Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
166/16.8T8AVV.G1
Relator: ALEXANDRA VIANA LOPES
Descritores: SERVIDÃO POR DESTINAÇÃO DE PAI DE FAMÍLIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. A apreciação da prova testemunhal sobre os factos constitutivos do direito de aquisição de uma servidão de passagem por usucapião e por destinação de pai de família, em que a utilização da passagem pelo prédio serviente para os prédios dominantes fundava-se e poderia ser limitada pelas práticas agrícolas dos referidos prédios, podem e devem ser valorados os usos e costumes sobre as finalidades agrícolas dos prédios e das passagens e sobre as culturas naquela localidade e freguesia, em conjugação com a demais prova produzida, a apreciar globalmente de acordo com as regras da experiência e da normalidade na região do litígio e no tempo de discussão dos factos.

2. A constituição de servidão por destinação de pai de família, nos termos e para os efeitos do art.1549º do CC: não carece que os prédios ou frações que tenham pertencido ao mesmo dono sejam confinantes ou contíguos; pode ocorrer mesmo quando entre os prédios se intermedeie outro, utilizado nessa altura sem título constitutivo de servidão (nomeadamente por ser utilizado por mera tolerância), quando na altura da partilha jurídica dos dois prédios do mesmo dono existam sinais visíveis e permanentes que revelam serventia de um para outro dos prédios, sem que na partilha seja declarada outra intenção em contrário.

3. A improcedência de um pedido de reforma da condenação em custas em primeira instância não impede a revisão da condenação das custas na causa, decorrente das proporções dos decaimentos introduzidas pela decisão do acórdão da Relação.
Decisão Texto Integral:
I – Relatório:

Na presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, movida por J. P. e mulher R. L., e A. C. e mulher M. C., contra M. E. e mulher F. P.:
1. Os autores:
1.1. Pediram que os réus fossem condenados:
a) A reconhecer que os primeiros e segundos autores são os únicos donos e legítimos proprietários dos prédios identificado nos artigos 1º. a 4º. e 20º da petição inicial, respetivamente.
b) A reconhecer que, em benefício do prédio dos autores e a onerar o prédio dos réus, encontra-se constituída, por destinação de pai de família, uma servidão de passagem a pé, com animais, de carro, trator e maquinaria agrícola, nos termos alegados.

Caso assim não se entendesse e sem prescindir:

c) A reconhecer que, em benefício dos prédios dos autores e a onerar o prédio dos réus, se encontra constituída por usucapião uma servidão de passagem a pé, com animais, de carro, trator e maquinaria agrícola sem qualquer limitação temporal.

Cumulativamente:
d) A pagar a cada um dos autores, a título de indemnização pela privação do uso, a quantia diária de € 2,50 (dois euros e cinquenta cêntimos) por cada dia em que se virem impedidos de passar no caminho invocado, a contar desde outubro de 2015, a liquidar em sede de execução de sentença.
e) A pagar uma indemnização por danos não patrimoniais no valor que vier a ser liquidado em execução de sentença.
f) A pagar aos autores todas as despesas que suportaram e que vierem a suportar com este processo até final, incluindo os honorários aos seus mandatários.
g) A condenarem-se os réus no pagamento das custas judiciais e procuradoria.

1.2. Alegaram:

a) Quanto à propriedade:
a1) Os factos integrativos dos títulos de aquisição dos prédios que invocam como sendo seus, os registos de propriedade em seu favor e os factos integrativos da aquisição por usucapião.
a2) A qualidade de donos e proprietários dos réus do prédio misto “Quinta do ...”.
a3) A origem dos prédios dos autores e réus numa inicial unidade predial, do proprietário A. B., propriedade essa que, depois, foi objeto de partilha e de fracionamento.
b) Quanto às servidões:
b1) O benefício em seu favor de uma servidão de passagem para acesso aos seus prédios (a pé, de carro, com animais, carros de bois, trator e maquinaria agrícola), a passar pelo prédio dos réus, durante todo o ano, que adquiriam a servidão por destinação de pai de família, ou, subsidiariamente, por usucapião: até há 30 anos era feita na confrontação sul da parte urbana do prédio dos réus e desde essa altura foi alterada para o local onde existe na confrontação norte do prédio mistos dos réus; existe desde os tempos em que todos os prédios eram uma única unidade predial, passando-se de uma para outra propriedade sem qualquer constrangimento; não foi alterada depois do fracionamento, mantendo os herdeiros as mesmas utilidades anteriormente existentes.
b2) O réu marido: há 11 anos fechou a cadeado uma cancela que existia no início da sua propriedade, impedindo o acesso aos autores como sempre tinha acontecido por destinação de pai de família, entendendo que a passagem era apenas sazonal de 29 de junho a 29 de setembro, após o que o primeiro autor trocou o cadeado; no ano passado repetiu o ato pelas mesmas razões e com as mesmas consequências, deixando de poder aceder às suas propriedades de 30 de setembro a 28 de junho; não possuem qualquer outro acesso à via pública.
2. Os réus apresentaram contestação, por impugnação, na qual alegaram: que não existira uma única unidade predial; que não existia a servidão nos termos alegados, defendendo que os autores usavam o seu prédio apenas desde o início das sementeiras no final de maio e no fim das colheitas no final de setembro de cada ano e que no demais tempo (nomeadamente para regas e condução de animais) utilizavam o Caminho da Fonte; que no seu caminho sempre existiu um portão de ferro com fechadura, para impedir a penetração de animais e pessoas estranhas; que fecharam o portão, sem prejuízo do acesso que reconhecem entre os finais dos meses de maio e setembro de cada ano, porque os autores abusaram da passagem, usando o seu prédio como se fosse seu, mantendo o portão aberto sem o fechar quando entravam ou saíam ou para usar com tratores carregados fora da atividade agrícola e com moto quatro de passeio.
3. Foi proferido despacho saneador, que declarou extinta a instância quanto ao pedido genérico formulado na alínea e), por não ter sido indicado o respetivo valor económico provável.
4. Realizou-se o julgamento, conforme atas de 20 de junho de 2017, 8 de maio de 2018, 19 de fevereiro de 2019 e 2 de abril de 2019.
5. Por sentença de 23.08.2019 foi decidido:
«Pelas considerações acima expostas, julga-se a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Declara-se que os primeiros Autores J. P. e mulher R. L. são titulares do direito de propriedade sobre o prédio rústico, sito em ..., composto de cultura arvense de regadio e vinha em ramada, com a área de 2.300 m2, a confrontar de Norte com A. P., de Nascente com levada, de Sul com J. G. e outro e de Poente com A. P., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ../...... (descrição em livro n.º ... do livro n.º 140), inscrito na matriz predial rústica, sob o artigo ...º, da União de Freguesias de ..., condenando-se os Réus a reconhecê-lo.
b) Declara-se que os segundos Autores A. C. e mulher M. C. são titulares do direito de propriedade sobre o prédio rústico, sito em ..., lugar de ..., freguesia de .., composto de terreno de cultura arvense de regadio, com videiras e oliveiras, com a área de 2100m2, a confrontar de Norte com C. A. e outro, de Nascente e Sul com M. R. e de Poente com J. P. e outro, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º .../..., inscrito na matriz predial da União de Freguesias de ... sob o artigo ...º, condenando-se os Réus a reconhecê-lo.
c) Condenam-se os Réus a reconhecer que o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º .../... (descrição em livro n.º ... do livro n.º 139), denominado “Quinta do ...”, sito no lugar de ..., se encontra onerado com uma servidão de passagem em benefício do prédio dos primeiros Autores, constituída por destinação de pai de família, a pé, com gado, carro de gado, tractor e maquinaria agrícola, o que ocorre durante todo o ano, a qual se exerce através do seguinte percurso: inicia-se num caminho de terra batida com a largura inicial de cerca de 3 metros e média de cerca de 2,50 metros, na confrontação Norte do prédio misto propriedade dos Réus, e prolonga-se numa extensão de cerca de 170 metros até ao prédio dos segundos Autores, continuando depois numa extensão de cerca de 50 metros até chegar ao prédio dos primeiros Autores.
d) Condenam-se os Réus a reconhecer que o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º .../... (descrição em livro n.º ... do livro n.º 139), denominado “Quinta do ...”, sito no lugar de ..., se encontra onerado com uma servidão de passagem em benefício do prédio dos segundos Autores, constituída por usucapião, a pé, com gado, carro de gado, tractor e maquinaria agrícola, o que ocorre durante todo o ano, a qual se exerce através do seguinte percurso: inicia-se num caminho de terra batida com a largura inicial de cerca de 3 metros e média de cerca de 2,50 metros, na confrontação Norte do prédio misto propriedade dos Réus, e prolonga-se numa extensão de cerca de 170 metros até ao prédio dos segundos Autores.
e) Absolvem-se os Réus dos restantes pedidos formulados pelos Autores.
Custas na proporção de 4/5 para os Réus e 1/5 para os Autores (artigo 527º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil).».

6. Os réus interpuseram recurso de apelação, no qual:
6.1. Apresentaram as seguintes conclusões:

«A.
TENDO EM CONTA QUE:
a)-
- Quase todas as testemunhas, quer as dos RR., mas especialmente as dos próprios Autores
b)-
- Os réus juntaram aos autos um documento escrito – Referência 2160688, no dia 26.11.2018 -, relativo a uma “queixa” contra o Réu marido, que o Autor J. P. apresentou na GNR de ..., no dia 30 de Setembro (no dia seguinte ao tal dia 29 de Setembro), na qual, entre outras coisas, declarou: “ Que o único caminho que possuía para a referida propriedade era um caminho de servidão que se encontra fechado de 29 de Junho a 29 de Setembro, período que sempre respeitou.”
c)-
- Notificados da junção aos autos de tal documento, que servia de contra-prova da matéria alegada pelos Autores nos artºs 41º, 42º, 49º, 50º, 51º e 52º da Petição Inicial, os Autores nada disseram, ou seja, não impugnaram nem o teor de tal documento, nem o próprio documento.

IMPORTA CONCLUIR QUE:
O Tribunal Recorrido deveria:

1.
- Ter valorado, de forma diferente, os depoimentos das testemunhas;
2.
- Ter referido/considerado o valor probatório da declaração constante do mencionado documento elaborado por agente da autoridade policial.

Não o tendo feito,
deverá este Tribunal da Relação fazê-lo, devendo, em consequência:

