo-, agora estaria a coberto deste ou de outro qualquer pedido de indemnização, pois o cliente não poderia vir alegar que tinha sido enganado, já que teria deliberada e conscientemente aceitado correr o risco de perder todo o capital em troca de um juro mais elevado. Teria sido uma decisão consciente. Mas não foi isso que sucedeu, como vimos: sucedeu justamente o oposto. O cliente, pessoa com a quarta classe, se tanto, confiou as suas poupanças ao Banco porque lhe disseram que o dinheiro estaria seguro, e ainda receberia um juro mais favorável. Ele nem sequer assumiu psicologicamente o riscos de perder o seu dinheiro, porque nunca lhe disseram que isso poderia suceder. E não tinha instrução nem experiência que lhe permitissem chegar lá sozinho.

Falece pois esta linha de argumentação do recorrente.

Diz ainda o recorrente que “não está alegado, e muito menos provado, que se tenha tornado impossível receber (total ou parcialmente) o montante investido pelo A. nas Obrigações. Daí resulta, portanto, que a condenação do Banco Réu no pagamento da integralidade do valor desembolsado pelo Autor é manifestamente excessiva e não cumpre com o critério teoria da diferença prevista no art. 566º nº 2 do CC”.

Aqui há que responder por duas vias. A primeira é que de facto, tal não está provado. Provado está apenas que em finais de Outubro de 2014 o autor foi informado pelo gerente do Banco ..., balcão de Carrazedo de Montenegro, de que a aplicação financeira em causa não tinha cobertura de garantia de capital, que era uma subscrição de obrigações da X – Sociedade Negócios, S.A., e que, uma vez que a referida sociedade se mostrava insolvente, tal resgate não lhe seria concedido, podendo e devendo reclamar o montante a que se julgava com direito no aludido processo de insolvência. Sabendo-se o que são obrigações subordinadas, é fácil adivinhar o resultado dessa reclamação.

De qualquer forma, esta questão que o recorrente vem agora suscitar não foi suscitada na primeira instância, não tendo sido referida na contestação apresentada.

Donde, essa questão não faz parte do objecto do processo, pois não foi incluída na petição inicial / contestação, não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida.

É uma nova questão que o recorrente trouxe agora em sede de recurso.

Ora, por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido. Só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido.

Escreve a propósito Abrantes Geraldes (ob cit, fls. 109): “a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas”.

A única excepção a esta regra, como bem se compreende, são as questões de conhecimento oficioso, das quais o Tribunal tem a obrigação de conhecer, mesmo perante o silêncio das partes.

Não sendo uma situação de conhecimento oficioso, não pode o Tribunal superior apreciar uma questão nova, por pura ausência de objecto: em bom rigor, não existe decisão de que recorrer. É um caso de extinção do recurso por inexistência de objecto.

Assim, não iremos conhecer dessa questão.

Pretende ainda o recorrente que, “ainda que se censure a conduta do Banco Réu (o que não se concede), essa censura nunca poderá ser reconduzível a um dolo ou a uma culpa grave. De facto, lida e relida a matéria de facto, a sensação que fica é que o funcionário envolvido do Banco Réu sequer concebeu a possibilidade de estar a faltar ao dever de informação acerca da aplicação financeira e que, com essa falta, poderia estar a determinar o investimento do cliente num produto que este não quereria se estivesse devidamente informado. A ideia que perpassa é que o funcionário do Banco Réu estava absolutamente convencido da segurança do investimento e da adequação do mesmo ao perfil de investidor do A. Terá havido, portanto (e quando muito) uma indução do A. em erro, sem que por parte do funcionário do Banco Réu houvesse intenção ou consciência de o fazer – trata-se, portanto, de uma indução negligente em erro. Tal conduta apenas pode ser reconduzível à mais leve das formas de negligência – a negligência inconsciente. Esta graduação da culpa do intermediário financeiro tem particular interesse, sobretudo em sede da prescrição”.

Recordemos que a sentença recorrida, sobre esta questão da prescrição, expendeu: “o art. 324º, n º 2, do CVM, consagra que, salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos. (…) Para se responder a essa questão, importa saber qual o grau de diligência que era exigível ao Banco .... O grau de diligência que é exigível ao intermediário financeiro é o consagrado no art. 304º, n º 2, do CVM, que consagra que, nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. Esta norma consagra um padrão de diligência que transcende o consagrado no art. 487º, n º 2, do C.C., impondo ao intermediário financeiro que seja diligentíssimo, em virtude de lhe serem exigíveis cuidados especiais que só as pessoas muito prudentes observam. Ora, no caso dos autos, o Banco ... não só inobservou os deveres de informação que sobre ele impendiam, pois que não informou o A. do produto que ia subscrever e riscos associados à sua subscrição, como o enganou, dizendo-lhe tratar-se de um depósito, o que não era verdade, sendo sabedor de que o A. era pessoa sem conhecimentos financeiros, que actuava com base na confiança que tinha no gerente do balcão de Carrazedo de Montenegro e que o mesmo não subscreveria um produto que oferecesse mais riscos do que aqueles que oferece um depósito a prazo, como era o caso das obrigações subordinadas que subscreveu. Muito provavelmente, o A. não foi informado de forma clara e leal e foi-lhe dito algo que não correspondia à verdade, para assim se conseguir que ele subscrevesse o produto em causa, já que se sabia que, se o A. soubesse exactamente o que estava em causa, não subscreveria o produto que subscreveu.

