Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
816/14.0PAVNF.G1
Relator: ANTÓNIO TEIXEIRA
Descritores: RECURSO
MINISTÉRIO PÚBLICO
INTERESSE EM AGIR
ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Nº 2/2011
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO
REJEITADO O RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
Se, no decurso do processo, o Ministério Público toma posições contraditórias, designadamente recorrendo de decisão judicial de teor idêntico àquele com o qual concordou anteriormente, incorre em venire contra factum proprium e ofende os princípios da boa-fé e lealdade processual, carecendo, pois, de interesse processual em agir
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

1. No âmbito do Processo Comum Colectivo nº 816/14.0PAVNF, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Criminal de Guimarães, Juiz 1, foram submetidos a julgamento os arguidos:

1.1. Manuel, filho de … e de …, natural de Fafe, nascido no dia ..., divorciado, motorista de longo curso, residente na Rua ..., freguesia de ..., Fafe;
1.2. V. P., filho de … e de …, natural da freguesia de ..., Guimarães, nascido em ..., divorciado, instrutor de condução (reformado), residente na Rua ... em ..., Guimarães;
1.3. P. C., filho de … e de …, natural de ..., Vila Nova de Famalicão, nascido no dia …, casado, maquinista, residente na Rua …, Vila Nova de Famalicão; e
1.4. R. J., filho de … e de …, natural de ..., Guimarães, nascido no dia …, solteiro, empregado de armazém (desempregado), residente na Rua …, Guimarães.

2. Por acórdão de 09/04/2018, depositado no mesmo dia, foi deliberado (transcrição 1):
a) absolver o arguido Manuel da prática, em co-autoria material, de oito crimes de burla;
b) absolver o arguido Manuel da prática, em co-autoria material, de quatro crimes de falsificação de documento;
c) absolver o arguido V. P. da prática, em co-autoria material, de sete crimes de burla;
d) absolver o arguido V. P. da prática, em co-autoria material, de três crimes de falsificação de documento;
e) absolver o arguido P. C. da prática, em co-autoria material, de cinco crimes de burla;
f) absolver o arguido P. C. da prática, em co-autoria material, de um crime de falsificação de documento;
g) absolver o arguido R. J. da prática, em co-autoria material, de um crime de falsificação de documento;
h) condenar o arguido Manuel pela prática, em co-autoria material, de um crime de burla, p. e p. pelo art. 217º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 7 meses de prisão;
i) condenar o arguido Manuel pela prática, em co-autoria material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.ºs 1, als. a), b), e) e f), e n.º 3, do Código Penal, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão;
j) em cúmulo jurídico, vai este arguido condenado na pena única de 1 ano e 4 meses de prisão;
l) determinar a execução da pena de prisão de aplicada ao arguido Manuel no regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, caso nisso consinta;
m) condenar o arguido V. P. pela prática, em co-autoria material, de um crime de burla, p. e p. pelo art. 217º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 150 dias de multa, à razão diária de 5 €;
n) condenar o arguido V. P. pela prática, em co-autoria material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.ºs 1, als. a), b), e) e f), e n.º 3, do Código Penal, na pena de 300 dias de multa, à razão diária de 5 €;
o) em cúmulo jurídico, vai este arguido condenado na pena única de 350 dias de multa, à razão diária de 5 €, o que perfaz o montante de 1.750,00 €;
p) condenar o arguido P. C. pela prática, em co-autoria material, de um crime de burla, p. e p. pelo art. 217º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 110 dias de multa, à razão diária de 5 €;
q) condenar o arguido P. C. pela prática, em co-autoria material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.ºs 1, als. a), b), e) e f), e n.º 3, do Código Penal, na pena de 150 dias de multa, à razão diária de 5 €;
r) em cúmulo jurídico, vai este arguido condenado na pena única de 190 dias de multa, à razão diária de 5 €, o que perfaz o montante de 950 €;
s) condenar o arguido R. J. pela prática, em co-autoria material, de um crime de burla, p. e p. pelo art. 217º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 meses de prisão;
t) condenar o arguido R. J. pela prática, em co-autoria material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, n.ºs 1, als. a), b), e) e f), e n.º 3, do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão;
u) em cúmulo jurídico, vai este arguido condenado na pena única de 10 meses de prisão;
v) determinar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido R. J. pelo período de um ano;
x) condenar os arguidos Manuel e V. P., solidariamente, a pagar ao Estado a quantia de 346.95 €;
z) condenar os arguidos Manuel e R. J., solidariamente, a pagar ao Estado a quantia de 149,55 €;
aa) condenar os arguidos Manuel, V. P. e P. C., solidariamente, a pagar ao Estado a quantia de 576,78 €;
bb) declarar perdidos a favor do Estado a impressora e respectivos cabos apreendidos nos autos;
cc) ordenar a devolução dos tinteiros apreendidos ao arguido Manuel;
dd) condenar os demandados civis Manuel, V. P. e P. C., solidariamente, no pagamento ao demandante “X – Cash & Carry, S.A.” da quantia de € 642,64 (seiscentos e quarenta e dois euros e sessenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data do presente acórdão e até integral pagamento;
ee) condenar os demandados civis Manuel, V. P. e P. C., solidariamente, no pagamento ao demandante “Y – Supermercados, L.da” da quantia de € 143,76 (cento e quarenta e três euros e setenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data do presente acórdão e até integral pagamento (…).”
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2.1. Inconformado com tal condenação, veio o arguido Manuel interpor o presente recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):

1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida a fls., que:
- Absolveu o arguido Manuel da prática em co-autoria material de oito crimes de burla;
- Absolveu o arguido Manuel, de quatro crimes de falsificação de documento;
- Condenou o arguido Manuel pela prática em co-autoria material, de um crime de burla, p. e p. pelo artigo 217º, nº 1 do Código Penal na pena de sete meses de prisão;
- Condenou o arguido Manuel pela prática em co-autoria material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1 al. a), b), e) e f) e nº 3 do Código Penal, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão.
- Condenou em cúmulo jurídico na pena única 1 ano e quatro meses de prisão;
- Determinou a execução da pena de prisão aplicada ao arguido Manuel no regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância caso nisso consinta;
- Condenou os arguidos Manuel e V. P., solidariamente a pagar ao Estado a quantia de € 346,95;
- Condenou os arguidos Manuel e R. J., solidariamente a pagar ao Estado a quantia de € 149,55;
- Condenou os arguidos Manuel e V. P. e P. C., solidariamente a pagar ao Estado a quantia de € 576,78;
- Declarou perdidos a favor do Estado a impressora e respectivos cabos apreendidos nos autos;
- Ordenou a devolução dos tinteiros apreendidos ao arguido Manuel;
- Condenou os demandados civis Manuel, V. P. e P. C., solidariamente, no pagamento ao demandante “X Cash & Carry, SA”, da quantia de € 642,64 (seiscentos e quarenta e dois euros e sessenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data do presente acórdão e até integral pagamento;
- Condenou os demandados civis Manuel, V. P. e P. C., solidariamente, no pagamento ao demandante “Y – Supermercados, Lda.”, da quantia de €143,76 (cento e quarenta e três euros e setenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data do presente acórdão e até integral pagamento;
- Custas na parte criminal pelos arguidos, com taxa de justiça de 3 UC’s (cfr artigos 513º e 514º do C.P.P. e artigos 3º, nº1 e 8º nº 9 do Regulamento das Custas Judiciais e tabela III anexa a tal diploma), sendo a do arguido V. P. reduzida a metade.
- Custas da parte civil elos demandados Manuel, V. P. e P. C. (artigos 527º, nº 1 e 2 do C.P.C., ex vi do artigo 523º do C.P.P.)
2. Salvo o devido respeito, que é muito, que os Meritíssimos Juízes que compõem o Tribunal Colectivo aqui recorrido nos merecem, o recorrente não se pode conformar com a condenação decidida no Acórdão recorrido, seja na parte criminal, seja na parte civil.
3. No Acórdão aqui posto em crise foram dados como provados factos que não o poderiam ter sido face à prova produzida em audiência, sendo o arguido condenado pela prática de um crime que não cometeu,
4. e sem prescindir, as penas aplicadas são excessivas e deve ser ponderada e revista a possibilidade de aplicar o instituto da suspensão da pena de prisão na sua execução, pelo que se impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto e de direito;
5. Atenta a factualidade dada como provada e não provada e que supra se transcreveu e por brevidade aqui se dá por reproduzida, diga-se, que o Acórdão ora posto em crise julgou incorrecta e erradamente determinados factos quanto ao arguido Manuel.
6. A factualidade dada como provada no que ao suposto envolvimento do arguido Manuel nos factos diz respeito assenta essencialmente nas declarações do co-arguido V. P..
7. Entendeu o Tribunal “a quo” que as declarações prestadas por este co-arguido o foram de forma espontânea e séria, tendo assumido os factos que lhe vinham imputados, descrevendo a sua participação nos factos e a dos demais arguidos. Disse ainda estar arrependido da prática dos factos.
8. Salvo o devido respeito que é muito, não concordamos com o Tribunal “a quo” na valoração que faz das declarações do arguido V. P., por serem muitas incongruências que resultaram das declarações prestadas por este co-arguido V. P. as quais foram prestadas em 29.01.2018 e se encontram gravadas através de sistema integrado de gravação digital com inicio as 10h57 até às 11h50.
9. O arguido V. P. quando confrontado com a relação que mantinha com o arguido Manuel tentou ocultar que mantinha com o mesmo negócios relacionados com a compra e venda de carros e ainda que houve negócios relacionados com um café que era da propriedade do arguido V. P., facto que ficou demonstrado pela inquirição da testemunha N. C. cujo depoimento está gravado na sessão do dia 12.03.2018 entre as 15h41m36s e as 15h46m38s.
10. O arguido V. P. tentou ainda ocultar que o arguido Manuel iniciou a instrução para carta de condução de veículos pesados na sua escola de condução. Facto que foi corroborado quer pelas declarações das testemunhas de defesa designadamente a testemunha J. P., cujo depoimento está gravado na sessão de12.03.2018, entre as 15h47m23s e as 15h56m07s e pela junção de uma declaração emitida pelo IMT onde se refere que foi a escola de condução pertença do arguido V. P. – Escola de Condução que solicitou a primeira licença de aprendizagem, para categoria C – declaração que foi junta na sessão de audiência de discussão e julgamento do dia 12.03.2018.
11. O arguido V. P. ocultou ainda que após ter saído da escola de condução se manteve como director técnico da mesma ainda que por questões burocráticas, tendo apenas assumido essa situação após grande insistência na inquirição feita.
12. Ficou demonstrado que o arguido V. P. manteve na casa do arguido Manuel, quer em Fafe, quer em Guimarães, materiais que lhe pertenciam e que vinham da escola de condução – vide declarações do arguido V. P. as quais foram prestadas em 29.01.2018 e se encontram gravadas através de sistema integrado de gravação digital com início as 10h57 até às 11h50.
13. O arguido V. P. apenas foi referindo aquilo que queria e que pretendia de forma ardilosa.
14. Por outro lado, o Tribunal “a quo” sustenta a sua convicção também no facto de ter sido apreendida ao arguido Manuel uma impressora de impressão de jactos de tinta e no facto de o arguido Manuel ser técnico de electrónica e por esse motivo conhecer obrigatoriamente de computadores e programação, com o que não concordamos.
15. As funções exercidas pelos técnicos de electrónica nada têm a ver com a manipulação de computadores ou de programas informáticos.
16. O Tribunal a quo confunde técnico electrónico com um técnico informático.
17. Um técnico de electrónica atua basicamente com o desenvolvimento, implementação e manutenção preventiva e corretiva de circuitos elétricos e eletrônicos, provenientes de fontes de energia renováveis ou não-renováveis.
18. Os técnicos electrónicos laboram essencialmente no interior das máquinas, designadamente com a parte mecânica e não manipulam computadores ou programas.
19. Os conhecimentos que o arguido Manuel tem da sua profissão não lhe permitem saber manipular programas de computadores como afirma o Tribunal “a quo”, sendo errada a conclusão a que chega o Tribunal “a quo” para sustentar a sua convicção.
20. Quanto à impressora supostamente usada para imprimir eventuais cheques, importa salientar que o próprio arguido V. P. referiu nas suas declarações gravadas na sessão de 29.01.2018 através de sistema integrado de gravação digital com inicio as 10h57 até às 11h50, que os cheques foram alegadamente impressos numa impressora que o próprio V. P. tinha adquirido e pago em Novembro de 2014.
21. E não em qualquer impressora propriedade do arguido Manuel e apreendida nos autos.
22. Sendo que a impressora que foi apreendida nos autos era pertença do arguido Manuel, o qual juntou a respectiva factura de aquisição datada de 22.04.2014.
23. A impressora apreendida nada tem a ver com a impressora que foi referida pelo arguido V. P..
24. Pelo que, não pode o Tribunal a quo formar a sua convicção quanto ao arguido Manuel pelo simples facto de ser proprietário de uma impressora.
25. Ou estas declarações do arguido V. P. são tidas como credíveis pelo Tribunal e aí não se pode imputar ao arguido Manuel a propriedade de uma impressora para imprimir cheques, ou então tais declarações não são credíveis e como tal, não podem ser valoradas para formar a convicção do Tribunal apenas para condenar o arguido Manuel.
26. A perícia realizada à impressora do arguido Manuel também não permite concluir que foi nessa impressora que os cheques em causa foram impressos.
27. Da mera análise dos cheques e dos cartões de cidadão também não se pode concluir que foi o arguido Manuel quem adulterou os números ou fabricou os cheques.
28. Não se percebe como é que o Tribunal forma, com base nestes factos, a sua convicção para condenar o arguido Manuel nos termos em que o fez.
29. A única prova produzida prende-se com as declarações do co-arguido V. P., as quais, não foram prestadas de forma espontânea e séria mas antes muito bem estudadas e direcionadas para incriminar o arguido Manuel indicando-o como mentor deste esquema, do qual praticamente só o arguido V. P. e P. C. beneficiaram.
30. O Arguido P. C. referiu bem que não conhecia o arguido Manuel.
31. Nenhuma das testemunhas ouvidas conhecia o arguido Manuel.
32. Não se percebe por que razão o Tribunal valorou o depoimento do arguido V. P. como o fez em detrimento de valorar as declarações que foram prestadas pelo arguido Manuel, o qual negou peremptoriamente a prática dos factos, tendo explicado em que condições acompanhou por duas vezes o arguido V. P. aos supermercados.
33. O arguido Manuel depôs de forma séria e tranquila, explicando tudo quanto lhe era questionado, sem omitir quaisquer situações contrariamente ao que sucedeu com o arguido V. P..
34. Analisada toda a demais prova produzida nos autos, em momento algum é referido o nome ou a pessoa do Manuel, nem mesmo o arguido pode ser relacionado com a prática dos ilícitos descritos na Acusação.
35. Da própria análise feita da prova pelo Tribunal “a quo”, resulta que nenhuma testemunha conhece o arguido Manuel ou sequer teve contacto com este arguido.
36. Também não se percebe como é que o Tribunal “a quo” chega à convicção de que o arguido Manuel e R. J. tenham conjecturado o que quer que fosse, como referido nos pontos 5, 6, 7, 14, 145 e 146 da matéria de facto dada como provada.
37. O arguido R. J. não prestou declarações, não tendo sido produzido mais nenhuma prova que ligasse estes arguidos entre si ou susceptível de dar como provada a matéria de facto constante dos pontos supra elencados.
38. Toda a factualidade dada como provada quanto ao envolvimento conjunto destes dois arguidos em qualquer esquema não encontra qualquer sustento na fundamentação da decisão. Em momento algum o Tribunal explica ou demonstra como consegue dar por provada a ligação entre os arguidos Manuel e o arguido R. J..
39. Devendo, por esse motivo, toda a factualidade dada como provada sob os pontos 5, 6, 7, 14, 145 e 146 ser dada como não provada, pois não existe qualquer prova sobre tal factualidade.
40. Ao Tribunal não basta alicerçar-se na convicção se essa mesma convicção não tem qualquer sustento em provas produzidas ao longo do processo. A convicção do Tribunal deve formar-se pela análise crítica da prova, o que “in casu” não sucedeu. A convicção do Tribunal não tem qualquer apoio na prova produzida.
41. É um risco imenso que o Tribunal “a quo” quis correr, colocando ao largo, o principio “in dubio pro reo”, e afastando igualmente a certeza e a segurança que uma condenação deste tipo exige.
42. À luz do direito penal, só se pode condenar alguém se for possível imputar-lhe a realização de todos os pressupostos e condições legais exigidos para o efeito, devendo ditar-se uma absolvição se se provarem factos que neguem a possibilidade dessa imputação, ou se aqueles pressupostos e condições se não se verificarem no caso concreto.
43. E nestes autos claramente deveria ter sido ditada uma absolvição, uma vez que, de forma alguma, racional e logicamente, se poderia ter dado como provada a imputação ao arguido dos comportamentos descritos e integrantes do crime de burla e do crime de falsificação de documento.
44. A prova directa dos factos sujeitos a comprovação judicial na audiência de julgamento foi confusa, pouco coerente, contraditória, sendo também diminuta e despicienda a prova indiciária reunida e analisada em audiência.
45. A convicção do Tribunal “a quo” deveria ser adquirida através de um processo racional, ponderado e maturado, alicerçado e objectivado na análise crítica dos diversos dados e contributos carreados pelas provas produzidas, no máximo respeito pelo princípio da presunção da inocência e da verdade material e da legalidade.
46. Pese embora o Tribunal ter como principio a livre apreciação da prova, deve fazer-se em obediência a regras próprias, desde logo, atender aquilo que efectivamente foi dito e presenciado.
47. O que de facto não aconteceu.
48. No presente caso, deveria operar o princípio “in dubio pro reu”, por existirem dúvidas quanto à participação do recorrente nos crimes descritos nos autos.
49. Neste contexto deve o arguido ser absolvido da prática do crime de burla e falsificação de documento.
50. Ao não o fazer o tribunal “a quo” violou o princípio da verdade material, o principio da presunção da inocência, o principio do in dubio pro reo, o principio da legalidade e das garantias do processo-crime.
51. Ao ter julgado de facto de outra forma, para além de haver uma errada avaliação e valoração da prova produzida em julgamento e contradição insanável entre a prova produzida e a matéria de facto assente, violou, o Tribunal “a quo” no Acórdão, reitere-se o princípio da presunção de inocência do arguido, as garantias do processo-crime, o princípio da verdade material, e o princípio da legalidade, bem como o princípio da livre apreciação da prova.
52. Não se encontrando provada a matéria de facto inerente ao crime, sempre deve improceder a totalidade dos pedidos de indemnização civil. Pois, não existindo crime, não há obrigação de indemnizar por não existir qualquer dano.
53. Assim, atento o supra exposto, a decisão recorrida encontra-se inquinada do vício a que alude o artigo 410º, nº 2 alínea c) do Código de Processo Penal.
54. Por tudo quanto fica exposto, por não haver prova cabal que sustente o envolvimento do arguido Manuel na prática dos factos descritos, sempre o arguido Manuel deve ser absolvido da prática dos crimes de burla e de falsificação de documento.
55. Caso o Tribunal assim não entenda, o que não se percebe, nem concede, mantendo a matéria de facto provada, apenas e só com base nas declarações pouco credíveis e contraditórias do co-arguido V. P., sempre deve a matéria de facto constante dos artigos 5, 6, 7, 14, 145 e 146 ser dada como não provada por não existir qualquer prova que a sustente.
56. Caso o Tribunal entenda ser de manter a condenação ainda que com as correcções inerentes à matéria de facto que deve ser alterada e dada por não provada, o que apenas se concebe por hipótese académica, sempre se dirá que a pena aplicada ao arguido em penas parcelares de 1 ano e 2 meses de prisão para o crime de burla e 7 meses para o crime de falsificação de documento e em cúmulo jurídico de 1 ano e 4 meses de prisão a cumprir no regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, é completamente desproporcionada e contraria aos princípios penais.
57. No caso concreto os crimes em crise permitem a escolha da pena (porque puníveis com prisão ou multa).
58. Na escolha da pena quanto ao arguido Manuel, o Tribunal “a quo” optou pela pena privativa da liberdade, por o mesmo ter antecedentes criminais e não ter revelado arrependimento pelos factos que praticou.
59. Na fixação da medida da pena é necessário ordenar, relacionando-as, a culpa, a prevenção geral e a prevenção especial, tendo-se para isso em conta os quadros agravativos e atenuativos, sob pena de se frustrarem as finalidades da sanção, ou seja, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do arguido na sociedade.
60. Atento o disposto no nº 2 do artigo 40º e os elementos contidos no artigo 71º ambos do Código Penal, resulta que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente, as exigências de prevenção, tendo-se sempre em linha de conta todas as demais circunstâncias que deponham a favor do arguido ou contra ele, embora não fazendo parte do tipo de crime.
61. Para aferir e determinar a medida da pena, há que valorar o grau de culpa do agente - devendo o facto ilícito ser valorado em função do seu efeito externo -, e, por outro lado, atender às necessidades de prevenção - cfr. artigo 71º do Código Penal.
62. Na determinação da medida da pena há que, num primeiro momento, escolher o fim da pena, depois há que fixar os factores que influem no seu doseamento, tecendo-se, por fim, os considerandos que fundamentam a pena concreta aplicável. Aliás, "na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos das penas" cfr. art. 71º, n.º 3 do Código Penal.
63. O Tribunal a quo violou, como de seguida se demonstrará, o disposto no artigo 71º do Código Penal, por incorrecta e imprecisa aplicação.
64. Há que respeitar a livre apreciação da prova e a convicção do Tribunal, sem, contudo, se descurar o facto de assistir ao arguido o direito de exigir que a decisão que determina a sua condenação - em especial a privação da sua liberdade - seja criteriosamente fundamentada e se sustente em factos que permitam, só por si, valorar o grau de ilicitude e a intensidade do dolo.
65. Na concreta medida da pena sempre deve ser considerada em última instância a alteração da factualidade provada nos termos expostos e assim considerando deve operar uma redução das penas parcelares aplicadas ao arguido por haver uma redução dos factos imputáveis ao arguido, bem como uma ponderação sobre a aplicação de uma pena não privativa da liberdade atenta a redução de factos considerados provados.
66. Operando esta redução das penas parcelares, sempre deve ser realizado novo cúmulo jurídico.
67. Caso se mantenha a decisão de aplicar uma pena privativa da liberdade ao arguido Manuel, o que não se concebe, atenta a prova produzida em julgamento, sempre se dirá que deve ser apreciada a possibilidade de se suspender a sua execução, pois que, as penas privativas da liberdade devem ser e são, no nosso sistema penal, a ultima ratio.
68. O Tribunal “a quo” após ponderação decidiu que o arguido Manuel não deveria beneficiar do instituto da suspensão da execução da pena, argumentando para tanto que apesar da sua integração social e familiar e do tempo decorrido desde a prática dos factos, a sua postura em julgamento, não revelando qualquer arrependimento nem admitindo a pratica dos factos, os seus antecedentes criminais, não permitem concluir que a censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficientes as finalidade das punição.
69. Não podemos concordar com o Tribunal “a quo”.
70. No Acórdão proferido verifica-se a existência de uma valoração diferente e desigual entre as circunstâncias atenuantes e as agravantes no caso concreto, pesando estas muito mais do que aquelas; em particular por o arguido já ter averbadas no seu registo criminal várias condenações anteriores.
71. Remontando a mais recente a uma sentença proferida há cerca de oito anos, por um crime de dano.
72. O arguido, ora recorrente já pagou à sociedade o que tinha a pagar pelos crimes que cometeu anteriormente, tendo cumprido as penas, as quais se encontram todas extintas, como melhor se alcança do CRC do arguido e, bem ainda, da factualidade dada como provada no douto Acórdão proferido.
73. O arguido é uma pessoa de modesta condição económica e social.
74. Não há notícias de prática de novos crimes desde o ano dos factos vertidos nestes autos (2014).
75. O arguido encontra-se social e familiarmente inserido.
76. Encontra-se na procura activa de emprego.
77. A reclusão do arguido através da colocação do mesmo em cumprimento de pena sob vigilância electrónica na habitação vai contra o que se pretende na prevenção especial.
78. Nos termos do disposto no artigo 50º do Código Penal, “o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
79. No caso concreto cremos que a simples censura e ameaça de pena de prisão afigura-se suficiente.
80. A suspensão da execução da pena constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequado para, em certas circunstancias e satisfazendo as exigências de prevenção geral responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores ao direito através da advertência de condenação e de injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas.
81. A suspensão da execução, acompanhada das medidas e das condições admitidas na Lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como factores de inclusão, evitando os riscos de fractura familiar, social e comportamental como factores de exclusão.
82. Não são por outro lado considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos de prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas.
83. A suspensão da execução da pena não depende de um qualquer modelo de discricionariedade, mas antes, como resulta dos termos do disposto no artigo 50º, nº 1 do Código Penal do exercício de um poder dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.
84. No caso sub judice, sempre deve a pena de prisão a aplicar ao arguido, caso não se opte por pena não privativa da liberdade, ser suspensa na sua execução por a simples ameaça de privação da liberdade ser suficiente para prevenir a reincidência, realizando a finalidade de prevenção especial.
85. A douta decisão ora posta em crise enferma dos vícios a que aludem os artigos 32° da Constituição da República Portuguesa, os artigos 124°, 127°, 368°, 369° e 410º do Código Processo Penal e artigos 50º, 70° e 71° do Código Penal.”.
*
3. Após a prolação daquele acórdão, em 24/04/2018 foi proferido nos autos o despacho que consta de fls. 1387/1389, que ora se transcreve:

“Fls. 1216:
A Polícia Judiciária requereu o pagamento de uma nota de débito, referente a um exame que realizou em sede de inquérito.
O Ministério Público opôs-se a tal pagamento, com os fundamentos constantes da promoção que antecede.