- Revogar, nessa parte, a sentença recorrida, retirando dos factos dados por provados em 22 – “O que ocorre durante todo o ano - (artigo 42º da petição inicial)”, colocando-a na matéria de facto dada “ por não provada” e, consequentemente alterar-se nos factos dados por provadosno que toca à matéria constante no facto provado 22 da P.I. – a matéria constante dos pontos 23, 24 e 25 da mesma Petição Inicial,
Ou,
- Alterar o que consta do Ponto 22, no sentido de passar a constar: - “ O que ocorre entre 29 de Setembro de um ano e 29 de Junho do ano seguinte”, com a consequente alteração nos factos provados em 23, 24 e 25.
B.
RESULTANDO,
- Quer da prova documental, quer da prova testemunhal, quer do depoimento de parte da 1ª Autora, Dª R. L. – transcrito de fls 40 a 41, quer dos próprios factos dados por provados QUE:
1.
- Porque o prédio dos 1ºs Autores e o prédio dos RR., jamais constituíram uma unidade predial, porque nunca estiveram unidos entre si.
2.
- Não pode falar-se em “ quando, em relação ao domínio, os dois prédios vierem a separar-se…”, como impõe a lei.
3.
- Nunca o mesmo dono (do prédio dos 11ºs AA e o prédio dos Réus), podia criar sinais reveladores da sua intenção ou a consciência, de criar uma situação de serventia estável de um dos prédios em relação ao outro, pela simples razão de que antes ambos os prédios em questão se interpor outro prédio, que jamais foi de seu domínio.
IMPOE-SE A CONCLUSÃO DE QUE, POR TAIS MOTIVOS, DEVE A SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA, QUANDO DECLARA QUE A SERVIDÃO QUE EXISTE ONERANDO O PRÉDIO DOS RÉUS, EM BENEFÍCIO DO PRÉDIO DOS 1ºS AUTORES, SE CONSTITUÍU POR DESTINAÇÃO DE PAI DE FAMÍLIA
C.
- Esta questão – a da constituição de servidões por destinação de pai de família – artº 1549º do CC - é absolutamente pacífica na jusrisprudência e na doutrina, como a fls. 41, deste recurso nos referimos, ao fazer alusão aos ensinamentos do Sr. Prof. Menezes Leitão, que se sustenta em Pires de Lima e Antunes Varela, sempre recordando “ esses sinais têm que ser inequívocos em relação à vontade ou consciência do proprietário de criar uma situação estável e duradoura de afectação das utilidades de um prédio em benefício de outro, uma vez que havendo equivocidade dos sinais não se pode considerar constituída a servidão por destinação do pai de família.”
E sem esquecer o Sr. Prof. Carvalho Fernandes Lições de direitos reais – Faculdade de Direito de Coimbra - se refere ao “estabelecimento de actos do mesmo dono ao praticar actos de afectação de uma utilidade de um prédio em benefício de outro”, “ A transformação de uma serventia em servidão só se torna viável quando, como diz a lei “ os dois prédios vierem a separar-se” e “ A serventia tem de ser patente por si mesma, mediante sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos os prédios, revelando qual deles suporta a serventia.”
D.
É consabido que, ao contrário dos demais tipos de servidões prediais, as servidões constituídas por destinação de pai de família não podem extinguir-se por desnecessidade.
Por isso, as decisões judiciais, neste tipo de decisões, devem ter em conta as consequências de uma declaração da existência de uma servidão haver-se constituído por destinação de pai de família.
E.
TENDO EM CONTA QUE:
1.
- Os Autores formularam um 1º pedido, de reconhecimento do seu domínio sobre os seus respectivos imóveis, e que sempre teriam que alegar para garantir a sua legitimidade, pedido ao qual os RR. não se opuseram, porque nenhuma dúvida poderia suscitar-se.
2.
- Os 2º e 3º, 6º e 7º pedidos foram julgados apenas parcialmente procedentes.
3.
- Os 4º e 5º pedidos sido julgados totalmente improcedentes,
ENTENDEMOS,
TER DE CONCLUIR-SE que, na divisão das custas, não podem os RR./Recorrentes ser condenados em mais do que 2/5 das mesmas.
F.
A sentença recorrida violou o disposto nos artºs 1547º, 1548º, 1549º, 1565º, do Código Civil e artº 607º, nºs 3, 4 e 5, do Cód. Proc. Civil.».
6.2. Pediu:
«TERMOS EM QUE,
Deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se, parcialmente, a sentença recorrida, nos temas acima peticionados, como é de INTEIRA JUSTIÇA.».
7. Os réus/recorridos apresentaram resposta ao recurso, pedindo a manutenção da sentença recorrida, mediante as seguintes conclusões:
«1) É obvia a falta de razão dos recorrentes M. E. e mulher F. P., sendo que a douta sentença recorrida é inatacável, tanto no que tange à matéria de facto como à matéria de direito;
2) sendo que o Tribunal recorrido decidiu com total acerto, revelando a douta sentença, agora colocada em crise, uma criteriosa avaliação da prova produzida, bem como do seu enquadramento legal.
3) Vêm os recorrentes, em resumo, recorrer da douta sentença, proferida pela Mmª Juiz que decidiu:
a) condenar os recorrentes a “reconhecer que o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº .../... (descrição em livro nº ... do livro nº …), denominado “Quinta do ...”, sito no lugar de ..., se encontra onerado com uma servidão de passagem em benefício do prédio dos primeiros autores, constituída por destinação de pai de família, a pé, com gado, carro de gado, trator e maquinaria agrícola, o que ocorre durante todo o ano, a qual se exerce através do seguinte percurso: inicia-se num caminho de terra batida com a largura inicial de cerca de 3 metros e média de 2,5 metros, na confrontação Norte do prédio misto propriedade dos réus, e prolonga-se numa extensão de cerca de 170 metros até ao prédio dos segundos autores, continuando depois numa extensão de cerca de 50 metros até chegar ao prédio dos primeiros autores”;
b) condenar ainda os recorrentes a “reconhecer que o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº .../... (descrição em livro nº ... do livro nº …), denominado “Quinta do ...”, sito no lugar de ..., se encontra onerado com uma servidão de passagem em benefício do prédio dos segundos autores, constituída por usucapião, a pé, com gado, carro de gado, trator e maquinaria agrícola, o que ocorre durante todo o ano, a qual se exerce através do seguinte percurso: inicia-se num caminho de terra batida com a largura inicial de cerca de 3 metros e média de 2,5 metros, na confrontação Norte do prédio misto propriedade dos réus, e prolonga-se numa extensão de cerca de 170 metros até ao prédio dos segundos autores;”
c) Condenar ainda os recorrentes em custas na proporção de 4/5 para os recorrentes e 1/5 para os autores.
4) Os autores/recorrentes insurgem-se contra a douta sentença sub judice, dela interpondo recurso, através do qual pretendem que esse Venerando Tribunal da Relação proceda à alteração da matéria de facto e da subsunção dos factos ao direito, para o que em suma referem que
5) a) a servidão de passagem apenas onera o prédio dos réus/recorrentes, durante uma parte do ano e não durante o ano inteiro, mais concretamente entre 29 de junho de um ano e 29 de setembro do ano seguinte;
6) b) “deve ser retirada dos factos dados como provados, a matéria constante do artº 22 da petição inicial – O que ocorre durante todo o ano (artº. 42 da petição inicial)”, colocando-o na matéria de facto dada como não provada.” (vide pag. 38 do articulado a que ora se responde)
7) c) pretendem também que seja retirado “dos factos dados por provados - no que toca à matéria constante no artº 22º. da petição inicial, a matéria constante nos artigos 23º, 24º e 25º da mesma petição inicial” (vide pag. 38 do articulado a que ora se responde)
8) d) pretendem ainda que a sentença seja revogada, “quando declara que a servidão que existe onerando o prédio dos réus, em benefício do prédio dos 1.os autores, se constituiu por destinação de pai de família”
9) e) Finalmente pretendem que a douta sentença seja revogada quanto à decisão de condenação em custas.
10) Ora, com todo o respeito e salvo melhor opinião, carecem de razão os recorrentes, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito,
11) Pretendem os recorrentes invocar que não decorre do depoimento das testemunhas a inexistência duma limitação temporal de exercício das servidões sub judice.
12) Ora, decorre claramente do depoimento das testemunhas referidas que estas não apresentaram qualquer razão de ciência quanto ao conhecimento de qualquer limitação temporal.
13) Não obstante a correta avaliação da prova constante da douta sentença e que acima reproduzimos, vejamos o depoimento das testemunhas que, salvo melhor opinião não vêm de encontro à pretensão dos recorrentes, não mostrando qualquer razão de ciência quanto a uma qualquer limitação temporal, apenas falando em convicção, tradição ou usos e costumes existentes em diversos lugares, mas quando questionadas sobre o caso concreto nada sabiam,
14) sendo que da análise dos depoimentos das testemunhas, como muito bem refere a Mmª Juiz, “não houve divergências assinaláveis em termos de prova testemunhal e declarações de parte no que concerne à propriedade actual dos vários prédios nem à existência e configurações do caminho de acesso aos prédios dos Autores, pelo prédio dos Réus, perfeitamente visível no local.
15) também não resultaram dúvidas de que os prédios que hoje pertencem aos Réus (Quinta) e o prédio que hoje pertence aos primeiros Autores foram pertença do mesmo dono (A. B., que também usava os nomes de A. B. e A. B.s). Este faria uso do caminho de acesso para o prédio que hoje pertence aos primeiros Autores pela sua Quinta de acordo com as suas necessidades, e, consequentemente, não se vê como se possa falar a esse respeito de qualquer restrição no uso da passagem.
16) Quanto ao prédio que hoje pertence aos segundos, ao contrário do que pretendem fazer crer os recorrentes, ficou claramente demonstrando que se trata de um prédio totalmente encravado, não tendo outra forma de acesso que não fosse/seja pelo prédio que hoje pertence aos Réus (mesmo fazendo uso do rego de soma a que nos reportaremos adiante, a passagem pelo prédio que hoje pertence aos Réus continuava a ser imprescindível), pelo que não é provável a restrição temporal à passagem, pelo menos a pé.
17) Fundamentam ainda os recorrentes a sua discordância com a decisão proferida num auto de ocorrência da GNR (vide doc. junto ao articulado a que ora se responde), usando esse auto de ocorrência como se fizesse prova plena dos factos, fazendo tábua rasa da inspeção ao local, das declarações das partes ouvidas em sede de audiência e julgamento e da demais prova produzida.
18) Ora, como muito bem sabem os recorrentes, ao contrário do que parecem fazer crer, tal documento não tem força de produzir prova plena, nem faz fé por si só. Sendo que neste caso o seu conteúdo não foi confirmado por nenhum outro meio de prova, pelo que andou muito bem a Mmª Juiz na avaliação de toda a prova produzida e na consequente decisão que proferiu.
19) Manifestam os recorrentes a sua discordância com a declaração da constituição por destinação de pai de família da servidão que beneficia o prédio dos primeiros autores e onera o prédio dos réus;
20) Para tanto alegam, em suma que, apesar de ambos os prédios terem em tempo pertencido ao mesmo dono, nunca constituíram uma unidade predial; porquanto não confrontam em nenhum ponto um com o outro, tal como nunca houve entre eles qualquer relação de serventia.
21) Ora também nesta parte, com todo o respeito carecem de razão os recorrentes e andou bem a Mmª juiz do tribunal a quo ao decidir como decidiu,
22) nos termos do disposto no art.º 1544.º do C. Civil, “Podem ser objecto de servidão quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que não aumentem o seu valor.”
23) Sendo que as servidões, podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação de pai de família (art.º 1547 n.º 1 do CC). Nestes casos, as servidões são voluntárias, porquanto têm na sua génese um negócio jurídico ou um facto voluntário.
24) E dispõe o Código Civil no art. 1549º que “Se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para com outro, serão esses sinais havidos como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas fracções do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento”.
25) A constituição da servidão por destinação do pai de família pressupõe, assim, a verificação dos seguintes requisitos essenciais: a) que os prédios em causa tenham pertencido, unitária ou fraccionadamente, ao mesmo proprietário, de cujo tempo provenha a servidão; b) que, quando da separação predial, nada se tenha estipulado em contrário; c) que existam sinais visíveis e permanentes que revelem a servidão.
26) Acresce que constituição de servidão por destinação de pai de família, além de existência de sinais, assenta numa manifestação de vontade do transmitente e mesmo do transmissário, que se presume se nada for dito em contrário.
27) É o que sucede in casu, pois como refere a Mmª juiz, “provou-se que os prédios dos primeiros Autores e dos Réus pertenceram ao mesmo dono (A. B.).
28) Provou-se igualmente que o acesso aos prédios dos Autores e dos Réus sempre foi realizado por um caminho situado na confrontação Sul da parte urbana do prédio dos Réus até há cerca de 30 anos, altura em que o referido caminho foi alterado para o local onde ainda actualmente existe na confrontação Norte do prédio misto propriedade dos Réus. Tal acesso inicia-se num caminho de terra batida com a largura de cerca de 3 metros e prolonga-se numa extensão de cerca de 170 metros até ao prédio dos segundos Autores. Chegado aí continua numa extensão de cerca de 50 m2, até chegar ao prédio dos primeiros Autores.
29) bem como se provou que tal sucedia no tempo em que os prédios descritos pertenciam a A. B., tendo-se mantido após as partilhas por óbito daquele, pelo que se provou a separação do domínio, inexistindo na escritura de partilha qualquer declaração contrária à destinação.
30) Acresce que da prova produzida resulta a existência de sinal visível e permanente (leito trilhado e calcado) revelador da serventia do prédio dos Réus (serviente) para com o dos primeiros Autores (dominante) e que consiste no único acesso constante e transitável para o prédio destes”
31) Assim, ao contrário do que pretendem os recorrentes, os primeiros autores lograram provar, como lhes competia, a existência duma servidão por destinação de pai de família relativa à servidão de passagem em discussão nos autos, pelo que
32) Nestes termos e pelas razões supra aduzidas, impugna-se todo o alegado pela recorrente e deve improceder o recurso interposto pela requerida e manter-se integralmente a decisão recorrida.».

8. Recebido o recurso de apelação, colheram-se os vistos.

II. Questões a decidir:

1. A impugnação da matéria de facto, que aprecie: se o facto provado em 22) da matéria de facto da sentença recorrida deve julgar-se não provado; se os factos provados em 23), 24) e 25) da matéria de facto da sentença recorrida devem ser alterados na parte respeitante à alteração do facto 22).
2. A reapreciação de direito: quanto à servidão constituída por destinação de pai de família; quanto à condenação em custas, que os réus/recorrentes entendem não deverem ser superiores a 2/5.

