Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2047/15.3T8CHV.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: DESISTÊNCIA DO PEDIDO
ANULABILIDADE
ARGUIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A desistência é, pela sua natureza, um ato do autor/exequente, detendo este o poder discricionário de desistir.

II- A desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer, nos termos do art 285º, n.º 1 do CPC, o que, numa ação executiva, implica a extinção da obrigação exequenda.

III- Tendo a exequente legitimidade para formular o requerimento de desistência do pedido de execução, não traduzindo tal desistência a violação de direitos indisponíveis e sendo a exequente, à face do título executivo, a (única) titular do respetivo crédito exequendo, não se vislumbrando qualquer violação do preceituado nos arts. 287.º e 288.º do CPC, nada obstava à declaração da validade, por sentença homologatória, da desistência por aquela apresentada, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 290º do CPC.

IV- Encontrando-se tabelada pelo art. 291.º do CPC a ação adequada a fazer exercer em juízo a pretensão de «revogação» da desistência do pedido, por via da respectiva nulidade ou anulabilidade, carece a parte interessada/prejudicada de intentar a competente ação, o que não se compadece nem se adequa com a interposição de recurso da sentença homologatória da desistência.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

L. P. instaurou, em 8/10/2015, no Juízo de Execução de Chaves – J1 – do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, acção executiva para pagamento de quantia certa contra J. P. e A. P., pretendendo obter o pagamento da quantia global de €101.545,07.
Como título executivo deu o acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 02/JUN/2014, no âmbito do Proc. n.º 197/08.1TBMTR(P1), no qual foi decidido, além do mais, condenar os Réus (ora Executados) a pagar à Autora (Exequente) a quantia de €76.814,88, correspondente ao dobro do sinal que esta prestou, acrescida dos competentes juros de mora à taxa supletiva legal para as operações civis, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
*
Por decisão de 3/05/2016, a instância executiva foi julgada extinta por impossibilidade da lide no que concerne ao executado J. P., nos termos do disposto no art. 88.º do CIRE e art. 277.º, alínea e) do C.P.C., em virtude de, no âmbito do Processo n.º 145/14.0TBMTR, a correr termos pela Instância Local Cível, Juiz-1 de Vila Real, aquele executado ter sido declarado insolvente, por sentença transitada em julgado em 22/08/2014 (cfr. Ref.ª 29573084).
*
Mediante requerimento apresentado em 16/04/2018, a exequente declarou desistir do pedido formulado nos autos (cfr. Ref.ª 1600466 - fls. 105).
*
Em 19-04-2018, a Mm.ª Juíza “a quo” proferiu a seguinte sentença (cfr. Ref.ª 32141011 - fls. 108):
«Vem o exequente declarar desistir do pedido.
Considerando que a matéria objeto dos presentes autos está na disponibilidade do exequente e a desistência do pedido é livre, julgo válida e juridicamente relevante a aludida desistência, quer quanto ao seu objeto, quer pela qualidade das pessoas intervenientes, pelo que a homologo, tudo nos termos do disposto nos artigos 283º, nº 1, 285º nº 1 e 286º, nº 2 todos do Código de Processo Civil.
Concomitantemente, julgo extinta a instância, nos termos do disposto no art. 277º alínea d) do Código Processo Civil.
Custas pelo exequente, art. 537, nº 1 do CPC.
Notifique, ainda ao SAE, e registe.
(…)».
*
Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso J. D. (cfr. Ref.ª 29197271 - fls. 125 a 135) e, a terminar as respetivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1. O aqui Apelante não concorda, nem se conformar com o Douto Despacho recorrido, que homologou a desistência do pedido apresentada pela Exequente e julgou extinta a instância, nos termos do disposto no art. 277º, alínea d) do Código Processo Civil”.
2. O Apelante, J. D., é, desde o dia - de Maio de 1973, casado com a Exequente, sob o regime de comunhão de adquiridos, sendo que a desistência de tal pedido efectuado unilateralmente pela Exequente, sem consentimento ou autorização do Apelante, prejudica o Recorrente directa e efectivamente, pelo que assiste-lhe legitimidade processual para recorrer daquele despacho, nos termos do disposto no artigo 631º, nº 2 do C.P.C..
3. Saliente-se que o Apelante é parte interessada neste pleito, pois à data quer da celebração do contrato-promessa de compra e venda em que a Exequente figurava como promitente-compradora, quer quando foi intentada competente acção declarativa decorrente do incumprimento de tal contrato por parte dos aqui executados, quer quando do início da presente execução, era casado e vivia maritalmente com a Exequente.
4. Muito embora não figurasse como outorgante em tal contrato-promessa, nem como parte processual na acção declarativa e executiva, o direito de crédito ao sinal em dobro e respectivos juros de mora também lhe pertence.
5. Deve ser atribuído efeito suspensivo ao presente recurso, isto porque, nos termos do disposto no art. 647º, nº 3, al. e), aplicável ex vi art. 644º, nº3. al. f) do C.P.C., o recurso terá efeito suspensivo quando incida sobre decisão que implique o cancelamento de qualquer registo, o que é o caso do despacho que decretou a extinção da instância executiva, a qual irá dar lugar ao cancelamento dos registos de penhora efectuados sobre os bens imóveis melhor descritos no auto de penhora constante nos presentes autos.
6. É facto notório e do conhecimento do Tribunal a quo que a Exequente sempre foi casada com o Recorrente, pois tal informação consta expressamente quer no requerimento executivo apresentado por aquela, quer ainda no douto Acórdão da Relação do Porto que serve de título executivo.