Cumpre decidir.

O art. 1º, nº 1, da Portaria nº 175/2011, de 28 de Abril, dispõe que o objecto da Portaria é aprovar “a tabela de preços a cobrar (…) pela Polícia Judiciária por perícias e exames, relatórios, informações sociais audições e outras diligências ou documentos que lhes forem requeridos ou que por estes venham a ser deferidos a entidades públicas ou privadas”.

Acrescenta o art. 2º, nº 3, do mesmo Diploma, que “o custo das perícias e exames (…) elaborados para apoiar as decisões das entidades judiciárias são considerados para efeitos de pagamento antecipado do processo”.
O nº 4 do mesmo artigo estatui que “as perícias e os exames realizados (…) pela Polícia Judiciária, são pagos directamente a essas entidades pelos tribunais ou pelas entidades públicas ou privadas não isentas que os requeiram, de acordo com a tabela de preços anexa à presente portaria.”
Acompanhando o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/05/2017, “a redacção do nº 3 do citado artigo 2º da Portaria nº 175/2011, de 28 de Abril, retira fundamento jurídico à tese do recorrente, na medida em que impõe que o custo de exame pericial (perícia de escrita manual) realizado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária seja considerado para efeitos de pagamento antecipado do processo, mesmo que o exame tenha sido elaborado para apoiar despacho de arquivamento de inquérito, ou de acusação, elaborado pelo Ministério Público.
Daqui resulta que a mera circunstância do exame ter sido realizado no exercício das atribuições exclusivas de coadjuvação da Polícia Judiciária, neste caso, ao Ministério Público, tal não afasta o dever legal de pagamento antecipado do valor correspondente ao exame.

Tal resulta, aliás, da jurisprudência dos Tribunais Superiores, já publicada, (…): “veja-se, a este propósito, os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 20/10/2015, proferido no processo n.º 31/11.5TAMTL-A.El, relatado pelo Exmo. Senhor Juiz Desembargador Dr. Alberto Borges; de 20/10/2015, proferido no processo nº 43/13.4GAMTL-A.E1, relatado pelo Exmo. Senhor Juiz Desembargador Dr. Fernando Pina; de 03/12/2015, proferido no processo n.º 120/12.9PBBJA-B.E1, relatado pelo Exmo. Senhor Juiz Desembargador Dr. Alberto Borges; e 02/02/2016, proferido no âmbito do processo nº 95/11.1GCBJA-B.E1, relatado pelo Exmo. Senhor Juiz Desembargador Dr. Carlos Berguete Coelho, todos disponíveis em www.dgsi.pt)”.

Não se ignora que a respeito desta matéria foi elaborado o ofício emanado do Gabinete de Sua Excelência, a Ministra da Justiça, assinado pelo seu Chefe de Gabinete, datado 13 de Janeiro de 2012 (2), segundo o qual “No âmbito da investigação criminal a realização de perícias e exames levados a cabo pela Polícia Judiciária, enquanto órgão que coadjuva as autoridades judiciárias, são actos praticados na prossecução das suas atribuições, destinando-se as notas de débito emitidas à demonstração dos recursos utilizados e respectivos custos para o erário público” .

(…) [Tem sido] invocado esse ofício para sufragar a tese de que as notas de débito não são assim para serem pagas pelas autoridades judiciárias. No entanto, esse alcance não resulta expressamente do seu teor e, mesmo que essa interpretação do ofício fosse possível, sendo a República Portuguesa um Estado de Direito Democrático, tal ofício nunca teria o efeito jurídico de revogar normas jurídicas expressas em Portaria (números 3 e 4 do citado artigo 2º da Portaria nº 175/2011, de 28 de Abril) – artigos 2º, 3º, 2 e 3, ambos da Constituição da República Portuguesa.
Se o Governo pretender alterar o regime jurídico de pagamento antecipado das perícias, deverá revogar ou alterar as citadas normas da Portaria nº 175/2011, de 28 de Abril, que impõem o seu pagamento antecipado. Enquanto tal não suceder, mantém-se a sua obrigatoriedade.” (publicado in www.dgsi.pt, relatado por Jorge Langweg).
Pelo exposto, e salvo o devido respeito por entendimento diverso, entende-se ser de pagar a nota de débito junta a fls. 1216, o que se determina.
Notifique e D.N.”.

3.1. Inconformado com tal despacho, dele recorreu a Digna Magistrada do Ministério Público, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):

1. A Policia Judiciária - Laboratório de Policia Cientifica - solicitou o pagamento da quantia de 306,00€ referente ao custo do exame toxicológico realizado pela Delegação do Norte do Laboratório de Policia Cientifica – LPC – em inquérito no âmbito dos presentes autos, ao abrigo do disposto na Portaria 175/2011 de 28 de Abril .
2. Por despacho proferido a fls.1387 e seguintes a Mmª Juíza deferiu o solicitado pagamento.
3. É deste despacho que se interpõe o presente recurso por entendermos, salvo o devido e muito respeito por opinião contrária, que uma vez que o exame realizado pelo Laboratório da Policia Cientifica da Policia Judiciária foi realizado por iniciativa própria e no âmbito da investigação de crime em sede de inquérito e no âmbito da missão de coadjuvação do Ministério Público, face ao disposto na Portaria nº 175/2011 de 28 de Abril, as despesas aí representadas não deverão ser pagas.
4. A Polícia Judiciária tem por missão coadjuvar as autoridades judiciárias na investigação, desenvolver e promover as acções de prevenção, detecção e investigação da sua competência ou que lhe sejam cometidas pelas autoridades judiciárias e prossegue as atribuições definidas na respectiva Lei Orgânica, nos termos da Lei de Organização da Investigação Criminal e da Lei Quadro da Política Criminal - art. 55º, nº 1, do CPP, art. 3º, nº 1, a), da Lei nº49/2008, de 27 de Agosto – LOIC- e arts. 2º, nºs 1 e 2 e 5º, nº 1, da Lei nº 37/2008, de 6 de Agosto - Lei Orgânica da Polícia Judiciária-.
5. A investigação criminal compreende o conjunto de diligências que, nos termos da lei processual penal, se destinam a averiguar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a sua responsabilidade e descobrir e recolher as provas, no âmbito do processo - art. 262º, nº 1, do CPP e art. 1º da LOIC- .
6. A Portaria nº 175/2011 invocada pela Policia Judiciária aprova a tabela de preços a cobrar pela Direção-Geral de Reinserção Social, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, I.P., e pela Policia Judiciária por perícias e exames, relatórios, informações sociais, audições e outras diligências ou documentos que lhes forem requeridos ou que por estes venham a ser deferidos a entidades públicas ou privadas.
7. As perícias efetuadas pela Polícia Judiciária apenas deverão ser pagas quando lhe hajam sido requeridas e não quando as mesmas sejam decorrentes da investigação em coadjuvação com as autoridades judiciárias em processos relativos a crimes cuja detecção ou investigação lhe incumba realizar; enquadrando-se estas como despesas próprias nos termos do supra citado artº47º e como receitas nos termos do artº46º, nº3 acima citado os que lhe forem requeridos ou que por estes venham a ser diferidos a entidades públicas ou privadas como expressamente consta na Portaria 175/2011 de 28 de Abril.
8. No sentido de que as perícias e exames efetuados pela Polícia Judiciária por iniciativa própria e no âmbito de coadjuvação às autoridades judiciárias em processo penal não são objeto de pagamento e que a nota de débito é meramente representativo dos recurso utilizados e respetivos custos, refira-se o oficio nº 135 emanado do Gabinete da Senhora Ministra da Justiça datado de 13.01.2012, enviado à Procuradoria-Geral da República, disponível in simp.pgr.pt : “No âmbito da investigação criminal a realização de perícias e exames levados a cabo pela Policia Judiciária, enquanto órgão que coadjuva as autoridades judiciárias, são atos praticados na prossecução das suas atribuições, destinando-se as notas de débito emitidas à demonstração dos recursos utilizados e respectivos custos para o erário publico”.
9. Em face do exposto, deverá ser indeferido o pagamento da despesa requerida pela Policia Judiciária.
10. Encontram-se violadas as disposições legais previstas nos artºs 2º, 3º, 46º e 47º da Lei nº37/2008 de 06/08 e a Portaria nº 175/2011 de 28.04 e o artº55º do CPP.”.
*
4. Na 1ª instância a Exma. Procuradora da República respondeu ao recurso interposto pelo arguido Manuel, pugnando pela sua improcedência.
4.1. Neste Tribunal da Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, pronunciando-se pela improcedência do recurso interposto pelo arguido Manuel, e pela procedência do recuso “interlocutório” apresentado pelo Ministério Público.
4.2. Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C.P.Penal, não foi apresentada qualquer resposta.
*
5. Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois conhecer e decidir.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

1. É hoje pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal (3).

No caso vertente, da leitura e análise das conclusões apresentadas pelos recorrentes, são as seguintes as questões essenciais que importa decidir:

Recurso do despacho de 24/04/2018

Se deve ou não ser pago pelo Tribunal o custo de exame levado a cabo pela Polícia Judiciária no âmbito das diligências de inquérito.

Recurso Principal

- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto por erro de julgamento, e violação do princípio in dubio pro reo;
- Penas concretas aplicadas ao arguido e respectivo cúmulo;
- Suspensão da execução da pena única de prisão aplicada.
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1.1. Do Recurso do despacho de 24/04/2018

Como se viu, nesta sede, está em causa o recurso do Ministério Público do despacho exarado a fls. 1387/1389, que determinou o pagamento à Polícia Judiciária da nota de débito que apresentou a fls. 1215/1217, no valor de € 306,00, referente a uma exame que efectuou no decurso do inquérito, por entender (o recorrente), em suma, que tal pagamento não é devido, não sendo de aplicar a Portaria nº 175/2011, de 28 de Abril, aos actos de coadjuvação que a Polícia Judiciária presta às autoridades judiciárias no âmbito do processo penal.

Porém, salvo o devido respeito, e independente da bondade, ou não, da daquele despacho judicial, afigura-se-nos que tal recurso deve ser rejeitado, dado constatarmos não estar verificado o pressuposto processual do “interesse em agir” do recorrente Mistério Público ao interpor o presente recurso, por contrariar a jurisprudência emanada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 2/2011, de 16/12/2010, publicado no DR nº 19, Série I-A, de 27/01/2011, segundo a qual, «Em face das disposições conjugadas dos artigos 48º a 53º e 401º do Código de Processo Penal, o Ministério Público não tem interesse em agir para recorrer de decisões concordantes com a sua posição anteriormente assumida no processo.» (4).
Mas atentemos nas incidências processuais que os autos revelam, e que são essenciais e decisivas para sustentar a nossa conclusão.

Vejamos.

Por ofício de 16/01/2018, dirigiu a Polícia Judiciária aos autos uma nota de débito no valor de valor de € 306,00, referente ao exame nº 201601298-NDS, que efectuou no decurso do inquérito, solicitando o respectivo pagamento, de acordo com a Portaria nº 175/2011, de 28 de Abril (cfr. fls. 1215/1216).
Tal exame pericial é o que consta de fls. 214, e diz respeito ao exame de um dos cheques (e não a exame toxicológico, como refere o Recorrente nas suas alegações) então em investigação nos autos.

Ora, aberta vista à Digna Procuradora da República (5) para se pronunciar sobre esse pedido, em 20/04/2018 a mesma promoveu se indeferisse o pagamento solicitado, por entender, em síntese, não ser de aplicar a citada Portaria nº 175/2011, de 28 de Abril, aos actos de coadjuvação que a Polícia Judiciária presta às autoridades judiciárias no âmbito do processo penal, como foi o caso vertente (cfr. promoção de fls. 1385/1386).
Porém, conclusos os autos à Mmª Juíza titular, a mesma, por despacho de 24/04/2018, exarado a fls. 1387/1389, determinou se procedesse ao pagamento em causa, por considerar, em síntese, que a mera circunstância de o exame ter sido realizado pela Polícia Judiciária no exercício das suas atribuições exclusivas de coadjuvação, tal não afasta o dever legal de pagamento do valor correspondente ao exame, em consonância com a citada Portaria.
E é deste despacho que, como se viu, vem interposto pelo Mº Público o presente recurso.
Sucede que, esta atitude processual do Ministério Público, ora recorrente, colide total e fragrantemente com a conduta processual que anteriormente tomou e deixou expressa no processo acerca da mesma matéria.
Com efeito, compulsados os autos, constata-se que, por ofício de 24/11/2016, a Polícia Judiciária remeteu ao processo uma nota de débito no valor de valor de € 1.224,00, referente ao exame nº 201602308-NDS, que efectuou no decurso do inquérito, solicitando o respectivo pagamento, de acordo com a citada Portaria nº 175/2011, de 28 de Abril (cfr. fls. 1116/1118).

Tal exame pericial é o que consta de fls. 452/454, e diz respeito ao exame de onze dos cheques então em investigação no processo, a um tinteiro de impressora, a quatro embalagens de plástico contendo tinta de várias cores, e à impressora apreendida.

Ora, aberta vista à Digna Procuradora da República para se pronunciar sobre esse pedido, em 27/09/2017 a mesma promoveu, fls. 1120, que a Secção averiguasse se tal quantia ainda se encontrava em dívida e, na afirmativa, se procedesse ao seu pagamento.

E, conclusos os autos à Mmª Juíza titular, a mesma, por despacho de 02/10/2017, exarado a fls. 1121, determinou se diligenciasse nos termos promovidos pelo Ministério Público, acabando tal quantia (€ 1.224,00) por ser paga à Polícia Judiciária conforme nota de adiantamento constante de fls. 1146.

Acresce que, novamente a Polícia Judiciária, desta feita pelo ofício de 23/10/2017, remeteu aos autos outra nota de débito, no valor de valor de € 357,00, referente ao exame nº 201503686-NDS, que efectuou no decurso do inquérito, solicitando o respectivo pagamento, de acordo com a citada Portaria nº 175/2011, de 28 de Abril (cfr. fls. 1177/1179).
Tal exame pericial é o que consta de fls. 80, e também diz respeito ao exame de um dos cheques então em investigação no processo.
Ora, aberta vista à Digna Procuradora da República para se pronunciar sobre esse pedido, em 10/11/2017 a mesma promoveu, a fls. 1183, em consonância com a posição anterior, que a Secção averiguasse se tal quantia ainda se encontrava em dívida e, na afirmativa, se procedesse ao seu pagamento.
E, conclusos os autos à Mmª Juíza titular, a mesma, por despacho de 14/11/2017, exarado a fls. 1184, determinou se diligenciasse nos termos promovidos, acabando tal quantia (€ 357,00) por ser paga à Polícia Judiciária conforme nota de adiantamento constante de fls. 1185.

Mas o caso não se queda por aqui.

Na verdade, uma vez mais, a Polícia Judiciária, pelo ofício de 12/12/2017, remeteu aos autos outra nota de débito, desta vez no valor de valor de € 530,40, referente ao exame nº 201602601-FEM, que efectuou no decurso do inquérito, solicitando o respectivo pagamento, de acordo com a citada Portaria nº 175/2011, de 28 de Abril (cfr. fls. 1191/1193).
Tal exame pericial é o que consta de fls. 196/200, e reporta-se à análise à escrita do arguido V. P. constante de um dos cheques então em investigação no processo.
E, finalmente, pelo ofício de 07/12/2017, remeteu também aquele OPC aos autos outra nota de débito, no valor de valor de € 1.224,00, referente ao exame nº 201600645-NDS, que efectuou no decurso do inquérito, solicitando o respectivo pagamento, de acordo com a citada Portaria nº 175/2011, de 28 de Abril (cfr. fls. 1194/1196).
Tal exame pericial é o que consta de fls. 192/193, e diz respeito a seis dos cheques então em investigação no processo.
Ora, aberta vista à Digna Procuradora da República para se pronunciar sobre esses dois pedidos, em 05/01/2018, ao arrepio das suas posições anteriores, promoveu a mesma se indeferissem os pagamentos solicitados, por entender, em síntese, não ser de aplicar a citada Portaria nº 175/2011, de 28 de Abril, aos actos de coadjuvação que a Polícia Judiciária presta às autoridades judiciárias no âmbito do processo penal (cfr. promoção de fls. 1197/1198).
E, conclusos os autos à Mmª Juíza titular, a mesma, por despacho de 10/01/2018, exarado a fls. 1199/1201, determinou se procedesse aos solicitados pagamentos, por considerar, em suma, que a mera circunstância de os exames terem sido realizados pela Polícia Judiciária no exercício das suas atribuições exclusivas de coadjuvação não afasta o dever legal de pagamento do valor correspondente ao exame, em consonância com a citada Portaria.
Tal despacho, como se alcança de fls. 1204, foi notificado em 10/01/2018 à Digna Magistrada do Ministério Público.
Sucede que a Digna Procuradora da República conformou-se com tal despacho, o qual transitou pacificamente em julgado. Acabando, por isso, as ditas quantias de € 530,40 e de € 1.224,00 por ser pagas à Polícia Judiciária, conforme notas de adiantamento de fls. 1383 e 1384, respectivamente.
Ora, sendo esta a situação que os autos nos revelam sobre este assunto, e como já supra referirmos, entendemos ser inadmissível o presente recurso, por manifestamente violador de princípios básicos do processo penal, como os da lealdade e boa-fé processual.

Na verdade, como facilmente se constata, estão em causa quatro situações distintas, mas todas elas relativas à mesma matéria, sobre as quais a Digna Magistrada do Ministério Público, salvo o devido respeito, sem a mínima justificação, toma três posições completamente divergentes:

- Nas duas primeiras situações, referentes aos pedidos de pagamento das quantias de € 1.224,00 e de € 357,00 (ofícios da PJ de 24/11/2016 e de 23/10/2017, respectivamente), é a própria a promover se averiguasse se as mesmas ainda se encontravam em dívida e, na afirmativa, se procedesse ao seu pagamento, o que mereceu a concordância do Tribunal (implicitamente estando ambos de acordo – Mº Público e Tribunal – pela aplicabilidade, ao caso, da Portaria nº 175/2011, de 28 de Abril);
- Na terceira situação, referente aos pedido de pagamento das quantias de € 530,40 e de € 1.224,00 (ofícios da PJ de 12/12/2017 e de 07/12/2017, respectivamente), a Digna Procuradora da República, cerca de dois meses após, ao “arrepio” daquela sua posição, promove se indeferissem os pagamentos solicitados, por entender, então, não ser de aplicar a citada Portaria nº 175/2011, de 28 de Abril, aos actos de coadjuvação que a Polícia Judiciária presta às autoridades judiciárias no âmbito do processo penal. Mas, tendo o tribunal deferido o pagamento das ditas importâncias, a Digna Procuradora (in)coerentemente inverte a sua posição, acabando por se conformar com tal despacho; e
- Na quarta situação, ou seja, naquela que deu origem ao presente recurso, e que diz respeito ao pedido de pagamento da quantia de € 306,00 (ofício da PJ de 16/01/2018), a Digna Magistrada do Ministério Público promove se indeferisse o pagamento solicitado, por entender não ser de aplicar a citada Portaria nº 175/2011, de 28 de Abril, mas, desta feita, face ao deferimento do pertinente pagamento por banda do Tribunal, acaba por recorrer do respectivo despacho, numa clara inversão da posição até então consolidada nos autos sobre o assunto.

Como se refere no aludido acórdão nº 2/2011 do Supremo Tribunal de Justiça, de 16/12/2010, o principio da lealdade processual no domínio do processo penal está inscrito em diversas decisões daquela Alto Tribunal, entre as quais:

X - Neste domínio são de realçar os deveres de vigilância e de boa fé processual: o primeiro obriga os sujeitos processuais a «reagir contra nulidades ou irregularidades que considerem cometidas e entendam relevantes, na perspectiva de defesa, não podendo naturalmente escudar-se na sua própria negligência no acompanhamento das diligências ou audiências para intempestivamente vir reclamar o cumprimento da lei relativamente a actos em que estiveram presentes e de que, agindo com a prudência normal, não puderam deixar de se aperceber»; o segundo impede que os sujeitos processuais possam «aproveitar-se de alguma omissão ou irregularidade porventura cometida ao longo dos actos processuais em que tiveram intervenção, guardando-a como um “trunfo”, para, em fase ulterior do processo, se e quando tal lhes pareça conveniente, a suscitarem e obterem a destR. J.ção do processado» – cf. Ac. nºº 429/95 do TC.
XI - Assim, é inteiramente adequado o entendimento de que aquele que admite a possibilidade de, no futuro, vir a impugnar a matéria de facto, colabore e, evidenciando uma postura de lealdade processual, verifique, no final da respectiva audiência ou no prazo de arguição da irregularidade, se existiu alguma deficiência.
XII - E não se argumente com razões gongóricas de impossibilidade burocrática, uma vez que, realizada a respectiva diligência, impende sobre o tribunal que efectuou o registo a obrigação de facultar cópia no prazo máximo de oito dias após a realização daquele – art. 7.º do aludido DL.
XIII - Por último, seria ofensivo do princípio da proporcionalidade o facto de, a pretexto de uma fracção milimétrica da gravação, cuja relevância nem sequer é averiguada, se anular um julgamento realizado com observância de todas as formalidades legais e com a possibilidade do mais amplo exercício dos direitos de defesa e do contraditório.
29-04-2009
Proc. n.º 77/00.9GAMUR.S1 - 3.ª Secção
……
III - Na verdade, consubstanciaria uma afronta ao princípio da lealdade processual admitir que o requerente da revisão apresentasse os factos como novos não obstante ter inteiro conhecimento no momento do julgamento da sua existência. Tal entendimento, que não se sufraga, faria depender a revisão de sentença de um juízo de oportunidade do requerente formulado à revelia de princípios fundamentais como o da verdade material ou da lealdade.
Proc. n.º 1077/00.4JFLSB-C.S1 - 3.ª Secção
…..
III - Há um elemento sistemático de interpretação que não pode ser ignorado a este propósito, e que resulta da redacção do art. 453.º, n.º 2, do CPP. Por aqui se vê que o legislador não terá querido abrir a porta, com o recurso de revisão, a meras estratégias de defesa, ou dar cobertura a inépcias ou desleixos dos sujeitos processuais. O que teria por consequência a transformação do recurso de revisão, que é um recurso extraordinário, num expediente com risco de banalização, assim se podendo prejudicar o interesse na estabilidade do caso julgado, para além do aceitável, ou facilitar faltas à lealdade processual.
12-11-2009
Proc. n.º 228/07.2GAACB-A.S1 - 5.ª Secção
…..
X - É que, para além da teleologia do processo penal, é o próprio dever de lealdade processual de todos os intervenientes no processo que impõe que a imperfeição seja suscitada por forma a causar o menor dano na tramitação processual e não como último argumento que se mantém resguardado para se utilizar como último recurso caso o resultado final não agrade.
02-04-2008
Proc. n.º 578/08 - 3.ª Secção
…...
II - Não há, pois, lacuna nas normas do processo penal. De resto o CPP prevê expressamente uma situação de má-fé processual na al. c) do art. 520.º do CPP (denúncia de má-fé) e configura outras situações afins (arts. 45.º, n.º 5, 223.º, n.º 6, 456.º, para além do apontado art. 420.º, n.º 3), o que não permite a afirmação de que há uma lacuna a este respeito no conjunto do processo penal.
VII - Por fim, se o tribunal entender que um advogado não usou de lealdade processual e que deliberadamente actuou com o intuito de obstar o exercício da Justiça, nomeadamente, com a invocação dolosa de factos falsos, deve comunicar essa circunstância à Ordem dos Advogados, não para os fins do art. 459.º do CPC, mas para eventual procedimento disciplinar.
20-11-2008
Proc. n.º 3708/08 - 5.ª Secção
……….
X - Sendo de realçar os deveres de diligência e de boa fé processual, é inteiramente adequado o entendimento de que aquele que admite a possibilidade de, no futuro, vir a impugnar a matéria de facto, colabore e, evidenciando uma postura de lealdade processual, verifique no final da respectiva audiência, ou no prazo de arguição da irregularidade, se existiu alguma deficiência, nem sequer se podendo argumentar com razões gongóricas de impossibilidade burocrática, uma vez que, realizada a respectiva diligência, impende sobre o tribunal que efectuou o registo a obrigação de facultar cópia no prazo máximo de 8 dias após a realização daquele - art. 7.º do mencionado diploma.
XI - É ainda de chamar à colação a eventual ofensa do princípio da proporcionalidade, que tem assento no processo penal, quando, a pretexto de uma fracção milimétrica da gravação, cuja relevância nem sequer é averiguada, se anula um julgamento realizado com observância de todas as formalidades legais e com a possibilidade do mais amplo exercício dos direitos de defesa e do contraditório.
13-09-2006
Proc. n.º 1934/06 - 3.ª Secção
………
IV - A lealdade e a boa-fé na actuação dos sujeitos processuais supõe que a vontade que manifestem em declaração emitida no processo com efeitos prospectivos, unanimemente e com potencialidade para condicionar mutuamente as respectivas posições e actuações processuais, não deva ser posta em causa em momento posterior apenas por que, contingentemente e para além da declaração dos sujeitos processuais, o tribunal, oficiosamente, procedeu de modo a permitir que existissem os elementos que permitiam o exercício do direito que, antes, declararam não pretender exercer.
26-01-2005
Proc. n.º 3785/04 - 3.ª Secção
……..
IV - A lealdade, a boa-fé, a confiança, o equilíbrio entre o rigor das decisões do processo e as expectativas que delas decorram, são elementos fundamentais a ter em conta quando seja necessário interpretar alguma sequência que, nas aparências, possa exteriormente apresentar-se com algum carácter de disfunção intraprocessual.
03-03-2004
Proc. n.º 4421/03 - 3.ª Secção
…………
III - É o postulado do princípio elementar de lealdade e colaboração processual informador da disciplina de recursos, além da necessidade de evitar a prática de actos inúteis que a lei proíbe e pune.
20-02-2003
Proc. n.º 240/03 - 5.ª Secção
………
IV - A lealdade, a boa fé, a confiança, o equilíbrio entre o rigor das decisões do processo e as expectativas que delas decorram, são elementos fundamentais a ter em conta quando seja necessário interpretar alguma sequência que, nas aparências, possa exteriormente apresentar-se com algum carácter de disfunção intraprocessual.
V - O despacho do juiz da 1.ª instância, de 17-04-02, que determinou a interrupção do prazo para interpor recurso, situa-se na interpretação do art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, não constituindo um despacho de mero expediente, ou acto que se insira na ordenação do processo segundo a prudente discricionariedade do juiz, pelo que, não tendo sido impugnado, fixou, de modo intraprocessualmente definitivo, a questão que constituiu o seu objecto: o prazo para interpor o recurso não conta enquanto não for disponibilizada a transcrição das gravações.
VI - Sendo assim, o processo justo e leal e a confiança como elementos do princípio do processo equitativo não permitem admitir outra solução que não seja a de que os interessados, que razoavelmente confiaram na interpretação do despacho de 17-04, adquiriram o direito processual a interpor o recurso nos termos que fixou.
24-09-2003
Proc. n.º 243/03 - 3.ª Secção”.