III – Fundamentação:

1. Matéria de facto:

1.1. Matéria de facto provada na sentença recorrida:

«Com interesse para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:

1) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ../...... (descrição em livro n.º ... do livro n.º 140), o prédio rústico, sito em lugar de …, composto de leiras de cultivo, com a área de 2.300m2, a confrontar de Norte e Nascente com J. E., de Sul com A. S. e de Poente com D. P., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...º. (artigos 2º e 4º da petição inicial)
2) O prédio referido em 1) encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial ..., a favor do primeiro Autor J. P., casado com R. R., sob o regime da comunhão geral de bens, por compra a E. B., M. B., B. A. e mulher D. B., P. G. e marido J. L., G. B. e marido A. P., sob a apresentação n.º … de 07/07/2015. (artigos 5º e 6º da petição inicial, com esclarecimentos)
3) Encontra-se inscrito na matriz predial rústica, sob o artigo ...º, da União de Freguesias de ..., um prédio rústico, sito em ..., composto de cultura arvense de regadio e vinha em ramada, com a área de 2.300 m2, a confrontar de Norte com A. P., de Nascente com Caminho Público, de Sul com J. G. e outro e de Poente com A. P.. (artigo 1º da petição inicial)
4) As confrontações do prédio referido em 1) são: Norte A. P., Nascente Levada, de Sul J. G. e outro e Poente A. P.. (artigo 3º da petição inicial)
5) Por si e antepossuidores que representam, sempre os Autores J. P. e R. L. se mantiveram na posse do prédio identificado nos artigos anteriores, dele extraindo todas as utilidades e benefícios que o mesmo propicia ou pode propiciar, nomeadamente, por ali transitando do modo que lhes apraz, dali colhendo os frutos e produtos que o mesmo produz ou pode produzir, nomeadamente cultivando-o e apascentando ali os animais, tudo assim em seu próprio proveito, como coisa que a si mesmos pertence, a que publicamente chamam sua, sem qualquer oposição ou intromissão de quem quer que seja, à vista de todas as pessoas, sem soluções de continuidade, na segura convicção de estarem a exercer um direito próprio. (artigos 8º a 17º da petição inicial)
6) E assim desde há mais de 50 anos. (artigo 18º da petição inicial)
7) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º .../..., o prédio rústico, sito em ..., lugar de ..., freguesia de ..., composto de terreno de cultura arvense de regadio, com videiras e oliveiras, com a área de 2100m2, a confrontar de Norte com C. A. e outro, de Nascente e Sul com M. R. e de Poente com J. P. e outro, inscrito na matriz predial da União de Freguesias de ... sob o artigo .... (artigo 20º da petição inicial)
8) Por escritura pública de compra e venda, outorgada a 2 de Janeiro de 2008, no Cartório Notarial da Sra. Notária Dra. M. A., sito na Rua …, na vila e concelho de ..., que aqui se dá por reproduzida, B. E., P. J. e M. M., declararam vender a A. C., casado com M. C., sob o regime da comunhão geral de bens, e estes declararam comprar o prédio rústico composto de terreno de cultura arvense de regadio, com videiras e oliveiras, sito em ..., lugar de ..., freguesia de ..., com a área de 2100m2, a confrontar de Norte com C. A. e outros, de Nascente e Sul com M. R. e de Poente com J. P. e outros, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º … e inscrito na matriz predial da União de Freguesias de ... sob o artigo ... (artigos 21º e 22º da petição inicial)
9) O prédio referido em 7) encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial ..., a favor dos segundos Autores A. C. e M. C., por compra, sob a apresentação n.º 14 de 09/01/2008. (artigo 23º da petição inicial, com esclarecimentos)
10) Encontra-se inscrito na matriz predial rústica, sob o artigo ...º (com origem no artigo ...), da União de Freguesias de ..., um prédio rústico, sito em ..., composto de cultura arvense, 45 pés de videira em cordão e 3 oliveiras, com a área de 3500 m2, a confrontar de Norte com C. A. e outros, de Nascente e Sul com M. R. e de Poente com J. P. e outros.
11) Por si e ante possuidores que representam, sempre os segundos Autores A. C. e M. C. se mantiveram na posse do prédio, identificado nos artigos anteriores, dele extraindo todas as utilidades e benefícios que o mesmo propicia ou pode propiciar, nomeadamente cultivando-o e ali apascentando o gado, por ali transitando do modo que lhes apraz, dali colhendo os frutos e produtos que o mesmo produz ou pode produzir, tudo assim em seu próprio proveito, como coisa que a si mesmos pertence, a que publicamente chamam sua, sem qualquer oposição ou intromissão de quem quer que seja, à vista de todas as pessoas, sem soluções de continuidade, na segura convicção de estarem a exercer um direito próprio. (artigos 25º a 34º da petição inicial)
12) E assim desde há mais de 50 anos. (artigo 35º da petição inicial)
13) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º .../... (descrição em livro n.º ... do livro n.º 139), o prédio misto denominado “Quinta do ...”, sita no lugar de .... (artigo 37º da petição inicial, rectificado)
14) O prédio referido em 13) encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial ..., a favor de A. B., por compra, sob a apresentação n.º 12 de 17/05/1933.
15) Por escritura de partilha de 10/07/1973, celebrada no Cartório Notarial de ..., que aqui se dá por reproduzida, foi partilhada a herança aberta por óbito de A. G. e A. B., que também usava os nomes de A. B. e A. B.s, tendo ali sido adjudicados, entre outros, os prédios que compunham o prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... do livro n.º 139.
16) O acesso aos prédios dos primeiros e segundos Autores e à Quinta do ... sempre foi realizado por um caminho situado na confrontação Sul da parte urbana da Quinta do ... até há cerca de 30 anos. (artigo 43º da petição inicial)
17) Altura em que o referido caminho foi alterado para o local onde ainda actualmente existe na confrontação Norte da Quinta do .... (artigo 44º da petição inicial)
18) Tal acesso inicia-se num caminho de terra batida com a largura de cerca de 3 metros e prolonga-se numa extensão de cerca de 170 metros até ao prédio dos segundos Autores. (artigo 45º da petição inicial, restritivamente)
19) Chegado aí continua numa extensão de cerca de 50 m2, até chegar ao prédio dos primeiros Autores. (artigo 46º da petição inicial, restritivamente)
20) Apresentando um leito com ausência de vegetação e sulcos rasgados no seu leito pela rodada de carros e tratores, com uma largura de cerca de 2,50 metros em toda a sua extensão e com uma cancela de acesso de e para o prédio dos segundos Autores. (artigos 69º e 70º da petição inicial)
21) Há mais de 30 anos que os Autores e ante possuidores que representam passam pelo caminho em causa de e para os seus prédios a pé, com gado, carro de gado, tractor e maquinaria agrícola. (artigo 71º da petição inicial)
22) O que ocorre durante todo o ano. (artigo 42º da petição inicial) 23) E tudo isto com o conhecimento e acatamento de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, e na convicção de estarem a exercer um direito próprio. (artigo 73º da petição inicial)
24) Tal sucedia no tempo em que os prédios descritos em 1) e 13) pertenciam a A. B.. (artigo 48º da petição inicial, restritivamente e com esclarecimento)
25) Tendo-se mantido após as partilhas por óbito daquele. (artigo 49º da petição inicial, restritivamente e com esclarecimento)
26) Há cerca de 11 anos o Réu marido, ou alguém a seu mando, sem autorização e contra a vontade dos Autores, fechou a cadeado uma cancela que existia no início da sua propriedade. (artigo 51º da petição inicial)
27) O primeiro Autor marido destrancou o cadeado. (artigo 53º da petição inicial)
28) Em Outubro de 2015, o Réu marido voltou a colocar o cadeado no portão. (artigo 55º da petição inicial)
29) Situação que se manteve até 20 de Junho de 2017 (cfr. acta de audiência de julgamento de 20 de Junho de 2017). (parte do artigo 56º da petição inicial, com esclarecimentos)
30) O caminho que existe na Quinta do ... passa, em parte, junto à habitação dos Réus. (artigo 15º da contestação)
31) Na entrada para esta parte da Quinta do ... existe, como sempre existiu, um portão em ferro, com fechadura. (artigo 15º da contestação)
32) O qual de destina a impedir que nele penetrem animais vadios e pessoas estranhas. (artigo 15º da contestação)
33) Após abrirem o portão de acesso à Quinta do ... os Autores, ocasionalmente, deixavam-no aberto durante o tempo que se demoravam nos respectivos imóveis. (artigo 15º da contestação, restritivamente)
34) Os Autores chegaram a usar tal caminho para passagem com tractores carregados com materiais de construção. (artigo 15º da contestação, restritivamente e com esclarecimento)
*
Factos não provados

Não se provaram os restantes factos alegados, designadamente:
A. Que o prédio descrito em 7) dos factos provados tenha sido pertença de A. B., que também usava o nome de A. B., e que todos os prédios identificados nos autos tivessem constituído uma única unidade predial. (artigo 38º da petição inicial)
B. Que os Autores tivessem ficado impedidos de aceder às suas propriedades de 30 de Setembro a 28 de Junho. (parte do artigo 56º da petição inicial)
C. Que o prédio referido em 1) dos factos provados confronte, pelo seu lado Nascente, com um caminho público. (artigo 3º da contestação)
D. Que o prédio identificado em 7) dos factos provados confronte a Poente com um caminho público. (artigo 4º da contestação)
E. Que os Autores deixassem aberto o portão quando de lá saíam. (artigo 23º da contestação)
F. Que isso tenha levado à degradação do prédio dos Réus, mais concretamente, inclinação de um muro de suporte, em Agosto de 2015 e desnivelamentos no solo. (artigo 28º da contestação)
G. Que o Autor A. C. pretenda usar a dita passagem para passear na moto 4. (artigo 29º da contestação).»

2. Apreciação do mérito do recurso:

2.1. Impugnação da matéria de facto provada de 22) a 25):

2.1.1. Na decisão da matéria de facto da sentença recorrida foram julgados provados os factos 22) a 25) (antecedidos do facto 21), a que os mesmos se referem), com o seguinte teor:

«21) Há mais de 30 anos que os Autores e ante possuidores que representam passam pelo caminho em causa de e para os seus prédios a pé, com gado, carro de gado, tractor e maquinaria agrícola. (artigo 71º da petição inicial).
22) O que ocorre durante todo o ano. (artigo 42º da petição inicial)
23) E tudo isto com o conhecimento e acatamento de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, e na convicção de estarem a exercer um direito próprio. (artigo 73º da petição inicial)
24) Tal sucedia no tempo em que os prédios descritos em 1) e 13) pertenciam a A. B.. (artigo 48º da petição inicial, restritivamente e com esclarecimento)
25) Tendo-se mantido após as partilhas por óbito daquele. (artigo 49º da petição inicial, restritivamente e com esclarecimento).».

Os recorrentes/réus, na sua impugnação à matéria de facto:
a) Pediram:
a1) Que se retirasse o facto 22) dos factos dados por provados, colocando-a (O que ocorre durante todo o ano”) na matéria de facto dada por não provada” e, consequentemente, se alterasse nos factos dados por provados a matéria dos pontos 23), 24) e 25) no que toca à matéria constante no facto provado 22); ou,
a2) Que se alterasse o que consta do facto 22), no sentido de este passar a constar O que ocorre entre 29 de Setembro de um ano e 29 de Junho do ano seguinte”, com a consequente alteração nos factos provados em 23), 24) e 25).
b) Defenderam, como fundamento:
b1) Que quase todas as testemunhas (quer as dos réus, quer especialmente as dos próprios autores) disseram: que a servidão de passagem não existia entre junho e setembro de cada ano mas apenas entre setembro de um ano e junho do ano seguinte; que algumas detalharam que a servidão não existia entre o dia 29 de junho e 29 de setembro.
b2) Que juntaram aos autos, a 26.11.2018, um documento escrito (relativo a uma “queixa” contra o réu marido, apresentada pelo autor J. P. na GNR de ..., no dia 30 de setembro, quando foi impedido nesse dia de passar pela propriedade dos réus), na qual, entre outras coisas, declarou “Que o único caminho que possuía para a referida propriedade era um caminho de servidão que se encontra fechado de 29 de Junho a 29 de Setembro, período que sempre respeitou.”, documento esse notificado e que não foi impugnado.
Os recorridos defenderam a motivação da decisão da matéria de facto da sentença recorrida.
Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; os concretos pontos probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impusessem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada de forma diversa da recorrida; a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (art.640º/1-a), b) e c) do CPC).