7. Assim sendo, bem sabia o Tribunal a quo que, na génese do processo executivo, está incumprimento de um contrato-promessa de compra e venda celebrado em 1990 entre a Exequente e o Executado J. G. e a sua esposa (entretanto falecida), através do qual estes prometeram vender àquela bens imóveis, que aquela prometeu comprar pelo valor de 38.407,44 euros.
8. A quantia que foi entregue a título de sinal quando da celebração de tal contrato-promessa era dinheiro pertencente ao património comum do casal (Exequente e aqui Apelante), o que, aliás, se presume, de acordo com o regime legal vigente (artigo 1722º e 1723º a contrario e 1724º do C. C.), e atenta a omissão de referência expressa no contrato-promessa de compra e venda quanto à proveniência dos bens e valores utilizados para efectuar o pagamento do referido sinal.
9. No âmbito da acção declarativa que precedeu a presente execução, instaurada pela aqui Exequente em nome próprio, mas também em representação e no interesse do aqui Apelante e do património comum do casal, os executados foram condenados a restituir em dobro o sinal pago, acrescido de juros de mora, direito de crédito esse que ingressou imediata e automaticamente no património comum do casal (pertencendo, por força do regime de bens adoptado, metade indivisa ao aqui Apelante).
10. Apesar de ter sido instaurada formalmente pela Exequente, na presente execução é reclamado um crédito exequendo que pertence ao património comum do casal, pelo que a Exequente age em nome próprio, mas também em representação e no interesse do cônjuge marido, o aqui Apelante.
11. Com efeito, como é consabido, a validade de um contrato celebrado por um cônjuge na qualidade de comprador não depende da intervenção do outro cônjuge (Veja-se o Acórdão do S.T.J. de 06-10-2011, proc. nº 4092/09.9TDVNF.P1.S1).
12. Por conseguinte, não se exige que a acção declarativa de condenação e a subsequente acção executiva (decorrentes do incumprimento desse mesmo contrato por parte dos vendedores e/ou promitentes-vendedores), sejam intentadas por ambos os cônjuges.
13. Contudo, querendo o/a cônjuge, único interveniente processual, praticar actos que impliquem a perda de qualquer direito, direito que não lhe pertence em exclusivo, mas que é pertença de ambos os cônjuges, como é o caso, diz a lei que esta não poderá agir sozinha de livre e espontânea vontade.
14. A entrega pela Exequente de requerimento onde manifesta a sua vontade exclusiva de desistir do pedido é um acto que implica a perda de um direito, ou caso assim não se entenda, é um acto de natureza análoga.
15. A desistência do pedido é de qualificar, quanto à sua natureza jurídica, como um acto jurídico unilateral, que consubstancia uma declaração de renúncia ao próprio crédito exequendo, que implica a solução do litígio.
16. Ora, dúvidas não existem de que o crédito exequendo pertence, em comum e sem determinação de parte ou direito, à Exequente e ao seu cônjuge marido, aqui Apelante. Consequentemente, a Exequente não tinha, nem tem legitimidade para renunciar a um direito que não lhe pertence exclusivamente.
17. Sendo a desistência do pedido um acto dirigido a produzir efeitos sobre a totalidade do direito (pertencente aos cônjuges), é um acto completamente contrário ao espectável relativamente à actuação processual do titular da relação jurídica (Exequente), sendo necessário e até obrigatório que, para que tal acto seja válido, se opere a aceitação de todos os contitulares de tal direito de que se está a desistir.
18. A homologação da desistência do pedido implica que, no futuro, a Exequente nunca mais possa propor nova acção sobre o mesmo objecto, sendo que a homologação desta desistência efectuada unicamente pela Exequente prejudica inevitável e irremediavelmente o cônjuge marido, aqui Apelante, que não autorizou, nem consente na desistência do pedido.
19. Para que a presente desistência fosse validamente homologada seria necessário a intervenção de ambos os cônjuges e manifestação expressa de ambos em desistirem do pedido para tal acto ser válido e eficaz. (tal como aconteceria se fosse para transigir. Ver Ac. do T. Relação do Porto, de 25-11-2010, proc. nº 308/05.8TBMTS-A.P1)
20. A homologação da desistência do pedido, caso transite em julgado, irá causar avultados prejuízos para o património de ambos os cônjuges, porquanto, além de desistir de um direito de crédito comum do casal, o património comum do casal terá que suportar, em consequência da desistência, todos os custos da presente execução (custas judiciais, despesas e honorários agente execução, etc).
21. Quando a declaração de uma pessoa for dirigida a provocar efeitos directos na esfera patrimonial de outra pessoa, sem que aquela tenha legitimidade para o fazer, carecerá da intervenção da pessoa titular da esfera afectada, pois só com a intervenção de ambas se reunirá a legitimidade necessária para afectar as duas esferas jurídicas, sob pena de nulidade do acto por falta de legitimidade para desistir de um direito que não pertence na totalidade ao desistente.
22. A ilegitimidade da Exequente para a prática do acto de desistência do pedido faz com que tal desistência seja ineficaz, não produzindo quaisquer efeitos jurídicos e materiais, pelo que não é adequada, nem idónea a conduzir à extinção da instância.
23. Em face do exposto, não pode a desistência do pedido ser homologada, por se tratar de um acto em relação ao qual a desistente carece de legitimidade para desistir de um direito de crédito que integra e pertence, em comum e sem determinação de parte ou direito, ao património comum do casal (Exequente e Apelante).
24. O despacho recorrido, que homologou a desistência do pedido e determinou a extinção da instância, viola, além do mais, o disposto nos arts. 956º; 1678º, nº3; 1683º, nº2; 1724º, todos do Código Civil.
25. Em face do exposto, deve o Douto Despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que decida não homologar a desistência do pedido e, consequentemente, ordenar o prosseguimento da execução.

