Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
245/05.7TAVRL.G1
Relator: ANTÓNIO TEIXEIRA
Descritores: PENA DE PRISÃO
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
CONTRADITÓRIO
CRITÉRIO LEGAL DA REVOGAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - Antes de proceder à revogação da suspensão da execução da pena de prisão, o tribunal deve ouvir pessoal e presencialmente o arguido condenado, nos termos previstos no Artº 495º, nº 2, do C.P.Penal, sob pena de ser cometida uma nulidade insanável, em consonância com o disposto no Artº 119º, al. c), do mesmo diploma legal.

II - Não obstante a regra da obrigatoriedade de audição pessoal e presencial do arguido, neste domínio, nas situações em que não seja possível proceder àquela audição, por razões que sejam imputáveis ao próprio arguido, designadamente porque faltou injustificadamente à diligência marcada, ou porque se ausentou da morada constante do TIR, não sendo conhecida a sua nova morada, e tendo o tribunal, sem êxito, diligenciado no sentido de o mesmo ser encontrado e de essa audição ter lugar, e sendo o defensor do arguido notificado para poder pronunciar-se sobre a eventual revogação da suspensão da execução da pena de prisão, há que considerar assegurado o princípio do contraditório, não enfermando a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, proferida, nesse circunstancialismo, da aludida invalidade processual.

III - A invocação, por via recursória, da violação do disposto no Artº 119º, nº 1, al. c), do C.P.Penal, face às concretas circunstâncias processuais evidenciadas nos autos, não deixa de consubstanciar um verdadeiro venire contra factum proprium por banda do arguido, extravasando a sua atitude clara e flagrantemente os limites da boa-fé.

IV - De acordo com o disposto no Artº 56º, nº 1, alínea a), do Código Penal, o tribunal revoga a suspensão da execução da pena de prisão sempre que o condenado “infringir grosseira e repetidamente os deveres e as regras de conduta impostas ou o plano de reinserção social”.

V - Enquadra-se nessa situação o arguido condenado que, tendo-se ausentado da morada constante do TIR, sem fornecer qualquer outra, como era seu dever, não respondeu ao longo de vários anos às convocatórias dos técnicos de reinserção social, nem às notificações do Tribunal, inviabilizou a elaboração do plano de reinserção social, instrumento essencial e decisivo para acompanhar o cumprimento da pena de substituição.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

1. No âmbito do Processo Comum Colectivo nº 245/05.7TAVRL, do Juízo Central Criminal de Vila Real, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, o Mmº Juiz a quo proferiu nos autos, em 09/10/2017, o despacho que consta de fls. 2359/2373, que ora se transcreve (1):

“Entendo que o contraditório imposto por lei de audição da arguido se mostra observado; o tribunal já procedeu a todas as diligências tendentes a averiguar das razões ou motivos que conduziram o condenado a não colaborar na elaboração do PRS, nomeadamente notificando o Defensor da promoção que antecede, já que a comparência do arguido em juízo se mostra inviável; após a sua condenação nestes autos o arguido ausentou-se para parte incerta, não tendo comunicado ao Tribunal a sua morada com o que também inviabilizou o cumprimento integral da pena em que foi condenado ao inviabilizar a realização do plano de reinserção social associado à pena de prisão suspensa na sua execução em que foi condenado.

Nesta exacta medida, dispensa-se a notificação pessoal do arguido da douta promoção do M.P. de fls. 2348, como se tinha determinado a fls. 2354 porquanto tal notificação é absolutamente inviável face a tudo o que os autos ilustram esgotadas que foram todas as diligências para localizar o paradeiro do arguido.

Por acórdão do Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Vila Real, datado de 14.07.2010 e transitado a 13.04.2011 foi o arguido A. M. condenado, entre o mais, pela prática em autoria material e em concurso real de um crime de burla, p.º e p.º pelo art.º 217.º, n.º1 e 218.º, n.º2, al. a), do C. Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; pela prática de um crime de falsificação de documento, p.º e p.º pelo art.º 256.º, n.º1, al. b) e 3, do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico, considerando os factos e a personalidade do arguido, foi o arguido condenado na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Tal pena de prisão, foi suspensa na sua execução por igual período de tempo, mediante a sujeição do arguido a acompanhamento social pelo IRS, conforme art.º 53.º do C. Penal.

Inconformado com tal Acórdão do Tribunal Colectivo, interpôs o arguido o recurso que se mostra de fls. 1392 a 1507, em fax, em original de fls. 1508 a 1564, sobre o qual foi proferido o Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 2 de Março de 2011, e que se mostra de fls. 1600 a 1646, o qual negou provimento ao recurso interposto pelo arguido e confirmou o acórdão recorrido, mais condenando o arguido nas custas.

Por oficio de fls. 1671 endereçado à DGRS Equipa do Porto solicitou-se a elaboração de Plano de Reinserção Social, nos termos e para os efeitos do artº 53º do C. Penal, respeitante ao arguido, entre o mais fazendo-se constar do ofício – modelo padrão – todos os elementos necessários à sua elaboração.