O R. actuou, assim, em nosso entendimento, com culpa grave.

E assim sendo, estará afastada a aplicação do prazo de prescrição consagrado no art. 324º, n º 2, do CVM.

No Ac. do STJ de 17-03-2016, em www.dgsi.pt, decidiu-se que: “Actua com culpa grave, para efeito de não aplicabilidade do prazo de prescrição de dois anos, o Banco que recorre a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que este nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido”.

Apenas nos resta subscrever esta apreciação jurídica, por ser correcta.

A sede do regime legal nesta matéria é o art. 324º,2 CVM, que dispõe: “salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos”.

O que deve entender-se por culpa grave ?
Basta prestar atenção ao que a jurisprudência dos Tribunais superiores tem decidido sobre esta matéria para concluir que a decisão recorrida não merece censura.

Veja-se, por exemplo, o acórdão do TRL de 22/2/2018 (Relator: António Manuel Fernandes dos Santos): “actua com culpa grave, para o efeito de não aplicabilidade do prazo de prescrição de dois anos, o Banco que mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação pertinente, faz com que um cliente dê a sua anuência em investir em determinado instrumento mobiliário que dificilmente subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do mesmo”.

Ou o Acórdão do TRC de 23-01-2018 (Relator Fernando Monteiro): “actua com culpa grave aquele Banco que oculta informação e desconsidera grosseiramente o perfil do cliente, que conhece há vários anos, colocando-lhe um produto financeiro que este não subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto”.

Ou o acórdão do TRP de 24/1/219 (Relator: Paulo Silva): “actua com culpa grave, para efeitos de não aplicabilidade deste prazo prescricional de dois anos, o banco que transmite ao cliente a falsa informação de que o produto financeiro por si subscrito não envolve quaisquer riscos, garantindo o reembolso do seu capital”.

Ou o Acórdão do TRG de 27/4/2018 (Relatora: Alexandra Rolim Mendes): o intermediário financeiro nas relações com o cliente tem de agir de acordo com padrões de diligência, lealdade e transparência superiores aos de um homem médio, o que se compreende atenta a progressiva complexidade dos produtos financeiros e a necessidade de protecção dos clientes que na maioria das vezes são a parte menos experiente na contratação. No caso em apreço, tendo o funcionário do Banco convencido o pai da Autora que actuava em representação desta, a adquirir um produto financeiro, convencendo-o de que era seguro, que o capital estava garantido, não lhe explicando as características do produto e o risco envolvido na sua aquisição e não lhe entregando qualquer informação sobre as características do papel comercial que estava a adquirir, sendo o pai da A. um investidor não qualificado, pelo que a obrigação de esclarecimento que impendia sobre o intermediário era mais acentuada, conclui-se que o Banco não cumpriu as exigências impostas pela lei e nomeadamente pelo CVM, violando as exigências de boa-fé e a confiança que o cliente depositava na instituição bancária, tendo prestado informação que não era verdadeira acerca da garantia de reembolso do capital investido. A conduta do Banco violou de forma grave o dever de informação, ficando pois excluída da aplicação do prazo curto de prescrição previsto no art. 324º, nº 2 do Código dos Valores Mobiliários, e sujeita ao prazo ordinário de 20 anos.
A violação do dever de informação situa-se no âmbito da responsabilidade pré-contratual, não obstando a este entendimento o facto de o contrato se ter realizado e constitui o Banco na obrigação de indemnizar caso estejam verificados os pressupostos gerais dessa obrigação”.

Ou ainda o Acórdão do TRL de 11/10/2018 (Relator: Eduardo Petersen): “provando-se que um Banco induziu cliente com perfil conservador e que não tinha intenção de adquirir Obrigações Subordinadas X mas um depósito a prazo, à aquisição duma dessas obrigações, garantindo que o capital podia eventualmente ser resgatado por iniciativa do cliente ao fim de cinco anos, quando tal resgate por iniciativa do cliente não estava previsto e só podia ser pedido ao fim de 10 anos, e afirmando-lhe ainda que o reembolso do capital era garantido a 100%, não explicando o que eram obrigações subordinadas, não constando de qualquer documento entregue ao cliente uma definição mínima da consequência de subscrição de uma obrigação subordinada, incorreu o referido Banco em inobservância do dever de informação do cliente. Tal violação, da responsabilidade de intermediário financeiro, constitui este na obrigação de indemnizar os consequentes danos causados. A conduta supra descrita integra culpa grave, pelo que não se aplica o prazo de prescrição de dois anos”.