Mais se sublinhando naquele douto aresto que “A ideia do procedimento justo expresso, processualmente, no princípio da lealdade, deve compreender-se como uma exigência concreta da optimização de valores constitucionais. Nesse plano assumem uma inegável relevância valores como a dignidade humana, que tem inscrita a protecção do princípio de confiança recíproca na actuação processual, que deve pautar a conduta de todos os intervenientes processuais (qualquer que seja o plano em que se movimentem), e o princípio de igualdade de armas (este em determinadas fases processuais).”.
Que “... nenhum argumento, ou principio, poderá ser mobilizado para provocar a erosão do pressuposto fundamental que se consubstancia na exigência de que todos os actores do processo penal tenham a sua actuação procedimental pautada pela finalidade última que é a de realização da justiça, e de procura da verdade material”, objectivo teleológico este que “não se compadece com a realização processual que visa a utilização estratégica do processo como instrumento acrítico e neutro, procurando outras finalidades laterais e, até, em clara oposição com aquela realização e procura.”.
Que, “do juiz até ao mais anódino interveniente todos são construtores de um processo justo, necessariamente orientado, de forma linear e objectiva”, não admitindo tal principio e pressuposto “inscrever no seu perfil a admissibilidade de condutas processuais orientadas para a instrumentalização do processo penal, colocando-o ao serviço de finalidades que visam o seu entorpecimento, quando não a negação dos seus princípios orientadores”.
Que “... a lealdade não é uma noção jurídica autónoma, mas é sobretudo de natureza essencialmente moral e ética”, sendo a “lealdade, a boa-fé, a confiança, o equilíbrio entre o rigor das decisões do processo e as expectativas que delas decorram (...) elementos fundamentais a ter em conta quando seja necessário interpretar alguma sequência que, nas aparências, possa exteriormente apresentar-se com algum carácter de disfunção intraprocessual.”.
E que “... o cumprimento do princípio da lealdade processual revela até que ponto se reflecte no processo a credibilidade de um regime democrático (...)”, sendo revelador, “particularmente em processo penal (...) da forma, e condições, sobre as quais se concebem as relações do Estado e o Cidadão.”.
E, mais à frente, perscrutando sobre se tais princípios são aplicáveis ao Ministério Público, isto é, se é legítimo que a “a posição substancial do Ministério Público (...) sofra oscilações de sinal contrário ao longo do processo, ou seja, que, em momentos distintos, se requeiram decisões opostas”, responde de modo claramente afirmativo, como se colhe das seguintes passagens:

“Recorrendo ao ensinamento de Figueiredo Dias, em recensão crítica ao acórdão de fixação de jurisprudência ora em análise (...) a solução defendida no acórdão de fixação de jurisprudência coloca abertamente o Ministério Público contra a proibição de venire contra factum proprium. Um instituto, este, que, na esclarecedora, e penetrante, lição de Baptista Machado, releva como «concretização do princípio ético-jurídico da boa fé» e se orienta para a «tutela da confiança engendrada na interacção comunicativa». Para além da falta de legitimidade objectiva - por evidente e insanável carência de interesse em agir -, o recurso do Ministério Público fundado numa alteração da concepção jurídica avançada num processo penal surge assim também a descoberto de legitimidade ética. Legitimidade sem a qual a acção duma magistratura como a do Ministério Público perde toda a legitimação material e toda a justificação e acaba, nesta medida, por revelar-se sistemicamente dis­funcional.
(...)
De outra maneira (...) pudesse o Ministério Público livremente venire contra factum proprium - e ter-se-ia inclusivamente de suportar consequências que a prazo minariam a seriedade da instituição pelo absurdo. Teria de admitir-se, por exemplo, que o Ministério Público pudesse recorrer de decisões que houvessem sido tomadas a seu pedido ou sob seu requerimento.
Em todas estas hipóteses, e naquelas que assumem o mesmo perfil normativo, não tem qualquer sentido esgrimir com princípio da objectividade para legitimar o recurso do Ministério Público quando, em qualquer plano ético-jurídico e funcional, está em crise o interesse processual em agir.”.
Ademais - diz-se ainda em tal douto aresto -, e repristinando Figueiredo Dias, “... o Ministério Público configura uma instituição jurídico-constitucionalmente autónoma, monocrática, una e indivisível, hierarquicamente estruturada, a quem compete, para além de zelar pela observância da legalidade democrática, a titularidade da promoção penal e a realização da pretensão punitiva do Estado, ou seja, a prossecução da satisfação das expectativas comunitárias na validade e vigência efectivas das normas penais”, sendo exactamente (...) por tal motivo, aliado ao dever de legalidade e de objectividade que o Ministério Público assume no processo penal, resulta para ele um estrito dever de lealdade, de “fair play” do seu comportamento processual, que, refere o mesmo Mestre, não se analisa numa qualquer atitude moral geral evanescente, mas se concretiza em exigências muito concretas de forma de actuação.”.
Chamando-se ainda a atenção, na parte final, para o facto de, eventual divergência de posição no interior do Ministério Público acerca de determinada questão, como uma Magistratura hierárquica que é, dever “ser resolvida no interior da própria organização com recurso aos mecanismos próprios, entre os quais a disciplina hierárquica, e não numa inadmissível, e equívoca, dissonância de opiniões voltada para o exterior que, traduzindo a falta de coerência, contribuem para minar a credibilidade institucional.”.
E concluindo que, da rigorosa observância de critérios de legalidade e objectividade por banda do Ministério Público “... decorre, de forma inexorável, a inadmissibilidade de pretensões processuais contraditórias que não são uma exigência da procura da verdade material e da justiça, mas derivam unicamente da necessidade de afirmação de perspectivas subjectivas.”.
Ora, perante a clareza desta jurisprudência, a que aderimos, e que acatamos (pois não vislumbramos argumentos novos que possam refutá-la, como se exige no Artº 445º, nº 3, do C.P.Penal), apenas nos resta concluir, face ao exposto, que o presente recurso deve ser rejeitado, nos termos das disposições conjugadas dos Artsº. 414º, nº 2 e 420º, nº 1, al. b), do C.P.Penal, por falta de interesse em agir do Ministério Público (6).

1.2. Do Recurso Principal

Para uma melhor compreensão das questões colocadas, e uma visão exacta do que está em causa, vejamos, antes de mais, quais os factos que o Tribunal a quo deu como provados e não provados, e bem assim a fundamentação acerca de tal factualidade.

1.2.1. O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição):

1. Em meados de Novembro de 2014, os arguidos Manuel e V. P. congeminaram um plano para reproduzir impressos de cheque e pô-los em circulação como se genuínos fossem, em ordem a adquirir diversos artigos em estabelecimentos comerciais, para posterior venda, cujo produto seria repartido entre ambos.
2. Mais assentaram em proceder à alteração da numeração dos cartões de cidadão dos pretensos emitentes dos cheques, em ordem a impedir o reconhecimento destes últimos.
3. Em execução do plano traçado, o arguido Manuel imprimiu e entregou ao arguido V. P. três módulos de cheque do “Banco A”, mediante reprodução policromática de jacto de tinta, com recurso a um computador, uma impressora da marca e modelo “HP Photosmart 5520” e um impresso original de um cheque desta instituição de crédito, com inserção das seguintes expressões nos cabeçalhos:
NIB ….
… Válido até 2015-10-10
Dr. V. P. (num deles)
V. P. (nos outros dois)
4. Nessa altura, os arguidos Manuel e V. P. procederam à alteração da numeração do cartão de cidadão titulado por este último, com o número ..., alterando o terceiro algarismo - 3 - para o algarismo 8, por acrescento de um traço (fazendo-o corresponder ao cartão de cidadão emitido em nome de S. M., residente em ..., com excepção dos últimos quatro caracteres suplementares - vide fls. 84 do Apenso D).
5. Por sua vez, no início do mês de Dezembro de 2014, o arguido Manuel deu a conhecer ao arguido R. J. o seu plano, propondo-lhe a entrega de alguns cheques fictícios para aquisição de artigos em estabelecimentos comerciais, para posterior venda, cujo produto seria repartido entre ambos, ao que este anuiu.
6. Na sequência desse acordo, o arguido Manuel imprimiu e entregou ao arguido R. J. dois módulos de cheque do “Banco A”, nos termos ante referidos, com inserção das seguintes expressões nos cabeçalhos:
NIB …
… Válido até 2015-10-10
R. J. (num deles)
R. J. (no outro)
7. Nessa ocasião, os arguidos Manuel e R. J. procederam à alteração da numeração do cartão de cidadão titulado por este último, com o número ..., alterando o terceiro algarismo - 3 - para o algarismo 8, por acrescento de um traço. Mais alteraram a numeração da identificação fiscal dele constante, com o número ..., alterando o quarto algarismo - 3 - para o algarismo 8, por acrescento de um traço.
8. Entrementes, por ocasião do Natal de 2014, o arguido V. P., em decorrência do plano idealizado pelo arguido Manuel, propôs ao arguido P. C. que procedesse à aquisição de artigos em estabelecimentos comerciais, através de cheques adulterados pelo arguido Manuel, para posterior venda, cujo produto seria repartido entre os três, ao que este anuiu.
9. Na sequência desse acordo, o arguido V. P. solicitou ao arguido Manuel que procedesse à impressão de seis cheques com inserção do nome do arguido P. C. como titular de uma conta bancária, ao que este anuiu, nos moldes do plano previamente urdido entre ambos.
10. Para o efeito, o arguido Manuel imprimiu e entregou ao arguido V. P. seis módulos de cheque do “Banco A”, nos termos ante referidos, com inserção das seguintes expressões nos cabeçalhos:
NIB …
… Válido até 2015-10-10
P. C. (em quatro deles)
P. C. (em dois deles)
11. Nessa ocasião, os arguidos V. P. e P. C. procederam à alteração da numeração do cartão de cidadão titulado por este último, com o número ..., alterando o quinto algarismo - 3 - para o algarismo 8, por acrescento de um traço.
12. Posteriormente, os arguidos V. P. e P. C. procederam à alteração da numeração do cartão de cidadão titulado por este último, com o número ..., alterando o oitavo algarismo - 3 - para o algarismo 8, por acrescento de um traço (fazendo-o corresponder ao cartão de cidadão emitido em nome de M. C., residente em Santo Tirso, com excepção dos últimos quatro caracteres suplementares - vide fls. 85 do Apenso D).
13. Actuando concertadamente com o arguido Manuel, os arguidos V. P. e P. C. procederam à aquisição de diversos artigos em vários estabelecimentos comerciais, que posteriormente venderam a terceiros, cujo produto da venda repartiram entre todos.
14. Por sua vez, actuando concertadamente com o arguido Manuel, o arguido R. J. procedeu à aquisição de diversos artigos em vários estabelecimentos comerciais, que posteriormente vendeu a terceiros, cujo produto da venda repartiu com aquele.
15. Quadro ordenado cronologicamente pela data de preenchimento dos cheques
número de contanúmero de chequedata de preenchimentovalorassinante
12....9623077623628-11-2014€ 55,77V. P.
22....9...29-11-2014€ 146,85V. P.
326....9...06-12-2014€ 149,55R. J.
426....9...12-12-2014€ 144,33V. P.
52....9...26-12-2014€ 642,64P. C.
62....9...27-12-2014----------R. J.
72....9...29-12-2014€ 151,15P. C.
82....9...30-12-2014€ 131,29P. C.
92....9...30-12-2014€ 149,34P. C.
102....9...30-12-2014€ 143,76P. C.
112....9...31-12-2014€ 145,00P. C.

16. Quadro ordenado cronologicamente pela data de preenchimento dos cheques por cada NUIPC
NUIPCEstabelecimentosdata de preenchimentovalorassinante
1320/14.7GDGMR
(Apenso D)
Supermercado A
(Lordelo)
28/11/2014
27/12/2014
€ 55,77
-------
V. P.
2816/14.0PAVNF
(autos)
Supermercado B
(Famalicão)
29/11/2014€146,85V. P.
344/15.8PBGMR
(Apenso E)
Supermercado B
(Urgeses)
Supermercado B
(Fafe)
06/12/2014
12/12/2014
31/12/2014
€149,55
€144,33
€145,00
R. J.
V. P.
P. C.
4174/15.6JABRG
(Apenso B)
174/15.6JABRG
(Apenso B)
X C
(Braga)
26/12/2014€642,64P. C.
515/15.4GBPVL
(Apenso C)
Supermercado B
(P. Lanhoso)
29/12/2014€151,15P. C.
676/15.6PBBRG
(Apenso G)
Supermercado A
(Braga)
30/12/2014€131,29P. C.
725/15.1JABRG
(Apenso A)
Supermercado B
(Amares)
30/12/2014€149,34P. C.
828/15.6GCGMR
(Apenso F)
Supermercado B
(Caldelas)
30/12/2014€143,76P. C.

NUIPC 320/14.7GDGMR (Apenso D)

17. No dia 28 de Novembro de 2014, os arguidos Manuel e V. P. dirigiram-se ao hipermercado “Supermercado A”, pertencente à sociedade “W - Sociedade de Distribuição, S. A.”, sito na Rua …, Guimarães.
18. Agindo conjunta e concertadamente, enquanto o arguido Manuel permaneceu no exterior, o arguido V. P. entrou no estabelecimento, donde retirou vários produtos dos expositores, no montante total de € 55,77.
19. Seguidamente, o arguido V. P. dirigiu-se para uma caixa registadora, tendo manifestado à funcionária que o atendeu o propósito de pagar os produtos através de cheque.
20. Logo após, o arguido V. P. retirou da sua carteira o cheque n.º 6230776236, pretensamente sacado sobre a conta bancária nº. 002....9, domiciliada no balcão Conde Margaride, em Guimarães, do “Banco A”, com o NIB ..., supostamente titulada pelo Dr. V. P., com data de validade até 10/10/2015, em cujo rosto apôs a assinatura “V. P.”, na qualidade de sacador.
21. De imediato, entregou o cheque à funcionária.
22. Mediante solicitação da funcionária, o arguido V. P. apresentou àquela o seu cartão de cidadão, com o número alterado: em vez do nº. ... original, o mesmo continha o número ..., com alteração do terceiro algarismo 3 para o algarismo 8, por acrescento de um traço (correspondendo ao cartão de cidadão emitido em nome de S. M., residente em ..., com excepção dos últimos quatro caracteres suplementares – vide fls. 84 do Apenso D).
23. Mais lhe forneceu o seu pretenso contacto telefónico: ..., correspondente a um número desactivado (associado a um serviço pré-pago – Vitamina).
24. Acreditando que tal cheque era genuíno, tinha sido validamente emitido e era passível de boa cobrança, a referida funcionária, em representação da sua entidade patronal, aceitou tal título como meio de pagamento, pelo que o preencheu no sistema informático da empresa, onde lhe apôs a data de emissão - 28/11/2014, o local de emissão - “Lordelo”, o nome da sociedade “W S. A.” na qualidade de beneficiária, assim como o montante de € 55,77, por extenso e em algarismos.
25. Acto contínuo, a funcionária inscreveu manualmente no verso do cheque o número do documento de identificação fornecido pelo arguido V. P., o número de contribuinte dele constante (...), bem como o número do contacto telefónico indicado.
26. Posto isto, o arguido V. P. saiu do hipermercado com os referidos produtos, juntamente com o arguido Manuel.
27. O referido cheque foi devolvido pelo “Banco A”, sem ser submetido a compensação, em razão de não existir a conta bancária nele mencionada e a linha óptica assinalada na parte inferior do cheque não corresponder aos dados indicados no cabeçalho.
28. No dia 27 de Dezembro de 2014, pelas 18,30 horas, o arguido R. J. dirigiu-se ao hipermercado “Supermercado A”, pertencente à sociedade “W - Sociedade de Distribuição, S. A.”, sito na Rua ..., Guimarães, juntamente com um indivíduo não identificado.
29. O arguido R. J. retirou vários produtos dos expositores.
30. Seguidamente o arguido R. J. dirigiu-se para uma caixa registadora, tendo manifestado à funcionária que o atendeu o propósito de pagar os produtos através de cheque.
31. Logo após, o arguido R. J. retirou da sua carteira o cheque n.º ..., pretensamente sacado sobre a conta bancária nº. 002....9, domiciliada no balcão Conde Margaride, em Guimarães, do “Banco A”, supostamente titulada por R. J., com data de validade até 10/10/2015, em cujo rosto apôs a assinatura “R. J.”, na qualidade de sacador.
32. De imediato, entregou o cheque à funcionária.
33. Mediante solicitação da funcionária, o arguido R. J. apresentou àquela o seu cartão de cidadão, com o número alterado: em vez do nº. ... original, o mesmo continha o número ..., o terceiro algarismo – 3 – foi transformado no algarismo 8, por acrescento de um traço (raspado por um militar da GNR após a respectiva apreensão); o número de contribuinte ..., sendo o arguido titular do número de contribuinte nº. ...; o terceiro algarismo – 3 – foi transformado no algarismo 8, por acrescento de um traço.
34. Entretanto, em virtude dos funcionários da empresa terem sido alertados sobre a devolução do ante referido cheque, com data de 28/11/2014, por motivo de viciação, a funcionária que atendeu o arguido R. J. informou-o que ia confirmar a validade do cheque no sistema informático, aproveitando a ocasião para solicitar a intervenção da GNR.
35. Sentindo-se descoberto, o arguido R. J. retirou-se do hipermercado, juntamente com o indivíduo que o acompanhava, tendo deixado no local o seu cartão de cidadão e o referido cheque.
36. No dia 28 de Dezembro de 2014, pelas 13 horas, o arguido R. J. deslocou-se ao referido hipermercado “Supermercado A”, com o intuito de reaver o seu cartão de cidadão.
37. Para tanto, fez-se transportar no veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca e modelo “Mercedes-Benz”, com a matrícula ..., conduzido por A. O..
38. Depois de contactar uma das operadoras do estabelecimento, a mesma solicitou a intervenção da GNR.
39. Ao aperceber-se da aproximação de uma patrulha da GNR o arguido R. J. colocou-se em fuga (posteriormente solicitou a emissão de novo cartão de cidadão, que ora tem os seguintes três últimos caracteres suplementares: …).
NUIPC 816/14.0PAVNF
40. No dia 29 de Novembro de 2014, pelas 11 horas, os arguidos Manuel e V. P. dirigiram-se ao hipermercado “Supermercado B”, pertencente à sociedade “IT – Supermercados, Ldª.”, do Grupo Supermercado B, sito na Rua …, em Calendário, Vila Nova de Famalicão.
41. Para tanto, fizeram-se transportar num veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca e modelo “Chrysler Stratus”, de cor cinzenta, pertencente ao arguido Manuel, conduzido por este último.
42. Agindo conjunta e concertadamente, enquanto o arguido Manuel permaneceu no corredor de entrada do supermercado, o arguido V. P. retirou várias garrafas de bebidas alcoólicas dos expositores, no montante total de cerca de € 200,00.
43. Seguidamente, o arguido V. P. dirigiu-se para a caixa registadora nº. 4, onde manifestou o propósito de pagar os produtos através de cheque.
44. Sendo informado pela funcionária que o atendeu que a sua entidade patronal não aceitava pagamentos através de cheque de valor superior a € 150,00, o arguido V. P. decidiu excluir alguns artigos.
45. Logo após, o arguido V. P. retirou da sua carteira o cheque n.º …, pretensamente sacado sobre a conta bancária nº. 002....9, domiciliada no balcão Conde Margaride, em Guimarães, do “Banco A”, com o NIB ..., supostamente titulada por V. P., com data de validade até 10/10/2015, em cujo rosto apôs a assinatura “V. P.”, na qualidade de sacador.
46. De imediato, entregou o cheque à funcionária.
47. Mediante solicitação da funcionária, o arguido V. P. apresentou àquela o seu pretenso cartão de cidadão, adulterado nos termos assinalados no item 1. Mais lhe forneceu o seu pretenso contacto telefónico: ..., correspondente a um número desactivado (associado a um serviço pré-pago – Vitamina).
48. Acreditando que tal cheque era genuíno, tinha sido validamente emitido e era passível de boa cobrança, a referida funcionária, em representação da sua entidade patronal, aceitou tal título como meio de pagamento, pelo que o preencheu no sistema informático da empresa, onde lhe apôs a data de emissão - 29/11/2014, o local de emissão - “Calendário”, o nome da sociedade “IT – Supermercado” na qualidade de beneficiária, assim como o montante de € 146.85, por extenso e em algarismos.
49. Acto contínuo, a funcionária inscreveu manualmente no verso do cheque o número do documento de identificação fornecido pelo arguido V. P., bem como o número do contacto telefónico indicado.
50. Posto isto, o arguido V. P. conduziu o carrinho de compras em direcção à área de saída do supermercado, onde se encontrou com o arguido Manuel.
51. Posteriormente, os arguidos Manuel e V. P. dirigiram-se para o veículo automóvel da marca e modelo “Chrysler Stratus”, onde acondicionaram os artigos transportados no carrinho de compras, após o que se retiraram do local.
NUIPC 44/15.8PBGMR (Apenso E)
52. No dia 6 de Dezembro de 2014, pelas 20,14 horas, o arguido R. J. dirigiu-se ao hipermercado “Supermercado B”, pertencente à sociedade “S. – Supermercados, Ldª.”, do Grupo Supermercado B, sito na Rua …, Guimarães, juntamente com um indivíduo não identificado.
53. O arguido R. J. retirou algumas porções de bacalhau e várias garrafas de bebidas alcoólicas dos expositores, no montante total de € 149,55.
54. Seguidamente dirigiu-se para uma caixa registadora, tendo manifestado à funcionária que o atendeu o propósito de pagar os produtos através de cheque.
55. Logo após, o arguido R. J. retirou da sua carteira o cheque n.º …, pretensamente sacado sobre a conta bancária nº. 0026....9, domiciliada no balcão Conde Margaride, em Guimarães, do “Banco A”, com o NIB ..., supostamente titulada por R. J., com data de validade até 10/10/2015, em cujo rosto apôs a assinatura “R. J.”, na qualidade de sacador.
56. De imediato, entregou o cheque à funcionária.
57. Mediante solicitação da funcionária, o arguido R. J. apresentou àquela o seu pretenso cartão de cidadão, adulterado nos termos assinalados no item 1.
58. Mais lhe forneceu o seu pretenso contacto telefónico: ..., correspondente a um número desactivado.
59. Acreditando que tal cheque era genuíno, tinha sido validamente emitido e era passível de boa cobrança, a referida funcionária, em representação da sua entidade patronal, aceitou tal título como meio de pagamento, pelo que o preencheu no sistema informático da empresa, onde lhe apôs a data de emissão - 06/12/2014, o local de emissão - “Guimarães”, o nome da sociedade “S. Sup., Ldª.” na qualidade de beneficiária, assim como o montante de € 149,55, por extenso e em algarismos.
60. Acto contínuo, a funcionária inscreveu manualmente no verso do cheque o nome completo do arguido R. J., o número do documento de identificação por este fornecido, bem como o número do contacto telefónico indicado.
61. Posto isto, o arguido R. J. saiu do hipermercado com os referidos produtos.
62. O referido cheque foi devolvido pelo “Banco A”, sem ser submetido a compensação, em razão de conter, além do mais, uma zona interbancária (ZIB) inválida.
63. No dia 12 de Dezembro de 2014, pelas 15,22 horas, o arguido V. P. dirigiu-se ao hipermercado “Supermercado B”, pertencente à sociedade “S. – Supermercados, Ldª.”, do Grupo Supermercado B, sito na Rua …, Guimarães.
64. Para tanto, fez-se transportar no veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca e modelo “Volvo S”, de cor preta, com a matrícula …, por si conduzido, pertencente a E. L..
65. O arguido V. P. retirou dezassete garrafas de “Licor Beirão” dos expositores, no montante total de € 144,33.
66. Seguidamente dirigiu-se para uma caixa registadora, tendo manifestado à funcionária que o atendeu o propósito de pagar os produtos através de cheque.
67. Logo após, o arguido V. P. retirou da sua carteira o cheque n.º …, pretensamente sacado sobre a conta bancária nº. 0026....9, domiciliada no balcão Conde Margaride, em Guimarães, do “Banco A”, com o NIB ..., supostamente titulada por V. P., com data de validade até 10/10/2015, em cujo rosto apôs a assinatura “V. P.”, na qualidade de sacador.
68. De imediato, entregou o cheque à funcionária.
69. Mediante solicitação da funcionária, o arguido V. P. apresentou àquela o seu pretenso cartão de cidadão, adulterado nos termos assinalados no item 1.
70. Mais lhe forneceu o seu pretenso contacto telefónico: ..., correspondente a um número desactivado.
71. Acreditando que tal cheque era genuíno, tinha sido validamente emitido e era passível de boa cobrança, a referida funcionária, em representação da sua entidade patronal, aceitou tal título como meio de pagamento, pelo que o preencheu no sistema informático da empresa, onde lhe apôs a data de emissão - 12/12/2014, o local de emissão - “Guimarães”, o nome da sociedade “S. Sup., Ldª.” na qualidade de beneficiária, assim como o montante de € 144,33, por extenso e em algarismos.
72. Acto contínuo, a funcionária inscreveu manualmente no verso do cheque o número do documento de identificação fornecido pelo arguido V. P., bem como o número do contacto telefónico indicado.
73. Posto isto, o arguido V. P. saiu do hipermercado com os referidos produtos.
74. O referido cheque foi devolvido pelo “Banco B” sem ser submetido a compensação, em razão de conter, além do mais, uma zona interbancária (ZIB) inválida.
75. No dia 31 de Dezembro de 2014, pelas 17,26 horas, os arguidos V. P. e P. C. dirigiram-se ao hipermercado “Supermercado B”, pertencente à sociedade “SF – Supermercados, Ldª.”, do Grupo Supermercado B, sito na Rua …, em Fafe, juntamente com um indivíduo não identificado.
76. Agindo conjunta e concertadamente, os arguidos V. P. e P. C. percorrerem o estabelecimento, após que o arguido P. C. retirou vários produtos dos expositores, no montante total de € 145,00.
77. Seguidamente, o arguido P. C. dirigiu-se para uma caixa registadora, tendo manifestado à funcionária que o atendeu o propósito de pagar os produtos através de cheque.
78. Logo após, o arguido P. C. retirou da sua carteira o cheque n.º …, pretensamente sacado sobre a conta bancária nº. 002....9, domiciliada no balcão Conde Margaride, em Guimarães, do “Banco A”, com o NIB …, supostamente titulada por P. C., com data de validade até 10/10/2015, em cujo rosto apôs a assinatura “P. C.”, na qualidade de sacador.
79. De imediato, entregou o cheque à funcionária.
80. Mediante solicitação da funcionária, o arguido P. C. apresentou àquela o seu cartão de cidadão, com o número alterado: - em vez do nº. ... original, o mesmo continha o número 10463458, tendo alterado o oitavo algarismo - 3 - para o algarismo 8, por acrescento de um traço (correspondendo ao cartão de cidadão emitido em nome de M. C., residente em Santo Tirso, com excepção dos últimos quatro caracteres suplementares – vide fls. 85 do Apenso D).
81. Mais lhe forneceu o seu pretenso contacto telefónico: …, correspondente a um número desactivado.
82. Acreditando que tal cheque era genuíno, tinha sido validamente emitido e era passível de boa cobrança, a referida funcionária, em representação da sua entidade patronal, aceitou tal título como meio de pagamento, pelo que o preencheu no sistema informático da empresa, onde lhe apôs a data de emissão - 31/12/2014, o local de emissão - “Fafe”, o nome da sociedade “SF” na qualidade de beneficiária, assim como o montante de € 145,00, por extenso e em algarismos.
83. Acto contínuo, a funcionária inscreveu manualmente no verso do cheque o número do documento de identificação fornecido pelo arguido P. C. e a respectiva data de validade, bem como o número do contacto telefónico indicado.
84. Posto isto, os arguidos V. P. e P. C. saíram do hipermercado com os referidos produtos.
85. O referido cheque foi devolvido pelo “Banco B” sem ser submetido a compensação, em razão de conter, além do mais, uma zona interbancária (ZIB) inválida.