Conforme refere Ana Luísa Geraldes, em relação à anterior versão da norma do art.685º-B do CPC de 1961:

«recai sobre a parte Recorrente um duplo ónus: Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa

E, em relação a este ónus de impugnação, explica, em referência aos prévios critérios que obrigam o Tribunal na decisão da matéria de facto:

«Destarte, o Tribunal, ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que, através das regras da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, 5 permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que …), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª instância.
Sendo embora verdade que ao Tribunal foi atribuído esse dever de fundamentação e de motivação crítica, facilmente se compreende que, em contraponto, o legislador tenha imposto à parte que pretenda impugnar a decisão de facto o respectivo ónus de impugnação, devendo expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, em seu entender, um resultado diverso do decidido pelo Tribunal “a quo”.»(1).
Examinando os pedidos e os fundamentos da impugnação da matéria de facto, verifica-se liminarmente o seguinte.
Por um lado, quanto à impugnação do facto 22), os recorrentes: pediram a alteração deste facto 22), com indicação de duas vias de redação (que se julgasse não provado que a passagem ocorria todo o ano “ou que ocorre entre 29 de Setembro de um ano e 29 de Junho do ano seguinte”); indicaram como fundamento da impugnação e deste pedido de alteração o documento junto a 26.11.2018 e os depoimentos das testemunhas, com transcrição de trechos e indicação da gravação (considerando que quer as testemunhas dos réus, quer, sobretudo, as testemunhas dos autores, declararam que a servidão de passagem não existia entre junho e setembro de cada ano mas apenas entre setembro de um ano e junho do ano seguinte).
Apesar da proposta de alteração do facto 22) ter sido feita de forma alternativa e da primeira proposta de alteração ter consequências jurídicas distintas da segunda proposta de alteração (a decisão de julgar não provado o facto 22) implicaria a aplicação à servidão do regime jurídico do conteúdo e extensão do art.1565º do CC; a decisão de alteração do facto nos termos pedidos na segunda redação implicaria a limitação da servidão ao período provado), considerar-se-á que os recorrentes/réus invocaram e pretenderam ver reconhecido, na sua essência substancial, que o caminho não era usado de junho a setembro e era usado de setembro a junho.
Assim, julgando-se liminarmente cumprido o ónus de impugnação quanto ao facto provado 22), apreciar-se-á a impugnação deste facto 22) em 2.1.2. infra deste ponto III- 2.1.
Por outro lado, quanto à impugnação dos factos 23) a 25), os recorrentes: pediram apenas que estes factos fossem alterados em conformidade com a alteração do facto 22), sem indicar qualquer redação proposta para os mesmos factos ou sem pedir que se julgassem não provados; não apresentaram qualquer fundamento de impugnação diferente daquele indicado e referido em relação ao facto 22).
Ora, tendo em conta o teor da impugnação ao facto 22) (período de utilização do caminho, cujo conteúdo de uso foi provado no facto 21) não impugnado) e os factos 23) a 25) (respeitantes aos factos integrativos do exercício público, pacífico, contínuo e de boa-fé da passagem com conteúdo provado no facto 21) não impugnado), tal como o fundamento da impugnação (centrada apenas na matéria da amplitude temporal de uso do caminho), considera-se que os recorrentes pretenderam que os factos 23) a 25) fossem lidos de acordo com o período temporal decorrente da resposta ao facto 22), o que não consubstancia qualquer fundamento de impugnação da matéria de facto que possa ser admitida nos termos do art.640º do CPC, mas apenas a decorrência normal da alteração do facto 22), caso ocorra.
Em qualquer caso, ainda que assim não fosse, a falta de indicação da decisão concreta pretendida em relação a estes factos implicaria também a rejeição da impugnação, nos termos do art.640º/1-c) do CPC.
Desta forma, rejeita-se a impugnação da matéria de facto quanto aos factos provados 23) a 25).

2.1.2. Impõe-se apreciar o pedido de alteração do facto 22), atendendo aos fundamentos da sentença para a prova do mesmo, aos fundamentos do recurso e à apreciação da prova produzida.
Na apreciação da impugnação da matéria de facto, examinaram-se os documentos juntos aos autos e procedeu-se à audição da totalidade da prova testemunhal produzida em audiência, para além dos trechos indicados pelas partes recorrentes e recorridos (confirmados na audição realizada).
Apesar da prova gravada se encontrar em parte ininteligível: não foi arguida qualquer nulidade da gravação no Tribunal da 1ª instância, nos termos dos arts.195º e 199º do CPC, nem neste Tribunal da Relação, que pudesse ser conhecida; não foi contestado o sumário dos depoimentos realizado pelo Tribunal a quo em relação a cada um dos depoimentos de parte e a cada um dos depoimentos das testemunhas.

A. Numa primeira ordem de abordagem, enunciar-se-á a análise feita na sentença recorrida quanto aos depoimentos das partes e das testemunhas, sumariados individualmente na sentença recorrida:

«Em conclusão, não houve divergências assinaláveis em termos de prova testemunhal e declarações de parte no que concerne à propriedade actual dos vários prédios nem à existência e configurações do caminho de acesso aos prédios dos Autores, pelo prédio dos Réus, perfeitamente visível no local.
Pelo contrário, não houve unanimidade no que concerne ao modo e tempo de utilização do referido caminho.
Da prova produzida resultou, em primeiro lugar, a conclusão de estarmos perante duas situações distintas, relativamente aos prédios reivindicados pelos primeiros e pelos segundos Autores, pese embora se trate do mesmo caminho.
Não resultaram dúvidas de que os prédios que hoje pertencem aos Réus (Quinta) e o prédio que hoje pertence aos primeiros Autores foram pertença do mesmo dono (A. B., que também usava os nomes de A. B. e A. B.s). Este faria uso do caminho de acesso para o prédio que hoje pertence aos primeiros Autores pela sua Quinta de acordo com as suas necessidades, e, consequentemente, não se vê como se possa falar a esse respeito de qualquer restrição no uso da passagem.
Já quanto ao prédio que hoje pertence aos segundos Autores, não se fez prova de que houvesse pertencido ao mesmo dono, embora tal viesse alegado. Não há documento algum que o comprove nos autos e à data reportada pelas testemunhas, em que A. B. era o proprietário dos outros dois prédios, este pertenceria a um Sr. E..
Ficou, porém, a convicção de que este prédio era encravado, não tendo outra forma de acesso que não fosse pelo prédio que hoje pertence aos Réus (mesmo fazendo uso do rego de soma a que nos reportaremos adiante, a passagem pelo prédio que hoje pertence aos Réus continuava a ser imprescindível), pelo que não é provável a restrição temporal à passagem, pelo menos a pé.
Não se provou a existência de qualquer caminho público que confronte com os prédios dos Autores, para além de um carreiro estreito utilizado para regar, adjacente à levada (soma do rego), a que não se conseguiu aceder na deslocação ao local de 8 de Maio de 2018, o que denota a sua falta de utilização regular. Apesar disso, o mesmo permite algum tipo de acesso aos prédios dos Autores, pelo que não se atingiu o convencimento de tivessem ficado totalmente impedidos de aceder às suas propriedades de 30 de Setembro a 28 de Junho.
Verificou-se ainda uma grande divergência em relação aos relatos das testemunhas inquiridas a respeito do tempo de passagem pelo prédio dos Réus, as quais oscilaram entre o desconhecimento de restrições à passagem e os costumes alegados, não coincidentes entre as várias testemunhas: abertura unicamente duas vezes ao ano, para lavrar/estrumar e depois para colher; abertura entre Maio e Setembro (adequado para uma cultura de Verão mas que colidiria com o hábito de semear os caminhos); ou abertura entre Setembro e Maio.
A restrição temporal coincidente com os costumes de semear (também) os caminhos para o máximo aproveitamento da terra é a da não passagem do carro de gado no(s) período(s) em que parte do prédio era cultivado, a que algumas das testemunhas inquiridas fizeram referência (o que geralmente ocorreria no Verão, embora estivesse dependente do tipo de cultura escolhida).
Sucede que, com as mudanças verificadas na agricultura nos últimos 20/30 anos (abandono dos campos e adopção de novas culturas e procedimentos) os referidos costumes foram sendo abandonados: os Réus (ou ainda os respectivos antecessores) deixaram de cultivar a parte do leito do caminho que ainda o era e as passagens, principalmente, de tractor e/ou máquinas agrícolas começaram a fazer-se durante todo o ano (sem restrição temporal). Isto explica, quer as divergências entre os vários depoimentos, quer o facto dos segundos Autores (que não pertencem à família dos Réus e dos segundos Autores) nunca terem ouvido falar de restrições à passagem quando adquiriram o prédio.
Em resumo, os factos dados como provados resultaram da prova produzida, na medida da coincidência entre os depoimentos e aquilo que foi observado em sede de inspecção ao local e tendo em conta as considerações que se deixaram explanadas acima.».
Esta análise do Tribunal a quo permite verificar, liminarmente, que este julgou provado que a passagem a pé, com gado e carros agrícolas provada em 21) ocorria todo o ano nos termos referidos em 22) por cada um dos prédios dos dois autores, com a seguinte motivação:
a) Em relação à passagem para o prédio rústico dos primeiros autores (que pertenceu ao mesmo proprietário do prédio dos réus): por ter presumido que o antigo dono o tivesse usado como quisesse e por entender que não faria sentido que sendo ambos os prédios do mesmo dono pudesse haver restrição de passagem (“Este faria uso do caminho de acesso para o prédio que hoje pertence aos primeiros Autores pela sua Quinta de acordo com as suas necessidades, e, consequentemente, não se vê como se possa falar a esse respeito de qualquer restrição no uso da passagem.”).
O Tribunal a quo, para além desta presunção, não indicou qualquer depoimento concreto com que tivesse suportado especificamente a análise.
b) Em relação à passagem para o prédio rústico dos segundos autores (contíguo ao prédio dos réus): porque o tribunal ficou com a convicção que era um prédio encravado, que careceria de passagem e não seria normal haver restrições (“Ficou, porém, a convicção de que este prédio era encravado, não tendo outra forma de acesso que não fosse pelo prédio que hoje pertence aos Réus (mesmo fazendo uso do rego de soma a que nos reportaremos adiante, a passagem pelo prédio que hoje pertence aos Réus continuava a ser imprescindível), pelo que não é provável a restrição temporal à passagem, pelo menos a pé.”).
O Tribunal a quo, para além desta convicção, não indicou especificamente qualquer depoimento no qual tenha baseado a apreciação.

c) Em relação a ambas as passagens, em geral, considerou:

c1) Existir uma divergência entre os depoimentos das testemunhas (Verificou-se ainda uma grande divergência em relação aos relatos das testemunhas inquiridas a respeito do tempo de passagem pelo prédio dos Réus, as quais oscilaram entre o desconhecimento de restrições à passagem e os costumes alegados, não coincidentes entre as várias testemunhas: abertura unicamente duas vezes ao ano, para lavrar/estrumar e depois para colher; abertura entre Maio e Setembro (adequado para uma cultura de Verão mas que colidiria com o hábito de semear os caminhos); ou abertura entre Setembro e Maio”).
No entanto, nestas divergências assinaladas pelo Tribunal a quo, este não indicou qualquer testemunha que tivesse relatado que a passagem pelo caminho, a pé ou a carro, ocorresse todo o ano.
c2) Ter havido uma alteração na agricultura (com abandono de campos e adoção de novas culturas e procedimentos), que levaram a alterações de antigas tradições, fazendo com que os réus ou antecessores abandonassem os hábitos de cultivo dos caminhos (que teriam desencadeado as restrições de passagens sobretudo nas culturas de verão) e usassem tratores e/ou máquinas agrícolas todo o ano (“Sucede que, com as mudanças verificadas na agricultura nos últimos 20/30 anos (abandono dos campos e adopção de novas culturas e procedimentos) os referidos costumes foram sendo abandonados: os Réus (ou ainda os respectivos antecessores) deixaram de cultivar a parte do leito do caminho que ainda o era e as passagens, principalmente, de tractor e/ou máquinas agrícolas começaram a fazer-se durante todo o ano (sem restrição temporal). Isto explica, quer as divergências entre os vários depoimentos, quer o facto dos segundos Autores (que não pertencem à família dos Réus e dos segundos Autores) nunca terem ouvido falar de restrições à passagem quando adquiriram o prédio.”).
Esta asserção de caráter geral, não foi acompanhada da indicação de qualquer testemunha que tenha deposto, nomeadamente, sobre o abandono dos campos dos réus ou autores (nomeadamente do cultivo dos caminhos), a utilização por uns ou outros de novas culturas, a utilização de tratores todo o ano, sobretudo desde o período de passagem de há mais de 30 anos referido na resposta ao facto 21 (matéria essa também totalmente inexistente no sumário de cada um dos depoimentos das testemunhas dos autores e réus, realizado pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, antes da análise transcrita supra).
B. Importa assim, apreciar a análise da prova do facto 22) da sentença recorrida, ocorrida com as limitações de fundamentação de A. supra, em conjugação com o documento junto a 26.11.2018 e com os depoimentos de partes e das testemunhas.
Preliminarmente, verifica-se que o objeto da impugnação da matéria de facto apresentada pelos recorrentes/réus, ao limitar-se ao facto 22) (duração), incidente sobre todo o conteúdo da passagem provado em 21) e não impugnado (passagem a pé, com gado, com carros agrícolas): é mais restrito que a posição por si previamente defendida na contestação quanto ao conteúdo da passagem (defenderam existir apenas para carros agrícolas e não existir a pé e com gado por estas serem feitas noutro caminho); é mais onerosa (uma vez que admite no recurso a passagem entre 29 de setembro e 29 de junho, quando na contestação admitiu tão só, ainda que de forma não perfeitamente expressa, passagem nas sementeiras do final de maio e nas colheitas no final de setembro).