TERMOS EM QUE, E SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VªS EXªS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER ADMITIDO COM EFEITO SUSPENSIVO E, A FINAL, MERECER PROVIMENTO E, CONSEQUENTEMENTE, REVOGAR-SE O DOUTO DESPACHO RECORRIDO, COM OS FUNDAMENTOS E NOS TERMOS PETICIONADOS PELO APELANTE, SUBSTITUINDO-SE O DESPACHO RECORRIDO POR OUTRO QUE NÃO HOMOLOGUE A DESISTENCIA DO PEDIDO, ORDENANDO-SE, EM CONSEQUÊNCIA, O PROSSEGUIMENTO DA ACÇAO EXECUTIVA. FAZENDO-SE ASSIM A HABITUAL JUSTIÇA.
(…)».
*
Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo da decisão (cfr. Ref.ª 32620897 - fls. 138).
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II. Objeto do recurso

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão decidenda consiste em saber se é válida a sentença homologatória da desistência do pedido de execução.
*
III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

As incidências fáctico-processuais a considerar para a decisão do presente recurso são as descritas no relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos), a que acrescem os seguintes [que resultam do documento (assento de casamento) de fls. 136]:
- A exequente e o apelante celebraram casamento católico, sem convenção antenupcial, no dia - de Maio de 1973.
*
V. Fundamentação de direito.

Da (in)validade da sentença homologatória da desistência do pedido de execução.
Pretende o Recorrente, por via do presente recurso, que a sentença homologatória da desistência do pedido apresentada pela exequente nos autos de execução, por requerimento, seja substituída por outra em que se determine a não homologação da desistência do pedido, «ordenando-se, em consequência, o prosseguimento da acção executiva».
Defende, para tanto, que o crédito exequendo pertence, em comum e sem determinação de parte ou direito, à exequente e ao seu cônjuge marido, aqui apelante, pelo que aquela, por si só ou isoladamente, desacompanhada do seu consorte, carecia de legitimidade conjugal para renunciar a um direito que não lhe pertence exclusivamente, o que determina a nulidade do ato de desistência do pedido.
Importa começar por tecer breves considerações sobre a natureza jurídica, requisitos e efeitos da desistência, enquanto causa (geral) da extinção da instância (art. 277º, al. d) do CPC), quer da própria sentença homologatória.
De seguida, haverá que indagar se, em sede de recurso da sentença homologatória, pode conhecer-se da pretensão de «revogação» da desistência do pedido, por via da respetiva nulidade ou anulabilidade.
Vejamos.
A desistência é, pela sua natureza, um ato do autor/requerente, detendo este o poder discricionário de desistir.
A desistência pode revestir duas modalidades: do pedido e da instância.
A desistência da instância é um ato jurídico unilateral(1), pelo qual o autor faz cessar o processo que instaurara (art. 285º, n.º 2, do CPC), “sem que com isso entenda renunciar ao direito que se pretendia fazer valer. O autor renuncia à instância promovida, ao processo que provocou, mas não renuncia à ação proposta, ou melhor, ao direito substancial que se arrogou contra o réu” (2). Atuando, assim, apenas sobre a relação processual, não extingue o direito do desistente.
A desistência da instância equivale à absolvição da instância.
Porque recai unicamente sobre a relação processual, a sentença homologatória da desistência da instância apenas tem força obrigatória dentro do processo (art. 620º, n.º 1, do CPC).
Em princípio, e não obstante a desistência da instância, pode o autor propor contra o mesmo réu nova ação com o mesmo objeto da anterior (arts. 285º, n.º 2 e 279º, n.º 1 do CPC) (3).
A desistência da instância depende da aceitação do réu desde que seja requerida depois do oferecimento da contestação (art. 286º, n.º 1 do CPC).
A desistência do pedido é igualmente um ato unilateral do autor que implica o abandono, ou melhor, a renúncia à pretensão que o autor formulara. Quando desiste do pedido, o autor reconhece implicitamente que a sua pretensão judicial é infundada; porque se convenceu do que não tem razão, retira o pedido que enunciara, renuncia a ele” (4). Diferentemente da desistência da instância, a desistência do pedido representa o reconhecimento pelo autor de que a situação jurídica alegada não existe ou se extinguiu, arrastando consigo a extinção da situação jurídica que pretendia tutelar (art. 285º, n.º 1), ou constitui a situação que o autor negava (5). Ao “passo que a desistência da instância, a absolvição da instância (…) e a deserção só atuam sobre a relação jurídica processual, extinguindo-a, a desistência do pedido, a confissão e a transação atuam, ao mesmo tempo sobre a relação processual, extinguindo-a, e sobre a relação substancial, compondo-a” (6).
A desistência do pedido pode ser total ou parcial (art. 283º, n.º 1) e é livre, mas não prejudica a reconvenção, a não ser que o pedido reconvencional seja dependente do formulado pelo autor (art. 286º, n.º 2 do CPC).
A expressão «em qualquer altura» (art. 283º, n.º 1) significa em qualquer estado da causa, enquanto não houver sentença com trânsito que ponha termo à instância.
A desistência do pedido tem o mesmo efeito que teria uma sentença desfavorável ao autor, formando a sentença homologatória caso julgado material impeditivo da invocação do mesmo direito noutra ação entre os mesmos sujeitos (7). O que equivale a dizer que a extinção (ou constituição) da situação jurídica provocada pela desistência do pedido releva em todas as situações nas quais a existência desse direito constitua uma questão prejudicial para a apreciação de um outro objeto (8).
Mantém, por isso, atualidade a jurisprudência fixada pelo Assento n.º 6/88 (Ac. do STJ de 15/06/1988, DR, I Série, 1/08/88), segundo o qual ”o desistente do pedido de simples apreciação prescinde do conhecimento do respetivo direito e, por isso, o caso julgado impedi-lo-á de estruturar nele um pedido de condenação”.
Extinguindo-se por desistência o pedido, extingue-se também a relação processual, dado o seu carácter instrumental face ao direito substantivo.
A consequência processual é a absolvição do réu, não da instância (cfr. art. 278º do CPC), mas do pedido (art. 285º, n.º 1 do CPC).
Não é permitida desistência (tal como confissão ou transação) que importe a afirmação da vontade das partes relativamente a direitos indisponíveis (art. 289º, n.º 1 do CPC).
Lavrado o termo ou junto o documento [da confissão, desistência ou transação], o juiz examina se, “pelo seu objeto e pela qualidade das pessoas que nela intervieram, a confissão, a desistência ou a transação” são válidas (ou enferma de algum vício de invalidade); no caso afirmativo, tal será declarado por sentença, a qual condenará ou absolverá as partes nos seus precisos termos (art. 290º, n.º 3 do CPC).
A confissão, desistência ou transação são válidas, em relação ao objeto, desde que não respeitem a direitos indisponíveis, tal como definidos no n.º 1 do art. 289º do CPC; já no aspeto subjetivo ou quanto à “qualidade das pessoas”, “prende-se a mesma com a (respetiva) titularidade dos direitos em presença e, designadamente, com a capacidade de exercício, com a devida representação e com as necessárias autorizações (legais) para a prática do ato.
A validade da confissão, desistência ou transação é, assim, chancelada por uma decisão (despacho) com força e autoridade de sentença (de mérito) – a sentença homologatória –, cujo dictat condenatório ou absolutório tem de ser plenamente conforme à vontade expressa (declarada) pelas partes no termo ou documento habilitante, que não em função do direito material (objetivo) que, em princípio, se aplicaria aos factos provados” (9).