NUIPC 174/15.6JABRG (Apenso B)

86. No dia 26 de Dezembro de 2014, pelas 13,40 horas, os arguidos V. P. e P. C. dirigiram-se ao estabelecimento pertencente à sociedade “X Cash & Carry, S.A.”, sita na Rua ..., em Nogueira, Braga.
87. Para tanto, fizeram-se transportar no veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca e modelo “Opel Vectra-A”, de cor preta, com a matrícula …, pertencente ao arguido V. P. e por este conduzido.
88. Agindo conjunta e concertadamente, enquanto o arguido V. P. permaneceu no exterior, o arguido P. C. entrou no estabelecimento donde retirou cinco presuntos, uma caixa de uísque e uma garrafa de champanhe dos expositores, no montante total de € 642,64.
89. Seguidamente dirigiu-se para uma caixa registadora, tendo manifestado à funcionária que o atendeu o propósito de pagar os produtos através de cheque.
90. Logo após, o arguido P. C. retirou da sua carteira o cheque n.º …, pretensamente sacado sobre a conta bancária nº. 002....9, domiciliada no balcão Conde Margaride, em Guimarães, do “Banco A”, com o NIB ..., supostamente titulada por P. C., com data de validade até 10/10/2015, em cujo rosto apôs a assinatura “P. C.”, na qualidade de sacador.
91. De imediato, entregou o cheque à funcionária.
92. Mediante solicitação da funcionária, o arguido P. C. apresentou àquela o seu cartão de cidadão, com o número alterado: em vez do nº. ... original, o mesmo continha o número …, tendo alterado o quinto algarismo - 3 - para o algarismo 8, por acrescento de um traço.
93. Sendo obrigatória a indicação de um número de cliente da empresa “X Cash & Carry, para efeitos de facturação, o arguido P. C. forneceu o número 38116, alegando que correspondia à cliente Maria, sua mulher.
94. Porém, o número 38116 corresponde à cliente B. A., do ramo da restauração, sem qualquer registo de compras desde o ano de 2012.
95. Acreditando que tal cheque era genuíno, tinha sido validamente emitido e era passível de boa cobrança, a referida funcionária, em representação da sua entidade patronal, aceitou tal título como meio de pagamento, pelo que o preencheu no sistema informático da empresa, onde lhe apôs a data de emissão - 26/12/2014, o local de emissão - “Braga”, o nome da sociedade “X Cash & Carry, S.A.” na qualidade de beneficiária, assim como o montante de € 642,64, por extenso e em algarismos.
96. Acto contínuo, a funcionária inscreveu manualmente no verso do cheque o número do documento de identificação fornecido pelo arguido P. C. e a respectiva data de validade, bem como o número de cliente por este indicado.
97. Posto isto, o arguido P. C. saiu do hipermercado com os referidos produtos.

NUIPC 15/15.4GBPVL (Apenso C)

98. No dia 29 de Dezembro de 2014, pelas 18,12 horas, os arguidos V. P. e P. C., juntamente com outro individuo não identificado, dirigiram-se ao hipermercado “Supermercado B”, pertencente à sociedade “SP – Supermercados, S.A.”, do Grupo Supermercado B, sito no Lugar …, na Póvoa de Lanhoso.
99. Para tanto, fizeram-se transportar no veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca e modelo “Opel Vectra-A”, de cor preta, com a matrícula …, pertencente ao arguido V. P. e por este conduzido.
100. Agindo conjunta e concertadamente, enquanto o referido indivíduo não identificado permaneceu no interior do veículo automóvel de matrícula ..., os arguidos V. P. e P. C. entraram nas instalações do estabelecimento, donde este último retirou vários produtos dos expositores, no montante total de € 151,15.
101. Seguidamente, o arguido P. C. dirigiu-se para uma caixa registadora, tendo manifestado à funcionária que o atendeu o propósito de pagar os produtos através de cheque.
102. Logo após, o arguido P. C. retirou da sua carteira o cheque n.º …, pretensamente sacado sobre a conta bancária nº. 002....9, domiciliada no balcão Conde Margaride, em Guimarães, do “Banco A”, com o NIB ..., supostamente titulada por P. C., com data de validade até 10/10/2015, em cujo rosto apôs a assinatura “P. C.”, na qualidade de sacador.
103. De imediato, entregou o cheque à funcionária.
104. Mediante solicitação da funcionária, o arguido P. C. declarou àquela que era titular do cartão de cidadão com o número …, inexistente (vide fls. 903).
105. Mais lhe forneceu o seu pretenso contacto telefónico: ..., correspondente a um número desactivado.
106. Acreditando que tal cheque era genuíno, tinha sido validamente emitido e era passível de boa cobrança, a referida funcionária, em representação da sua entidade patronal, aceitou tal título como meio de pagamento, pelo que o preencheu no sistema informático da empresa, onde lhe apôs a data de emissão - 29/12/2014, o local de emissão - “Apartado 20”, o nome da sociedade “SP – Supermercados, S.A.” na qualidade de beneficiária, assim como o montante de € 151,15, por extenso e em algarismos.
107. Acto contínuo, a funcionária inscreveu manualmente no verso do cheque o número do documento de identificação fornecido pelo arguido P. C., bem como o número do contacto telefónico indicado.
108. Posto isto, os arguidos V. P. e P. C. saíram do hipermercado com os referidos produtos.
109. O referido cheque foi devolvido pelo “Banco A”, sem ser submetido a compensação, em razão de não existir a conta bancária nele mencionada, e a linha óptica assinalada na parte inferior do cheque não corresponder aos dados indicados no cabeçalho.

NUIPC 76/15.6PBBRG (Apenso G)

110. No dia 30 de Dezembro de 2014, pelas 15,55 horas, os arguidos V. P. e P. C., juntamente com outro individuo não identificado, dirigiram-se ao hipermercado “Supermercado A”, pertencente à sociedade “BD - Sociedade de Distribuição, S. A.”, sito na Rua …, Braga.
111. Para tanto, fizeram-se transportar no veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca e modelo “Opel Vectra-A”, de cor preta, com a matrícula ..., pertencente ao arguido V. P. e por este conduzido.
112. Agindo conjunta e concertadamente, enquanto o arguido V. P. e o referido indivíduo não identificado permaneceram no interior do veículo automóvel de matrícula ..., o arguido P. C. retirou vários produtos de charcutaria e bacalhau dos expositores, no montante total de € 131,29.
113. Seguidamente, o arguido P. C. dirigiu-se para uma caixa registadora, tendo manifestado à funcionária que o atendeu o propósito de pagar os produtos através de cheque.
114. Logo após, o arguido P. C. retirou da sua carteira o cheque n.º ..., pretensamente sacado sobre a conta bancária nº. 002....9, domiciliada no balcão Conde Margaride, em Guimarães, do “Banco A”, com o NIB ..., supostamente titulada por P. C., com data de validade até 10/10/2015, em cujo rosto apôs a assinatura “P. C.”, na qualidade de sacador.
115. De imediato, entregou o cheque à funcionária.
116. Mediante solicitação da funcionária, o arguido P. C. apresentou àquela o seu cartão de cidadão, com o número alterado adulterado nos termos assinalados no item 3.
117. Mais lhe forneceu a sua suposta morada: Rua …, Guimarães; bem como os seus pretensos contactos telefónicos: ... e ..., correspondentes a números desactivados.
118. Acreditando que tal cheque era genuíno, tinha sido validamente emitido e era passível de boa cobrança, a referida funcionária, em representação da sua entidade patronal, aceitou tal título como meio de pagamento, pelo que o preencheu no sistema informático da empresa, onde lhe apôs a data de emissão - 30/12/2014, o local de emissão - “Braga”, o nome da sociedade “BD SA” na qualidade de beneficiária, assim como o montante de € 131,29, em algarismos.
119. Acto contínuo, a funcionária inscreveu manualmente no verso do cheque o número do documento de identificação fornecido pelo arguido P. C., bem como a morada e os contactos telefónicos indicados.
120. Posto isto, o arguido P. C. saiu do hipermercado com os referidos produtos.
121. O referido cheque foi devolvido pelo “Banco B” sem ser submetido a compensação, em razão de conter, além do mais, uma zona interbancária (ZIB) inválida.

NUIPC 25/15.1JABRG (Apenso A)

122. No dia 30 de Dezembro de 2014, pelas 17 horas, os arguidos V. P. e P. C., juntamente com outro individuo não identificado, dirigiram-se ao hipermercado “Supermercado B”, pertencente à sociedade “SPA – Supermercados, S.A.”, do Grupo Supermercado B, sito na Rua …, Amares.
123. Para tanto, fizeram-se transportar no veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca e modelo “Opel Vectra-A”, de cor preta, com a matrícula ..., pertencente ao arguido V. P. e por este conduzido.
124. Agindo conjunta e concertadamente, enquanto o arguido V. P. e o referido indivíduo não identificado permaneceram no interior do veículo automóvel de matrícula ..., o arguido P. C., entrou nas instalações do estabelecimento, donde retirou cinco garrafas de “Licor Beirão”, uma chave de fendas e um presunto dos expositores, no montante total de € 149,34.
125. Seguidamente, o arguido P. C. dirigiu-se para uma caixa registadora, tendo manifestado ao funcionário que o atendeu o propósito de pagar os produtos através de cheque.
126. Logo após, o arguido P. C. retirou da sua carteira o cheque n.º ..., pretensamente sacado sobre a conta bancária nº. 002....9, domiciliada no balcão Conde Margaride, em Guimarães, do “Banco A”, com o NIB ..., supostamente titulada por P. C., com data de validade até 10/10/2015, em cujo rosto apôs a assinatura “P. C.”, na qualidade de sacador.
127. De imediato, entregou o cheque ao funcionário.
128. Mediante solicitação da funcionária, o arguido P. C. apresentou àquela o seu cartão de cidadão, com o número alterado adulterado nos termos assinalados no item 3.
129. Mais lhe forneceu a sua suposta morada: Guimarães; bem como o seu pretenso contacto telefónico: ..., correspondente a um número desactivado.
130. Acreditando que tal cheque era genuíno, tinha sido validamente emitido e era passível de boa cobrança, o referido funcionário, em representação da sua entidade patronal, aceitou tal título como meio de pagamento.
131. Posteriormente, uma funcionária da empresa, apôs no cheque, pelo seu próprio punho, a data de emissão - 30/12/2014, o nome da sociedade “SPA” na qualidade de beneficiária, assim como o montante de € 149,34, por extenso e em algarismos.
132. Acto contínuo, a mesma funcionária inscreveu manualmente no verso do cheque o número do documento de identificação fornecido pelo arguido P. C., bem como a morada e o contacto telefónico indicado.
133. Posto isto, o arguido P. C. saiu do hipermercado com os referidos produtos.

NUIPC 28/15.6GCGMR (Apenso F)