B1. Numa primeira abordagem da prova, verifica-se que nos depoimentos dos autores:

a) A autora R. L. referiu: que comprou o seu prédio em 1989; que passavam para o seu prédio pelo caminho que passa pelo prédio dos réus sempre que podavam; que não conhece as declarações do marido de 30.09.2015, referidas no documento junto aos autos a 26.11.2018, que se apreciará infra.
b) O autor A. C., secundado pela mulher M. C., referiu: que comprou o seu prédio em 2008 com passagem, sem que o vendedor M. lhe tenha falado de períodos de passagem ou restrições; que desde que comprou apenas limpou e cortou madeiras e queria plantar vinha; não relatou qualquer facto que permitisse reconhecer que tivesse conhecimento da situação de facto pessoal dos prédios, nem na altura da partilha da Quinta do ... em 1973, nem no período de, pelo menos, “desde há 30 anos” a que se refere a existência do caminho no facto provado 21) e ss (nomeadamente, no período necessário para a aquisição de uma servidão por usucapião, após o início da posse).

B2. Numa segunda ordem de abordagem, verifica-se que as testemunhas dos autores e as testemunhas dos réus referiram inequívoca e maioritariamente, de forma conjugada entre si, quer finalidades agrícolas à passagem de carros de bois e tratores, quer períodos de passagem e de proibição de passagem dos referidos carros agrícolas pelo caminho que atravessa o prédio serviente (sendo que a maior partes destas testemunhas referiram apenas passarem os carros pelo caminho em discussão, por as pessoas a pé ou gado acompanhado utilizarem outro caminho).
Por um lado, houve testemunhas que declararam, de forma coerente entre si: umas que o caminho abria para prepararem as terras com estrume, para depois semear e mais tarde para colher, respetivamente em abril/maio/junho e setembro/outubro; outras que o caminho estava aberto nas sementeiras de maio e nas colheitas de setembro, depoimentos estes que acabam por ser coincidentes com os referidos no início deste parágrafo (para a cultura do milho e do feijão, únicos cultivos identificados pelas testemunhas para além da erva e do feno, que correspondem também aos usos naquela zona do Alto Minho- ..., de acordo com os factos de conhecimento comum).

Entre as testemunhas dos autores:

a) P. H. (29 anos, cujos pais trabalharam no campo do réu M. E., como caseiros, até há cerca de 10/8 anos, e que chegaram a trabalhar também para o campo que hoje é do autor A. C.), depois de referir que a passagem para o prédio dos autores ocorria de maio a setembro, acabou por corrigir e concluir que se podia passar pelo caminho do prédio do réu para semear, colher e debulhar o milho, não se passando no verão quando os campos estavam semeados.
b) R. P. (66 anos, que ia com a tia, até aos seus 13 anos, quando esta trabalhava para o autor A. C., para por estrume e tirar erva), declarou: que pensa que passava com a sua tia no caminho entre junho e setembro, embora não tivesse a certeza quando passava e se havia restrição temporal à passagem; que era habitual naquela altura haver restrições de passagem entre junho e setembro de cada ano.

Entre as testemunhas dos réus:

a) A. E. (85 anos, vizinha dos réus, que conhece os prédios em discussão e trabalhou para os prédios do A. B.s até há cerca de 40 anos), referiu: que para o prédio dos primeiros autores havia caminho de carro de vacas cangadas em abril e em setembro, abrindo-se o caminho em abril para estrumar, depois lavrar e semear, fechando-se após se semeassem, abrindo-se em setembro para as colheitas e fechando-se depois das colheitas; que para o prédio dos segundos autores, pelo que crê, não havia outro acesso que não fosse pelo caminho que passa pelo prédio dos réus mas apenas no tempo marcado em abril e depois em setembro para colher o milho.
b) M. N. (79 anos, da família da 1º autora R. L. e que mora perto dos terrenos há 57 anos) declarou: que no prédio dos réus o caminho era aberto para carro para estrumar e lavrar, para as sementeiras, para tirar feno e apanhar o milho.
c) R. L. (com 74 anos, irmã da ré, passou parte da sua infância com os avós A. G. e A. B.s, proprietários do prédio atual dos réus e dos primeiros autores; quando esteve no colégio manteve as estadas nas férias escolares; depois continuou ali a fazer visitas em fins de semana e férias) referiu: que abriam-se as cancelas no prédio dos atuais réus para dar passagem com carros de bois para o prédio contíguo do Sr. E. (correspondente o atual prédio do autor A. C.) para estrumarem e cultivarem nas sementeiras em maio/junho, depois fechavam- se as cancelas e abriam-se novamente no ... (sendo a festa do Arcanjo ... a 29 de setembro), sendo que, que quando as cancelas era fechadas, usava-se outro caminho; que do prédio dos réus para o prédio dos primeiros autores, que pertenciam ao mesmo dono, passava-se a pé pelo carreiro, mesmo quando havia milho, pois eram da mesma família.
d) B. P. (72 anos, irmã da ré, que declarou viver ali até se casar aos 25 anos, depois ia sempre passar os fins de semana com os pais, ajudou o seu pai nas vindimas e sementeiras na agricultura até ao pai morrer em 1990, continuou depois a ir à casa de onde nasceu e à Quinta do ... quando a mãe passou a viver consigo até morrer em 2002), disse: que a mãe sempre lhe disse que o caminho de servidão para carros de bois era aberto apenas para preparar as terras para as sementeiras com estrume, para semear (milho e feijão), que depois fechavam-se as cancelas, abria-se novamente o caminho para recolher o milho e fechavam-se até ao próximo ano (sendo que a passagem por animais e pessoas a pé fazia-se por outro caminho).
e) R. B. (78 anos, que trabalhou para o A. B. entre os 18 e os 28 anos e foi jornaleira durante 1 ano na casa da filha dele R., hoje do A. J. P.) referiu: que podia-se passar pelo prédio dos réus com carro de bois para o prédio do E. (hoje dos 2º autores) para semear (abril/maio), para a colheita depois (esclarecendo que o caminho era fechado a 29 de julho e era novamente aberto a 29 de setembro, que tiravam o estrume em 2 dias, lavravam num dia e demoravam cerca de 3 meses na colheita de milho, que as pessoas e o gado iam pelo carreiro de baixo, para soltar a água) e para apanhar feno ou erva; que para o ... (dos primeiros autores), a R. passava quando lhe dava jeito porque tomava conta de tudo (do seu prédio, hoje dos primeiros autores, e do prédio do seu irmão, hoje dos réus).
Por outro lado, houve testemunhas que referiram que o caminho existente na casa dos réus, por onde se fazia a passagem de carros com animais para os prédios rústicos dos ora autores, estava fechado de maio/junho a setembro de cada ano, de acordo com os usos e costumes na terra, para proteger as culturas (usos esses decorrentes dos campos dos prédios servientes, onde existiam os caminhos para os prédios dominantes, estarem semeados, nomeadamente na zona dos caminhos).

De facto, entre testemunhas dos autores:

a) J. F. (66 anos, que presta serviços de trator desde os anos ‘70, que conhece todas as partes e campos, que fez serviços para todos e não estava incompatibilizado trabalhou para os primeiros autores): declarou que achava que não se podia passar pelo caminho em discussão desde 29 de junho (no S. Pedro) ao final de agosto/setembro, pelos “usos” que conhecia, por pensar ser “uma lei que já vem do princípio.”
b) R. A. (58 anos, jornaleira, que trabalhou para os 1ºs autores há cerca de 10 anos e para o campo que é dos 2ºs autores há mais de 34 anos) referiu: que, antigamente, as zonas que davam passagem também eram cultivadas; que antigamente respeitavam-se os prazos do caminho estar fechado de 29 de junho a 29 de setembro mas que não sabia como estava essa lei em 2015 (período este atual que não se encontra, todavia, em discussão).
c) A. E. (74 anos, neta dos antigos donos do prédio dos segundos autores e que relatou factos de conhecimento direto até há 34 anos), declarou: que achava que não passavam pelo caminho de carro que existia no prédio dos réus entre maio/junho e setembro para não estragar o milho que a dona semeava em maio o campo (para não lhe passar por cima); que, depois em setembro, a senhora que era dona da quinta abria um caminho para não estragar o milho e para poderem passar.

Por sua vez, entre as testemunhas dos réus, em consonância com os depoimentos das testemunhas dos autores referidas:

a) A. E., identificada supra, respondeu afirmativamente à pergunta se o caminho estava fechado de 29 de junho a 29 de setembro.
b) M. N., identificada supra, confirmou o fecho do caminho de 29 de junho a 29 setembro, confirmando o sentido das declarações do primeiro autor na participação policial feita a 30.09.2015.
Por outro lado, ainda, há testemunhas que complementaram os depoimentos referidos, informando os hábitos de cultivo das terras, referindo o cultivo das terras dos réus, nomeadamente em zona de passagem:

Entre as testemunhas dos autores:

a) P. H. referiu que os pais, quando semearam a leira do fundo do prédio que hoje é dos réus (da vez que se lembra), que fica na passagem para o prédio dos autores, tiveram que tirar as colheitas antes para depois o autor J. P. poder passar.
b) R. A., referida supra, referiu: que, no prédio do réu, a parte junto a casa não era cultivada mas era cultivada a chã à frente; que, quando faziam a passagem de carro pelo prédio do réu M. E., faziam-no quando o caminho não estava cultivado (sendo só cultivado uma vez por ano).
c) C. R. (82 anos, primo da ré e tio da autora R. L., nasceu e viveu na Quinta do ... com os avós e trabalhou sempre nessa quinta destes até aos 20 anos) referiu que no prédio dos réus o caminho era calcado na entrada, não era semeado em metade mas já era semeado na outra metade, semeando o seu avô milho e feijão no seu prédio. Referiu, ainda: que, apesar deste hábito de cultivo da parte das passagens, em relação até ao período de há 62 anos atrás, que o E. chegou a passar com o carro de vacas por cima do milho do avô, que não o impedia, para o seu no campo (hoje do autor A. C.), onde tinha erva e feno (em período e vezes exatas não clarificadas); que, até essa altura, não pode afirmar que quando não estava semeado com milho as pessoas passassem quando lhes apetecia pois as pessoas respeitavam-se; que não sabia se tinham direito a passar ou não e que para o prédio que hoje é do autor J. P. acha que o seu avô passava quando queria.
d) R. P., referida supra, admitiu que no campo dos réus cultivava-se metade do caminho, na chã.
e) M. T. (78 anos, prima da ré que trabalhou no campo do autor J. P. durante 5 a 6 anos, quando tinha 30/32 anos, no tempo da tia R., que vivia na casa que hoje é dos réus) referiu: que no prédio dos réus havia uma parte de caminho batido e uma parte era cultivada numa chã, numa leira, no sentido e ao chegar ao prédio do atual 2º autor A. C.; que quando passava para lavrar com carro de bois a antiga proprietária e encarregada do prédio dos réus (D. R.) nunca a proibiu de passar e que, de qualquer forma, não tinha outro caminho.
Entre as testemunhas dos réus:

a) R. L., supra identificada, referiu que no prédio dos réus, à exceção da entrada, a chã do prédio era toda cultivada de maio a setembro com milho.
b) A. E., supra identificada, declarou que na quinta dos réus havia apenas uma parte do caminho no início que não era cultivada.
c) B. P., supra identificada, referiu ainda: que parte do caminho que passava pelo prédio dos réus era cultivado entre as sementeiras e colheitas (de milho e de feições já referidos), desde a zona onde havia água.
Por fim, há testemunhas que referem quebras e descontinuidades no cultivo das terras em litígio, sem clarificação dos períodos exatos em que as mesmas ocorreram e em que termos em relação a cada um dos três prédios:
Entre as testemunhas dos autores, P. H. referiu que no campo do atual autor A. C. apanhavam erva espontânea no seu tempo.