No âmbito da ação executiva importa ter presente o estatuído no art. 848.º do CPC que, sob a epígrafe “Desistência do exequente”, dispõe:

1 - A desistência do exequente extingue a execução; mas, se já tiverem sido vendidos ou adjudicados bens sobre cujo produto hajam sido graduados outros credores, a estes é paga a parte que lhes couber nesse produto.
2 - Se estiverem pendentes embargos de executado, a desistência da instância depende da aceitação do embargante”.

Embora o citado normativo não faça expressa menção à desistência do pedido, é unânime o entendimento – quer na doutrina, quer na jurisprudência –, que essa modalidade de desistência é também possível em processo executivo (10).
Como refere Lebre de Freitas (11), “a desistência do pedido, tendo na acção executiva a mesma natureza de negócio de direito privado que tem na acção declarativa (…), não pode ser entendida como renúncia ao direito de executar o crédito (o que brigaria com a irrenunciabilidade do direito de ação), mas como renúncia ao próprio crédito exequendo. De particular tem, porém, que não é homologada por sentença, produzindo directamente, não só os seus efeitos de direito civil (como na acção declarativa), mas também o efeito processual de extinção da instância executiva».
E o direito exequendo avalia-se em função da causa de pedir na acção executiva, que, como é sabido, não se identifica com o título executivo, antes constitui «o facto jurídico de que resulta a pretensão do exequente» (12).
Por seu turno, na acção executiva, não resultando expressamente do citado art. 848.º do CPC todos os enunciados efeitos da declaração de desistência, que apenas refere que a desistência do exequente extingue a execução, certo é que, por via do preceituado no art. 551.º, n.º 1, do CPC, as disposições reguladoras do processo declarativo aplicam-se, com as necessárias adaptações, ao processo de execução, desde que se mostrem compatíveis com a natureza da ação executiva (13).
Como resulta do disposto no artigo 10º, n.º 5, do CPC, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites (subjetivos e objetivos) da ação executiva, concluindo-se que “é executiva a acção que tem por fim exigir o cumprimento duma obrigação estabelecida em título bastante, ou a substituição da prestação respectiva por um valor igual do património do devedor” (14).
Trata-se, por natureza, de uma ação em que o exequente “requer as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida” (art. 10º, n.º 4, do CPC), donde decorre que na mesma estão em causa direitos disponíveis, sendo consequentemente admissível a sua extinção, quer pelas causas especiais que se mostram previstas nas als. a) a e) do n.º 1 do art. 849.º do CPC, quer quando ocorra outra causa (geral) de extinção da execução (alínea f) do mesmo preceito, por reporte às causas do art. 277º do CPC, quando aplicáveis), designadamente pela desistência do exequente (15).
No tocante à legitimidade na ação executiva, o art. 53º, n.º 1, do CPC estabelece que a “execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor”.
Assim, diversamente do que sucede na ação declarativa, onde a legitimidade é aferida em função da relação material controvertida, tal como a mesma é configurada pelo autor (art. 30º, n.º 3 do CPC), em sede de ação executiva e em regra, o pressuposto processual da legitimidade afere-se exclusivamente pelo título executivo, isto é, apenas tem legitimidade para promover e fazer seguir a execução como exequente quem no título figure como credor. Por seu turno e por via de regra, só deve intervir como executado quem, à luz do título, seja devedor da obrigação exequenda (16).
Vale isto por dizer que, ressalvadas as exceções previstas na lei, o exequente e/ou o executado serão partes ilegítimas se não figurarem como credor e/ou devedor no título executivo que serve de base à execução. O título executivo desempenha, assim, uma função de legitimação processual (17).
Sendo no caso irrelevantes as exceções e desvios a esta regra (constantes dos arts. 54º, 55º, 57º do CPC), impõe-se constatar que estamos perante uma noção de cariz marcadamente formal, depreendendo-se da mesma que irreleva a efetiva titularidade (do lado ativo ou passivo) do direito de crédito contido no título executivo e que apenas têm importância as posições creditícias e debitórias que deste derivam (18).
Ou seja, independentemente da relação subjacente que deu causa à emissão do título, do regime de bens do casamento quando se trate de cônjuges, da presunção ou não da comunicabilidade, são partes na ação executiva quem conste como credor ou devedor no respetivo título executivo.