134. No dia 30 de Dezembro de 2014, pelas 19 horas, os arguidos V. P. e P. C. dirigiram-se ao hipermercado “Supermercado B”, pertencente à sociedade “Y - Supermercados, Ldª.”, do Grupo Supermercado B, sito na Rua …, Guimarães, juntamente com um indivíduo não identificado.
135. Para tanto, fizeram-se transportar no veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca e modelo “Opel Vectra-A”, de cor preta, com a matrícula ..., pertencente ao arguido V. P. e por este conduzido.
136. Agindo conjunta e concertadamente, os arguidos V. P. e P. C. percorrerem o estabelecimento, após que o arguido P. C. retirou treze garrafas de uísque e um pacote de açúcar dos expositores, no montante total de € 143,76.
137. Seguidamente dirigiu-se para uma caixa registadora, tendo manifestado à funcionária que o atendeu o propósito de pagar os produtos através de cheque.
138. Logo após, o arguido P. C. retirou da sua carteira o cheque n.º ..., pretensamente sacado sobre a conta bancária nº. 002....9, domiciliada no balcão Conde Margaride, em Guimarães, do “Banco A”, com o NIB ..., supostamente titulada por P. C., com data de validade até 10/10/2015, em cujo rosto apôs a assinatura “P. C.”, na qualidade de sacador.
139. De imediato, entregou o cheque à funcionária.
140. Mediante solicitação da funcionária, o arguido P. C. apresentou àquela o seu cartão de cidadão, com o número alterado adulterado nos termos assinalados no item 3.
141. Mais lhe forneceu o seu pretenso contacto telefónico: ..., correspondente a um número desactivado.
142. Acreditando que tal cheque era genuíno, tinha sido validamente emitido e era passível de boa cobrança, a funcionária responsável pela Caixa Central, em representação da sua entidade patronal, aceitou tal título como meio de pagamento, pelo que o preencheu no sistema informático da empresa, onde lhe apôs a data de emissão - 30/12/2014, o local de emissão - “Caldas das Taipas”, o nome da sociedade “Y - Supermercados” na qualidade de beneficiária, assim como o montante de € 143,76, por extenso e em algarismos.
143. Acto contínuo, a funcionária responsável pela Caixa Central inscreveu manualmente no verso do cheque o número do documento de identificação fornecido pelo arguido P. C. e a respectiva data de validade, bem como o número do contacto telefónico indicado.
144. Posto isto, os arguidos V. P. e P. C. saíram do hipermercado com os referidos produtos.
145. O arguido Manuel agiu de forma voluntária, livre e conscientemente:
- por mútuo acordo e em conjugação de esforços com o arguido V. P., com o propósito concretizado de enganar diversas sociedades ofendidas, induzindo-as em erro, e de obter proventos materiais indevidos, contra a vontade e à custa do ilegítimo empobrecimento do património destas últimas, em valor correspondente ao preço dos supostos produtos adquiridos, tendo-as determinado a entregar-lhes tais artigos, por intermédio dos respectivos funcionários, sem qualquer contrapartida, em conformidade com o plano previamente traçado de jamais cumprir a obrigação de pagar o preço das mercadorias;
- por mútuo acordo e em conjugação de esforços com o arguido R. J., com o propósito concretizado de enganar uma das sociedades ofendidas, induzindo-a em erro, e de obter proventos materiais indevidos, contra a vontade e à custa do ilegítimo empobrecimento do património desta última, em valor correspondente ao preço dos supostos produtos adquiridos, tendo-a determinado a entregar-lhes tais artigos, por intermédio dos respectivos funcionários, sem qualquer contrapartida, em conformidade com o plano previamente traçado de jamais cumprir a obrigação de pagar o preço das mercadorias;
- por mútuo acordo e em conjugação de esforços, ora com o arguido V. P., ora com o arguido R. J., com o propósito de reproduzir vários títulos de crédito, ficcionando a existência de aparentes titularidades de provisão e de convenções de cheque, e de pô-los em circulação com obrigações cambiárias viciadas, estando ciente que não tinha autorização para movimentar as contas de depósito e emitir os cheques, e que, ao actuar dessa forma, punha em crise a segurança e a credibilidade que a generalidade das pessoas atribui a tais declarações cartulares, em ordem a lesar o património dos tomadores;
- por mútuo acordo e em conjugação de esforços, ora com o arguido V. P., ora com o arguido R. J., com o intuito de alterar os números de identificação civil dos cartões de cidadão destes últimos, respectivamente, em ordem a impedir o reconhecimento dos mesmos, e que, ao actuar dessa forma, punha em crise a seguridade e a fiabilidade do sistema de identificação civil, com o intuito concretizado de lesar o património dos tomadores;
146. O arguido V. P. agiu de forma voluntária, livre e conscientemente:
- por mútuo acordo e em conjugação de esforços com os arguidos Manuel e P. C., com o propósito concretizado de enganar diversas sociedades ofendidas, induzindo-as em erro, e de obter proventos materiais indevidos, contra a vontade e à custa do ilegítimo empobrecimento do património destas últimas, em valor correspondente ao preço dos supostos produtos adquiridos, tendo-as determinado a entregar-lhes tais artigos, por intermédio dos respectivos funcionários, sem qualquer contrapartida, em conformidade com o plano previamente traçado de jamais cumprir a obrigação de pagar o preço das mercadorias;
- por mútuo acordo e em conjugação de esforços com o arguido Manuel, com o propósito de reproduzir, usar, facultar e deter vários títulos de crédito, ficcionando a existência de aparentes titularidades de provisão e de convenções de cheque, e de pô-los em circulação com obrigações cambiárias viciadas, estando ciente que não tinha autorização para movimentar as contas de depósito e emitir os cheques, e que, ao actuar dessa forma, punha em crise a segurança e a credibilidade que a generalidade das pessoas atribui a tais declarações cartulares, com o intuito concretizado de lesar o património dos tomadores;
- ora por mútuo acordo e em conjugação de esforços com o arguido Manuel, com o propósito de alterar o número de identificação civil do seu cartão de cidadão, ora por mútuo acordo e em conjugação de esforços com o arguido P. C., com o propósito de alterar o número de identificação civil do cartão de cidadão deste último, em ordem a impedir o reconhecimento de qualquer um deles, e que, ao actuar dessa forma, punha em crise a seguridade e a fiabilidade do sistema de identificação civil, com o intuito concretizado de lesar o património dos tomadores;
147. O arguido P. C. agiu de forma voluntária, livre e conscientemente, por mútuo acordo e em conjugação de esforços com o arguido V. P.:
- com o propósito de enganar diversas sociedades ofendidas, induzindo-as em erro, e de obter proventos materiais indevidos, contra a vontade e à custa do ilegítimo empobrecimento do património destas últimas, em valor correspondente ao preço dos supostos produtos adquiridos, tendo-as determinado a entregar-lhe tais artigos, por intermédio dos respectivos funcionários, sem qualquer contrapartida, em conformidade com o plano previamente traçado de jamais cumprir a obrigação de pagar o preço das mercadorias;
- com o propósito de usar, facultar e deter vários títulos de crédito reproduzidos, ficcionando a existência de aparentes titularidades de provisão e de convenções de cheque, e de pô-los em circulação com obrigações cambiárias viciadas, estando ciente que não tinha autorização para movimentar as contas de depósito e emitir os cheques, e que, ao actuar dessa forma, punha em crise a segurança e a credibilidade que a generalidade das pessoas atribui a tais declarações cartulares, com o intuito concretizado de lesar o património dos tomadores;
- com o propósito de alterar o número de identificação civil do seu cartão de cidadão, em ordem a impedir o seu reconhecimento, e que, ao actuar dessa forma, punha em crise a seguridade e a fiabilidade do sistema de identificação civil, com o intuito concretizado de lesar o património dos tomadores;
148. O arguido R. J. agiu de forma voluntária, livre e conscientemente por mútuo acordo e em conjugação de esforços com o arguido Manuel:
- com o propósito de enganar uma das sociedades ofendidas, induzindo-a em erro, e de obter proventos materiais indevidos, contra a vontade e à custa do ilegítimo empobrecimento do património desta última, em valor correspondente ao preço dos supostos produtos adquiridos, tendo-a determinado a entregar-lhe tais artigos, por intermédio do respectivo funcionário, sem qualquer contrapartida, em conformidade com o plano previamente traçado de jamais cumprir a obrigação de pagar o preço das mercadorias;
- com o propósito de reproduzir , usar, facultar e deter dois títulos de crédito reproduzidos, ficcionando a existência de aparentes titularidades de provisão e de convenções de cheque, e de pô-los em circulação com obrigações cambiárias viciadas, estando ciente que não tinha autorização para movimentar as contas de depósito e emitir os cheques, e que, ao actuar dessa forma, punha em crise a segurança e a credibilidade que a generalidade das pessoas atribui a tais declarações cartulares, com o intuito concretizado de lesar o património dos tomadores;
- com o propósito de alterar o número de identificação civil do seu cartão de cidadão, e o número de identificação fiscal dele constante, em ordem a impedir o seu reconhecimento, e que, ao actuar dessa forma, punha em crise a seguridade e a fiabilidade do sistema de identificação civil, com o intuito concretizado de lesar o património dos tomadores.
149. Todos os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e criminalmente punidas por lei.
150. O arguido Manuel tem os seguintes antecedentes criminais – por sentença de 09.10.1998 foi condenado na pena de 100 dias de multa, à razão diária de 600$00, pela prática de um crime de passagem de moeda falsa; por sentença de 09.10.1998 foi condenado na pena de 7 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 1 ano, pela prática de um crime de passagem de moeda falsa; por acórdão de 04.11.1998 foi condenado na pena única de 1 ano de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 2 anos, pela prática, em 06.02.1998, de um crime de furto qualificado, um crime de burla e de um crime de falsificação de documento; por sentença de 11.02.1999 foi condenado na pena única de 7 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 2 anos, pela prática, em 06.08.1997, de crimes de emissão de cheque sem provisão; por sentença de 06.05.1999 foi condenado na pena única de 170 dias de multa, pela prática, em 07.08.1997, de crimes de emissão de cheque sem provisão; por sentença de 10.05.1999 foi condenado na pena de 150 dias de multa, à razão diária de 300$00, pela prática, em 26.11.1996, de um crime de burla; por sentença de 25.05.1999, transitada em 09.06.1999, foi condenado na pena de 80 dias de multa, à razão diária de 300$00, pela prática, em 05.08.1997, de um crime de emissão de cheque sem provisão; por acórdão de 27.10.1999, transitado em 15.11.1999, foi condenado pelos crimes de coacção e detenção ilegal de arma na pena única de 14 meses de prisão; por sentença de 10.12.1999, foi condenado na pena de 4 meses de prisão, substituída por multa, pela prática, em 07.08.1997, de um crime de emissão de cheque sem provisão; por acórdão de 21.03.2001, transitado em julgado em 06.04.2002, foi condenado pela prática, em Janeiro de 1997, de um crime de furto, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos; por sentença de 22.03.2001 foi condenado na pena de 5 meses de prisão, substituída por multa, pela prática, em 17.03.2000, de um crime de emissão de cheque sem provisão; por sentença de 21.10.2003, transitada em julgado em 19.01.2004, foi condenado na pena de 150 dias de multa, à razão diária de 4 €, pela prática, em 06.08.1997, de um crime de emissão de cheque sem provisão; por sentença de 17.02.2009, transitada em julgado em 19.03.2009, foi condenado na pena de 300 dias de multa, à razão diária de 4 €, pela prática, em Maio de 2002, de um crime de falsificação de documento; por sentença de 31.05.2010, transitada em julgado em 30.06.2010, foi condenado na pena de 180 dias de multa, à razão diária de 8 €, pela prática, em 01.08.2009, de um crime de dano.
151. O arguido R. J. tem os seguintes antecedentes criminais – por sentença de 28.07.1998 foi condenado na pena de 140 dias de multa, à razão diária de 200$00, pela prática, em 28.07.1998, de um crime de condução sem habilitação legal; por acórdão de 04.02.2000, foi condenado numa pena de multa, no montante de 120.000$00, pela prática, em 05.12.1997, de um crime de furto qualificado; por sentença de 10.05.2000 foi condenado na pena de 180 dias de multa, à razão diária de 200$00, pela prática, em 25.11.1998, de um crime de condução sem habilitação legal; por sentença de 30.01.2001, transitada em julgado em 14.02.2001, foi condenado na pena de 200 dias de multa, à razão diária de 2 €, pela prática, em 03.06.1999, de um crime de condução sem habilitação legal; por sentença de 14.02.2001, transitada em julgado em 11.03.2001, foi condenado na pena de 200 dias de multa, à razão diária de 300$00, pela prática, em 19.09.1998, de um crime de condução sem habilitação legal; por acórdão de 31.10.2003, transitado em julgado em 19.12.2003, foi condenado na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, pela prática, em 23.01.2003, de um crime de furto qualificado; por sentença de 13.02.2003, transitada em julgado em 11.02.2004, foi condenado na pena de 5 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 2 anos, pela prática, em 11.11.2003, de um crime de condução sem habilitação legal; por sentença de 16.03.2005, transitada em julgado em 11.04.2005, foi condenado na pena de 28 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 3 anos, pela prática, em 02.03.2002, de um crime de furto qualificado; por sentença de 15.09.2010, transitada em julgado em 14.03.2011, foi condenado em prisão por dias livres, pela prática, em 24.08.2010, de um crime de condução sem habilitação legal; por acórdão de 13.11.2015, transitado em julgado em 28.12.2015, foi condenado na pena de 2 anos de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período, pela prática, em 27.02.2015, de um crime de furto qualificado; por sentença de 15.03.2016, transitada em julgado em 27.04.2016, foi condenado na pena de 11 meses de prisão, pela prática, em 08.03.2016, de um crime de condução sem habilitação legal; por acórdão de 04.04.2016, transitado em julgado em 05.05.2017, foi condenado na pena de 1 ano de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período, pela prática, em 08.03.2012, de um crime de falsificação de documento; por sentença de 30.05.2016, transitada em julgado em 14.06.2016, foi condenado na pena de 8 meses de prisão, pela prática, em 13.04.2015, de um crime de condução sem habilitação legal.
152. O arguido V. P. tem as seguintes condenações – por acórdão de 09.12.2015, transitado em julgado em 21.01.2016, foi condenado na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período, com regime de prova, pela prática, em Outubro de 2014, de um crime de roubo qualificado, em 10.10.2014, um crime de falsificação de documento, em Dezembro de 2014, de um crime de tráfico de armas, em Novembro de 2014, de um crime de detenção de arma proibida, e, em Novembro de 2014, de um crime de falsificação de documento.
153. O arguido P. C. não tem antecedentes criminais registados.
(…)
154. Manuel cresceu integrado no agregado de origem, composto pelos progenitores e cinco irmãos, um dos quais já falecido.
155. Viviam em meio rural, onde se mostravam bem integrados. Os progenitores seguiam modelo educativo convencional, revelando motivação para incentivar os filhos a prosseguir formação académica.
156. A situação financeira do agregado foi, na generalidade, assegurada pelos proventos auferidos pelo progenitor, que exercia a actividade profissional de serralheiro. A mãe era doméstica.
157. Manuel tem como habilitações o 12.º ano, que concluiu há cerca de seis anos.
158. Frequentou a escolaridade obrigatória em idade oportuna mas não concluiu neste contexto, o ensino secundário, por desmotivação.
159. Iniciou actividade profissional aos dezanove anos, tendo trabalhado por conta de outrem, como técnico de electrónica, durante cerca de dezoito meses.
160. Após ter cumprido serviço militar durante cerca de três meses, retoma a anterior actividade mas em nome individual, montando oficina na residência dos progenitores e posteriormente uma outra, junto da sua habitação quando se autonomizou daqueles. Manteve esta actividade ao longo do seu percurso profissional, cumulando-a nalguns períodos com outras actividades por conta de outrem, nomeadamente, durante dezoito meses como técnico de manutenção em grande superfície comercial, um ano como técnico em empresa de balanças e um ano como técnico em centro de inspecção automóvel, como motorista de longo curso e ocasionalmente negociou na compra e venda de automóveis.
161. O arguido manteve relacionamento afectivo com companheira de nacionalidade brasileira desde o início da idade adulta e até há cerca de seis anos. Durante este período formalizaram a relação mas separaram-se após oito meses. Da relação tem uma filha, actualmente já adulta, a residir com a progenitora no Brasil.
162. À data dos factos e actualmente o arguido reside com os progenitores, ambos reformados, na habitação de família, local onde também detém uma oficina de electrónica. Mantém esta, mas não exerce actualmente pela baixa procura e por se encontrar a beneficiar de subsídio de desemprego, que usufrui desde Maio de 2017, após dezoito meses em que trabalhou de forma regular como motorista de longo curso.
163. Habitualmente, o seu quotidiano organiza-se em função da satisfação das necessidades dos progenitores (ambos idosos e a necessitar de cuidados, designadamente a progenitora), na realização de actividades domésticas e a cuidar de animais domésticos e de companhia da família.
164. Mantém convívios regulares com a família, designadamente com a filha via electrónica e contactos ocasionais com pares, na sua maioria vizinhos e colegas de escola e de trabalho.
165. No meio residencial e também em Guimarães, onde detém apartamento que por vezes arrenda mas que utiliza quando devoluto, a sua imagem é positiva pelo seu temperamento cordial e prestativo.
166. Conhece dois dos co-arguidos, o R. J. em contexto de vizinhança, já que o seu apartamento se situa próximo do da progenitora daquele, e o V. P. na sequência de ter tirado carta de condução de pesados através da escola de que aquele era proprietário e com o qual estabeleceu relação de amizade por empatia mútua na altura.
167. Ocupa os tempos livres no convívio com a família e pares, estes, na sua maioria, do que foi possível percepcionar com comportamento pró-social.
168. No meio residencial foi referido como trabalhador e cordial.
169. O arguido foi acompanhado pelos serviços de reinserção social em contexto de liberdade condicional, de 25-05-2004 a 13-02-2006, no âmbito do processo 76/00.0, 2º Juízo, Tribunal de Fafe. Mostrou atitude colaborante e cumpriu as injunções impostas na sua sentença de libertação.
170. No âmbito do processo 759/02.0PBGMR, 3º Juízo Criminal, Tribunal judicial de Guimarães, foi o arguido condenado em pena de multa, tendo solicitado a sua substituição por trabalho a favor da comunidade. No entanto, apenas prestou 28 horas de trabalho a favor da Delegação da Cruz Vermelha de Fafe, por motivos que atribuiu a dificuldades em conciliar a sua actividade profissional com o trabalho a favor da comunidade, tendo efectuado o pagamento do remanescente da multa.
171. R. J. cresceu no agregado de origem composto pelos progenitores e três irmãos sendo o terceiro da fratria.
172. Os progenitores sustentaram-se em modelo convencional na educação dos descendentes mas a dinâmica familiar foi perturbada por conflitos dos progenitores.
173. A economia do agregado foi percepcionada como de nível médio, foi, na generalidade, sustentada pelos proventos auferidos pelo progenitor, proprietário de empresa de calçado, sendo que a mãe o ajudava na actividade empresarial.
174. R. J. apresentou desde cedo indicadores de irrequietude, designadamente em contexto escolar, contexto que levou a progenitora a solicitar ajuda médica e psicológica, tendo sido acompanhado durante a infância / adolescência mas sem que aquela conheça o diagnóstico efectuado.
175. A partir dos dezasseis anos foi consumidor de produtos estupefacientes, hábito associado pela progenitora a um aumento de comportamentos de risco, destacando a impulsividade nas suas tomadas de decisão e a vulnerabilidade face à influência de pares.
176. O percurso escolar de R. J. iniciou-se em idade normal e caracterizou-se por dificuldades, tendo sofrido várias retenções e desistido de estudar após a conclusão do 4.º ano.
177. Aos dezasseis anos e durante cerca de três anos, laborou como empregado de armazém em fábrica de calçado de um tio e nos dois seguintes, na montagem de ar condicionado e tectos falsos.
178. Posteriormente trabalhou por curto período de tempo como operário em empresa de calçado, emprego que abandona por mudança de residência para Braga, onde viveu durante cerca de três anos com companheira.
179. Nesta cidade, trabalhou por curto período de tempo (cerca de seis meses), na construção civil.
180. Regressou entretanto, por fim da relação afectiva, ao agregado paterno e manteve-se desempregado efectuando biscates esporádicos na construção civil, até 24-05-2016 (data em que deu entrada no EP de Guimarães para cumprimento de pena de prisão efectiva de catorze meses (cúmulo-jurídico).
181. R. J. durante o cumprimento da última pena de prisão que cumpriu (24-05-2016 a 24-07-2017) manteve um comportamento dentro do exigido e frequentou curso de prevenção rodoviária promovido pelo núcleo da Cruz Vermelha de Guimarães e foi acompanhado pelo Centro de Respostas Integradas de Braga, na sequência da sua toxicodependência.
182. Não beneficiou de liberdade condicional mas usufruiu de uma saída jurisdicional de 09-05 a 12-05-2017, que passou na habitação do progenitor e para onde projectava fixar residência após a sua libertação.
183. As suas necessidades básicas imediatas seriam asseguradas por aquele (reformado), até que iniciasse actividade laboral, perspectivando trabalhar como operário de calçado em fábrica de tio.
184. Em termos de convívios sociais, apresentava-se como um indivíduo solitário (revelando dificuldades em aprofundar relações), sendo aqueles, no período anterior à reclusão, praticamente confinados à família, à pessoa que lhe dava algumas oportunidade a nível laboral e a frequentadores de um café situado próximo da residência da mãe, onde habitualmente se deslocava durante o dia.
185. No meio residencial onde vivia e para onde pretendia regressar após a sua libertação, os seus contactos eram superficiais e ocasionais, sendo pouco conhecido.
186. No meio residencial que pretendia integrar, correspondente à morada que consta no processo, situado na periferia da cidade de Guimarães, não foram notórios sentimentos de rejeição, tendo sido descrito como um indivíduo pacato, que estabelecia sobretudo contactos superficiais.
187. P. C. é o sexto por ordem de nascimento de uma fratria de sete. Os progenitores procuraram proporcionar as condições necessárias ao desenvolvimento salutar dos seus descendentes, não obstante as dificuldades económicas vivenciadas pelo agregado.
188. Com cerca de 25 anos de idade, P. C. casou e desta relação, resultaram dois descendentes de 17 e 6 anos de idade.
189. O arguido concluiu o 6º ano de escolaridade. Não prosseguiu a escolarização por dificuldades económicas não obstante as referências ao bom aproveitamento escolar e ao seu comportamento neste contexto.
190. Começou a trabalhar aos 14 anos numa empresa de tecelagem. Após interrupção do trajecto laboral para cumprimento do Serviço Militar Obrigatória, P. C. retomou actividade na indústria têxtil até aos 27 anos.
191. Emigrou depois para o Luxemburgo onde trabalhou na construção civil.
192. Há cerca de quatro anos regressou a Portugal na sequência de situação de desemprego no Luxemburgo e de problemas na relação conjugal.
193. Desde então apenas tem conseguido trabalhos precários.
194. À data dos factos, P. C. encontrava-se desempregado, a residir em quarto cedido por familiar (cunhado), numa situação de alguma vulnerabilidade financeira, um contexto de vida que não sofreu alterações significativas desde então.
195. Cônjuge e filhos continuam a viver no Luxemburgo.
196. O arguido mantém-se separado de facto, o casal não assumiu formalmente a ruptura da relação conjugal.
197. P. C. continua sem desenvolver actividade laboral formal. A sua subsistência encontra-se assegurada por familiares e amigos.
198. Colabora com um amigo, empresário na área da restauração que lhe assegura a alimentação e as despesas pessoais. O alojamento continua a ser garantido por familiar.
199. Apresenta-se como um indivíduo socialmente isolado, convivendo ocasionalmente apenas com família mais próxima, a quem o arguido oculta os seus problemas, designadamente os contactos com o sistema judicial.
200. De um ponto de vista pessoal, a sua imagem perante a comunidade é de um indivíduo com relações adequadas, sem a existência de conflitos.
201. Pelos amigos é caracterizado como uma pessoa respeitadora, trabalhadora, mas ingénuo e influenciável.
202. V. P. é o mais velho de três descendentes de um casal de operários do sector têxtil. O seu processo de crescimento decorreu junto do núcleo familiar de origem, numa dinâmica sem alterações de relevo.
203. Frequentou o sistema de ensino de modo regular, tendo completado o 12º ano de escolaridade pela via profissional, nível que concluiu na área da agricultura, na Escola Profissional Agrícola …, em Santo Tirso.
204. Aos 20 anos iniciou actividade laboral numa empresa de produtos químicos, onde permaneceu cerca de 1 ano e meio, tendo depois ingressado numa escola de condução como instrutor. Interrompeu esta actividade durante cerca de 2 anos para trabalhar em Espanha no mesmo ramo de actividade, tendo depois regressado a Portugal e à anterior escola de condução, como proprietário da mesma.
205. Casou em 2001, existindo desta união um descendente, actualmente com 10 anos.
206. Em 2011 surgiram as primeiras alterações comportamentais, decorrentes da emergência de doença mental, com o recurso pela primeira vez a consulta especializada de psiquiatria.
207. Estas alterações tiveram impacto a vários níveis, tendo determinado uma primeira separação temporária do casal.
208. Nesta altura, foi-lhe determinada terapêutica medicamentosa, à qual aderiu numa fase inicial, retomando a vivência conjugal durante os dois anos subsequentes.
209. No entanto, a dinâmica do casal foi fortemente perturbada pela inconsistência na adesão ao tratamento manifestada pelo arguido, com sucessivas interrupções, o que culminou num agravamento da sua instabilidade pessoal e consequente separação do casal, em Jan. 2013.
210. Regressou, nessa altura, ao agregado dos pais, após o que abandonou a sua actividade laboral em Set. 2014.
211. Em Mar. 2013 foi-lhe diagnosticada doença bipolar, num ciclo de tratamentos, interrupções e recaídas, com consequente quadro de desestabilização pessoal e internamento hospitalar em Dezembro do mesmo ano, por tentativa de suicídio.
212. Cumpriu um segundo período de internamento de cerca de 2 semanas em Jan. 2015, tendo logo após o seu termo sido preso preventivamente à ordem do processo 681/14.8JABRG, Comarca de Braga, Guimarães, Instância Central, 2ª Secção Criminal, J2.
213. À data dos factos constantes na acusação, V. P. integrava o agregado de origem, composto pelos pais e uma irmã mais nova, situação que mantinha desde a separação conjugal ocorrida em Jan. 2013, conforme anteriormente mencionado.
214. Não dispunha de rendimentos próprios, adoptando um estilo de vida desregrado, associado à instabilidade ao nível da doença mental, uma vez que não respeitava a prescrição medicamentosa, adaptando-a em função da sua vontade pessoal.
215. Mantinha alguns períodos de ausência da habitação, pernoitando em casa de terceiros, recorrendo aleatória e pontualmente aos pais.
216. O seu quotidiano centrava-se no convívio com amigos em cafés locais, num quotidiano sem qualquer estruturação.
217. Embora efectuasse tratamento ambulatório na especialidade de psiquiatria (no Centro Hospitalar do Alto Ave, em Guimarães), sensivelmente desde o seu primeiro internamento em Dez. 2013, o padrão de intermitência/inconsistência na adesão ao tratamento prescrito apenas foi interrompido com o espoletar dos contactos com o sistema judicial e consequente entrada em meio prisional.
218. A satisfação das suas necessidades pessoais era garantida pelos pais, tal como acontece actualmente.
219. O pai encontra-se reformado desde Dez. 2017 e a mãe trabalha como cozinheira num centro social local, auferindo, em conjunto, um total de cerca de 1200 €.
220. Actualmente, o agregado familiar é composto pelo arguido e pelos progenitores.
221. Residem na morada que consta nos autos, tratando-se de uma habitação, propriedade dos pais, dotada de condições de habitabilidade, inserida numa freguesia periurbana de Guimarães, sem conotações sociais desviantes.
222. Desde que se encontra sujeito a medida probatória tem efectuado o acompanhamento clínico regular, bem como a toma da medicação prescrita com a supervisão dos pais.
223. Em Junho/2017 iniciou curso de formação profissional de operador de informática na C., mantendo um quotidiano estruturado e menos isolado socialmente.
224. No meio sócio residencial é conhecida a situação do arguido, não sendo, no entanto, perceptíveis sentimentos de rejeição face ao mesmo.
225. O presente processo não teve implicações directas na sua vida pessoal, embora esteja a ser vivido com expectativa.
226. Durante o período de acompanhamento no âmbito da medida probatória em curso, tem demonstrado capacidade para gerir o seu quotidiano em conformidade com o plano de reinserção homologado e com as injunções fixadas.
227. Ao nível da saúde mental, V. P. mantém consultas regulares de Psiquiatria no Centro Hospitalar do Alto Ave, em Guimarães, efectuando medicação antiepilética e antipsicótica.”.

1.2.2. Considerou não provados os seguintes factos (transcrição):

a) Foi o seu historial clínico que levou a que o arguido V. P. praticasse os factos de que vem acusado.
b) Não tinha nem tem o arguido capacidade para avaliar o alcance dos seus actos.”.

1.2.3. E motivou a essa decisão de facto nos seguintes moldes (transcrição):

“O tribunal formou a sua convicção a partir de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, depois de criticamente analisada, à luz das regras da experiência comum e de verosimilhança, naquela se incluindo:

Documentos constantes do presente processo, nomeadamente:

- auto de denúncia de fls. 3;
- auto de apreensão de fls. 4 (cheque n.º ..., do Banco A);
- cheque de fls. 6-A (cheque com o valor inscrito de 146,85 €, em nome e assinado por V. P., à ordem de IT, Supermercado, com o n.º de BI ... e de telemóvel ... inscritos no verso);
- informação da … de fls. 11 (o número de telemóvel identificado no cheque corresponde a um serviço pré-pago (Vitamina), não sendo possível saber quem é o seu titular);
- fotogramas de fls. 13 e seguintes relativos ao sistema de videovigilância da Supermercado B da Rua …, V. N: de Famalicão;
- reconhecimento fotográfico de fls. 67 a 70 (o representante legal da IT, Supermercados identificou o arguido V. P. como o indivíduo que entregou o cheque);
- print da certidão permanente da IT – Supermercados, L.da, de fls. 72 e seguintes;
- relatório de exame pericial de fls. 80 (o cheque n.º ..., do Banco A, com a quantia inscrita de 146,85 €, Calendário como local de emissão e data de emissão de 29.11.2014, é falso, tendo sido obtido por reprodução policromática de jacto de tinta);
- auto de busca e apreensão de fls. 113 e seguintes (residência do arguido V. P.);
- auto de interrogatório do arguido V. P. perante magistrado do Ministério Público, de fls. 143 e seguintes;
- relatório de exame pericial de fls. 192 e 193 (os cheques do Banco A n.ºs 6230776236 – referente à conta de V. P., onde consta a quantia de 55,77 € e Lordelo como local de emissão e data de emissão 28.11.2014 –, ... – cinco cheques, referentes à conta com o mesmo número mas em nome de R. J., V. P. e P. C., onde constam inscritos os montantes de 149,55 €, 144,33 €, 145,00 € e 143,76 €, e Guimarães, Fafe e Caldas das Taipas como locais de emissão e as datas de emissão de 06.12.2014, 12.12.2014, 31.12.2014 e 30.12.2014, são falsos, tendo sido obtidos por reprodução policromática de jacto de tinta);
- relatório de exame pericial de fls. 196 e seguintes (admite-se como provável que a assinatura aposta no cheque seja da autoria de V. P.);
- relatório de exame pericial de fls. 214 (o cheque n.º ..., do Banco A, com a quantia inscrita de 131,29 €, Braga como local de emissão e data de emissão de 30.12.2014, é falso, tendo sido obtido por reprodução policromática de jacto de tinta);
- auto de busca e apreensão de fls. 301 (residência do arguido Manuel, foi apreendida uma impressora HP, modelo Photosmart 5520, com o n.º de série …, respectivos cabos, e cinco tinteiros);
- factura/recibo de fls. 355, emitida pela Staples de Guimarães, em nome do arguido Manuel, relativa à venda , em 22.04.2014, de uma impressora da mesma marca e modelo da apreendida na casa do arguido e quatro tinteiros);
- fotogramas de fls. 421 relativos ao sistema de videovigilância do Supermercado A de Lordelo, Guimarães;
- auto de reconhecimento de pessoas de fls. 431 e seguintes (a funcionária do Supermercado B de Fafe reconheceu, com alguma reserva, o arguido P. C. como o indivíduo que lhe entregou e assinou o cheque, no valor de 145 €, em 31.12.2014);
- auto de reconhecimento de pessoas de fls. 434 e seguintes (a funcionária do Supermercado B das Caldas das Taipas reconheceu o arguido P. C. como o indivíduo que lhe entregou e assinou o cheque, no valor de 143,76 €, por altura do Natal de 2014);
- auto de reconhecimento de pessoas de fls. 437 e seguintes (o funcionário do Supermercado B ... de Famalicão (Supermercado IT) reconheceu o arguido V. P. como o indivíduo que lhe entregou e assinou o cheque, no valor de 146,85 €, em 29.11.2014);
- auto de reconhecimento de pessoas de fls. 440 e seguintes (a funcionária do Supermercado B de Urgezes, Guimarães, reconheceu o arguido V. P. como o indivíduo que lhe entregou e assinou o cheque, de valor inferior a 150,00 €, por altura do Natal de 2014);
- auto de reconhecimento de pessoas de fls. 448 e seguintes (a funcionária do Supermercado A de Lordelo, Guimarães, reconheceu o arguido R. J. como o indivíduo que lhe entregou e assinou o cheque, de valor inferior a 150,00 €, por altura do Natal de 2014);
- relatório de exame pericial de fls. 452 e seguintes (as tintas de impressão dos cheques examinados apresentam características diferentes das tintas dos tinteiros inseridos na impressora apreendida);
- relatório de exame pericial de fls. 493 e seguintes (admite-se como muito provável que as assinaturas apostas nos cheques com o nome de P. C. sejam da autoria de P. C. e como provável que as assinaturas apostas nos cheques com o nome de R. J. sejam da autoria de R. J.;
- print da certidão permanente da SPA – Supermercados, L.da, de fls. 810 e seguintes;
- print da certidão permanente da X – Cash & Carry, S.A., de fls. 821 e seguintes;
- print da certidão permanente da SP – Supermercados, S.A., de fls. 838 e seguintes;
- print da certidão permanente da W – Sociedade de Distribuição, S.A., de fls. 846 e seguintes;
- print da certidão permanente da S. – Supermercados, L.da, de fls. 861 e seguintes;
- print da certidão permanente da SF – Supermercados, L.da, de fls. 869 e seguintes;
- print da certidão permanente da Y – Supermercados, S.A., de fls. 876 e seguintes;
- print da certidão permanente da BD – Sociedade de Distribuição, S.A., de fls. 885 e seguintes;
- originais dos cheques de fls. 905 a 915;
- informação clínica de fls. 1103 a 1106 referente à doença psiquiátrica do arguido V. P.;
- relatório da perícia médico-legal de psiquiatria realizado em 11 de Janeiro de 2018, onde consta que o arguido V. P. “tem uma história clínica compatível com o diagnóstico de Perturbação Afectiva Bipolar. Independentemente da doença, não exibe características patológicas da personalidade, sendo um indivíduo sociável e com facilidade de integração a nível familiar, profissional e social. Da análise de todos os elementos recolhidos pode claramente concluir-se que, à data da prática dos factos em apreço, possuía discernimento para avaliar a ilicitude da sua conduta e de se determinar de acordo com os valores tutelados pela ordem jurídica, sendo imputável. A perigosidade do examinado não decorre da anomalia psíquica”;
- certidão emitida pelo IMT, de fls. 1324;