Entre as testemunhas dos réus:

a) A. E., supra identificada, referiu que houve tempos em que não se semeou milho porque não havia pessoas para os campos (não sendo percetível em que prédios e em que termos).
b) M. N., supra identificada: admitiu que os prédios do réu M. E. e do autor J. P. eram todos cultivados no tempo da R., que cuidava deles; que depois da morte desta estiveram sem cultivar (desde altura e durante tempo não definido).
c) B. P., supra identificada, referiu que, depois da morte da sua madrinha R., que tinha o prédio que pertence atualmente ao autor J. P., houve quebras no cultivo do milho (sem que tivessem explicado os períodos de falta de cultivo ou a utilização para cultivos alternativos noutra época do ano, apesar de admitir a passagem de tratores em outras épocas do ano não concretizadas).
B3. Numa terceira ordem de abordagem, verifica-se: que os réus juntaram um documento a 26.11.2018 (não apreciado nem referido na sentença recorrida), que corresponde a uma participação feita pelo 1º autor J. P. à GNR, a 30.09.2015 (na qual este: denunciou que não logrou entrar de trator na propriedade indicada como propriedade dos réus, para fazer um depósito de água, por o réu não ter permitido; declarou que o caminho de servidão apenas se encontraria fechado de 29 de junho a 29 de setembro, o que sempre respeitara); que os autores, notificados deste documento, não o impugnaram.
2.1.3. Ponderando a fundamentação da prova da sentença referida em 2.1.1. e a globalidade da prova produzida e referida em 2.1.2. supra, não se pode deixar de entender que há argumentos da análise da prova do Tribunal que não se confirmam (pela prova produzida e pela notoriedade dos factos) e que este Tribunal da Relação chega a uma convicção parcialmente distinta daquela do Tribunal a quo (na parte passível de conhecer em face do objeto do recurso de impugnação e dos seus limites).
Por um lado, existe uma grande coerência da prova quanto ao não exercício da passagem pelo prédio dos réus para os prédios dos autores, pelo menos entre o período de 29 de junho a 29 de setembro, com os carros agrícolas com gado e tratores (que a maioria referiu passarem pelo caminho), tendo em conta que as testemunhas dos autores e réus, conforme se expôs em 2.1.2.-B2 supra:
a) Umas referiram existir usos naquelas terras de não passagem neste período de 29 de junho a 29 de setembro (2.1.2.- B2-2ª parte supra).
Apesar do Tribunal a quo ter desvalorizado os depoimentos prestados com base nos usos, por se basearam mais nestes do que no conhecimento concreto do que acontecera nos prédios em discussão, considera-se que: não se podem desprezar como depoimentos relevantes os alicerçados nos costumes referidos pelas testemunhas dos autores e réus, uma vez que estes decorrem necessariamente das suas regras da experiência e do conhecimento normal que tinham dos campos da sua freguesia e dos hábitos de cultivo e de passagem nos mesmos (sendo normal que numa pequena freguesia rural, como a freguesia de ... e Vilela no concelho dos ..., as pessoas aí residentes conhecessem os prédios existentes e os seus costumes); nem se pode dissociar os referidos usos invocados do conhecimento direto das testemunhas, em face dos diferentes tipos de contactos que as mesmas asseveraram ter tido com os campos e com os antecessores das partes em distintas alturas da vida dos mesmos desde há 60, 40, 30, 20 e 10 anos (conforme se pode verificar quer na síntese dos depoimentos realizada na sentença recorrida de 2.1.2.-A, quer na síntese realizada em 2.1.2.- B2 supra).
b) Outras testemunhas referiram que, naquelas terras concretas e conforme os hábitos, a passagem de carros agrícolas era feita: em abril/maio e em setembro/outubro de cada ano; e/ou para estrumar, semear e colher e para apanhar erva e feno (2.1.2.- B2- 1ª parte supra). Estes atos, de acordo com os factos de conhecimento notório do mundo rural no Alto Minho-..., referem-se: nas culturas do milho e de feijão indicadas pelas testemunhas, aos períodos de preparação das terras e sementeiras de abril a junho e de colheitas de setembro/outubro; na apanha da erva e do feno, habitualmente aos períodos anteriores às sementeiras do milho quanto à erva crescida no inverno, e ao período em que o milho era colhido quanto à erva semeada entre o milho (após o que se organizavam feixes para alimentar o gado no inverno).
c) Outras testemunhas, ainda, referiram o cultivo dos campos nomeadamente nos caminhos, como no caso da quinta dos réus, onde era cultivada metade dos caminhos (2.1.2.- B2-3ª parte supra).
Assim, existe nesta parte coerência entre os depoimentos (não desconfigurada por atos pontuais de passagem sobre campos cultivados, como os referidos pela testemunha C. R.).

Por outro lado, estes depoimentos são coerentes:

a) Com as regras da experiência dos hábitos e usos das terras do Alto Minho, com mais frio: cultivava-se milho nos campos de pão (e, entre o milho, muitas vezes feijão), sendo as preparações e as sementeiras habitualmente em abril/maio e junho e as colheitas em setembro/outubro; era normal nessas terras apanhar-se a erva crescida no inverno antes das sementeiras e apanhar-se nas colheitas a erva semeada entre o milho, para as forragens e alimento do gado no inverno; as terras eram maioritariamente cultivadas, nomeadamente em zonas de passagem prévia ou passagem posterior para as colheitas; as passagens com carros ocorria para estes efeitos e períodos agrícolas e não era feita quando os campos estavam cultivados e em fase de crescimento dos cultivos para não os danificar (habitualmente cultivavam-se primeiro os prédios dominantes e depois os servientes).
b) Com o documento de 30.09.2015, junto pelos réus a 26.11.2018, no qual o 1º autor, proprietário do prédio que teve o mesmo antecessor dos réus, declarou, quando pretendeu entrar no prédio dos réus de trator, que sabia que não tinha passagem entre 29 de junho e 29 de setembro de cada ano.
Por fim, não se consideram os argumentos indicados pelo Tribunal a quo para descaracterizar a prova produzida (referidos em 2.1.2.- A supra) suficientemente sustentados e abaladores da análise da mesma prova realizada neste Tribunal da Relação, tendo em conta:
a) Quanto à improbabilidade de existência de restrições de passagem entre o prédio dos réus e o prédios dos 1ºs autores, por ambos terem pertencido ao mesmo dono e não ser normal que este não passasse de um prédio para outro como quisesse:
Pode compreender-se este argumento quanto à passagem a pé entre os prédios (que não são contíguos), passagem essa, aliás, reconhecida por algumas testemunhas residuais, conforme se referiu em 2.1.2.- B2 supra.
Todavia, este argumento já não colhe quanto à passagem com gado e com carro agrícola entre os dois prédios depois de terminadas as sementeiras e antes das colheitas, tendo em conta: que a passagem de carros agrícolas interessa sobretudo para lavrar, semear e colher produtos; que, em face dos hábitos agrícolas testemunhados, era de interesse do dono de ambos os prédios que não houvesse passagem de carro e de gado quando os próprios campos do atual prédio serviente estivessem cultivados de milho; que não foi testemunhada outra finalidade para além da agrícola, e com culturas cerealíferas de verão, aos prédios em discussão, nomeadamente ao prédio dos atuais réus (que era cultivado com milho em área de passagem).
b) Quanto à improbabilidade da existência de uma restrição de passagem entre o prédios misto dos réus e o prédio rústico dos segundos autores, contíguo àquele, por o Tribunal ter ficado com a convicção que se tratava de um prédio encravado:

Este argumento, ainda que pudesse compreender-se atualmente e quanto à passagem a pé, não assume qualquer valor relevante na criação da convicção da existência ou não de um uso de restrição de passagem com gado e com carro agrícola quando os campos estavam cultivados no verão, no período de “há mais de 30 anos” provado em 21), nomeadamente durante o período de constituição da servidão por usucapião, uma vez: que nesta ação, e nos seus factos, discute-se a constituição de uma servidão por usucapião por práticas de “há mais de 30 anos” e não a constituição atual de uma servidão legal de passagem por o prédio dominante dos segundos autores estar encravado; que uma situação de “encravamento” atual não implica que tivesse existido no tempo da constituição da servidão invocada por usucapião e que, por essa razão, a passagem para o prédio dos segundos autores se tivesse feito durante todo o ano através do prédio dos réus; que, neste contexto, grande parte das testemunhas referiu, até, que antigamente a passagem a pé e com gado sem carro para o prédio dos segundos autores se fazia por um outro via que dava acesso ao seu prédio, distinto do caminho em discussão no prédio dos réus, destinado a carro, ainda que aquele tenha deixado de se usar e atualmente estivesse tapado ou menos acessível; que, no mesmo contexto, a existência apenas de caminho pelo prédio dos réus para se lograr a passagem com carro agrícola para o prédio dos segundos autores, como foi usado, não impede que durante o tempo tenha também havido um uso de restrições à mesma com carro agrícola, depois de terminadas as sementeiras e antes das colheitas do milho, tendo em conta que a finalidade da passagem de carros agrícolas (que interessa sobretudo para lavrar, semear e colher produtos) e os hábitos agrícolas testemunhados (cultura de milho, nomeadamente no prédio dos réus, onde parte da passagem era cultivada), sem testemunho de outros hábitos e finalidades sistemáticas dos prédios (que, também não se podem presumir), justificarem que não houvesse usualmente passagem de carro pelo prédio dos réus para o prédios dos autores quando os campos estavam cultivados de milho.
c) Quanto ao argumento que a alteração na agricultura (abandono de campos e adoção de novas culturas e procedimentos), que alteraram antigas tradições, tivessem levado a que os réus ou antecessores abandonassem os hábitos de cultivo dos caminhos (que teriam desencadeado as restrições de passagens sobretudo nas culturas de verão) e que as passagens a tratores e/ou máquinas agrícolas ocorresse todo o ano:
Este argumento, para além de não ter sido sustentado pelo Tribunal a quo em prova testemunhal concreta indicada e sumariada, também não se pode reconhecer suportado pela prova testemunhal produzida, totalmente ouvida por este Tribunal da Relação (que tivesse deposto e explicado: se, quando e durante que período os réus deixaram de cultivar o seu prédio com milho, nomeadamente na passagem do caminho; quem passava no verão pelo prédio dos réus para os prédios com carro de gado e tratores e com que finalidade concreta).
Por sua vez: o abandono do cultivo dos caminhos (onde poderia estar o abandono pelos réus do cultivo de milho no seu prédio, que abrangia cerca de metade do caminho) está ligado ao abandono de práticas agrícolas sofridas no Minho (normalmente, os caminhos não era cultivados porque não eram cultivados os campos); se o Tribunal a quo se tivesse convencido que houve abandono duradouro de prática agrícola há 40, 30, 20 ou 10 anos, no que se refere aos campos dos autores, teria necessariamente que ter respondido de forma distinta aos factos 21) e 24), em que julgou provada a passagem de carros agrícolas pelo prédios dos réus para os prédios dos autores desde há mais de 30 anos, desde o tempo dos A. B.; não são compatíveis as invocações, em ocorrência simultânea, do abandono da agricultura e de adoção de novas culturas e procedimentos com passagens a tratores e/ou máquinas agrícolas todo o ano (ou ocorre uma realidade ou outra; ou corre primeiro uma realidade a definir no tempo e depois a outra); a implementação de novas culturas para além das culturas de verão, que levasse a passagem de tratores para a lavragem das terras e a colheita dos produtos (sendo que nenhuma testemunha depôs sobre a implantação de uma cultura nova e concreta, nem o percurso sistemático dos tratores para esse efeito), não afasta a manutenção no período do facto 21) da cultura do milho no verão objeto dos depoimentos (determinante da razão pela qual os carros não passavam sobre as mesmas), nem é relevante para o objeto do recurso (em que os réus/recorrentes não invocam, nesta altura, outras interdições de passagem no inverno).
Assim, a análise global da prova: permite julgar provado que a passagem provada em 21) não ocorria quanto ao gado, carro de gado, trator a maquinaria agrícola, pelo menos entre 29 de junho e 29 de setembro de cada ano; não permite definir tempo de exercício ou restrições à passagem a pé provada a 21), que deve apenas beneficiar do facto aí provado.

Pelo exposto, determina-se a alteração do facto 22), de forma a que neste passe a constar:

«Passagem esta que não faziam, todavia, com gado, carro de gado, trator a maquinaria agrícola, pelo menos, entre 29 de junho e 29 de setembro de cada ano.».