No caso vertente, a questão que é trazida à apreciação deste tribunal de recurso prende-se com a (in)validade da sentença homologatória da desistência do pedido de execução, sendo que a declaração de desistência foi feita unicamente pela exequente, sem consentimento ou autorização do seu consorte (que não é parte na execução), manifestando este, em sede de apelação (enquanto terceiro que se diz afetado com a homologação por sentença da desistência do pedido), oposição a tal ato jurídico unilateral.
Em abono da sua pretensão diz para o efeito que i) o Tribunal “a quo” bem sabia que, na génese do processo executivo, está o incumprimento de um contrato-promessa de compra e venda celebrado em 1990 entre a Exequente e o Executado J. G. e a sua esposa (entretanto falecida), através do qual estes prometeram vender àquela bens imóveis, que aquela prometeu comprar pelo valor de 38.407,44 euros; ii) que a quantia entregue a título de sinal quando da celebração de tal contrato-promessa era dinheiro pertencente ao património comum do casal (Exequente e aqui Apelante), o que, aliás, se presume, de acordo com o regime legal vigente (artigo 1722º e 1723º a contrario e 1724º do C. C.); iii) no âmbito da acção declarativa que precedeu a presente execução, instaurada pela aqui Exequente em nome próprio, mas também em representação e no interesse do aqui Apelante e do património comum do casal, os executados foram condenados a restituir em dobro o sinal pago, acrescido de juros de mora, direito de crédito esse que ingressou imediata e automaticamente no património comum do casal (pertencendo, por força do regime de bens adotado, metade indivisa ao aqui Apelante); iv) apesar de ter sido instaurada formalmente pela Exequente, na presente execução é reclamado um crédito exequendo que pertence ao património comum do casal, pelo que a Exequente age em nome próprio, mas também em representação e no interesse do cônjuge marido, o aqui Apelante; v) a validade de um contrato celebrado por um cônjuge na qualidade de comprador não depende da intervenção do outro cônjuge, não se exigindo que a acção declarativa de condenação e a subsequente acção executiva (decorrentes do incumprimento desse mesmo contrato por parte dos vendedores e/ou promitentes-vendedores), sejam intentadas por ambos os cônjuges; vi) contudo, querendo o/a cônjuge, único interveniente processual, praticar atos que impliquem a perda de qualquer direito, direito que não lhe pertence em exclusivo, mas que é pertença de ambos os cônjuges, aquele não poderá agir sozinho de livre e espontânea vontade; vii) a entrega pela Exequente de requerimento onde manifesta a sua vontade exclusiva de desistir do pedido é um ato que implica a perda de um direito ou, caso assim não se entenda, é um ato de natureza análoga; viii) o crédito exequendo pertence, em comum e sem determinação de parte ou direito, à Exequente e ao seu cônjuge marido, aqui Apelante, sendo que aquela não tinha, nem tem, legitimidade para renunciar a um direito que não lhe pertence exclusivamente; ix) sendo a desistência do pedido um ato dirigido a produzir efeitos sobre a totalidade do direito (pertencente aos cônjuges), é necessário e até obrigatório que, para que tal ato seja válido, se opere a aceitação de todos os contitulares de tal direito de que se está a desistir, sob pena de nulidade do ato por falta de legitimidade para desistir de um direito que não pertence na totalidade ao desistente; x) não podia, pois, a desistência do pedido ser homologada, por se tratar de um ato em relação ao qual a desistente carece de legitimidade para desistir de um direito de crédito que integra e pertence, em comum e sem determinação de parte ou direito, ao património comum do casal (Exequente e Apelante).
Pois bem, por força do documento junto com a apelação mostra-se comprovado nos autos que o recorrente e a exequente (recorrida) contraíram matrimónio em -/05/1973 e, porque não houve convenção antenupcial, considera-se o mesmo celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos (art. 1717º do Cód. Civil).
Como é sabido, no regime de comunhão de adquiridos existem fundamentalmente duas massas patrimoniais: a dos bens próprios de cada um dos cônjuges e a dos bens comuns (arts. 1722, 1723 e 1726 do Cód. Civil) (19).
O património comum dos cônjuges, também denominado património coletivo ou de mão comum, caracteriza-se por haver um único direito e um direito uno sobre ele com dois titulares, o qual não comporta divisão, mesmo ideal, não podendo os cônjuges, fora dos casos expressamente previstos na lei, dispor da sua meação no património comum, nem proceder à sua divisão ou partilha (cfr. arts. 1685.º, 1688.º, 1689.º, 1730.º, 1770.º, 1772.º, 1788.º e 1795.º-A do CC) (20).
Resulta também dos autos que o crédito exequendo tem na sua origem um contrato-promessa de compra e venda datado e celebrado em 13/09/1990, entre o executado J. G. e a sua esposa (entretanto falecida), através do qual (estes) declararam prometer vender à exequente três prédios pelo preço global de 38.407,44 euros, tendo a exequente pago a totalidade do preço convencionado naquela data.
Em face do incumprimento do acordo celebrado e que constava do contrato ajuizado, a ora exequente instaurou ação declarativa, sob a forma de processo comum ordinária, contra os ora executados [Proc. n.º 197/08.1TBMTR(P1)], peticionando, além do mais, a declaração de resolução do aludido contrato-promessa e a condenação dos RR. no pagamento da quantia de € 76.814,88, correspondente ao dobro do sinal que prestou, acrescida dos juros de mora à taxa supletiva legal para as operações civis, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, ação essa que, na 1ª instância, foi julgada improcedente.
Sucede que, por acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 02/06/2014, no âmbito do referido processo, foi julgada procedente a apelação e, em consequência, foram os Réus (ora executados) condenados a pagar à Autora (exequente) a quantia de € 76.814,88, correspondente ao dobro do sinal que esta prestou, acrescida dos competentes juros de mora à taxa supletiva legal para as operações civis, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Interposto recurso desse acórdão, por acórdão do STJ de 28/10/2014 foi negada a revista.
E, em face do não pagamento voluntário pelos executados, a exequente deduziu a presente execução tendente à cobrança coerciva daquele direito de crédito judicialmente reconhecido.
Ulteriormente, a exequente declarou desistir do pedido formulado nos autos, ato esse que foi homologado por sentença.
O recorrente, na apelação, dá como adquirido que o aludido direito de crédito exequendo integra o património comum do casal (cfr. arts. 1722º, 1723º, al. b) e 1724º do Cód. Civil).
A dar-se como verificada essa conclusão, a mesma era suscetível de ter relevância por força das regras (substantivas) de legitimação conjugal atinentes a atos de natureza patrimonial, cuja realização depende do consentimento de ambos os cônjuges.