Documentos constantes do apenso A

- auto de denúncia de fls. 4 e seguintes;
- auto de apreensão de fls. 7 e seguintes (cheque e cd contendo imagens de videovigilância do Supermercado B de Amares);
- fotogramas extraídos dessas imagens gravadas, de fls. 43;
- relatório de exame pericial de fls. 45 (o cheque nº ..., do Banco A, com a quantia inscrita de 149,34 €, e data de emissão de 30.12.2014, é falso, tendo sido obtido por reprodução policromática de jacto de tinta);

Documentos constantes do apenso B

- auto de denúncia de fls. 13 e seguintes;
- factura/recibo de fls. 17, emitida pela X, Cash & Carry, com o valor inscrito de 642,64 €;
- cópia do cheque com o valor inscrito de 642,64 €, assinado por P. C., à ordem de X – Cash & Carry, com data de emissão de 26.12.2014, emitido em Braga;
- relatório de exame pericial de fls. 29 (esse cheque n.º ..., do Banco A, com a quantia inscrita de 642,64 €, e data de emissão de 26.12.2014, é falso, tendo sido obtido por reprodução policromática de jacto de tinta);
- fotogramas extraídos das imagens gravadas pelo sistema de videovigilância do X de Nogueira, Braga, de fls. 40 e seguintes;

Documentos constantes do apenso C

- auto de notícia de fls. 3 e seguintes;
- cópia do cheque nº ... com o valor inscrito de 151,15 €, assinado por P. C., à ordem de SP – Supermercado, com data de emissão de 29.12.2014 (cfr. fls. 16-A);
- informação prestada pelo Banco A (não existe nenhuma conta com o n.º indicado no cheque, não existe nenhum cliente com o nome de P. C., a linha óptica existente na parte inferior do cheque não corresponde aos dados indicados no cabeçalho do mesmo);
- fotogramas extraídos das imagens gravadas pelo sistema de videovigilância do Supermercado B da Póvoa de Lanhoso, de fls. 42 e seguintes;
- relatório de exame pericial de fls. 49 (esse cheque n.º ..., do Banco A, com a quantia inscrita de 151.15 €, e data de emissão de 29.12.2014, é falso, tendo sido obtido por reprodução policromática de jacto de tinta);

Documentos constantes do apenso D

- auto de notícia de fls. 2 e seguintes, com aditamento a fls. 10;
- auto de apreensão de fls. 4 e seguintes (dois cheques e cópia de um cartão do cidadão em nome de R. J.);
- informação prestada pelo Banco A (não existe nenhuma conta com o n.º indicado no cheque, a linha óptica existente na parte inferior do cheque não corresponde aos dados indicados no cabeçalho do mesmo) – fls. 21;
- relatório de exame pericial de fls. 25 (o cartão de cidadão é autêntico, mas foi viciado por alteração do número de identificação fiscal do titular, sendo o número original ... alterado para ...3);

Documentos constantes do apenso E

- auto de denúncia de fls. 3 e seguintes;
- cópia dos três cheques entregues no Supermercado B de Urgezes, Guimarães (S.), com os valores inscritos de 149,55 €, assinado por R. J., 144,33 €, assinado por V. P., e 145 €, assinado por P. C.;
- facturas simplificadas de fls. 22, 27 e 32 relativas à aquisição de mercadoria no valor de 149,55 €, 144,33 € e 149,80 €;
- documentos de devolução dos três cheques identificados, que não foram submetidos à compensação, de fls. 25, 30 e 34;
- auto de apreensão de fls. 36 (CD com imagens de videovigilância);
- fotogramas extraídos das imagens gravadas pelo sistema de videovigilância do Supermercado B das Caldas das Taipas, de fls. 54 e seguintes;

Documentos constantes do apenso F

- auto de denúncia de fls. 3 e seguintes;
- auto de apreensão de fls. 6 (cheque);
- cópia do cheque entregue no Supermercado B das Caldas das Taipas, Guimarães, com os valores inscritos de 143,76 €, assinado por P. C.;
- auto de apreensão de fls. 10 (CD com imagens de videovigilância);

Documentos constantes do apenso G

- auto de denúncia de fls. 3 e seguintes;
- fotograma de fls. 9;
- cópia do cheque entregue na BD, Braga, com o valor inscrito de 131,29 €, assinado por P. C. (fls. 10 e 11);
- documento de devolução do cheque identificado, que não foi submetido à compensação, de fls. 33;
- informação prestada pelo Banco A (não existe nenhuma conta com o n.º indicado no cheque, a linha óptica existente na parte inferior do cheque não corresponde aos dados indicados no cabeçalho do mesmo) – fls. 61;
- relatórios sociais dos arguidos onde se evidencia a matéria de facto dada como provada atinente ao percurso de vida e situação pessoal dos mesmos (fls. 1242 a 1245, 1247 a 1249, 1257 a 1259 e 1263 a 1266);
- certificados de registo criminal de fls. 1220, donde resulta que o arguido P. C. não tem antecedentes criminais registados; e
- certificados de registo criminal de fls. 1218, 1219, 1221 a 1240, donde resulta que os restantes arguidos têm antecedentes criminais registados.
*
Declarações e depoimentos produzidos e em audiência de julgamento:

O arguido R. J. não prestou declarações.
Os restantes arguidos prestaram declarações em audiência de julgamento.
O arguido V. P., de forma espontânea e séria, assumiu integralmente os factos que vinham descritos e imputados no libelo acusatório, descrevendo a sua participação nos factos e a dos restantes arguidos. Disse ainda estar arrependido da prática dos factos.

As suas declarações (que não se repetem aqui, estando gravadas), conjugadas com os restantes meios de prova, acima elencados (nomeadamente, a impressora apreendida ao arguido Manuel, a factura/recibo da aquisição da impressora, os cheques usados e os cartões de cidadão) foram bastantes para convencer o Tribunal da participação dos co-arguidos, apesar das declarações destes, designadamente do arguido Manuel.

Efectivamente, o arguido Manuel negou a sua participação nos factos, admitindo apenas que a impressora apreendida é dele e que acompanhou o arguido V. P. nos dias 28 e 29 de Novembro de 2014, transportando-o no seu veículo automóvel aos supermercados, não estando já certo se chegou a entrar nos mesmos. Disse ainda, com interesse, que é técnico de electrónica.

Ora, o arguido V. P. explicou que os cheques foram feitos com recurso a um programa de computador que o arguido Manuel instalou no seu computador e imprimidos numa impressora que este arguido adquiriu para o efeito.

Sendo o arguido Manuel técnico de electrónica, percebendo necessariamente de computadores e programação, entende-se que essas funções lhe fossem confiadas.

Por outro lado, o arguido Manuel adquiriu, em 22 de Abril de 2014, uma impressora com as mesmas características da que lhe foi apreendida, conforme resulta da factura/recibo de fls. 355, ou seja, apenas alguns meses antes do início do uso dos cheques falsos.

Acresce que, e contrariamente àquilo que o arguido Manuel defendeu em julgamento, no relatório de exame pericial de fls. 493 e seguintes afirma-se tão-só que as tintas de impressão dos cheques examinados apresentam características diferentes das tintas dos tinteiros inseridos na impressora apreendida. O que vale por dizer que as tintas utilizadas na impressão dos cheques não foram as tintas encontradas nos tinteiros apreendidos. Nesse exame não se afasta nem se afirma a impressão dos cheques nessa impressora.

Mas, a aquisição da impressora meses antes da entrega dos cheques nos supermercados, os cheques falsos obtidos por reprodução policromática de jacto de tinta (o que resulta dos vários exames periciais acima identificados), o especial conhecimento que o arguido Manuel tinha e tem de computadores, a sua presença nos supermercados nos dias 28 e 29 de Novembro de 2014 e as declarações do arguido V. P. (que implicou o arguido Manuel mas não afastou a sua responsabilidade, o que lhe confere credibilidade), fundamentaram a convicção do Tribunal no sentido de que a participação nos factos do arguido Manuel é a que vem descrita na acusação, tendo sido ele a fazer e imprimir os cheques e a alterar a numeração dos cartões de cidadão.

O arguido P. C. declarou que o arguido V. P. e um seu cunhado o abordaram, pedindo-lhe o cartão de cidadão, para abrirem uma conta no banco, pedirem cheques e irem às compras, para venderem os produtos e ganharem algum dinheiro; anuiu e foi às compras com eles, as seis vezes descritas na acusação e nas circunstâncias aí referidas; entregou-lhes o seu cartão de cidadão, que eles devolveram depois, sendo o cartão que apresentava nas caixas de supermercado, desconhecendo como ficou com um número diferente; às vezes eles davam-lhes 10 € ou 20 €; afirmou que se soubesse a verdade não tinha alinhado naquele esquema e só começou a desconfiar porque “eram muitas vezes”; disse que os cheques lhe eram entregues quando iam às compras e que os assinava nas caixas, não sabendo que eram falsos;
disse ainda que desconhecia que era preciso ir ao banco assinar a requisição do livre de cheques.

Estas declarações, ponderadas à luz de critérios de normalidade e verosimilhança, não são credíveis – na verdade, o arguido só admitiu o que não podia deixar de admitir, tendo em conta os autos de reconhecimento, as imagens gravadas pelos sistemas de videovigilância dos supermercados, o resultado da perícia à letra (muito provável que a assinatura aposta nos cheques, com o seu nome, seja da sua autoria); quanto ao mais (sobre o desconhecimento do esquema engendrado pelo arguido V. P., dos cheques falsos, da alteração do seu cartão de cidadão, do dinheiro que lhe foi entregue), apresentou de si mesmo uma versão demasiado ingénua para ser real – não suspeitou que se tratasse de um esquema quando lhe disseram que queriam o seu cartão de cidadão para, sem a sua presença, abrir uma conta no banco para pedirem cheques e irem, com eles, às compras nos supermercados, vendendo depois os produtos adquiridos para ganharem algum dinheiro? Só suspeitou que se tratava de esquema quando a ida às compras se repetiu várias vezes?

Considerando todos os elementos objectivos juntos aos autos e as declarações do arguido V. P., apreciados à luz de critérios de normalidade, convencemo-nos que a participação nos factos do arguido P. C. é a que vem descrita na acusação.

A testemunha José, inspector da Polícia Judiciária, disse que esteve presente na busca e apreensão da impressora e tinteiros na residência do arguido Manuel, em Fafe; falou sobre o cartão de cidadão do arguido R. J., que apresentava um número alterado, e que foi apreendido num supermercado de Fafe, quando o arguido entregou um cheque falso; sobre os cheques falsos e sobre as imagens de videovigilância dos supermercados.

As testemunhas C. C. e C. P., funcionárias do supermercado Supermercado A de Lordelo, disseram reconhecer o arguido R. J. de quando fez a compra no supermercado e entregou o cheque falso e o cartão de cidadão; disseram que era a segunda vez que um cheque falso era entregue naquele supermercado e que eram idênticos; chamaram a GNR e o arguido fugiu, deixando lá o cartão de cidadão.

Joaquim, militar da GNR, foi ao Supermercado A de Lordelo por causa da entrega do cheque falso; verificou que um dos números do cartão de cidadão (o 3) havia sido alterado para um 8; fez a pesquisa e verificou que pertencia a um indivíduo que estava com apresentações periódicas.

Filipe, militar da GNR, foi também ao referido supermercado quando o arguido R. J. tentou ir buscar o cartão de cidadão que tinha lá deixado, tendo-o visto a sair do supermercado quando lá chegou.

A testemunha A. O. disse que conhece o arguido R. J. há cerca de 10 anos e que o levou ao Supermercado A de Lordelo, no ano de 2014, não se recordando bem do mês, e que desconhece o que o arguido lá foi fazer; lembra-se de se ter cruzado com um carro da GNR no local.

A testemunha Joana, à data dos factos trabalhava na caixa do Supermercado B de Calendário, disse recordar-se do arguido V. P. por lhe ter entregue um cheque falso para pagar compras.

A testemunha R. C., gerente da S. e SF, disse que foram entregues, em 2014, no Supermercado B de Guimarães e Fafe três cheques falsos, que não obtiveram pagamento, permanecendo as quantias em dívida.

A testemunha Margarida, que em 2014 trabalhava no Supermercado B de Urgezes, disse não se recordar de nada.

A testemunha L. S., em 2014, caixa do Supermercado B de Urgezes, declarou lembrar-se de ter sido o arguido V. P. a entregar-lhe o cheque, que assinou à sua frente, exibindo o cartão de cidadão.

A testemunha Liliana, funcionária do Supermercado B de Urgezes, disse lembrar-se de alguém ter entregue um cheque falso.

A testemunha V. F., em 2014, funcionário do Supermercado B de Urgezes, revelou conhecer o arguido V. P. por lhe ter transportado garrafas de licor Beirão ao carro, sabendo que não foi pago o cheque que o arguido entregou para pagar essas garrafas.

A testemunha A. T., funcionária do Supermercado B de Fafe, disse lembrar-se do arguido P. C., por lhe ter entregue um cheque falso, que não foi pago.

A testemunha Nuno, sócio gerente da IT – Supermercados, falou sobre o cheque entregue por um dos arguidos e que não obteve pagamento, confirmando o teor de fls. 13 e 6-A dos autos principais.

A testemunha Jorge , legal representante do X – Cash & Carry, disse que o cheque no valor de 642 € foi devolvido, por ser falso, não tendo recebido a quantia em causa.

A testemunha Filomena, funcionária do X – Cash & Carry, disse reconhecer o arguido P. C. por ter feito as compras e lhe ter entregue o cheque falso; confrontada com os fotogramas de fls. 40, disse que é esse arguido que aí aparece.

A testemunha R. M., legal representante do Supermercado B da Póvoa de Lanhoso, confirmou o teor de fls. 16-A e 42 e que não recebeu a quantia inscrita no cheque.

A testemunha Catarina, funcionária desse supermercado, revelou conhecer o arguido P. C. por lhe ter entregue um cheque falso, para pagar as bebidas brancas que levava.

A testemunha H. A., legal representante da BD, proprietária do Supermercado A de Braga, disse que o cheque no valor de 131,29 € foi devolvido pelo banco, continuando em dívida.

A testemunha Daniela, funcionária do Supermercado A de Braga, revelou ter recebido o referido cheque.

A testemunha L. T., legal representante da SPA, do Supermercado B de Amares, confirmou o cheque de fls. 8 e seguintes do apenso A, que foi entregue no supermercado, para compra de licor Beirão e presunto, e que foi devolvido sem pagamento.

A testemunha B. R., funcionário desse supermercado, recorda-se de ter recebido esse cheque e de ter chamado alguém para o ajudar pois era a primeira vez que recebia um cheque.

A testemunha M. J., legal representante da Y, do Supermercado B das Caldas das Taipas, disse reconhecer os arguidos V. P. e P. C. das filmagens do sistema de videovigilância do supermercado; que o cheque foi entregue para pagar bebidas e que foi devolvido, sem pagamento, pela entidade bancária; confirmou o teor de fls. 7-B do apenso F.

A testemunha Alexandra, funcionária desse supermercado à data dos factos, disse que o arguido P. C. lhe entregou o cheque para pagamento de mercadoria; confirmou o cheque de fls. 7-B do apenso F e esclareceu que foi a sua superiora que escreveu no verso do mesmo; disse ainda que o cheque ainda não foi pago.

A testemunha Fátima, funcionária supervisora das caixas do Supermercado B das Caldas das Taipas, confirmou que é a sua letra no verso do cheque de fls. 7-B do apenso F, que esse cheque é falso e que não obteve pagamento.

A testemunhas P. P., irmã do arguido V. P., falou da doença psiquiátrica do irmão, disse que em 2014 estava pior da doença porque não tomava a medicação e que em 2015 chegou a estar internado.

A testemunha J. V., vizinho do arguido Manuel, disse que este é pessoa de bem, humilde e trabalhador.

A testemunha E. C. disse, de relevante, que conhece o arguido Manuel há alguns a os e que este é uma pessoa correcta.

A testemunha J. F. afirmou ser amigo do arguido Manuel há cerca de 10 anos e descreveu-o como sendo boa pessoa; disse ainda que viu uma vez o arguido V. P. a perguntar ao arguido Manuel se queria comprar álcool e presunto (esta afirmação, só por si, sem outra informação, é irrelevante).

A matéria dada como provada respeitante ao percurso de vida e situação pessoal dos arguidos mostra-se evidenciada pelos respectivos relatórios sociais, a que acima se fez referência.

A matéria atinente aos antecedentes criminais dos arguidos encontra-se demonstrada pelos respectivos certificados de registo criminal, supra mencionados.

Desde modo, vistos e analisados todos os referidos meios de prova à luz das regras da normalidade e experiência e em vista do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127º do C.P.P., ficou o tribunal convicto da ocorrência dos factos constantes da matéria de facto e nos termos em que aí constam.
Os factos não provados foram assim considerados por força do relatório de perícia médico-legal de psiquiatria.”.
*
1.2.4. Posto isto, e antes de passarmos à apreciação das concretas questões suscitadas pelo recorrente, afigura-se-nos pertinente fazer uma breve análise dos poderes conferidos às Relações em termos da matéria de facto apurada em 1ª instância.

Na verdade, como prima facie poderia resultar de uma leitura mais apressada dos correspondentes preceitos adjectivos, não se trata de poderes que consubstanciam um conhecimento ilimitado dessa mesma factualidade.

Para isso concorre, basicamente, a concepção adoptada no nosso ordenamento adjectivo que concebe os recursos como "remédio jurídico" para os vícios de julgamento ou, noutra perspectiva, o seu entendimento como juízos de censura crítica e não como "novos julgamentos", e ainda as decorrências do princípio da livre apreciação da prova, ínsito no Artº 127º do C.P.Penal, segundo o qual “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente”.

Ademais, há que sublinhar que, ao apreciar a matéria de facto, o Tribunal da Relação está condicionado pelo facto de não ter com os participantes do processo, aquela relação de proximidade comunicante que lhe permite obter uma percepção própria do material que há-de ter como base da sua decisão, sendo certo que os princípios da oralidade e da imediação (7) permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido e com os demais intervenientes processuais, nomeadamente com as testemunhas, permitindo-lhe uma melhor avaliação da credibilidade das declarações e depoimentos prestados.

E exactamente porque o Tribunal da Relação não beneficia destes princípios (da oralidade e da imediação) - e, nesta medida, escapa-lhe, por insindicável, toda uma panóplia de informações não verbais e não documentadas, imprescindíveis para a valoração da prova produzida -, entende-se que a reapreciação das provas gravadas só pode abalar a convicção acolhida pelo tribunal de 1ª instância caso se constate que a decisão sobre a matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos de prova constantes do processo ou está profundamente desapoiada face às provas produzidas.

Nesta perspectiva, o Tribunal da Relação não procede a um segundo julgamento de facto, pois que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 1ª instância nem pressupõe a reanálise pelo tribunal de recurso do conjunto dos elementos de prova produzida, mas tão-somente o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido mencionados no recurso e bem assim das provas, indicadas pelo recorrente, que imponham (e não apenas, sugiram ou permitam) decisão diversa, traduzindo-se, pois, numa reapreciação restrita aos concretos pontos de facto que o mesmo entende incorrectamente julgados e às razões dessa discordância.

Assim, os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um “remédio” a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inquestionavelmente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância, e já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando dos já supra aludidos princípios da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou em parte de cada uma delas) que se apresentou como mais plausível e coerente.
Sublinhe-se, por outro lado, que não raras vezes os recursos, quanto a esta questão concreta, de impugnação da credibilidade dos elementos de prova, demonstram um evidente equívoco - o da pretensão de equivalência entre a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e o exercício, ilegítimo, do que corresponde ao princípio da livre apreciação da prova, a que já se aludiu, exercício este que, face ao transcrito Artº 127º do C.P.Penal, apenas ao tribunal incumbe.
O que não é legítimo é a convicção do recorrente sobrepor-se à do julgador.
Evidentemente que, como sublinha o mencionado Mestre, (8) o princípio da livre apreciação da prova não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imutável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida.

Com efeito – diz –, se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade (como já dissemos que a tem toda a discricionariedade jurídica) os seus limites, que não podem ser licitamente ultrapassados; a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada verdade material –, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo, possa embora a lei renunciar à motivação e o controlo efectivos.

Noutra vertente, há que relembrar que a matéria de facto pode ser sindicada junto dos Tribunais da Relação por duas vias: a primeira, no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal, no que se convencionou chamar de “revista alargada”; e a segunda através da “impugnação ampla” da matéria de facto, a que alude o Artº 412º, nºs. 3, 4 e 6, do mesmo diploma.

Ora, no primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do citado Artº 410.º, cuja indagação, como se extrai do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.

Ao passo que, na segunda situação, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs. 3 e 4 do citado Artº 412º.

Acresce que, nos casos de impugnação ampla, e na esteira do que já referimos anteriormente, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.

Ou seja, o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, pois, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (9).
Precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, conforme determina o Artº 412º, nº 3, do C.P.Penal:

3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.”.

Ora, a especificação dos “concretos pontos de facto” traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.

Ao passo que a especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas “provas” impõem decisão diversa da recorrida.

E, finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal, e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. Artº 430º do C.P.Penal).

Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente um outro ónus: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (ns. 4 e 6 do Artº 412.º do C.P.Penal).
E, para dar cumprimento a estas exigências legais tem o recorrente de especificar quais os pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, quais os segmentos dos depoimentos que impõem decisão diversa da recorrida e quais os suportes técnicos em que eles se encontram, com referência às concretas passagens gravadas (10).
*
Posto isto, passemos, então, à análise das concretas questões suscitadas pelo arguido Manuel no seu recurso.
*
1.2.5. Da impugnação da matéria de facto por erro de julgamento e violação do princípio in dubio pro reo

De acordo com as conclusões do recorrente, insurge-se este contra a decisão sobre a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo no que tange ao seu envolvimento nos factos, quer a relacionada com o co-arguido V. P., quer a relacionada com o co-arguido R. J., a qual – diz – deve ser dada como não provada, encontrando-se a decisão recorrida inquinada do vício a que alude o Artº 410º, nº 2, al. c), do C.P.Penal.

Vejamos, pois.

Sob a epígrafe “Fundamentos do recurso”, prescreve o Artº 410º, do C.P.Penal:

“(...)
2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
(...)”.
Como logo flui do transcrito preceito legal, neste âmbito dos vícios da decisão, não está em causa a possibilidade de se discutir a bondade do que se considerou provado ou não provado, a maior ou menor abundância de prova para sustentar um facto.

Com efeito, os vícios a que alude o Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal, pressupõem uma outra evidência na justa medida em que correspondem a deficiências na construção e estruturação da decisão e ou dos seus fundamentos, maxime na sua perspectiva interna (11).

Num apelo generalizado à doutrina e à jurisprudência é entendimento comum de que ocorre erro notório na apreciação da prova quando se dá como provado algo que normalmente e/ou notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, ou quando usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou quando, ainda, as provas revelam claramente um sentido e a decisão extraiu ilação contrária, impossível.

Trata-se, nas palavras do Cons. Pereira Madeira (ibidem, pág. 1275), do erro evidente, escancarado, escandaloso, de que qualquer homem médio se dá conta.