2.2. Reapreciação de direito:

2.2.1. Constituição de servidão em favor dos primeiros réus por destinação de pai de família.

A. Os réus/recorrentes pediram a reapreciação da decisão que julgou constituída uma servidão de passagem em favor do prédio rústico dos primeiros autores, a onerar o prédio dos réus, defendendo:

a) Que o prédio dos primeiros autores e o prédio dos réus jamais constituíram uma unidade predial, porque nunca estiveram unidos entre si, conforme demonstra a prova documental, a prova testemunhal, o depoimento de parte da 1ª autora/ R. L. (transcrito de fls. 40 a 41), dos próprios factos dados por provados.
b) Que, em face disto: nunca o mesmo dono (do prédio dos 1ºs autores e o prédio dos réus), podia criar sinais reveladores da sua intenção ou a consciência de criar uma situação de serventia estável de um dos prédios em relação ao outro, pela simples razão de que, antes, ambos os prédios em questão se interpunha outro prédio, que jamais foi de seu domínio, defendendo: o Prof. Menezes Leitão, que se sustenta em Pires de Lima e Antunes Varela, sempre recordando “ esses sinais têm que ser inequívocos em relação à vontade ou consciência do proprietário de criar uma situação estável e duradoura de afectação das utilidades de um prédio em benefício de outro, uma vez que havendo equivocidade dos sinais não se pode considerar constituída a servidão por destinação do pai de família.”; o Prof. Carvalho Fernandes que o “estabelecimento de actos do mesmo dono ao praticar actos de afectação de uma utilidade de um prédio em benefício de outro”, “ A transformação de uma serventia em servidão só se torna viável quando, como diz a lei “ os dois prédios vierem a separar-se” e “ A serventia tem de ser patente por si mesma, mediante sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos os prédios, revelando qual deles suporta a serventia.”
c) Que este rigor é tanto mais necessário quanto, ao contrário dos demais tipos de servidões prediais, as servidões constituídas por destinação de pai de família não podem extinguir-se por desnecessidade.

B. A sentença recorrida julgou constituída a servidão de passagem entre o prédio dos réus e o prédio dos primeiros autores, por destinação de pai de família, com base nos seguintes factos julgados provados:

a) Julgou provada a existência de um acesso ao prédios dos primeiros autores, sempre e desde há mais de 30 anos, com local alterado há cerca de 30 anos (como o permite o art.1568º do CC), através de caminho, com extensão, largura e sinais de terra calcada, que atravessava o prédio dos réus e o prédio dos segundos autores até chegar ao prédio dos primeiros autores, denotadores de passagem e de serventia:
«16) O acesso aos prédios dos primeiros e segundos Autores e à Quinta do ... sempre foi realizado por um caminho situado na confrontação Sul da parte urbana da Quinta do ... até há cerca de 30 anos. (artigo 43º da petição inicial) 17) Altura em que o referido caminho foi alterado para o local onde ainda actualmente existe na confrontação Norte da Quinta do .... (artigo 44º da petição inicial). 18) Tal acesso inicia-se num caminho de terra batida com a largura de cerca de 3 metros e prolonga-se numa extensão de cerca de 170 metros até ao prédio dos segundos Autores. (artigo 45º da petição inicial, restritivamente). 19) Chegado aí continua numa extensão de cerca de 50 m2, até chegar ao prédio dos primeiros Autores. (artigo 46º da petição inicial, restritivamente). 20) Apresentando um leito com ausência de vegetação e sulcos rasgados no seu leito pela rodada de carros e tratores, com uma largura de cerca de 2,50 metros em toda a sua extensão e com uma cancela de acesso de e para o prédio dos segundos Autores. (artigos 69º e 70º da petição inicial).».
b) Julgou provada a existência de uma passagem efetiva pelo caminho referido em a) supra- a pé, com gado e carros agrícolas pelos antecessores dos autores e estes: «21) Há mais de 30 anos que os Autores e ante possuidores que representam passam pelo caminho em causa de e para os seus prédios a pé, com gado, carro de gado, tractor e maquinaria agrícola. (artigo 71º da petição inicial). 23) E tudo isto com o conhecimento e acatamento de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, e na convicção de estarem a exercer um direito próprio. (artigo 73º da petição inicial).».
c) Julgou provada uma linha de continuidade destes factos, nomeadamente, desde o tempo em que o prédios dos primeiros autores e o prédio indicado como prédio dos réus pertenciam à mesma pessoa: «24) Tal sucedia no tempo em que os prédios descritos em 1) e 13) pertenciam a A. B.. (artigo 48º da petição inicial, restritivamente e com esclarecimento). 25) Tendo-se mantido após as partilhas por óbito daquele. (artigo 49º da petição inicial, restritivamente e com esclarecimento).»
d) Julgou provada a partilha do património de A. B. por partilha, na qual não foram referidos ónus e servidões, nem intenções contrárias aos mesmos: «15) Por escritura de partilha de 10/07/1973, celebrada no Cartório Notarial de ..., que aqui se dá por reproduzida, foi partilhada a herança aberta por óbito de A. G. e A. B., que também usava os nomes de A. B. e A. B.s, tendo ali sido adjudicados, entre outros, os prédios que compunham o prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º... do livro n.º139».
C. «Se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas frações de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para o outro, serão esses sinais havidos como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas frações do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respetivo documento.» (art.1549º do CC).

A constituição de uma servidão por destinação de pai de família, de acordo com a norma supra enunciada e de acordo a sistematização de Luís Manuel Teles de Menezes Leitão (2), exige:

«a) que os dois prédios ou as duas fracções de um prédio tenham pertencido ao mesmo dono;
b) que existam sinais visíveis e permanentes reveladores de uma situação estável de serventia de um dos prédios em relação ao outro;
c) que os dois prédios ou fracções de um prédio tenham vindo a ser separados do mesmo domínio;
d) que não haja no documento relativo à separação nenhuma declaração contrária à existência desse encargo.».
C1. Tem sido entendido pela doutrina pela e jurisprudência, para os efeitos do preenchimento do requisito elencado nas alíneas a) (e a que se refere a alínea c) supra), que os prédios do mesmo dono não carecem de ser contíguos:
Pires de Lima e Antunes Varela defendem (3): «É também irrelevante que os prédios sejam contíguos ou que entre eles se situem outros prédios, uma via pública ou um terreno baldio (cfr. a nota 8 ao art.1543.º). A servidão constituir-se-á desde que exista uma relação de serventia entre os dois prédios que deixam de ter o mesmo dono, sendo indiferente o título (servidão, mera tolerância, licença administrativa, contrato com eficácia obrigacional, etc) em que assenta a utilização dos prédios ou terrenos intermédios (vide Antunes Varela, na Ver, de Leg. e de Jur., ano 115.º, pág.222).».
Rita Valente Ribeiro e Castro Teixeira também refere «É necessário que os dois prédios ou as duas fracções do prédio tenham pertencido ao mesmo dono. Não assume grande importância o facto de os prédios serem ou não contíguos, embora tal seja a regra.» (4).
Entre a jurisprudência, encontrou-se, também, neste sentido: sentença de Oliveira de Frades de 26-03-1999, que cita Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 03-06-1997, in CJ, III, p. 201 (5).
Assim, encontra-se provado que os prédios dos réus e dos primeiros autores pertenceram ao mesmo dono.
E, em conformidade com a doutrina citada, não impede a constituição de servidão por destinação de pai de família a falta de contiguidade entre os referidos prédios dos réus e dos 1º autores que foram pertença do mesmo dono, por se interpor entre ambos o prédio dos segundos autores (pelo qual também passa a parte final do caminho, necessário também ao acesso ao prédio dos primeiros autores, independentemente do título ou tolerância com que a passagem por aquele se faça).
C2. Quanto ao requisito da al. b) supra referido em C supra, de acordo com Menezes Leitão, «Tem-se entendido que esses sinais têm que ser inequívocos em relação à vontade ou consciência de proprietário de criar uma situação estável e duradoura de afectação de utilidades de um prédio em benefício do outro, uma vez que havendo equivocidade dos sinais não se pode considerar constituída a servidão por destinação de pai de família. Não interessa, no entanto, a forma como o proprietário primitivo tinha utilizado o prédio, resultando a serventia apenas dos sinais visíveis e permanentes que demonstrem inequivocamente a concessão de uma utilidade de um prédio em benefício de outro.» (6)
Examinando a matéria de facto provada e referida em B. supra, em confronto com o requisito da norma referida em C. supra e melhor exposta em C2., não pode deixar de entender-se que os factos provados permitem reconhecer: que o caminho calcado desde o prédio dos réus, que passa pelo prédio dos segundos autores até chegar ao prédio dos primeiros autores, desde há mais de 30 anos, e desde que os prédios dos réus e primeiros autores pertenciam ao mesmo dono (pelo menos há 43 anos na data da instauração da ação, em face da partilha de 1973), revela sinais visíveis e permanentes de serventia do prédio dos réus em benefício do prédio dos primeiros autores, com passagem pelo dos segundos autores; que, os períodos temporais referidos em 16, 17, em 21 e em 25, conjugadamente, permitem considerar que foi julgada uma permanência e estabilidade dos sinais, nomeadamente na data da separação do domínio.

Desta forma, está preenchido este requisito legal.

C3. Quanto ao requisito da al. c) supra, a separação de domínio dos prédios ou frações, por sua vez, de acordo com os mesmos autores Pires de Lima e Antunes Varela (7), «pode dar-se por qualquer título negocial (compra e venda, doação, troca, partilha, testamento, etc.) ou por outro título de transmissão (expropriação, usucapião, etc).».
Tendo em conta os factos provados, verifica-se: que a partilha do património do antigo dono do prédio dos réus e dos primeiros autores ocorreu em 1973; que o prédio dos primeiros autores tem a aquisição da propriedade inscrita em seu nome.

Assim, encontra-se, também, preenchido este requisito legal.

C4. A partilha do património de A. B. não mencionou a servidão, nem qualquer intenção contrária à manutenção da passagem (do prédio dos réus, para o prédio dos primeiros autores, intermediado pelo prédio dos segundos autores). Na parte final da escritura julgada reproduzida no facto 15), encontra-se mencionado apenas, após a indicação dos herdeiros, de cada uma das verbas, das adjudicações realizadas e da quitação de tornas, a declaração, a fls.82 destes autos, que «os prédios rústicos adjudicados a qualquer dos partilhantes não confinam com os prédios da mesma natureza adjudicados aos restantes.», o que não configura qualquer intenção, nomeadamente, que o prédio serviente não fosse onerado com o caminho pelo qual se acedia ao prédio rústico dos atuais 1ºs autores.
Desta forma, e por último, encontra-se verificada a última condição da norma.
Encontrando-se verificados os requisitos de que depende a constituição de servidão por destinação de pai de família, nada há a censurar à sentença recorrida neste segmento.

2.2.2. Reapreciação da extensão da servidão de passagem:

A sentença recorrida condenou aos réus/recorrentes em V-c) e d) da decisão, a reconhecerem a existência de servidões, constituídas uma por destinação de pai de família (em favor dos primeiros autores) e outra por usucapião (em favor dos segundos autores), durante todo o ano, «a pé, com gado, carro de gado, tractor e maquinaria agrícola), o qual se exerce todo o ano
No recurso de apelação, os réus recorrentes declararam, nomeadamente, não concordar com a sentença quanto ao reconhecimento da existência de uma servidão de passagem, a favor do prédio dos autores, exercida todo o ano, após o que apresentaram a impugnação à matéria de facto apreciada em 2.1.
Interpretada esta oposição e impugnação, e apesar de imperfeita expressão do pedido e conclusões, depreende-se que os autores pretenderam, com a alteração do facto 22), a reapreciação jurídica da sentença em face da alteração da matéria de facto.
Na decisão de impugnação da matéria de facto alterou-se a redação do facto 22), de «o que ocorre todo o ano» para a exclusão da passagem de carros agrícolas e gado (gado, carro de gado, tractor e maquinaria agrícola) pelo menos entre 29 de junho e 29 de setembro, em relação aos factos de uso de passagem provados em 21), que determinaram que a sentença reconhecesse a constituição de servidões por destinação de pai de família em favor dos primeiros autores (nos termos confirmados em 2.2.1. supra) e por usucapião em favor dos segundos autores (de forma não contestada neste recurso).
«As servidões são reguladas, no que respeita à sua extensão e exercício, pelo respetivo título; na insuficiência do título, observar-se-á o disposto nos artigos seguintes.» (art.1564º do C.C.).
Em relação a esta parte final da norma enunciada, prescreveu o legislador «1. O direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação. 2. Em caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício, entender-se-á constituída a servidão por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente.» (art.1565º do C.C.).