Com efeito, no que respeita à administração de bens do casal, rege o art. 1678.º do CC, que, no seu n.º 3, prevê, quanto à gestão dos bens comuns, fora dos casos previstos no n.º 2, duas regras essenciais:

1ª - a da legitimidade de cada um dos cônjuges para a prática dos atos de administração ordinária relativamente aos bens comuns do casal, sem necessidade do consentimento do consorte;
2.ª - a necessidade do consentimento de ambos os cônjuges para “os restantes atos de administração”, designados pela doutrina como atos de administração extraordinária.
Quanto aos atos de administração ordinária vigora, pois, a regra da gestão corrente ou da administração disjunta, podendo qualquer dos cônjuges praticá-los, isoladamente e sem necessidade do seu consorte; quanto aos atos de administração extraordinária, vale a regra da co-direcção ou da administração conjunta, devendo tais atos ser praticados por ambos os cônjuges ou por um com o consentimento do outro (21).
Por sua vez, segundo o n.º 1 do art. 1682º do Cód. Civil, a «alienação ou oneração de móveis comuns cuja administração caiba aos dois cônjuges carece de consentimento de ambos, salvo se se tratar de ato de administração ordinária».
Segundo esta regra, a disposição ou oneração de móveis comuns, cuja administração seja comum, pressupõe a participação conjunta ou simultânea dos dois cônjuges ou a intervenção de um com o consentimento do outro, salvo se se tratar de ato de administração ordinária, posto que neste caso, por força da regra da administração concorrencial (art. 1678º, n.º 3, 1ª parte), os móveis podem ser validamente alienados ou onerados por qualquer dos cônjuges.
O consentimento conjugal, nos casos em que é legalmente exigido, deve ser especialmente referido ao concreto ato ao qual o consentimento é concedido (art. 1684º, n.º 1 do CC) e, havendo recusa injustificada ou impossibilidade, por qualquer causa, de o prestar, pode ser judicialmente suprido (n.º 3 do citado artigo).
A prática, por um só dos cônjuges (sem o consentimento do seu consorte e sem o seu suprimento judicial), de ato para o qual a lei exija o consentimento de ambos (em violação do disposto nos n.ºs 1 e 3 do art. 1682.º, nos arts. 1682.º-A e 1682.º-B e no n.º 2 do art. 1683.º do CC), gera a anulabilidade do ato (art. 1687º, n.º 1, do CC).
Repristinando o que anteriormente se disse, a desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer, nos termos do art 285º, n.º 1 do CPC, o que, numa ação executiva, implica a extinção da obrigação exequenda (22). Com efeito, estando em causa uma desistência do pedido de execução, a instância executiva extingue-se, arrastando também o próprio direito exercitado pela exequente na execução. Fica a exequente impedida de futuramente vir a reclamar tal direito de crédito noutra sede, seja ela declarativa ou executiva, visto que a sua desistência faz cessar o respetivo direito (art. 285º, n.º 1 do CPC) (23).
Ora, embora em bom rigor a desistência do pedido executivo não configure um ato de alienação ou de disposição, o certo é que, mercê dos efeitos jurídicos que lhe estão associados, não é de excluir que, por analogia (art. 10º do CC), o regime da alienação e oneração de móveis (ou direitos) comuns do casal lhe possa ser aplicável.
Na verdade, o ato abdicativo da cobrança coerciva de um crédito judicialmente reconhecido, importando a extinção ou perda de um direito integrado no património comum do casal, representa uma perda económica ou um prejuízo do respetivo património familiar.
E cremos que esse ato poderá não ser enquadrável no conceito de ato de administração ordinária, na justa medida em que, por força da eficácia extintiva da obrigação exequenda, é suscetível de alterar a própria substância do património comum do casal, ao frustrar irremediavelmente a sua cobrança coerciva, quer no âmbito da execução onde é formulada a desistência do pedido, quer noutra que eventualmente venha a ser instaurada.
Malgrado as considerações antecedentes, certo é que os elementos disponíveis nos autos não (nos) permitem subscrever a conclusão que serve de premissa ou de pressuposto às conclusões da apelação deduzida – de o direito de crédito exequendo integrar o património comum do casal –, até porque essa questão é completamente alheia quer do âmbito da ação executiva em apreço, quer da ação declarativa que lhe serviu de antecedente.
Logo, tendo a exequente legitimidade para formular o requerimento de desistência do pedido de execução, não traduzindo tal desistência a violação de direitos indisponíveis e sendo a exequente, à face do título executivo, a (única) titular do respetivo crédito exequendo, não se vislumbrando qualquer violação do preceituado nos arts. 287.º e 288.º do CPC, nada obstava à declaração da validade, por sentença homologatória, da desistência apresentada, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 290º do CPC.
O mesmo é dizer que, perante os elementos disponíveis nos autos, não se poderá concluir que a fiscalização pela Mmª Juíza “a quo” da regularidade e validade da desistência do pedido foi irregularmente realizada, já que, afinal, o objeto do litigio não estava na disponibilidade das partes, ou não tinha idoneidade negocial, ou a exequente que formulou o pedido de desistência não se apresentava com capacidade e legitimidade para deduzir tal pretensão.
É certo que sendo a desistência um ato ou negócio jurídico, a mesma pode ser declarada nula ou anulada, designadamente por vício de vontade nas declarações formuladas pela desistente.
De facto, a concluir-se que a validade da desistência do pedido de execução carecia do consentimento do cônjuge da exequente ou do seu suprimento judicial (art. 1682º, n.º 1, do CC), por o direito de crédito exequendo integrar o património comum do casal, a consequência para a ausência desse consentimento ou autorização do consorte será, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 1687º do Cód. Civil, a anulabilidade daquele ato de “disposição”.