Na decorrência da norma ínsita no Artº 410º do C.P.Penal, não se olvide que o erro na apreciação da prova só é considerado notório quando, contra o que resulte de elementos que constem dos autos, cuja força probatória não haja sido infirmada, ou de dados de conhecimento generalizado, se emite um juízo sobre a verificação, ou não, de certa matéria de facto e se torne incontestável a existência de tal erro de julgamento sobre a prova produzida. Assim, “as regras da experiência comum, em princípio, só podem ser invocadas quando da sua aplicação resulte, sem equívocos, a existência do aludido vício” (cfr. Ac. S.T.J. de 10/07/1996, in CJAcSTJ, II, 229).

Outrossim, há que sublinhar que o erro notório na apreciação da prova não tem a ver com a eventual desconformidade/discordância entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido proferida pelo próprio recorrente.

Ora, no caso vertente, lida e analisada a fundamentação da decisão impugnada, não se vislumbra que, dos seus próprios termos, se evidencie qualquer erro na apreciação da prova, sendo certo que o arguido/recorrente não logra concretizar uma qualquer falha, seja na factualidade dada como provada, seja na não-provada, seja de ambas em apreciação conjugada, que impusesse a existência do erro notório.
É que, repete-se, os vícios da sentença prevenidos no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal, têm como pressuposto (inultrapassável) que o vício a apreciar resulte do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
E esta é uma limitação muito importante, e a ela não atendeu o recorrente na invocação que faz. Pois, embora não o refira expressamente, resulta claro da motivação e das conclusões do seu recurso, que o arguido tem em vista o erro de julgamento a que alude o Artº 412º, n.ºs 3 e 4, traduzido numa errónea valoração das provas que para o efeito traz à colação.

Vejamos, pois, tendo sempre presentes os princípios jurídicos já supra sumariamente explanados acerca dos poderes dos tribunais da Relação acerca desta matéria.

Como se viu, neste segmento do seu recurso, e em síntese, sustenta o arguido recorrente que a única prova produzida quanto ao seu suposto envolvimento nos factos assenta nas declarações do co-arguido V. P., as quais, contrariamente ao afirmado pelo tribunal, não foram prestadas de forma espontânea, mas muito bem estudadas e direccionadas para o incriminar (a ele, recorrente) como mentor deste esquema, sendo certo que, pelo contrário, ele próprio depôs de forma séria e tranquila, explicando tudo quanto lhe era questionado, sem omitir quaisquer situações.

Acrescentando, ademais, que também “não se percebe como é que o Tribunal “a quo” chega à conclusão de que ele próprio e o R. J. tenham conjecturado o que quer que fosse, como referido nos pontos 5, 6, 7, 14, 145 e 146 da matéria de facto dada como provada, sendo certo que aquele R. J. não prestou declarações e nenhuma prova se produziu no sentido de os ligar um ao outro.

Que dizer a estas objecções do recorrente?

Quanto ao primeiro aspecto, há que sublinhar que, quer o arguido recorrente, quer o co-arguido V. P., prestaram declarações em audiência de julgamento, sendo certo que as prestadas pelo V. P. foram no sentido de confirmar os factos constantes da acusação, não só aqueles que o implicavam directamente, mas também os que diziam respeito ao ora recorrente, e bem assim ao co-arguido P. C..

O que coloca a questão do valor probatório das declarações de co-arguido.

É hoje pacífico entre nós que as declarações incriminatórias de co-arguido são permitidas, estando sujeitas a valoração livre, segundo o princípio da livre apreciação das provas, nos termos dos Artºs. 125º e 127º do C.P.Penal.

Porém, como assertivamente adverte Germano Marques da Silva (12), o valor do depoimento do arguido “relativamente a co-arguidos suscita questões muito delicadas, exigindo uma especial ponderação por parte do julgador, tendo em conta que o arguido sobre a matéria do processo só reponde se quiser, quando quiser e como quiser, podendo recusar-se a responder no todo ou em parte a quaisquer perguntas. Por isso desde logo que se não for possível assegurar o contraditório sobre o depoimento que o co-arguido possa prestar, as suas declarações não podem ser consideradas em prejuízo dos co-arguidos no mesmo processo”.

A este propósito, prescreve o Artº 345º, nº 1, do C.P.Penal:

“Se o arguido se dispuser a prestar declarações, cada um dos juízes e dos jurados pode fazer-lhe perguntas sobre os factos que lhe sejam imputados e solicitar-lhe esclarecimentos sobre as declarações prestadas. O arguido pode, espontaneamente ou a recomendação do defensor, recusar a resposta a algumas ou a todas as perguntas, sem que isso o possa desfavorecer.”.

Logo acrescentando o nº 2:

“O Ministério Público, o advogado do assistente e o defensor podem solicitar ao presidente que formule ao arguido perguntas, nos termos do número anterior.”.

E, finalmente, o nº 4:

“Não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos nºs. 1 e 2.”.

Da transcrita norma legal extrai-se, por um lado, que a ausência ou a recusa de resposta a perguntas formuladas ao arguido neutraliza quaisquer efeitos da declaração incriminatória do co-arguido. Podendo afirmar-se, por outro lado, que para poderem ser valoradas as declarações de arguido contra o co-arguido basta que este tenha a possibilidade efectiva de as poder contraditar, ou seja, de exercer o pertinente contraditório relativamente às mesmas.

A este propósito, Teresa Pizarro Beleza, in “Tão amigos que nós éramos”: o valor probatório do depoimento de co-arguido no Processo Penal português - publicado na Revista do Ministério Público, nº 74, 2º Trimestre de 1998, pág. 39 e seg., expende o seguinte:

“O depoimento de co-arguido, não sendo em abstracto, uma prova proibida em Direito português, é no entanto um meio de prova particularmente frágil, que não deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia; muito menos para sustentar uma condenação.

Não tendo esse depoimento sido controlado pela defesa do co-arguido atingido nem corroborado por outras provas, a sua credibilidade é nula.

Na medida em que esteja totalmente subtraído ao contraditório, o depoimento de co-arguido não deve constituir prova atendível contra o(s) co-arguido(s) por ele afectado(s).

A sua valoração seria ilegal e inconstitucional”.

Portanto, mesmo para esta corrente doutrinal, o depoimento de co-arguido, na medida em que afecta a posição processual de outro ou outros co-arguidos, é atendível e valorável desde que corroborada por outras provas e tenha a possibilidade de ser submetido ao contraditório (o que não deve ser confundido com o facto de não ter sido contraditado por as respectivos factos serem de difícil contradição).

A jurisprudência dos nossos tribunais superiores, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça, vem aceitando nada proibir a valoração como meio de prova das declarações de co-arguido, sobre factos desfavoráveis a outro, pois que a lei não só não proíbe essa valoração como indica em vários preceitos que ela deve ocorrer (cfr. Artºs. 146º e 345º, sendo particularmente relevante a introdução do nº 4 que a esse último preceito legal foi levada a cabo pelas alterações ao C.P.Penal, operadas pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, do qual resulta claramente valeram como meio de prova as declarações de co-arguido em prejuízo de outro co-arguido desde que o declarante não se recuse a responder às perguntas formuladas nos termos dos nºs. 1 e 2).

Ou seja, as declarações de arguido, ou de co-arguido, podem ser apreciadas livremente pelo Tribunal, não prevendo a lei qualquer obstáculo processual a essa apreciação.

Porém, a livre apreciação da prova não pode ser confundida com a apreciação arbitrária da prova, nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova. Pelo contrário, tal princípio tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio.

Tratando-se da liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves da “liberdade para a objectividade” - Rev. Min. Pub. 19º, 40.

Também a este propósito, salienta o Prof. Figueiredo Dias, in "Direito Processual Penal”, I Volume, Reimpressão, Coimbra Editora, págs. 202/203, "que a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material - , de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo".

E, como é evidente, é na audiência de discussão e julgamento que tal princípio assume especial relevo, tendo, porém, que ser sempre motivada e fundamentada a forma como foi adquirida certa convicção, impondo-se ao julgador o dever de dar a conhecer o seu suporte racional, o que resulta do Artº 374º, nº 2, do C.P.Penal.

Não obstante o supra exposto, há que dizer que não é tanto a admissibilidade de princípio da valoração de declarações de co-arguidos que está em causa, mas sim os termos em que tal deve fazer-se, e os limites que lhe são impostos.

Havendo quem entenda que as declarações desfavoráveis aos demais co-arguidos, pela sua fragilidade, decorrente de eventual conflito de interesses e de antagonismo entre si, devem ser submetidas a tratamento específico e retiradas do alcance do regime normal da livre apreciação da prova.

E o Supremo Tribunal de Justiça vem, a tal propósito, entendendo dever exigir-se respeito pelo estatuto de arguido (incompatível com o juramento próprio das testemunhas e com a vinculação ao dever de responder com verdade) e pelo princípio do contraditório (concretizado na possibilidade conferida ao defensor do arguido de formular perguntas ao co-arguido por intermédio do presidente do tribunal, visando as declarações prestadas, na medida em que afectem o arguido por si representado), além de cautelas especiais na valoração dessas declarações que, de um modo geral, se reconduzem à exigência de corroboração.

Na esteira deste entendimento, salienta António Alberto Medina de Seiça, na sua dissertação de Mestrado, in “O Conhecimento Probatório do Co-Arguido”, Studia Jurídica 42, Coimbra Editora, que entre as soluções propostas para modular doutrinal e normativamente o particular regime das declarações do co-arguido, avulta a doutrina da corroboração, com o que se quer significar “existência de elementos oriundos de fontes probatórias distintas da declaração que, embora não se reportem directamente ao mesmo facto narrado na declaração, permitem concluir pela veracidade desta. A regra da corroboração traduz de modo particular uma exigência acrescida de fundamentação, devendo a sua falta merecer a censura de uma fundamentação insuficiente.”.

O que significa que as declarações do co-arguido só podem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando existe alguma prova adicional a tornar provável que a história do co-arguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações.

Ou, noutros termos, a exigência de corroboração significa que as declarações dos co-arguidos nunca podem, só por si, e por mais inequívocas e credíveis que sejam, suportar a prova de um facto criminalmente relevante.

Exigindo-se para tanto que as declarações sejam confirmadas por outro autónomo contributo que “fale” no mesmo sentido, em abono daquele facto.

Como refere o citado Autor, a pág. 226, a regra da corroboração “não constitui uma regra legal no sentido de impor um juízo, de dar por assente um determinado resultado probatório apenas pelo facto dele ser oriundo desta ou daquela fonte de valor tarifado. Traduz-se, antes, numa exigência acrescida de verificação de um material probatório, que não pode sustentar, por si só, enquanto narração de um dado enunciado factual, o juízo valorativo e consequente decisão, pois requer uma confirmação adicional para que tal enunciado, já considerado atendível de um ponto de vista intrínseco, possa ser apresentado como razão de convencimento.”

E mais adiante:

“Se a regra de corroboração traduz, essencialmente, uma exigência acrescida de motivação da sentença, mostra-se insuficiente que a motivação exprima as razões pelas quais o tribunal não considerou aquela fonte probatória imerecedora de crédito (primeiro estádio de valoração); ou mesmo as razões por que a considerou digna de crédito (segundo estádio de valoração). Torna-se necessário, ainda, que a motivação contenha explicitados os elementos de corroboração detectados pelo tribunal para sustentar a credibilidade da própria declaração (terceiro estádio da valoração). Apreciar livremente significa motivar correctamente; a corroboração constitui um elemento da apreciação, e, por conseguinte, da motivação: a sua ausência traduz uma insuficiência de fundamentação, que não logrou alcançar o padrão de convencimento a que toda a fundamentação, enquanto discurso justificativo da decisão, se destina.”

Também a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça parece exigir, como já referimos anteriormente, cautelas especiais na valoração dessas declarações, aderindo a essa exigência de corroboração.

Como o atestam, v.g., os seguintes doutos arestos:

- Ac. de 12/07/2006, proferido no âmbito do Proc. 06P1608, Rel. Cons. Sousa Fonte, in CJ, Ac STJ, XIV-II-241, em cujo sumário se refere: ”As declarações de co-arguido só podem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando sejam confirmadas por outro autónomo contributo em abono daquele facto”;
- Ac. de 20/04/2006, proferido no âmbito do Proc. 06P363, Rel. Cons. Rodrigues da Costa, in www.ggsi.pt e
- Ac. de 30/10/2001, proferido no âmbito do Proc. 01P2630, Rel. Cons. Armando Leandro, também disponível in www.dgsi.pt, em cujo sumário lapidarmente se afirma: Não há obstáculo legal à valoração das declarações do co-arguido, em harmonia com os critérios que devem presidir à livre apreciação da prova nos termos do art. 127º, do Código de Processo Penal, desde que, por um lado, seja garantido o necessário contraditório e que, por outro, essa valoração tenha em conta os riscos de menor credibilidade que tais declarações comportam, pelas implicações da situação de imputação de responsabilidade criminal, também, ao declarante, circunstância a exigir prudência e o maior cuidado na procura de toda a "corroboração" possível.

No mesmo sentido, o Ac. da Relação do Porto, de 04/05/2012, proferido no âmbito do Proc. 8/11.0PASJM.P1, in www.dgsi.pt, em cujo sumário se escreve:

“I - Não se recusando o co-arguido a responder às perguntas que lhe sejam formuladas [345º CPP], nada impede que as suas declarações sejam valoradas como meio de prova.
II - Tal valoração deve revestir-se, todavia, de particulares cautelas destinadas a despistar eventuais motivos escusos ou segundas intenções, devendo mesmo passar pela exigência de corroboração.”.

Aderindo a esta posição doutrinária e jurisprudencial mais exigente, por mais consentânea com o próprio estatuto do arguido, concluímos, pois, que, devidamente corroboradas, as declarações de um co-arguido podem ser livremente apreciadas, tudo dependendo, porém, da credibilidade que as mesmas oferecem ao Tribunal, em consonância com o disposto no já citado Artº 127º do C.P.Penal.

Ora, voltando ao caso vertente, e como se viu, os arguidos V. P. e Manuel prestaram declarações em audiência, das quais resulta que o primeiro acabou por admitir a totalidade dos factos que lhe vinham imputados, designadamente no que tange à participação do ora recorrente, ao passo que este negou a sua participação em tais factos.

Sustentando o recorrente, em síntese, não compreender como deu o tribunal credibilidade às declarações do co-arguido V. P., já que das mesmas resultaram muitas incongruências. Aduzindo que tal arguido ocultou o relacionamento que entre ambos existia, designadamente ao nível de negócios com compra e venda de carros e com um café propriedade do arguido V. P.. Que o mesmo também tentou ocultar que o recorrente iniciou a instrução para carta de condução de veículos pesados na sua escola de condução. Que após ter saído da escola de condução manteve-se nela como director técnico, ainda que por questões burocráticas. Que o arguido V. P. manteve na casa do recorrente, quer em Fafe, quer em Guimarães, materiais que lhe pertenciam e que vinham da escola de condução. E que o arguido V. P. foi referindo aquilo que queria e que pretendia de forma ardilosa.

Mas será que isso corresponde à realidade?

A reposta é claramente negativa.

Com efeito, este Tribunal ouviu atentamente a totalidade da gravação das declarações prestadas em audiência de discussão e julgamento quer pelo arguido V. P., quer pelo ora recorrente, resultando desde logo das mesmas que o arguido V. P. respondeu a todas as perguntas que lhe foram sendo feitas, quer pelo Tribunal, quer pela acusação, quer pela defesa dos demais arguidos, nomeadamente pela Exma. defensora do ora recorrente.

E de tais declarações também resulta que o arguido V. P. explicou de forma que se afigura genericamente consistente e credível o seu envolvimento nos factos, tendo sido peremptório quando referiu que “a ideia dos cheques” foi dele e do Manuel, sendo certo que o Manuel na altura referiu-lhe que já havia feito algo semelhante há uns anos atrás, e que isso havia resultado. Tendo também esclarecido ter sido o ora recorrente quem fez a falsificação dos cheques, através de um programa que instalou num computador portátil dele (V. P.), o qual emprestava ao recorrente, ficando este com o mesmo na sua posse durante vários dias. E que os cheques (falsificados) eram impressos numa impressora que comprou com o arguido Manuel, impressora essa que ficou em casa deste, muito embora “no fim” devesse ficar para ele (V. P.), o que nunca veio a suceder, já que o arguido Manuel nunca lha devolveu.

Note-se, por outro lado, que o arguido V. P. também confirmou os factos que envolvem o co-arguido P. C., asseverando que os cheques em causa foram igualmente “feitos” pelo ora recorrente, o co-arguido Manuel. Ao passo que, em relação ao co-arguido R. J., revelou ao Tribunal não ter tido qualquer contacto com ele, desconhecendo os contactos havidos entre esse arguido e o ora recorrente, embora soubesse que eram amigos um do outro. O que significa que, caso a sua intenção fosse a de “implicar” e de prejudicar o arguido Manuel, ora recorrente, o arguido V. P. teria certamente dado uma versão diferente desses factos.

Ademais, há que assinalar, em consonância com as regras da experiência comum e da normalidade das coisas, que as declarações do arguido V. P. foram abundantemente corroboradas pelos demais elementos de prova produzidos, nos termos constantes da fundamentação levada a cabo pelo Tribunal a quo, o que, tudo conjugado, confere consistência a tais declarações, ora postas em crise pelo recorrente.

Pelo contrário, as declarações prestadas pelo ora recorrente não se mostraram credíveis, quer porque foram contrariadas pelos aludidos elementos de prova, quer porque elas próprias apresentam incongruências e contradições que não têm justificação plausível.

Com efeito, e em síntese, o ora recorrente revelou ao Tribunal ter conhecido o arguido V. P. em Fevereiro/Março de 2014, dado ter tirado a carta de condução na escola de condução daquele, e em virtude de lhe ter comprado uma mota e uma mobília. Adiantando, depois, que a partir dessa altura começaram a conviver um com o outro e que numa das saídas foram ao “Office Center” a Braga, onde o arguido V. P. “foi comprar algo de tecnologia”, tendo havido aí um problema dado que o V. P. “estava a pagar com um cheque em fotocópia...”. E asseverando que chamou a atenção do V. P. para isso, que se tratava de uma situação imoral e ilegal, e que por essa razão “foi-se afastando dele, na medida do possível...”.

Ora, tais declarações são inconsistentes e inverosímeis, sendo totalmente infirmadas pela realidade dos factos.

Não se compreendo que, tendo-se o ora recorrente afastado do arguido V. P., por ter presenciado uma situação imoral e ilegal, mesmo assim continue a acompanhá-lo em ocasiões diversas, designadamente na situação ocorrida na dia 28/11/2014, quando foi com o V. P. ao hipermercado “Supermercado A” de Lordelo, Guimarães, e bem assim na situação ocorrida no dia seguinte, 29/11/2014, quando acompanhou o mesmo V. P. do “Supermercado B” de Calendário, Vila Nova de Famalicão, não colhendo minimamente a explicação que deu ao Tribunal quando aduziu que o fez porque o V. P. estava sem viatura...!

Sustenta também o recorrente Manuel, no que concerne à impressora “pretensamente” usada para imprimir os cheques em causa, que o V. P. referiu que tal impressão ocorreu numa impressora que ele próprio tinha adquirido em Novembro de 2014, razão pela qual a falsificação de tais cheques não poderia ter ocorrido na impressora apreendida ao recorrente, que era sua pertença, a qual adquiriu em 22/04/2014, conforme factura junta aos autos.

Porém, se é verdade que a fls. 355 consta uma factura com data de 22/04/2014, que comprova a aquisição de uma impressora, também é verdade que o arguido V. P. referiu não se recordar da data concreta em que foi adquirida a impressora para a impressão dos cheques, nos moldes que explicou ao Tribunal, sendo perfeitamente verosímil que se trate da impressora em causa, apreendida ao ora recorrente.

Aliás, não deixa de ser paradigmática a resposta do arguido Manuel, quando questionado pela Mmª Juíza Presidente acerca da autoria da impressão dos ditos cheques, respondeu não ter si ele a fazê-lo, e que “a pág. 454 diz que não foi ele que fez os cheques...”.

Ora, como a propósito se explicou na fundamentação do acórdão recorrido, e como claramente resulta do relatório pericial de fls. 452/454, levado a cabo pelo LPC da Polícia Judiciária, o que essa perícia evidencia é “que as tintas de impressão dos cheques examinados apresentam características diferentes das tintas dos tinteiros inseridos na impressora apreendida. O que vale por dizer que as tintas utilizadas na impressão dos cheques não foram as tintas encontradas nos tinteiros apreendidos”.

Quanto à factualidade que envolve o ora recorrente e o arguido R. J., sustenta aquele, em síntese, que o R. J. não prestou declarações e que não foi produzida nenhuma prova que os ligasse um ao outro.

Ora, se é certo que o arguido R. J. não prestou declarações, a verdade é que existe abundante prova de que o mesmo praticou os factos em apreço, nos moldes que foram dados como provados, pelas razões explanadas na fundamentação da matéria de facto.

E também não havendo dúvidas da “ligação” do arguido R. J. ao ora recorrente, nos moldes dados como provados.

É que o ora recorrente, mais uma vez, faz tábua rasa das declarações do arguido V. P. e olvida que todos os impressos de cheques em causa nos presentes autos (quer nos autos principais, quer nos diversos apensos) evidenciam todos os mesmos elementos caracterizadores e/ou identificativos, designadamente no que tange ao nome do Banco sacado, ao nome do balcão, ao NIB, à data de validade, ao número da conta e ao número de cheque, apenas divergindo em alguns deles quanto ao(s) nome(s) do(s) sacador(es).

Sendo perfeitamente verosímil e lógica a conclusão extraída pelo Tribunal a quo quando afirmou que a participação nos factos do arguido Manuel é a que vem descrita na acusação, tendo sido ele a fazer e imprimir os cheques e a alterar a numeração dos cartões de cidadão.

Convém relembrar, ainda, que a prova dos factos não tem que assentar, necessariamente (e muitas vezes assim não acontece), em prova directa e imediatamente percepcionada, podendo assentar na chamada prova indirecta ou por presunção, ou seja, em indícios ou circunstâncias conhecidas e provadas que, mediante um raciocínio lógico, pelo método indutivo, permita a conclusão segura e sólida de outro facto, como sua consequência necessária (13).

Tratando-se, ainda aqui, obviamente, da aplicação do princípio da livre apreciação da prova consagrado no já supra citado Artº 127º do C.P.Penal.

Veja-se, aliás, a este propósito, e visando contrariar a por vezes exagerada exigência probatória dos nossos tribunais, que não raras vezes levou à consideração da “prova directa” como único fundamento válido de decisões condenatórias - exigência essa que aqui, ao fim e ao cabo, é defendida pelo arguido recorrente, como claramente decorre das conclusões do seu recurso -, o que escreve Euclides Dâmaso Simões, num interessante e valioso texto intitulado “Prova Indiciária – Contributos para o seu estudo e desenvolvimento em dez sumários e um apelo premente”, considerações que subscrevemos inteiramente (14):

“A mais de século e meio de distância são, ainda, de Mittermayer (...) as mais impressivas palavras sobre o tema:

(iii) “… o talento investigador do Magistrado deve saber encontrar uma mina fecunda para o descobrimento da verdade no raciocínio, apoiado na experiência e nos procedimentos que adopta para o exame dos factos e das circunstâncias que se encadeiam e acompanham o crime. Estas circunstâncias são outras tantas testemunhas mudas, que a Providência parece ter colocado à volta do crime para fazer ressaltar a luz da sombra em que o criminoso se esforçou por ocultar o facto principal; são como um farol que ilumina o entendimento do juiz e o dirige até aos vestígios seguros que basta seguir para chegar à verdade”.

Ora, no caso sub-judice, ressalta da decisão recorrida uma imagem lógica e coerente do que realmente aconteceu, sem que subsistam dúvidas de que o ora recorrente, nas circunstâncias de tempo e de lugar descritos, cometeu os factos tidos por provados.

Na verdade, os Mmºs. Juízes que compõem o tribunal colectivo indicam de forma suficiente os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção, e as razões pelas quais relevaram os meios de prova produzidos e que obtiveram a sua credibilidade, socorrendo-se das regras da experiência comum, com apoio na imediação e na oralidade da produção dos pertinentes meios de prova.

É certo que ao recorrente assistia o direito de apresentar a versão que lhe aprouvesse e que tivesse por mais adequada à sua defesa, o que fez nos termos que constam das respectivas conclusões recursórias.

Porém, em bom rigor, o recorrente, ao alegar em tais moldes, sem apontar argumentos ou provas impositivas de uma decisão diversa da que foi tomada pelo tribunal nos segmentos aludidos, e socorrendo-se de pormenores desgarrados da visão global que sempre deve existir, designadamente quando traz à colação circunstâncias e depoimentos de testemunhas que, salvo o devido respeito, pouco ou nada têm a ver com o que verdadeiramente se discute nos autos, como é o caso das conclusões 9, 10, 11 e 12, em boa verdade o recorrente está, em síntese, a impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos aquele adquiriu em julgamento, olvidando a regra da livre apreciação da prova ínsita no Artº 127º do C.P.Penal, a que já por diversas vezes aludimos.