Assim, nos termos e para os efeitos dos arts. 1564º e 1565º do CC e em referência aos arts.1547º/1, 1548º e 1549º do CC:

a) Deve-se reduzir para 29 de setembro a 29 de junho o período de tempo anual em que é possível o exercício das servidões de passagem com gado, carro de gado, trator e maquinaria agrícola, de acordo com o uso que as constituiu por usucapião e por destinação de pai de família, uma vez que, tendo-se provado em 22) que a passagem provada em 21) não era usada entre 29 de junho a 29 de setembro, apenas poderia ocorrer no resto do ano.
b) Deve-se manter em todo o ano o período exercício possível das servidões de passagem a pé, uma vez que foi julgada provada a passagem em 21) e não foi provada uma restrição à mesma a este título no facto 22).

2.2.3. Condenação em custas:

A. Os réus pediram a revisão da proporção da sua condenação em custas de 4/5 para 2/5, defendendo: que os autores formularam 7 pedidos; que o pedido de reconhecimento de propriedade feito pelos autores sobre os seus imóveis teria sempre que ser feito para garantir a sua legitimidade, pedido ao qual os réus não se opuseram; que os pedidos 2º e 3º, 6º e 7º foram julgados apenas parcialmente procedentes; que os pedidos 4º e 5º foram julgados totalmente improcedentes.
Ora, os recorrentes podem pedir a reforma da condenação em custas nas alegações de recurso (art.616º/1 e 3 do CPC).

B. De acordo com o regime legal:

Por um lado, para a fixação do valor processual da ação, nos termos dos arts.296º ss do CPC: apenas são atendidos os pedidos de tutela substantiva e na parte que “represente a utilidade económica do pedido” (art. 296º/1 do CPC), sendo que «No caso de pedidos alternativos, atende-se unicamente ao pedido de maior valor e, no caso de pedidos subsidiários, ao pedido formulado em primeiro lugar.» (art.297º/3 do CPC); não são atendidos os pedidos de consequências tributárias da ação (como pedidos de condenação em custas e no seu conteúdo).

Por outro lado, na condenação em custas: «1. A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas as partes que a elas tenham dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. 2. Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for.» (art.527º do CPC); «1. Quando o réu não tenha dado causa a ação e não a conteste, são as custas pagas pelo autor. 2. Entende-se que o réu não deu causa à ação: a) Quando o autor se proponha exercer um mero direito potestativo, que não tenha origem em qualquer facto ilícito praticado pelo réu.» (art.535º/1 e 2-a) do CPC). Conforme definição de Miguel Teixeira de Sousa «Os direitos potestativos de exercício necessariamente jurisdicional são direitos à constituição de uma determinada situação jurídica por um tribunal. Depois de a situação jurídica se encontrar constituída pelo tribunal, não mais se pode falar de um direito à constituição dessa situação.» (8).

Examinando os pedidos formulados (relatados em I- 1- 1.1. supra) e a sentença proferida e recorrida (que condenou as partes em custas na proporção de 4/5 para os réus e de 1/5 para os autores) e o regime geral, verifica-se:

Por um lado, para a apreciação dos valores processuais e tributários dos pedidos:

a) Não se atenderão aos pedidos formulados em f) e g) referidos em I- 1.1. supra, pois tratam-se apenas de pedidos correspondentes à responsabilidade pelas custas da ação (interpretando-se, assim, também o pedido f), apesar da imperfeita formulação), não integrando a aferição do decaimento.
b) Atender-se-ão aos 4 pedidos substantivos cumulativos (a), b) ou c), d) e e), relatados em I-1.1. supra), nos seguintes termos:
b1) Ao valor económico do pedido de reconhecimento de servidão de passagem formulado em b), nos termos do art.296º/1 do CPC, uma vez: que o pedido de reconhecimento da propriedade a) corresponde apenas a um pressuposto do pedido de reconhecimento da servidão (b) ou c) supra), pedido aquele que não foi contestado pelos réus, que se limitaram a contestar este; que o pedido de reconhecimento de servidão c) é subsidiário do pedido de reconhecimento de servidão de b) (subsidiariedade apenas quanto ao fundamento da constituição e não quanto ao efeito de reconhecimento da servidão), fazendo com que apenas este valor seja atendível, nos termos do art.297º/3 do CPC.
b2) Ao valor económico do pedido de condenação dos réus no pagamento do valor diário de € 2, 50 desde outubro de 2015, a liquidar em execução de sentença, referido em d).
b3) Ao valor económico do pedido de condenação dos réus no pagamento da indemnização por danos não patrimoniais no montante que vier a ser liquidado em sede de execução da sentença, referido em e), que o Tribunal a quo julgou implicitamente integrado no valor global da ação (quando julgou extinto o pedido no despacho saneador, por falta de indicação de valor, nos termos do art.305º/3-1ª parte do CPC, com a seguinte condenação em custas “Custas pelos autores, a considerar a final”).
O valor processual da ação foi fixado em € 10 000, 00 no despacho saneador, sendo que neste: o valor processual do pedido referido em b2) alcança o valor de € 420, 00 na data da instauração da ação (achado pela multiplicação de 168 dias, entre 1 de outubro de 2015 e a data da instauração da ação de 16 de março de 2016, pelo valor diário pedido de € 2, 5); os pedidos referidos em b1) e b2) devem considerar-se contabilizados pelo valor restante de € 9 580, 00.

Por outro lado, na apreciação responsabilidade das partes pelo decaimento da ação, nos termos do art.527º/1 e 2 do CPC:

a) Quanto ao pedido de constituição de servidão referido em b1), verifica-se: que na sentença os réus decaíram quanto à totalidade do pedido dos autores (por si contestado parcialmente: quanto ao reconhecimento da servidão a pé e condução de gado, por terem entendido existir apenas em carro; quanto à duração, que defenderam ocorrer apenas nas sementeiras de maio e nas colheitas em setembro); que, através deste acórdão (que faz proceder em 4/5 do pedido da restrição de passagem pedida), os autores obtiveram 20% de decaimento e os réus 80% de decaimento em relação aos pedidos iniciais (pediram reconhecimento de servidão de passagem por 5 vias em 12 meses; obtiveram o reconhecimento de passagem por 4 vias em 9 meses e por uma via passível de se estender a 12 meses).
b) Quanto ao pedido de condenação na indemnização de b2), verifica-se: que foi julgado improcedente na sentença, tendo os autores decaído na totalidade do pedido.
c) Quanto ao pedido de condenação dos réus no pagamento da indemnização por danos não patrimoniais no montante que viesse a ser liquidado em sede de execução da sentença, julgado extinto no despacho saneador (por falta de indicação de valor) com a seguinte condenação em custas “Custas pelos autores, a considerar a final”, verifica-se: que os autores também decaíram na totalidade do pedido, sem valor tributário; que o despacho, implicitamente, remeteu apenas a responsabilização dos autores em custas para a proporção com que fossem condenados a final.
Em face dos decaimentos enunciados, pode concluir-se o seguinte.
Por um lado, deve julgar-se improcedente o pedido de reforma da proporção da sua condenação em custas da sentença da 1ª instância de 4/5 (80%) para 2/5 (40%), uma vez que, em 1ª instância: os autores decaíram em 4,20% e os réus em 95, 80% dos pedidos com valor económico atribuído e considerado.
Por outro lado, deve corrigir-se a condenação global em custas, na sequência da alteração do decaimento deste acórdão, devendo as custas globais da causa ser suportadas na proporção de 25% para os autores e de 75% para os réus.

IV. Decisão:

Pelo exposto, as juízes desta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, julgando parcialmente procedente o recurso de apelação, determinam a alteração da extensão das condenações de V-c) e d) da sentença recorrida, para os seguintes termos (sublinhados):

b) Condenam-se os Réus a reconhecer que o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º .../... (descrição em livro n.º ... do livro n.º 139), denominado “Quinta do ...”, sito no lugar de ..., se encontra onerado com uma servidão de passagem em benefício do prédio dos primeiros Autores, constituída por destinação de pai de família a pé durante todo o ano, e com gado, carro de gado, trator e maquinaria agrícola apenas entre 29 setembro e 29 de junho de cada ano, através do seguinte percurso: inicia-se num caminho de terra batida com a largura inicial de cerca de 3 metros e média de cerca de 2,50 metros, na confrontação Norte do prédio misto propriedade dos Réus, e prolonga-se numa extensão de cerca de 170 metros até ao prédio dos segundos Autores, continuando depois numa extensão de cerca de 50 metros até chegar ao prédio dos primeiros Autores.
d) Condenam-se os Réus a reconhecer que o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º .../... (descrição em livro n.º ... do livro n.º 139), denominado “Quinta do ...”, sito no lugar de ..., se encontra onerado com uma servidão de passagem em benefício do prédio dos segundos Autores, constituída por usucapião, a pé durante todo o ano, e com gado, carro de gado, trator e maquinaria agrícola apenas entre 29 setembro e 29 de junho de cada ano, a qual se exerce através do seguinte percurso: inicia-se num caminho de terra batida com a largura inicial de cerca de 3 metros e média de cerca de 2,50 metros, na confrontação Norte do prédio misto propriedade dos Réus, e prolonga-se numa extensão de cerca de 170 metros até ao prédio dos segundos Autores.
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Custas da apelação pelos recorrentes na proporção de 60% e pelos recorridos na proporção de 40%.
Custas da causa na proporção de 25% para os autores e de 75% para os réus.
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Guimarães, 23 de abril de 2020
Elaborado, revisto e assinado eletronicamente pelas Juízes Desembargadoras Relatora e Adjuntas

Alexandra Viana Lopes
Anizabel Sousa Pereira
Rosália Cunha

Sumário:

1. A apreciação da prova testemunhal sobre os factos constitutivos do direito de aquisição de uma servidão de passagem por usucapião e por destinação de pai de família, em que a utilização da passagem pelo prédio serviente para os prédios dominantes fundava-se e poderia ser limitada pelas práticas agrícolas dos referidos prédios, podem e devem ser valorados os usos e costumes sobre as finalidades agrícolas dos prédios e das passagens e sobre as culturas naquela localidade e freguesia, em conjugação com a demais prova produzida, a apreciar globalmente de acordo com as regras da experiência e da normalidade na região do litígio e no tempo de discussão dos factos.
2. A constituição de servidão por destinação de pai de família, nos termos e para os efeitos do art.1549º do CC: não carece que os prédios ou frações que tenham pertencido ao mesmo dono sejam confinantes ou contíguos; pode ocorrer mesmo quando entre os prédios se intermedeie outro, utilizado nessa altura sem título constitutivo de servidão (nomeadamente por ser utilizado por mera tolerância), quando na altura da partilha jurídica dos dois prédios do mesmo dono existam sinais visíveis e permanentes que revelam serventia de um para outro dos prédios, sem que na partilha seja declarada outra intenção em contrário.
3. A improcedência de um pedido de reforma da condenação em custas em primeira instância não impede a revisão da condenação das custas na causa, decorrente das proporções dos decaimentos introduzidas pela decisão do acórdão da Relação.


1. Ana Luísa Geraldes, inImpugnação e Reapreciação da Matéria de Facto”, 2012, pág.4, 2 e 3, publicado in, nomeadamente, http://www.cjlp.org/materias/Ana_Luisa_Geraldes_Impugnacao_e_Reapreciacao_da_Decisao_da_Materia_de_Facto.pdf
2. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Direitos Reais, Almedina, 8ª edição, fevereiro 2019, pág.368.
3. Pires de Lima e Antunes Varela, com a colaboração de Henrique Mesquita, in Código Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 1987, anotação 4 ao artigo 1549º, pág. 632 e 633.
4. Rita Valente Ribeiro e Castro Teixeira, in «Da Extinção por Desnecessidade das Servidões por Destinação do Pai de Família», disponível no repositória da Universidade Católica em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/15794/1/DISSERTA%C3%87%C3%83O%20DE%20MESTRADO%20RITA%20V.%20RIBEIRO%20E%20CASTRO%20TEIXEIRA.pdf. No sentido indicado, esta autora refere «Neste sentido, SCHWAB, Sachenrecht: ein Studienbuch, 32ª ed., Munique, 2006, p. 343; BERCOVITZ RODRÍGUEZ-CANO (coord.), ob. cit., p. 664; CHABAS, Leçons de Droit Civil, Tome II, Biens, Droit de propriété et ses démembrements, 8ª ed., Paris, 1994, p. 437 e WEILL, Droit Civil, Les Biens, 12ª ed., Paris, 1974, p. 556. Também neste sentido Ac. STJ de 15.01.1981, processo nº 069070.»
5. https://www.verbojuridico.net/jurisp/1instancia/1i_servaqueduto.html
6. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in ob citada em ii, pág. 369.
7. Pires de Lima e Antunes Varela, in ob. Citada em iii), nota 7 ao art.1549º, pág.635.
8. Miguel Teixeira de Sousa, a 24.09.2015, in https://blogippc.blogspot.com/search?q=direito+potestativo