Ou ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 2018 (Relator: Fonseca Ramos): “na definição de Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª, Edição, Almedina, 2003, pág. 577, nota 2: “A culpa lata (a que mais frequentemente se chama culpa grave) consiste em não fazer o que faz a generalidade das pessoas, em não observar os cuidados que todos em princípio adoptam. A culpa leve seria a omissão da diligência normal (podendo o padrão da normalidade ser dado em termos subjectivos, concretos, ou em termos objectivos, abstractos). A culpa levíssima seria a omissão dos cuidados especiais que só as pessoas mais prudentes e escrupulosas observam”. (destaque nosso) Atento o padrão de exigência imposta ao intermediário financeiro, no que concerne ao dever de informar em sede pré-contratual e contratual, e considerando que a sua actuação se afere pelo padrão do diligentissimus pater familias, o Réu é passível de um acentuado grau de censura: o seu dever de informar, integrando o cerne da prestação, implicava um escrupuloso dever de diligência, pelo que a actuação, intencionalmente omissiva de informação, que era devida, exprime culpa grave. Sendo a sua culpa grave, não se aplica o prazo bianual do art. 342º, nº2, do CVM, mas o prazo geral do art. 309º Código Civil, neste sentido o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, que citámos”.

A situação destes autos é em tudo semelhante às situações tratadas nestes Acórdãos: o Banco ... sabia que os autores, que eram seus clientes há anos, eram aforradores típicos de depósitos a prazo, avessos ao “risco”, e que eram pessoas que no máximo tinham a instrução primária. Apesar disso, o gerente/gestor de cliente do Banco ... na agência/balcão de Carrazedo de Montenegro, contactou telefonicamente o autor, propondo-lhe que aplicasse € 50.000,00 numa aplicação, um depósito, que lhe traria maior rentabilidade, explicando apenas que tal aplicação/depósito seria feita pelo prazo de 10 anos, e que, caso a partir do 5º ano o A. necessitasse de dinheiro, o banco encontraria uma forma de satisfazer essa vontade/necessidade. Mais nada explicou sobre essa aplicação. O autor, que conhecia aquele gestor há longos anos e no qual depositava total confiança, acreditou nele, pensou que estava fazer um depósito a prazo ou algo idêntico, tão seguro como um depósito a prazo, acedeu e subscreveu então o que só mais tarde veio a saber serem obrigações subordinadas X. Escusado seria dizer que esta pessoa, se tivesse sido informado da verdadeira natureza do produto, e quais os riscos que envolvia, que não eram os do depósito a prazo, jamais teria aceite a proposta do Banco. E, claro que, cerca de 10 anos depois, o mesmo Banco informou o autor que a aplicação financeira em causa (“agora” já não era um depósito) não tinha cobertura de garantia de capital, que era uma subscrição de obrigações da X – Sociedade Negócios, S.A, a qual estava insolvente, e que tal resgate não lhe seria concedido (o autor certamente não acompanha este “techno-talk”, mas percebeu que tinha ficado sem o seu dinheiro). E de muito pouco adiantaria ao autor ir reclamar a devolução das suas poupanças ao processo de insolvência, como lhe foi também sugerido, pois como já vimos as obrigações subordinadas são as reembolsadas em último lugar em caso de falência do emitente. Outro “pormenor irrelevante” que não tinha sido transmitido ao autor.

Tudo visto e ponderado, há no comportamento desta e de outras entidades bancárias que fazem coisas semelhantes, no mínimo, uma enorme arrogância intelectual, que não informam (não informavam) os seus clientes de todos os detalhes dos negócios que lhes propunham porque eles certamente não iriam entender a complexidades dos “produtos financeiros” com que elas lidam, e também porque era sobretudo do interesse do banco que os clientes subscrevessem aquele produto (como foi dito sem subterfúgios pela testemunha ouvida), sendo bem real o risco de eles não aceitarem os ditos produtos caso lhes fosse explicado o risco real que iriam correr. E, no caso destes autos, com o tal benefício da visão para trás, o risco era tão real que se converteu em dano, como se veio a demonstrar.

Bastava a existência do risco, teórico, por menor que ele fosse, para a entidade emitente, ou a intermediária financeira, ter a obrigação de o referir ao cliente. Até poderia ser aceitável, vamos admitir, depois de indicar ao cliente a existência do risco, desvalorizá-lo e dizer que ele era reduzido. O que não podia nunca ter sido feito era a omissão pura e simples do mesmo.

Daí que confirmamos a decisão recorrida de considerar que o comportamento do réu preenche o conceito de culpa grave.

Finalmente, o teor da conclusão nº 38 das alegações de recurso deve ser resultado de mero lapso, pois faz referências factuais que não resultam dos factos provados. E como tal não iremos apreciar o alegado.

Assim, em conclusão final, a sentença recorrida mostra-se correctamente elaborada, pelo que o recurso não merece provimento.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente, confirmando na íntegra a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 14/11/2019

Relator (Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Alcides Rodrigues)
2º Adjunto (Joaquim Boavida)