Nos termos do estatuído no art. 291º do CPC:

«1 - A confissão, a desistência e a transação podem ser declaradas nulas ou anuladas como os outros atos da mesma natureza, sendo aplicável à confissão o disposto no n.º 2 do artigo 359.º do Código Civil.
2 - O trânsito em julgado da sentença proferida sobre a confissão, a desistência ou a transação não obsta a que se intente a ação destinada à declaração de nulidade ou à anulação de qualquer delas, ou se peça a revisão da sentença com esse fundamento, sem prejuízo da caducidade do direito à anulação.
(…)».

Como referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (24), estando “a ação ainda pendente, compadece-se com o regime da nulidade a sua invocação no processo – perante o juiz da causa se este ainda não tiver homologado o ato da parte ou em recurso da sentença homologatória. É solução indubitável perante a necessidade de o juiz só homologar o ato depois de verificar a sua validade (art. 290-3).
Mas, em caso de anulabilidade, o direito potestativo de anulação só pode ser feito valer através da ação judicial (art. 287º do CC)”.
Ora, sendo o ato anulável, o direito potestativo de anulação não pode deixar, nos termos gerais, de ser exercido através de ação judicial, como resulta dos n.ºs 1 e 2 do art. 291.º do CC.
Nas suas alegações de recurso o recorrente focaliza-se única e exclusivamente nas razões materiais ou substantivas que diz assistirem-lhe, mas descura, por completo, a forma ou o procedimento adequado para lograr obter aquele efeito jurídico (a anulação do ato jurídico da desistência do pedido exequendo).
Independentemente da eventual bondade dos argumentos de índole substantiva que possam assistir à pretensão do recorrente, a verdade é que não lhe é lícito postergar os meios processuais que a lei lhe confere para ver reconhecidos os seus direitos.
Revestindo o direito adjetivo uma natureza instrumental, na medida em que está ao serviço do direito material ou substantivo, o reconhecimento deste pressuporá, além do mais, que a pretensão seja regularmente deduzida em juízo (art. 2º, n.º 1 do CPC), isto é, que o recorrente lance mão do meio processual adequado e se mostrem verificados os respetivos pressupostos processuais e substantivos (alegue e demonstre que o direito de crédito integra o património comum do casal a fim de comprovar a invocada falta de legitimação conjugal).
Na verdade, existindo previsão legal expressa sobre a forma processual como o direito que o recorrente pretende fazer valer por via deste recurso pode efetivamente ser exercido, e encontrando-se tabelada pelo art. 291.º do CPC a acção adequada a fazer exercer em juízo a pretensão de «revogação» da desistência do pedido, por via da respectiva nulidade ou anulabilidade, não pode tal forma de acautelar o exercício desse direito ser alterada, conhecendo-se dessa pretensão em sede de recurso da sentença homologatória (25). É certo que o ato (a se) de desistência pode também estar afetado de vícios próprios e específicos suscetíveis de conduzir à declaração da sua nulidade ou anulação, mas, como decorre dos nºs 1 e 2, do art. 291º, do CPC, para tanto carece a parte interessada/prejudicada de intentar a competente ação destinada à declaração da sua nulidade ou à sua anulação, sem prejuízo da caducidade do direito a esta última (26).