A fls. 1673 e datado de 24/10/2011 a DGRS, Equipa do Porto, informou o seguinte: “na sequência do vosso pedido, informamos que não foi possível elaborar o plano de reinserção social sobre o arguido supra. A fim de o contactarmos, em 21/09/2011, foi enviada uma carta-convocatória, via correio azul, para a morada constante dos autos, na qual solicitávamos a sua presença nas instalações desta equipa da DGRS no dia 18/09/2011. No dia agendado, o arguido não compareceu à entrevista. Face à não comparência, nesse mesmo dia enviamos segunda carta convocatória, registada e com aviso de recepção, na qual solicitávamos a sua presença nas instalações desta equipa da DGRS no dia 10/Outubro/2011. No dia 07/ de Outubro/2011, a carta foi devolvida a esta equipa com a indicação de “mudou-se”. Na deslocação efectuada posteriormente á morada indicada, constatámos que este local se encontra actualmente ermo e desprovido dos contentores, onde funcionava o escritório da empresa do arguido, sendo que o arguido não tem sido visto na freguesia da ... e desconhecido o actual paradeiro do mesmo. Perante o exposto, não obstante as diligências encetadas, não nos é possível elaborar o Plano de Reinserção Social, pelo que queira V.ª Ex.ª determinar o que tiver por conveniente.
(..).
Notificado o então ilustre mandatário do arguido para informar do paradeiro do seu constituinte, e após resposta deste de fls. 1677, este veio informar “que apenas dispõe da morada indicada nos autos bem como o contacto telefónico que indicou a fls. 1678.
A fls. 1682 esclareceu-se o fundamento do pedido anteriormente ao então ilustre causídico e consignou-se de forma expressa que o arguido ao mudar de morada sem indicar nos autos o novo paradeiro estava a violar o Termo de Identidade prestado, despacho este que notificado, entre o mais ao então defensor, não mereceu qualquer recurso, transitando, como tal em julgado.
Tentado o contacto telefónico para o número de telemóvel anteriormente fornecido pelo então defensor do arguido a fls. 1685 exarou a Secção que “durante todo o dia se tentou contactar o arguido para o telemóvel nº 9..., conforme ordenado, mas tal não foi possível, uma vez que o mesmo encontra-se desligado”.
Com vista o M.P. em 7/12/2011, que se mostra a fls. 1686, nos termos e com os fundamentos aí exarados, promoveu a imediata revogação da suspensão da pena aplicada.
Em 16/12/2011, pelo despacho de fls. 1687, ordenou-se a notificação do arguido e seu defensor para, em 10 dias, se pronunciarem, remetendo-se para tanto cópia da promoção, da informação do IRS de fls. 1673, supra transcrita, da cota de fls. 1685 e do referido despacho.
A fls. 1688 e com data de 19/12/2011, consignou a Secção que o arguido prestou TIR no mês passado no Proc. C. Singular 48/08.7IDVRL, indicando nova morada para futuras notificações.
A fls. 1691 e com data de 22/12/2011 veio a DGRS informar que “o arguido contactou estes serviços, tendo informado que se encontra a residir na Rua ..., Póvoa do Varzim. Assim, de forma a respondermos a v. solicitação, foi agendada entrevista com o mesmo para o próximo dia 05.01.2012.”
O então Defensor do arguido em requerimento datado de 8/12/2011, que se mostra a fls. 1692 veio informar nos autos que “conseguiu contactar o arguido através do contacto telefónico 911 776 347, tendo o informado dos despachos que antecedem e das diligências realizadas por este Tribunal”.
A fls. 1695 e com data de 11/01/2012 foi o arguido pessoalmente notificado de todo o conteúdo do ofício do IRS, advertindo-se o mesmo para comparecer o mais urgente possível naquela instituição. O mesmo confirmou que reside de facto na morada de fls. 1694, com o nº 292.
A fls. 1698 e com data de 19/01/2012 foi o arguido pessoalmente notificado da promoção e despacho de fls. 1686 e 1687.
A fls. 1699 e com data de 9/02/2012, o DGRS apresentou “Plano de Reinserção Social” que se mostra de fls. 1699 a 1701.
Com vista a 13/02/2012 o M.P. renovou a promoção de fls. 1686, qual seja a imediata revogação da suspensão da pena de prisão de 4 anos e 6 meses, aplicada pelo Tribunal Colectivo do Porto e confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto.
Sobre tal promoção recaiu o despacho de fls. 1703, datado de 20/02/2012, determinando a audição pessoal do arguido, a qual se mostra efectuada, com observância do legal formalismo, como do respectivo “auto de declarações de arguido” que se mostra a fls. 1709, com data de 28/03/2012, no qual o arguido declarou que: “confirma que há contradições nas moradas; que até Janeiro deste ano vivia no Edifício ..., com um erro no que respeita ao número de porta, mudou-se para a actual morada, que no início desta diligência informou ao Tribunal, por razões de procurar casa com valor de renda mais baixo. Trabalha na comercialização de compra e venda de material pesado, diversos materiais. Vive com a actual companheira, sendo que convive com os seus filhos duas a três vezes por semana. Com excepção do filho mais novo que vive com a mãe e cujo direito de visitas não está a concretizar por incompatibilidade pessoal com a mãe do filho. Indicou como local de trabalho, rua …, Amarante.”
Foi prestado novo TIR a fls. 1711.
Com vista o M.P. renovou a promoção de fls. 1686 – promoção de fls. 1712 e com data de 10/04/2012.