Em suma, pelas razões aduzidas, não se vislumbram quaisquer razões para colocar em causa a convicção alcançada pelos Mmºs. Juízes que compõem o tribunal colectivo, mostrando-se perfeitamente explicitado o processo lógico e racional subjacente à formação de tal convicção, não se evidenciando qualquer violação das regras da experiência comum, ou qualquer apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, fundada em juízos ilógicos ou arbitrários, designadamente quanto à medida e extensão da credibilidade que mereceram as declarações do co-arguido V. P..

Pelo que, não se detectando na decisão recorrida qualquer vício e ou violação de nenhuma da normas a este propósito invocadas pelo recorrente, ou nulidades que não se encontrem sanadas, tem-se a matéria de facto definitivamente assente.

Mas, como se viu, sustenta também o recorrente que, ao decidir como decidiu, violou o tribunal a quo o princípio in dubio pro reo e, concomitantemente, os princípios da verdade material, da presunção de inocência, da legalidade e das garantias do processo crime.

Salvo o devido respeito, nenhuma razão lhe assiste.

O principio in dubio pro reo (15) funda-se constitucionalmente no princípio da presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença (Artº 32º, nº 2, da CRP), impondo ao tribunal que, em situações de dúvida quanto à ocorrência de determinado(s) facto(s) daí deva retirar a consequência jurídica que mais beneficie o arguido.

Porém, como se afigura evidente, o princípio in dubio pro reo não se traduz em dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos. É, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.

O que não significa, obviamente, que tendo havido versões diferentes ou até contraditórias sobre determinados factos, o arguido deva ser absolvido em homenagem a tal princípio.

Na verdade, a violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma manifesta e evidente, que o tribunal, numa situação de dúvida, decidiu contra o arguido.

Ora, no caso sub-judice, não se vislumbra no acórdão recorrido, quer na matéria de facto dada como provada, quer na respectiva fundamentação, que, ao fazer esta opção fáctica, o tribunal a quo tenha tido qualquer hesitação quanto à valoração da prova, tal como não fixou qualquer facto que pudesse colocar em causa a autoria de tais factos.

Ou seja, e dito de outra forma, o tribunal recorrido não teve qualquer dúvida, tendo retirado directamente as conclusões que tirou da prova produzida em audiência, pelo que não poderia nem deveria fazer uso de tal princípio.

Nenhuma violação ocorre, pois, de tais princípios, maxime da norma constante do Artº 32º da Constituição da República Portuguesa.

1.2.6. Da medida concreta das penas parcelares e da pena única

Para a hipótese de não proceder a por si preconizada alteração da matéria de facto, e não questionando o arguido o enquadramento jurídico dos factos, pugna o mesmo, porém, por uma redução das penas parcelares que lhe foram aplicadas (sem indicar em que termos), com a realização de novo cúmulo jurídico (também sem indicar em que termos), e bem assim pela ponderação de uma pena não privativa da liberdade.

Como se alcança do acórdão recorrido, face à matéria de facto dada como provada – que acabamos de confirmar – o tribunal a quo conclui que o arguido, ora recorrente, cometeu em co-autoria material, e em concurso real, um crime de burla, p. e p. pelo Artº 217º, nº 1, do Código Penal, e um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo Artº 256º, n.ºs 1, als. a), b), e) e f), e nº 3, do Código Penal, os quais cominou com as penas concretas de 7 meses de prisão e 1 ano e 2 meses de prisão, respectivamente e, em cúmulo jurídico, com a pena única de 1 ano e 4 meses de prisão, determinando a execução dessa pena de prisão no regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, caso nisso consinta.

Vejamos.

O crime de burla, p. e p. pelo Artº 217º, nº 1, do Código Penal, é punido, em abstracto, com pena de prisão até 3 anos, ou com pena de multa.

Ao passo que o crime de falsificação de documento, p. e p. pelo Artº 256º, n.ºs 1, als. a), b), e) e f), e nº 3, do Código Penal, é punido com a pena abstracta de 6 meses a 5 anos de prisão, ou com pena de multa de 60 a 600 dias.

Nos termos do disposto no Artº 70º do Código Penal, cumpriria ao Tribunal a quo, num primeiro momento, optar por que penas aplicar ao arguido relativamente aos crimes cometidos, uma vez que são punidos, em alternativa, com penas privativas e não privativas da liberdade.

A esta operação de escolha da pena preside o Artº 70º do Código Penal, que consubstancia o "mandamento" político criminal de reacção contra as penas privativas da liberdade. Nesse sentido, o tribunal deverá dar preferência à pena não privativa da liberdade, a não ser que razões ligadas à necessidade de ressocialização do arguido ou à "defesa" da ordem jurídica (no sentido do "patamar mínimo" das exigências de prevenção geral positiva ou de integração) o desaconselhem.

Ora, no caso vertente, o Tribunal a quo optou por aplicar ao ora recorrente penas de prisão pelos crimes cometidos.

E pensamos que fez a opção correcta.

Na verdade, para além da elevada ilicitude dos factos, como se salientou na respectiva fundamentação, o arguido Manuel tem antecedentes criminais, pela prática de um crime de passagem de moeda falsa, de um crime de furto qualificado, de dois crimes de falsificação de documento, de crimes de emissão de cheques sem provisão, de dois crimes de burla, de crimes de coacção e detenção ilegal de arma, de um crime de furto e de um crime de dano), a que acresce a circunstância de não ter revelado arrependimento pelos factos praticados.

Por isso, subscrevemos a conclusão a que chegou o tribunal a quo, quando afirmou que “a pena de multa não se mostra idónea a satisfazer de forma suficiente e adequada as finalidades da punição, designadamente na sua vertente de prevenção especial, ligada ao agente que pratica o facto, e na vertente de prevenção geral, ligada à função de advertência e reposição da confiança na ordem jurídica, pelo que haverá que optar pela pena de prisão”.

Nos termos do disposto no Artº 40º, nº 1, do Código Penal, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

As finalidades das penas, na previsão, na aplicação e na execução, são assim na filosofia da lei penal vigente a protecção de bens jurídicos e a integração do agente do crime nos valores sociais afectados.

Na protecção de bens jurídicos está ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afectem tais bens e valores (prevenção geral) como também a realização de finalidades preventivas que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes (prevenção especial negativa).

As finalidades das penas na sua vertente de prevenção positiva geral e de integração ou prevenção especial de socialização conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.

No caso concreto a finalidade de tutela e protecção de bens jurídicos há-de constituir o motivo fundamento da medida da pena, da tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afectados.

Por seu turno, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser em cada caso prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.

Nos limites da prevenção geral de integração e de prevenção especial de socialização deverá ser encontrada a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa que, nos termos do Artº 40º, nº 2, do Código Penal, constitui limite inultrapassável da prevenção a realizar através da pena (16).

A operação de determinação da pena, dentro dos apontados limites, faz-se, segundo o Artº 71º, nº 1, do Código Penal, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Atendendo-se, conforme prescreve o nº 2 do mesmo preceito legal, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, nomeadamente:

- Ao grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente – al. a);
- À intensidade do dolo ou da negligência – al. b);
- Aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram- al. c);
- À condições pessoais do agente e a sua situação económica – al. d);
- À conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime – al. e);
- À falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena – al. f).

A decisão recorrida, a este propósito, fez pertinentes considerações acerca desta matéria, e neste aspecto particular, considerou: o grau de ilicitude, que é elevado, tendo sobretudo em conta o número de cheques falsificados e o número de condutas realizadas; o dolo directo com que actuou o arguido, revelando intensa vontade criminosa; o facto de o arguido recorrente já possuir antecedentes criminais, o que releva por via da prevenção geral; a circunstância de o arguido se encontrar inserido familiar e socialmente, o que reveste eficácia atenuante, por diminuir as exigências de prevenção geral e especial; o tempo já decorrido desde a prática dos factos, sem a notícia de prática de outros crimes, diminuindo as exigências de prevenção geral e especial; o baixo valor do prejuízo causado aos ofendidos; o facto de o arguido não ter procedido à reparação do prejuízo causado; e a circunstância de o arguido não ter admitido a prática dos factos, o que releva por via da prevenção geral e especial.

Ora, considerando o conjunto das aludidas circunstâncias, correctamente avaliadas, o tribunal a quo, como se viu, tendo em conta as molduras abstractas para os crimes cometidos pelo arguido (prisão até 3 anos para o crime de burla, e prisão de 6 meses a 5 anos para o crime de falsificação de documento), fixou as penas concretas em 7 meses de prisão e 1 ano e 2 meses de prisão, respectivamente, ou seja, abaixo de um quarto dos respectivos limites máximos, não nos merecendo qualquer censura tais penas parcelares, dado que, situando-se dentro da medida da culpa, satisfazem as exigências de prevenção geral, mostrando-se consentâneas com as necessidades de prevenção especial.

E também a pena única encontrada pelo tribunal colectivo obedeceu inteiramente aos critérios previstos no Artº 77º, nºs. 1 e 2, do Código Penal, afigurando-se que uma pena inferior a 1 ano e 4 meses de prisão não cumpriria a sua finalidade, pois que não seria como tal sentida pelo seu destinatário.

Em suma, mostra-se infundada a crítica que o arguido recorrente dirige à decisão impugnada sobre este particular aspecto, apenas restando considerar adequadas as pena parcelares aplicadas, e bem assim a pena única achada pelo tribunal a quo.

Pelo que, também aqui, soçobra a pretensão do arguido.

1.2.7. Da (não) suspensão da execução da pena

Finalmente, defende o recorrente que, a ser confirmada a pena de prisão que lhe foi aplicada, deve ser apreciada a possibilidade de se suspender a sua execução, a este propósito aduzindo em sede conclusiva:

“(...) 68. O Tribunal “a quo” após ponderação decidiu que o arguido Manuel não deveria beneficiar do instituto da suspensão da execução da pena, argumentando para tanto que apesar da sua integração social e familiar e do tempo decorrido desde a prática dos factos, a sua postura em julgamento, não revelando qualquer arrependimento nem admitindo a pratica dos factos, os seus antecedentes criminais, não permitem concluir que a censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficientes as finalidade das punição.
69. Não podemos concordar com o Tribunal “a quo”.
70. No Acórdão proferido verifica-se a existência de uma valoração diferente e desigual entre as circunstâncias atenuantes e as agravantes no caso concreto, pesando estas muito mais do que aquelas; em particular por o arguido já ter averbadas no seu registo criminal várias condenações anteriores.
71. Remontando a mais recente a uma sentença proferida há cerca de oito anos, por um crime de dano.
72. O arguido, ora recorrente já pagou à sociedade o que tinha a pagar pelos crimes que cometeu anteriormente, tendo cumprido as penas, as quais se encontram todas extintas, como melhor se alcança do CRC do arguido e, bem ainda, da factualidade dada como provada no douto Acórdão proferido.
73. O arguido é uma pessoa de modesta condição económica e social.
74. Não há notícias de prática de novos crimes desde o ano dos factos vertidos nestes autos (2014).
75. O arguido encontra-se social e familiarmente inserido.
76. Encontra-se na procura activa de emprego.
77. A reclusão do arguido através da colocação do mesmo em cumprimento de pena sob vigilância electrónica na habitação vai contra o que se pretende na prevenção especial.
78. Nos termos do disposto no artigo 50º do Código Penal, “o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
79. No caso concreto cremos que a simples censura e ameaça de pena de prisão afigura-se suficiente.
80. A suspensão da execução da pena constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequado para, em certas circunstancias e satisfazendo as exigências de prevenção geral responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores ao direito através da advertência de condenação e de injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas.
81. A suspensão da execução, acompanhada das medidas e das condições admitidas na Lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como factores de inclusão, evitando os riscos de fractura familiar, social e comportamental como factores de exclusão.
82. Não são por outro lado considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos de prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas.
83. A suspensão da execução da pena não depende de um qualquer modelo de discricionariedade, mas antes, como resulta dos termos do disposto no artigo 50º, nº 1 do Código Penal do exercício de um poder dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.
84. No caso sub judice, sempre deve a pena de prisão a aplicar ao arguido, caso não se opte por pena não privativa da liberdade, ser suspensa na sua execução por a simples ameaça de privação da liberdade ser suficiente para prevenir a reincidência, realizando a finalidade de prevenção especial.”.

Vejamos.

Nos termos do Artº 50º, nº 1, do Código Penal, “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que da simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Trata-se, não de uma faculdade jurídica, mas de um verdadeiro poder-dever, que depende, no entanto, da verificação de dois pressupostos: um formal, que exige que a pena aplicada não seja superior a três anos de prisão; e um pressuposto material.

No ensinamento de Figueiredo Dias “pressuposto material de aplicação deste instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente. (...) Para formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto” (17).

Por outro lado, adverte ainda o citado Mestre que a lei torna claro que, na formulação do prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, e não ao momento da prática do facto, e que “crimes posteriores àquele que constitui objecto do processo, eventualmente cometidos pelo agente, podem e devem ser tomados em consideração e influenciar negativamente a prognose (...).

Relembrando, também, que apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem “as necessidades de reprovação e prevenção do crime”.

Sendo certo que “estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa” – ibidem, págs. 343/344.

Ora, no caso dos autos, para afastar a aplicação do instituto em causa o tribunal a quo relevou essencialmente as circunstâncias de o mesmo não ter revelado qualquer arrependimento nem admitido a prática dos factos, e bem assim de se apresentar em juízo com várias condenações anteriores, pela prática de dois crimes de falsificação de documento, de dois crimes de burla, para além de crimes de furto, coacção, dano e passagem de moeda falsa, o que corresponde inteiramente à verdade.

Porém, e salvo o devido respeito, outras circunstâncias existem, que emergem dos autos, maxime dos factos provados, que, apesar de tudo, e devidamente sopesadas, em nosso entender assumem relevância para a formulação de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do arguido:

- O cometimento dos crimes dos autos remonta a finais de 2014;
- Os demais crimes cometidos pelo arguido foram levados a cabo entre 1996 e 2009;
- À data dos factos e actualmente o arguido reside com os progenitores, ambos reformados, na habitação de família, local onde também detém uma oficina de electrónica. Mantém esta, mas não exerce actualmente pela baixa procura e por se encontrar a beneficiar de subsídio de desemprego, que usufrui desde Maio de 2017, após dezoito meses em que trabalhou de forma regular como motorista de longo curso;
- Habitualmente, o seu quotidiano organiza-se em função da satisfação das necessidades dos progenitores (ambos idosos e a necessitar de cuidados, designadamente a progenitora), na realização de actividades domésticas e a cuidar de animais domésticos e de companhia da família;
- Mantém convívios regulares com a família, designadamente com a filha via electrónica e contactos ocasionais com pares, na sua maioria vizinhos e colegas de escola e de trabalho;
- No meio residencial, e também em Guimarães, onde detém apartamento que por vezes arrenda, mas que utiliza quando devoluto, a sua imagem é positiva pelo seu temperamento cordial e prestativo;
- Ocupa os tempos livres no convívio com a família e pares, estes, na sua maioria, do que foi possível percepcionar, com comportamento pró-social;
- No meio residencial foi referido como trabalhador e cordial;
- O arguido foi acompanhado pelos serviços de reinserção social em contexto de liberdade condicional, de 25/05/2004 a 13/02/2006, no âmbito do processo nº 76/00.0, do 2º Juízo do Tribunal de Fafe. Mostrou atitude colaborante e cumpriu as injunções impostas na sua sentença de libertação;
- No âmbito do processo nº 759/02.0PBGMR, do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, foi (o arguido) condenado em pena de multa, tendo solicitado a sua substituição por trabalho a favor da comunidade. No entanto, apenas prestou 28 horas de trabalho a favor da Delegação da Cruz Vermelha de Fafe, por motivos que atribuiu a dificuldades em conciliar a sua actividade profissional com o trabalho a favor da comunidade, tendo efectuado o pagamento do remanescente da multa.

Ora, tendo em consideração tal factualidade, com especial relevo para as boas condições familiares de que dispõe e para a imagem positiva de que usufrui perante a comunidade onde se insere, sendo certo que, como se sublinha no seu relatório social, também avalia factos de natureza idêntica aos do processos como graves e tem noção das possíveis implicações negativas para os ofendidos, considerando justo o seu ressarcimento, e tendo em conta, também, o tempo já decorrido desde a prática dos factos, sem a notícia de prática de outros crimes, parece-nos que, apesar de tudo, é possível, neste momento, formular um prognóstico favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido. Sendo que, como ensina o Prof. Figueiredo Dias, ibidem, pág. 344/345, “…o que aqui está em causa não é qualquer «certeza», mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, o tribunal deve encontrar-se disposto a correr um certo risco – digamos: fundado e calculado – sobre a manutenção do agente em liberdade.”.

Afigura-se-nos, pois, ser possível concluir que a sua actual condição socio-económica só pode influenciar positivamente a prognose, sendo certo que, neste concreto contexto, a aplicação da pena de substituição também não colocará em causa as exigências de protecção dos bens jurídicos violados pelo arguido.

Por isso, entendemos ser de suspender a execução da pena única de prisão aplicada ao arguido recorrente, na esperança de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, na certeza de que a ressocialização do mesmo e a sua reintegração na via de uma actuação quotidiana pautada pela fidelidade ao direito melhor se prosseguirão fora da prisão.

Suspensão essa que se decreta pelo período correspondente ao da pena concreta (18), a contar do trânsito em julgado desta decisão.

Considerando, porém, a factualidade subjacente aos ilícitos praticados pelo arguido, e o facto de, até ao momento presente, ele nada ter feito no sentido de ressarcir os lesados dos prejuízos que lhes causou, afigura-se-nos que a suspensão da execução da pena de prisão que ora se determina não poderá ser aplicada na sua forma simples.

Devendo tal período de suspensão de execução da pena de prisão ser subordinado à condição de o arguido satisfazer ao Estado e aos Demandantes cíveis a indemnização que a cada um deles é devida, nos exactos termos constantes do acórdão recorrido (19) (20) (21).

Pois que a recomposição dos valores jurídicos violados pelo arguido passa, em boa medida, pela reparação material dos prejuízos causados.

Em suma, julgamos apropriado suspender a execução da pena única de um ano e quatro meses de prisão aplicada ao arguido recorrente, nos termos do disposto nos Artºs. 50º e 51º, nº 1, al. a), do Código Penal, pelo período de um ano e quatro meses, a contar do trânsito em julgado desta decisão, mediante a obrigação de (o arguido) pagar ao Estado a cada um dos Demandantes cíveis a indemnização que lhes é devida, dentro de seis meses, prazo que se reputa de razoável face aos montantes a pagar, demonstrando nos autos esse pagamento.
Procede, pois, parcialmente, nesta parte, o recurso do arguido.

III. DISPOSITIVO

Por tudo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães:

A) Em conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido Manuel, suspendendo-se a execução da pena única de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão em que foi condenado, pelo período de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses, a contar do trânsito em julgado desta decisão, mediante a condição de pagar ao Estado e aos Demandantes cíveis as quantias em que foi condenado, nos exactos termos constantes da decisão recorrida, no prazo de 6 (seis) meses, demonstrando nos autos esse pagamento, mantendo-se, no restante, o douto acórdão recorrido.
B) Em rejeitar o recurso interposto pelo Ministério Público, nos termos das disposições conjugadas dos Artsº. 414º, nº 2 e 420º, nº 1, al. b), do C.P.Penal, por falta de interesse em agir do recorrente.

Sem custas (Artºs. 513º, nº 1, a contrario sensu, 420º, nº 3, e 522º, do C.P.Penal).

(Acórdão elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários – Artº 94º, n.º 2, do C.P.Penal).
*
Guimarães, 5 de Novembro de 2018

(António Teixeira)
(Nazaré Saraiva)


1. Todas as transcrições a seguir efectuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correcção de erros ou lapsos de escrita manifestos, da formatação do texto e da ortografia utilizada, da responsabilidade do relator.
2. Disponível in https://simp.pgr.pt/mensagens/mount/anexos/2013/255727_despacho_mj_pericias_pj.pdf.
3. Cfr., neste sentido, Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, 3ª Edição, pág. 347, e o Acórdão de fixação de jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação obrigatória que ainda hoje mantém actualidade.
4. Acórdão esse que, em conformidade com o disposto no Artº 446º, nº 3, do C.P.Penal, procedeu ao reexame da jurisprudência constante do Acórdão de fixação de jurisprudência nº 5/94, de 27 de Outubro, in Diário da República, 1ª Série A, nº 289, de 16 de Dezembro de 1994, que havia estabelecido que, “Em face das disposições conjugadas dos artigos 48º a 52º e 401º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal e atentas a origem, a natureza e a estrutura, bem como o enquadramento constitucional e legal do Ministério Público, tem legitimidade e interesse para recorrer de quaisquer decisões mesmo que lhe sejam favoráveis e assim concordantes com a sua posição anteriormente assumida no processo.”.
5. Fazemos notar que todas as promoções e posições do Ministério Público a que seguidamente faremos alusão são todas subscritas pela mesma Exma. Sra. Procuradora da República, que também é a autora das alegações do recurso ora em apreciação.
6. Sendo certo que a sua admissão não vincula esta Relação, conforme estatui o Artº 414º, nº 3, do C.P.Penal.
7. Como relembra o Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, primeiro volume, reimpressão, Coimbra Editora, 1984, a págs. 229 e sgts., a oralidade e a imediação são dois princípios gerais do processo penal, sendo considerados como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual português. Acrescentando que o processo é dominado pelo princípio da oralidade quando o juiz profere a decisão com base em uma audiência de discussão oral da matéria a considerar, e consistindo a imediação como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão.
8. Ibidem, pág. 201 e sgts..
9. Sobre estas questões, cfr., entre outros, o Acórdão do S.T.J., de 23/05/2007, proferido no âmbito do Proc. nº 07P1498 (Cons. Henriques Gaspar), disponível in www.dgsi.pt.
10. Não se olvidando, porém, que o Supremo Tribunal de Justiça, pelo Acórdão de 08/03/2012, in DR Iª Série, nº 77, de 18/04/2012, fixou a seguinte jurisprudência obrigatória sobre esta matéria: “Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações.”.
11. Como impressivamente refere o Exmo. Sr. Cons. Pereira Madeira, in “Código de Processo Penal Comentado”, Almedina, 2016, 2ª Edição Revista, págs. 1272/1273 - da autoria do próprio, e de outros Exmos. Srs. Conselheiros -, porque aqui se trata (na detecção dos vícios do Artº 410º, do C.P.Penal), essencialmente, de uma tarefa de direito, os tribunais superiores procedem oficiosamente a essa indagação de vícios na matéria de facto, provada e não provada, atendo-se imperativamente, apenas e só, ao teor do texto da decisão recorrida e, se necessário, também às regras da experiência comum, nunca a outro tipo de provas.
12. In “Curso de Processo Penal”, Volume II, 5ª Edição revista e actualizada, Verbo, págs. 253.
13. Como lapidarmente se sublinha no Acórdão do S.T.J., de 15/10/2013, in CJ AcSTJ XXI-III-100, “Presunções, nos termos do Artº 349º do Código Civil são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. Trata-se de um método de valoração da prova a que se deita mão em condições particularmente árduas na formação da convicção do julgador quando não há acesso à prova directa dos factos, restando o recurso a indícios claros e seguros e a regaras da experiencia e normalidade, livremente apreciados”.
14. In Revista “Julgar” nº 2, 2007, pág. 205.
15. Como refere Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português”, Universidade Católica Editora, Volume I, 2ª Edição, 2017, págs. 96/97, “A presunção de inocência é identificada por muitos autores com o princípio in dubio pro reo, no sentido de que um non liquiet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. Este princípio denomina-se também «benefício de dúvida» e significa que o arguido tem o direito de ser absolvido, a ser declarado inocente (direito à inocência), se não for feita prova plena da sua culpabilidade (...). A dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a admissão da responsabilidade sem prova, fruto do azar do arguido que por qualquer razão se viu suspeito da prática de um crime, sem que o tribunal tenha logrado provar a sua culpabilidade (...). Em rigor, o princípio in dubio pro reo é simplesmente um princípio lógico de prova. Se o tribunal não lograr a prova dos factos que constituem o objecto do processo deve considerar a acusação não provada e como consequência lógica não aplicar qualquer sanção ao arguido porque falta o necessário pressuposto, ou seja, que a acusação é fundada (...).
16. Cfr., neste sentido, Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime”, Coimbra Editora, 3ª Reimpressão, pág. 227 e sgts.
17. Ibidem, págs. 342/343.
18. Pelo regime em vigor à data da prática dos factos, o mais favorável ao arguido (cfr. Arº 2º, nºs. 1 e 4, do Código Penal). Pois, caso contrário, face à actual redacção do Artº 50º, nº 5, do Código Penal, atenta a gravidade dos factos, entendemos que se deveria fixar em pelo menos 4 anos o período de suspensão da execução da pena aplicada ao arguido.
19. Ao Estado a quantia global de € 1.073,28 [€ 346,95 + € 149,55 + € 576,78] (mil e setenta e três Euros e vinte e oito cêntimos).
20. À Demandante “X-Cash & Carry, S.A.” a quantia de € 642,64 (seiscentos e quarenta e dois Euros e sessenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde 09/04/2018, até integral pagamento.
21. E à Demandante “S – Supermercados, Lda.” a quantia de € 143,76 (cento e quarenta e três Euros e setenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde 09/04/2018, até integral pagamento.