Pelo exposto, uma vez que o meio processual adequado para o recorrente lograr obter a declaração de anulação da desistência do pedido pressupõe a instauração de ação autónoma, o que não se compadece nem se adequa com a interposição de recurso da sentença homologatória da desistência, forçoso será concluir pela improcedência da apelação.
*
As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade do recorrente, atento o seu decaimento (art. 527º do CPC).
*
Síntese conclusiva (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I – A desistência é, pela sua natureza, um ato do autor/exequente, detendo este o poder discricionário de desistir.
II – A desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer, nos termos do art 285º, n.º 1 do CPC, o que, numa ação executiva, implica a extinção da obrigação exequenda.
III - Tendo a exequente legitimidade para formular o requerimento de desistência do pedido de execução, não traduzindo tal desistência a violação de direitos indisponíveis e sendo a exequente, à face do título executivo, a (única) titular do respetivo crédito exequendo, não se vislumbrando qualquer violação do preceituado nos arts. 287.º e 288.º do CPC, nada obstava à declaração da validade, por sentença homologatória, da desistência por aquela apresentada, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 290º do CPC.
IV - Encontrando-se tabelada pelo art. 291.º do CPC a ação adequada a fazer exercer em juízo a pretensão de «revogação» da desistência do pedido, por via da respectiva nulidade ou anulabilidade, carece a parte interessada/prejudicada de intentar a competente ação, o que não se compadece nem se adequa com a interposição de recurso da sentença homologatória da desistência.
*
VI. DECISÃO

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas a cargo do apelante (art. 527º do CPC).
*
Guimarães, 16 de janeiro de 2020

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)



1. Não obstante a desistência da instância depender da aceitação do réu desde que seja requerida depois do oferecimento da contestação (art. 286º, n.º 1 do CPC), não deixa de ser, na sua origem, um ato unilateral do autor (cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, Coimbra Editora, 1946, p. 463), mantendo-se essa característica de unilateralidade ainda que dependa de aceitação do réu (cfr. Ary de Almeida Elias da Costa, Fernando Carlos Ramalho da Silva Costa, João A. Gomes Figueiredo de Sousa, Código de Processo Civil Anotado e Comentado, 3.º vol., Almedina, 1974, p. 615); já J. Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. II, 3ª ed., Lisboa, 2000, p. 69, defende que a desistência da instância só assume a natureza de ato jurídico unilateral quando requerida antes da contestação ou do oferecimento de embargos à execução, isto porque, se requerida depois do oferecimento da contestação ou dos embargos, assume a natureza de negócio jurídico bilateral (cfr., neste último sentido, ver também Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2ª ed., Almedina 2017, p. 619).
2. Cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, Coimbra Editora, 1946, p. 467.
3. Contanto que se não verifique a sua caducidade ou outro qualquer obstáculo processual que, entretanto, se venha a verificar quanto à propositura da ação [cfr. Ac. da RG de 24/05/2007 (relator António Gonçalves), in www.dgsi.pt.].
4. Cfr. Alberto dos Reis, obra citada. p. 477.
5. Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, pp. 205 e 206.
6. Cfr. Alberto dos Reis, obra citada, p. 467.
7. Cfr., António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, p. 332.
8. Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, obra citada, p. 206.
9. Cfr. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, obra citada, p. 621/622. Nas palavras de Alberto dos Reis, é “uma sentença de pura homologação do acto da parte ou das partes. O juiz não conhece do mérito da causa, não se pronuncia sobre a relação substancial em litígio, limita-se a verificar a validade do acto praticado pelo autor, pelo réu ou por ambos os litigantes” (cfr., obra citada, p. 534).
10. Cfr., na doutrina, entre outros, José Lebre de Freitas, A Acção Executiva À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª ed., Gestlegal, pp. 415/ 416, Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Acção Executiva Anotada e Comentada, Almedina, 2015, p. 583, Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2016, Almedina, p. 402 e Rui Pinto, A Acão Executiva, AAFDL, 2018, p. 959; na jurisprudência, Ac. da RE de 30/11/2016 (relatora Albertina Pedroso) e Ac. desta Relação de 26/09/2019 (relator José Flores), disponíveis in www.dgsi.pt..
11. Cfr., obra citada, p. 416.
12. Cfr., Lebre de Freitas, obra citada, p. 95/96.
13. Cfr. Ac. da RE de 30/11/2016 (relatora Albertina Pedroso), in www.dgsi.pt.
14. Cfr., Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª ed, Almedina, 1992, p. 11.
15. Cfr. Ac. da RE de 30/11/2016 (relatora Albertina Pedroso), in www.dgsi.pt..
16. Cfr. Ac. STJ de 7/05/2015 (Relator Manuel Granja da Fonseca), in www.dgsi.pt.
17. Cfr. Marco Carvalho Gonçalves, obra citada, p. 163.
18. Cfr. Anselmo de Castro, A acção executiva singular, comum e especial, 2ª Ed., Coimbra Editora, pp 76 e 77.
19. Cfr. Ac. da RC de 08-11-2001 (Relator Henrique Antunes), in www.dgsi.pt.
20. Cfr. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de Família, vol. I, 3.ª edição, 2003, Coimbra Editora, pp. 549 a 554 e Antunes Varela, Direito de Família, 1º vol. 5ª ed., Livraria Petrony, Lda, 1999, p. 375.
21. Cfr. Rute Teixeira Pedro, Código Civil Anotado, Vol. II, Almedina, Coord. Ana Prata, 2017, p. 558 e Antunes Varela, Direito de Família (…), p. 374.
22. Cfr., neste sentido, Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª ed, Almedina, 1992, p. 635, Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 7ª ed , Almedina, p 36.
23. Cfr., Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, obra citada, p. 584.
24. Cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, 4ª ed., Almedina, p. 590.
25. Cfr., Acs. da RE de 30/11/2016 e de 26/10/2017 (ambos relatados por Albertina Pedroso), in www.dgsi.pt.
26. Cfr., Ac. da RL de 8/02/2018 (relator António Manuel Fernandes dos Santos), in www.dgsi.pt.