Sobre tal promoção recaiu o despacho datado de 23/04/2012, de fls. 1713, em que se determinou, uma vez mais, o legal contraditório.
A fls. 1717 e com data de 10/05/2012 veio o então Defensor do arguido expor, entre o mais, que “há intenção e disponibilidade em cooperar para a elaboração do plano de reinserção social”, mais afirmando a sua anterior colaboração, entendendo estarem reunidas condições para a ressocialização do arguido com recurso à suspensão da pena, reiterando as declarações do arguido antes citadas e prestadas em 28/03/2012.
A fls. 1719 e ss., por fax entrado em 10/05/2012, sendo o original de fls. 1722, veio o arguido pessoalmente expor em escrito por si assinado nos termos que aí constam, o que mereceu o despacho de fls. 1725, datado de 17/05/2012, afirmando em suma que colaborou na elaboração do plano elaborado pelo IRS.
Com nova vista datada de 20/06/2012, o M.P. manteve integralmente a promoção anterior, mais exarando que só se fará justiça se o arguido, que mais não faz do que brincar com a Justiça, possa, passar a ter a oportunidade de lavrar os seus doutíssimos requerimentos, no recato e sob a guarda do poder do ESTADO, em cumprimento de prisão efectiva. A sociedade agradece”.
Conclusos que nos foram os autos em 26/06/2012, a fls. 1728 e ss. foi proferido o despacho de fls. 1728 e ss., datado de 27/06/2012, que regularmente notificado não mereceu qualquer recurso e por isso transitado em julgado, no qual se exarou o seguinte:
Mostra-se pendente a apreciação e decisão da promoção do M.P. de fls. 1686 no sentido da imediata revogação da suspensão da pena de prisão em que o arguido foi condenado por não cumprimento da condição de regime de prova.
Já foram cumpridos os legais contraditórios, tendo o arguido sido ouvido pessoalmente como consta do auto de declarações de fls. 1709, sendo que quer o arguido pessoalmente, quer o seu defensor de igual modo já se pronunciaram por escrito quanto à eventual revogação.
Embora o arguido tenha obstado de forma voluntária à impossibilidade de contactos do tribunal e principalmente da DGRS para se proceder à elaboração do plano de reinserção social, no âmbito da pena de prisão suspensa na sua execução, com regime de prova, como objectivamente ilustram os autos a fls. 1667 a 1673 (sendo este ofício da DGRS que afirma de forma clara ser impossível elaborar o plano de reinserção social) certo é que supervenientemente se logrou obter o contacto do arguido e até elaborar o referido plano que se mostra a fls. 1699 a 1702.
Ora, a lei estabelece consequências para a falta de cumprimento das condições da suspensão no art.º 55º do C. Penal, sendo que o art.º 56º expressamente refere as condições em que se deve revogar a suspensão.
Ora, pese embora a promoção do M.P. de fls. 1686 seja omissa quanto ao fundamento legal para se avançar de imediato para a revogação da suspensão, a mesma só pode ter como fundamento o disposto no artº 56º, nº 1, al. a), do C. Penal que refere que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social.
Ora, no caso o que ocorreu objectivamente foi a falta de colaboração do arguido para a elaboração do plano de reinserção social, sendo que na prática se assim continuasse a impossibilidade tal se traduziria em "infracção do plano" porque impedindo o arguido a elaboração de tal plano na prática não quer tão pouco ser submetido a tal plano e nessa medida demonstra de forma clara que não quer cumprir integralmente a pena.
Querendo ficar apenas "sujeito" à suspensão da execução da pena de prisão, sem qualquer monitorização, para assim sentir na pele aquilo que na prática é uma "não pena" - sim porque infelizmente é isso que os arguidos na maioria dos casos entendem - não são privados da liberdade, não ficam privados de qualquer quantia monetária, como no caso da multa, não prestam qualquer trabalho a favor da comunidade...
No caso, a pena de 4 meses e 6 meses de prisão - objectivamente grave - está suspensa por igual período COM A SUJEIÇÃO DO ARGUIDO A ACOMPANHAMENTO PELO IRS, NOS TERMOS DO ARTº 53º - OU SEJA SUSPENSÃO COM REGIME DE PROVA.
E esta sentença foi integralmente confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto e o arguido bem sabe - pelo passado criminal que resulta do seu CRC - que aquilo que os tribunais decidem é para ser cumprido e como tal bem sabe que o Estado não confia que apenas a suspensão da execução da pena garanta a eficácia da pena, mas será necessário o seu acompanhamento pelo IRS para o monitorizar em termos comunitários e verificar que o mesmo actua em conformidade com o direito e não prossegue com a sua actividade criminosa.
Se assim é, não menos verdade é que face à existência do plano de reinserção social nos autos, actualmente a eficácia integral da pena está garantida, e o Estado logrou repor a legalidade, sendo que revogação neste momento (que não quando é proferida pela 1ª vez a promoção de revogação da suspensão da pena de prisão) revela-se desadequada devendo ser reservada para um momento posterior à primeira violação que o arguido apresentar ao plano de reinserção social.
Outras soluções legais se perfilam para evitar a revogação imediata da suspensão e levar a que o arguido cumpra os 4 anos e 6 meses de prisão.
No caso, entendemos que a alínea c) do artº 55º do C. Penal nos dá uma resposta mais adequada, proporcional e actual.

Assim sendo, e com base em tudo o exposto decide-se:

a) Indeferir à promoção do M.P. de revogação da suspensão da pena de prisão em que o arguido foi condenado (promoção de fls. 1686, renovada a fls. 1712 e 1727).
b) Determina-se que se oficie de imediato à DGRS que elabore novo plano de reinserção social que introduza exigências acrescidas ao arguido (como legalmente admissível pelo art.º 55º, al. c) segunda parte, do C. Penal), com reforço dos "objectivos", "acções" e "calendarização" que já se constam do plano que se mostra a fls. 1699, datado de 09/02/2012, mais se determinando que sejam remetidos relatórios de avaliação com periodicidade trimestral (e não semestral como no final do relatório se indica), pois só assim poderá o tribunal melhor monitorizar de forma efectiva se o acompanhamento do IRS na prática se está a verificar, se a reinserção social do arguido está efectivamente a ocorrer, ou não passa de meras intenções do arguido permanente dita por palavras, mas não praticada de forma efectiva, e se o arguido cumpre pontualmente com o referido plano.
Notifique.
Após trânsito, cumpra-se o ora decidido no ponto b) supra.
Vila Real, 27 de Junho de 2012.”

Com data de 25 de Outubro de 2012, a DGRS remete a informação que se mostra a fls. 1740 que diz o seguinte:

Na sequência do solicitado somos a informar que o arguido não obstante as diligências para o contactar, quer por carta/convocatória, quer pelo telefone e através do seu defensor, não compareceu às entrevistas.
A. M. é acompanhado por estes serviços da DGRS, no âmbito do processo nº 970/08.GAVCD, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Póvoa do Varzim, tendo comparecido à entrevista agendada no dia 22/ Agosto, a qual foi abreviada pelo facto de o mesmo à altura referenciar estar a vivenciar problemas de saúde graves. Foi no entanto agendada nova entrevista para o dia 26 de Setembro, à qual não compareceu.
Tendo em conta a sua ausência e o pedido do tribunal para a elaboração de novo Plano de reinserção social, nesse mesmo dia foi remetida carta-convocatória para a morada constante dos autos, solicitando a sua presença no p.p. dia 12/Outubro.
No dia 01 de Outubro compareceu nesta equipa o seu defensor, identificado como Dr. M. P., para nos justificar que A. M. não tinha comparecido à entrevista agendada porque se encontraria ausente da Póvoa de Varzim. Foi no entanto informado que estava convocado para o dia 12/Outubro.
No dia 12/Outubro fomos contactados telefonicamente pelo seu defensor que justificou a ausência do arguido por motivos de saúde. Acordamos, no entanto nova data para entrevista, dia 19/Outubro, à qual o arguido não compareceu nem justificou a sua ausência.
No dia 22 de Outubro, efectuamos visita domiciliária mas não encontramos ninguém em casa. Face ao exposto, perante a falta de colaboração do arguido não nos é possível elaborar o plano solicitado, pelo que queira V.ª Ex.ª determinar o que tiver por conveniente.
(…).

Com vista aberta em 29/10/2012, promoveu o M.P. o que se mostra a fls. 1742, entendendo ser de revogar de imediato a suspensão da pena de prisão suspensa na sua execução, nos termos do art.º 56.º, n.º1, al. c), do C. Penal, porquanto o comportamento do arguido será violação grosseira premeditada e intencional das condições da suspensão da pena.
Após revogação do mandato ao anterior mandatário, sob a pena de novo Defensor e após despacho nesse sentido, uma vez mais, cumprindo-se deste modo o legal contraditório, veio o arguido, além do mais, e como se disse supra para a apreciação do incidente que se mostra pendente, expor nos termos que constam de fls. 1751.
Por despacho de 20 de Dezembro de 2012, de fls. 1763 e ss. e com base nos referidos factos revogou-se a pena suspensa ao arguido, sendo que tal despacho foi revogado pelo Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães.
Cumprido o ordenado neste acórdão, a situação mantém-se na mesma e o M.P. na promoção que antecede, elencando de forma exaustiva o realizado nos autos promove novamente a revogação da pena suspensa.
Seguimos de perto a d. promoção pelo correcto enquadramento factual de facto e direito que faz da situação que iremos transcrever em parte.
Não se pode ignorar a conduta do arguido anterior ao primeiro despacho que revogou a pena suspensa, por consolidar o que se passou nos autos e do seu estado actual, mas importa atender ao que se passou posteriormente ao Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães que revogou o despacho desta instância e a partir daqui transcrevemos o essencial da promoção do M.P. que antecede.
De facto, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães que, com os fundamentos ali elencados, concluiu pela declaração de nulidade do despacho de fls. 1763, considerou que a opção tomada pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, violava, naquele circunstancialismo, o artigo 56º do CP, e determinou que o Tribunal a quo ordenasse a elaboração de novo relatório social e que, em caso de não cooperação do arguido, deveriam então ser adoptadas medidas adequadas à sua comparência.
Foi pois imediatamente solicitada a elaboração de novo relatório social.
Ora, novamente o arguido se furtou a comparecer junto da equipa da DGRSP, malgrado todas as diligências encetadas nesse sentido, sendo que até mesmo as sucessivas notificações dirigidas ao seu mandatário se goraram. De ambos, o paradeiro era desconhecido.
Assim decorreu o ano de 2014: em diligências tão aturadas como infrutíferas.
Fundadamente conclui-se como se conclui a fls. 1969: «É manifesto que o arguido voluntariamente têm-se furtado aos contactos quer do Tribunal quer da DGRS – Equipa do Porto a fim de evitar a realização de qualquer plano. Não se sabendo do paradeiro do arguido é óbvio que o Tribunal ou a DGRS não pode elaborar nenhum plano.»
Uma vez que as moradas entretanto - fruto de aturadas e morosas diligências - obtidas eram já as conhecidas nos autos e nestas o arguido não foi localizado, foram emitidos mandados de detenção a serem remetidos à PJ, PSP e GNR a nível nacional para apresentar o arguido em Tribunal a fim de elaborar o plano de acompanhamento com a DGRS. – no dizer do TRG, as «medidas adequadas à sua comparência».
Face ao resultado nulo de tal tentativa, novas e exaustivas diligências tendentes à localização do arguido foram encetadas, sempre com o escopo de dar cumprimento ao ordenado no acórdão do TRP de 08.05.2013 que declarou a nulidade do despacho que determinou a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, mas ainda assim, em finais de 2015, não havia ainda sido possível ordenar e fazer juntar aos autos o plano de reinserção social referente ao arguido, nem, por conseguinte, lograr a sua homologação.
O arguido foi notificado para a morada do TIR via postal simples para se pronunciar sobre o incumprimento dos deveres decorrentes da suspensão da execução da pena, designadamente a inviabilização da elaboração do PRS, nada tendo vindo dizer e tendo a missiva vindo devolvida (fls. 2056 e 2057).
Não se conseguiu jamais a sua notificação pessoal – fls. 2116.
Haviam decorrido mais de dois anos desde a prolação do acórdão do TRG sem que o entendimento ali plasmado houvesse frutificado: sem que se lograsse conseguir localizar o arguido, sem que este colaborasse e sem que se viabilizasse a elaboração do PRS e sua homologação.
Mostrando-se já decorrido o período de suspensão da execução da pena única de prisão fixada ao arguido A. M. por acórdão transitado em julgado em 13.04.2011 (período de 13.04.2011 a 13.10.2015) foram ainda ordenadas as seguintes diligências:

- junção da certificado de registo criminal do(a)(s) arguido(a)(s);
- consulta aos processos pendentes e/ou instaurados no período de suspensão da execução da pena, junto de cada um dos juízos deste Tribunal e dos serviços do Ministério Público, que correspondem, territorialmente, à área de residência do arguido, por forma a aferir se o arguido praticou (nesse período) factos criminalmente relevantes e que possam determinar a revogação da suspensão;
- consulta da base de dados da DGSP juntando-se aos autos o respectivo print;
- notificação do arguido para a morada do TIR e via postal simples com prova de depósito para esclarecer e comprovar as razões da falta de colaboração com a DGRSP e o Tribunal ao longo de todo o período de suspensão da execução da pena de prisão, o que inviabilizou mesmo a mera elaboração do plano de reinserção social
- indagação junto da PSP, GNR e PJ sobre se durante o referido período (e por factos corridos nesse período) houve inquéritos instaurados contra o arguido e qual a sua concreta identificação.

Tendo-se apurado que havia sido no processo 48/08.7IDVRL do JL criminal designada a data de 10.05.17 para audição do também ali arguido A. M., foi nos presentes designada a mesma data para que o arguido aqui fosse ouvido - e para que exercesse o contraditório relativamente a todos os elementos obtidos (incluindo o certificado de registo criminal).
A sua convocação foi efectuada por via postal simples com prova de depósito para a morada do TIR e ainda na pessoa do ilustre defensor, mas o arguido não compareceu a nenhuma das diligências agendadas: nem a que a havia sido presentes, nem a que havia sido designada no âmbito dos referidos autos 48/08.7IDVRL do JL criminal.
Numa derradeira tentativa de localizar o condenado e proceder à sua audição, solicitou-se ao OPC competente que averiguasse se o condenado residia ou não nas moradas de fls. 2310 (incluindo no clube de futebol ali referido) e, com o mesmo propósito, determinou-se ainda a consulta das bases de dados disponíveis.
Sem sucesso.
Obstou o arguido de forma voluntária à efectivação dos contactos intentados pelo Tribunal e principalmente pela DGRSP para se proceder à elaboração do plano de reinserção social no âmbito da pena de prisão suspensa na sua execução mas subordinada a regime de prova?
Perguntar é responder, já que os autos objectivamente o ilustram.
Ora, a lei estabelece consequências para a falta de cumprimento das condições da suspensão no artº 55º do C. Penal, sendo que o artº 56º expressamente refere as condições em que se deve revogar a suspensão, entre as quais assume aqui relevo a previsão ínsita na al. a) do n.º 1 daquele preceito, que refere que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social.
É bom de ver que, in casu, o que ocorreu objectivamente foi a – deliberada e reiterada - falta de colaboração do arguido para a elaboração do plano de reinserção social, o que se traduziu (como claramente intencionado pelo arguido) na impossibilidade da sua elaboração e, logo, na inviabilidade da sua aplicação (ou, na perspectiva do condenado, no afastamento de qualquer possibilidade da sua “submissão" a tal plano).
Note-se que o arguido - que foi condenado e o sabe - está ainda ciente, porque notificado pessoalmente, e também na pessoa dos seus defensores, que da primeira vez que foi confrontado com o incidente de revogação da suspensão, o Tribunal, não revogando a suspensão, antes estabeleceu, em despacho judicial transitado em julgado, a obrigatoriedade de ser elaborado novo PRS que introduzisse exigências acrescidas.
O arguido conformou-se com esta decisão e sabia pois que lhe competia cumprir integralmente o ali determinado, nomeadamente que se lhe impunha acatar o que a DGRS lhe exigisse para a elaboração do novo PRS .
Sublinhe-se que só assim se cumpriria o decidido pelo Tribunal da Relação do Porto no acórdão ali prolatado e que confirmou o acórdão do Tribunal Colectivo da 1ª Instância.
Mas o arguido, com a sua postura relapsa, quis com que na prática vingasse, isso sim, o seu entendimento pessoal sobre se a (des)necessidade da sua colaboração na elaboração de um novo plano.
O que demonstra tal postura do arguido? Tão só e desde logo que não quer cumprir a pena.
Com efeito, o arguido já demonstrou cabalmente e á saciedade que o seu intuito é o de permanecer apenas "sujeito" à suspensão da execução da pena de prisão, sem qualquer monitorização. E o objectivo não é outro que não o de transformar na prática a pena em que foi condenado numa… "não pena" .
É que o regime de prova tem um sentido marcadamente educativo e correctivo que distingue da simples suspensão da execução da pena: implica, por um lado, a verificação a existência de um plano de readaptação social e, por outro, a submissão do delinquente à especial vigilância e controlo da assistência social especializada, no sentido de desenvolver o seu sentido de responsabilidade.
Ora, é isso que o arguido visa: anular na prática qualquer efeito da pena que lhe foi aplicada. Desresponsabilizar-se.
Mesmo já sem aquilatar das consequências eventualmente a extrair do facto de o arguido poder ter efectivamente praticado infracções criminais em pleno período de suspensão da execução da pena (que decorreu de 13.04.2011 a 13.10.2015) – cfr. processos nº 1196/15.2T9PVZ e 1543/11.6PBMTS (fls. 2182) por factos integrantes dos crimes de burla e de furto – temos que o acima descrito (e, por demais, espelhado nos autos) comportamento do arguido traduz pois uma clara e violação grosseira, premeditada e intencional, das condições da suspensão da pena, postura que demonstra que aquele não interiorizou, como suposto, a gravidade da conduta que lhe foi formalmente censurada nem a gravidade da pena que, em consequência, nestes autos lhe foi aplicada.
Estes os fundamentos da promoção que subscrevemos e daí a sua transcrição. De igual modo se concorda com a conclusão lógica de tais fundamentos.

Mas a tais fundamentos ainda acrescentamos o seguinte.

De facto, considerando tudo o exposto, temos como seguro e inabalável o seguinte: o arguido ausentou-se para parte incerta, não comunicou ao Tribunal a sua morada, nem do advogado constituído nos autos se logrou o seu paradeiro, e daí a necessidade de nomear um Defensor Oficioso, e o actual Defensor nunca foi contactado pelo arguido, ou seja tal como no início, também agora, o arguido inviabilizou a elaboração do PRS e de forma clara disse não estar disponível para cumprir a pena, nomeadamente o regime de prova, e agora cremos de forma mais desrespeitosa para a Justiça, nomeadamente por se ter aproveitado de uma decisão de um Tribunal Superior que lhe foi favorável, a do Acórdão do Tribunal de Guimarães que revogou o despacho que lhe revogou a pena suspensa, apenas com um objectivo ganhar tempo e fazer mais do mesmo, isto é inviabilizar por todos os meios, a elaboração do plano de reinserção social. Uma demonstração inequívoca de um mau uso da Justiça, apenas com fins meramente dilatórios.

Sublinhe-se o Tribunal que condenou o arguido na pena de prisão suspensa com regime de prova, confirmada pelo Tribunal Superior, não se bastou com a suspensão da execução da pena, entendeu ser necessário monitorizar o comportamento do arguido no período da suspensão (e agora cremos muito bem como o comportamento relapso do arguido demonstra), mormente exigindo-lhe o cumprimento de determinados objectivos que legalmente em termos automático se associam ao regime de prova conforme resulta do artº 54º do C. Penal que regula o plano de reinserção social; e o seu cumprimento foi considerado indispensável pelo Tribunal para a aplicação da pena suspensa, sendo certo que só assim se pode processualmente saber se as finalidades da pena se alcançaram ou caso contrário pela violação do plano ocorrerá alguma das consequências legais a que alude o art.º 55 do C. Penal ou 56º, nº 1, al. a), do C. Penal.

Mas se o arguido logo de início não colabora com a elaboração do referido Plano de Reinserção Social além do desrespeito que faz à condenação que lhe impôs tal regime de prova, demonstra à saciedade que não está interessado em ser monitorizado por técnicos sociais, não está disposto a cumprir quaisquer objectivos ou regras de conduta, o que é mais gravoso do que aquele arguido que disponibilizando-se a colaborar na elaboração do plano de reinserção social associado ao regime de prova acaba por qualquer razão por o incumprir arriscando em última instância como se disse qualquer uma das consequências do artº 55º ou mesmo a revogação da pena suspensa por infracção do plano de reinserção social nos termos previstos no artº 56º, nº 1, al. a), do C. Penal.

Não revogar a pena suspensa ao arguido que assim actua – que não permite sequer a elaboração do PRS - seria o benefício ao infractor, isto é premiar o infractor mais gravoso, em violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado no art.º 13º da Constituição da República Portuguesa. Além de que seria um “convite” a todos os condenados sujeitos a regime de prova a não colaborarem na realização do Plano de Reinserção Social, pois que assim nunca iriam incumpri-lo e nessa medida sujeitar a eventuais consequências legais do art.º 55.º e 56.º, n.º1, al., do C. Penal.

Assim sendo, é de linear justiça que se deferira à promoção do M. P. e se determine a revogação da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada nos presentes autos.

Como se escreveu no acórdão do TR de Coimbra de 14.09.2016, disponível em www.dgsi.pt:

I - Quando a suspensão da execução da pena foi acompanhada de regime de prova e este dependia do cumprimento do plano, para cuja elaboração era indispensável a comparência do arguido nos serviços;
II - Quando o arguido nunca se deslocou voluntariamente aos serviços de reinserção social e estes serviços, quando tentaram contactá-lo, não o conseguiram localizar porque ele mudou de residência sem dar conhecimento da alteração ao tribunal;
III - Dessa forma impossibilitou a realização do plano e, a conclusão única é que infringiu os deveres impostos na condenação.
IV - O art. 495º, nº 2, do C.P.P., determina que o condenado seja ouvido quando esteja em causa o incumprimento dos deveres, regras de conduta ou outras obrigações. Mas sob pena de paralisação do processo, esta audição só é indispensável quando o condenado seja encontrado.
V - Face a inúmeras situações em que os condenados se ausentaram para parte incerta, firmou- se jurisprudência no sentido de que a audição presencial do condenado era dispensável quando, não obstante as várias tentativas, o tribunal não conseguisse localizar o condenado.

Por tudo exposto, ao abrigo do artigo 56º, nº1, alínea a), do Código Penal, declaro revogada a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido A. M. e consequentemente determino o cumprimento efectivo pelo arguido da pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão em que foi condenado.
*
Notifique.
Após trânsito, comunique à DGRS e ao registo criminal, bem como deverão ser emitidos os competentes mandados de detenção para condução do arguido para o cumprimento da referida pena.”
*
2. Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido A. M. interpor o presente recurso, que consta de fls. 2569/2574, cuja motivação é rematada pelas seguintes conclusões e petitório (transcrição):

“I. O arguido deve ser sempre ouvido pessoal e presencialmente, nos termos do artgº. 495º, nº 2 do CPPenal com vista à revogação da suspensão da pena, seja qual for o motivo em apreciação.
II. Para cuja audiência tem que ser sempre notificado,
III. Não bastando, para cumprir o contraditório, ser o arguido notificado, na pessoa do defensor oficioso, da promoção do Mº Pº que entende ser de revogar a suspensão da execução da pena.
IV. A falta de audiência constitui nulidade insanável como constitui nulidade insanável a sua não notificação para a respectiva audição – artgº. 119º., al. c) do CPPenal.
V. O arguido recorrente tinha TIR prestado nos autos,
VI. Não foi notificado pessoalmente da promoção de fls. 2348 do Mº. Pº. que pugna pela revogação da suspensão da execução da pena.
VII. Notificação que foi, aliás, dispensada sob o pretexto de ser inviável.
VIII. Mas que, mesmo que fosse impossível concretizar pessoalmente sempre deveria ter sido levada a cabo via CTT para a morada do TIR,

Acresce que,

IX. O arguido não foi notificado, sob qualquer forma ou modalidade, para a respectiva audição pessoal e presencial, que nem sequer foi agendada, a fim de conferir ao tribunal elementos para avaliar se as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena não foram alcançadas no caso concreto, uma vez que a revogação não é automática.

Pelo que,

X. O tribunal “a quo” não cumpriu o dever de audição pessoal e presencial do arguido, prévia ao despacho de revogação da suspensão da pena de prisão fixada no acórdão, nos termos do disposto no artgº. 56º, nº 2 do Código Penal, audição que é exigida pelo artgº 495º, nº 2 do CPPenal por estar em causa uma decisão que pessoalmente o afecta, nomeadamente o seu direito à liberdade.
XI. Tal omissão da audição do recorrente prévia à decisão de revogação da suspensão, integra a nulidade de insanável cominada na al. c) do artgº 119º do CPPenal que tem, como consequência, nos termos previstos no artgº 122º, nº 1 do CPpenal ser insanavelmente nulo o despacho recorrido, proferido ao abrigo dos artgºs 495º, nº 2 do CPPenal e 56º do CPenal.

Termos em que concedendo provimento ao presente recurso será feita
SÃ JUSTIÇA”
*
3. Na 1ª instância a Exma. Procuradora da República respondeu ao recurso, nos termos constantes de fls. 2604/2617, pugnando pela sua improcedência e pela consequente manutenção do despacho recorrido.
*
4. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, também, pela improcedência do recurso, acompanhando a resposta que o Mº Público apresentou na 1ª instância, e adiantando doutas e pertinentes considerações sobre o assunto (cfr. fls. 2622/2625).
4.1. Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C.P.Penal (2), veio o arguido declarar “manter todas as razões e argumentos deduzidos nas respectivas alegações de recurso”.
*
5. Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

É hoje pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal (3).

Assim sendo, no caso vertente, as questões que o recorrente coloca a este tribunal, e que importa decidir, são as seguintes:

- Saber se o despacho recorrido é nulo, nos termos do Artº 119º, al. c), em virtude de ter sido proferido sem a prévia audição do arguido; e implicitamente
- Saber se se verificam os pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, ora recorrente.

Porém, antes de mais, para a uma correcta apreciação do recurso, há que atentar nas principais incidências processuais que os autos revelam:

a) Por acórdão de 14/07/2010, constante de fls. 1353/1384, foi o arguido A. M., ora recorrente, condenado pela prática, em autoria material, e em concurso real, de um crime de burla, p. e p. pelos Artºs. 217º, nº 1 e 218º, nº 2, al. a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, e de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo Artº 256º, nºs. 1, al. b) e 3, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução se suspendeu por igual período de tempo, mediante a sujeição do arguido a acompanhamento social pelo IRS, conforme Artº 53º do Código Penal;
b) Inconformado com tal acórdão do tribunal colectivo, interpôs o arguido o pertinente recurso para o Tribunal da Relação do Porto, recurso esse que foi julgado improcedente pelo acórdão 02/03/2011, constante de fls. 1600/1646;
c) Em 13/04/2011 ocorreu o trânsito em julgado do acórdão condenatório em causa (cfr. fls. 1654);
d) Pelo ofício de 14/09/2011, foi solicitada à DGRS, Equipa Porto Penal 5, a elaboração de Plano de Reinserção Social do arguido, ora recorrente, nos termos e para os efeitos do Artº 53º do Código Penal (cfr. fls. 1671);
e) Porém, pelo ofício de 24/10/2011, constante de fls. 1673, aquela entidade informou os autos do seguinte:

Na sequência do vosso pedido, informamos que não foi possível elaborar o plano de reinserção social sobre o arguido supra. A fim de o contactarmos, em 21/09/2011, foi enviada uma carta-convocatória, via correio azul, para a morada constante dos autos, na qual solicitávamos a sua presença nas instalações desta equipa da DGRS no dia 18/09/2011. No dia agendado, o arguido não compareceu à entrevista. Face à não comparência, nesse mesmo dia enviamos segunda carta convocatória, registada e com aviso de recepção, na qual solicitávamos a sua presença nas instalações desta equipa da DGRS no dia 10/Outubro/2011. No dia 07/ de Outubro/2011, a carta foi devolvida a esta equipa com a indicação de “mudou-se”. Na deslocação efectuada posteriormente à morada indicada, constatámos que este local se encontra actualmente ermo e desprovido dos contentores, onde funcionava o escritório da empresa do arguido, sendo que o arguido não tem sido visto na freguesia da ... e desconhecido o actual paradeiro do mesmo. Perante o exposto, não obstante as diligências encetadas, não nos é possível elaborar o Plano de Reinserção Social, pelo que queira V.ª Ex.ª determinar o que tiver por conveniente. (...)”;
f) Notificado o então mandatário do arguido para informar do paradeiro do seu constituinte (cfr. fls. 1674/1676), veio este responder a fls. 1679/1680, dizendo, no que ora interessa considerar, “que apenas dispõem da morada indicada nos autos bem como o seguinte contacto telefónico: 9...”;
g) Pelo despacho de 23/11/2011, exarado a fls. 1682/1683, o tribunal a quo esclareceu o fundamento do pedido anteriormente feito ao então mandatário do arguido, consignando de forma expressa que aquele, ao mudar de morada sem indicar nos autos o novo paradeiro, estava a violar o Termo de Identidade prestado, despacho este que notificado, entre o mais ao então mandatário, não mereceu qualquer recurso, transitando, como tal em julgado;
h) Tentado o contacto telefónico para o número de telemóvel anteriormente fornecido pelo então mandatário do arguido, a fls. 1685 exarou a Secção que “durante todo o dia se tentou contactar o arguido para o telemóvel nº 9..., conforme ordenado, mas tal não foi possível, uma vez que o mesmo encontra-se desligado”;
i) Em 07/12/2011 o Ministério Público promoveu a imediata revogação da suspensão da pena aplicada (cfr. fls. 1686);
j) Pelo despacho de 16/12/2011, exarado a fls. 1687, foi ordenada a notificação do arguido e do seu defensor para, em 10 dias, se pronunciarem acerca da promovida revogação da suspensão da execução da pena, remetendo-se para tanto cópia da promoção, da informação da DGRSP de fls. 1673, supra transcrita, da cota de fls. 1685, e do referido despacho;
k) A fls. 1688, e com data de 19/12/2011, consignou a Secção que o arguido prestou TIR no mês passado no Proc. C. Singular 48/08.7IDVRL, indicando nova morada para futuras notificações;
l) A fls. 1691, e com data de 22/12/2011, veio a DGRS informar que “o arguido contactou estes serviços, tendo informado que se encontra a residir na Rua …, Póvoa do Varzim. Assim, de forma a respondermos a v. solicitação, foi agendada entrevista com o mesmo para o próximo dia 05.01.2012.”;
m) Também o então mandatário do arguido, por requerimento datado de 28/12/2011, constante de fls. 1692, veio informar que “conseguiu contactar o arguido através do contacto telefónico 9..., tendo-o informado dos despachos que antecedem e das diligências realizadas por este Tribunal”;
n) Em 11/01/2012, a fls. 1695, foi o arguido pessoalmente notificado de todo o conteúdo do ofício da DGRSP, tendo o mesmo sido advertido para comparecer o mais urgente possível naquela instituição. O mesmo confirmou que reside de facto na morada de fls. 1694, ou seja, na Avenida …, Edifício …, nº …, fracção …, Póvoa de Varzim;
o) Em 19/01/2012, a fls. 1698, foi o arguido pessoalmente notificado da promoção e despacho de fls. 1686 e 1687, supra aludidos em i) e j), respectivamente;
p) Em 09/02/2012, a DGRS apresentou o “Plano de Reinserção Social” do arguido, constante de fls. 1699/1701, solicitando ao tribunal a respectiva homologação;
q) Em 13/02/2012 foi dada vista ao Ministério Público, tendo a Digna Magistrada renovado a sua promoção de fls. 1686, supra aludida em i), no sentido da “imediata revogação da suspensão da pena aplicada” ao arguido;
r) Sobre tal promoção recaiu o despacho de fls. 1703, datado de 20/02/2012, determinando a audição pessoal do arguido, tendo-se designado para o efeito o dia 28/03/2012, pelas 9H30;
s) Tal diligência veio efectivamente a ocorrer na data aprazada, com observância do legal formalismo, conforme auto de fls. 1709/1710, tendo então o arguido declarado que: “confirma que há contradições nas moradas; que até Janeiro deste ano vivia no Edifício ..., com um erro no que respeita ao número de porta, mudou-se para a actual morada, que no início desta diligência informou ao Tribunal, por razões de procurar casa com valor de renda mais baixo. Trabalha na comercialização de compra e venda de material pesado, diversos materiais. Vive com a actual companheira, sendo que convive com os seus filhos duas a três vezes por semana. Com excepção do filho mais novo que vive com a mãe e cujo direito de visitas não está a concretizar por incompatibilidade pessoal com a mãe do filho. Indicou como local de trabalho, rua … Edifício …, … Escritórios, …, Amarante”;
t) E nessa mesma data o arguido prestou novo TIR, nos termos que constam de fls. 1711, declarando residir na Avenida ..., ..., ..., Póvoa de Varzim, morada esse que também indicou para efeitos de notificação;
u) Em 10/4/2012, a fls. 1712, o Ministério Público renovou a sua anterior promoção (de fls. 1686);
v) Pelo despacho de 23/04/2012, exarado a fls. 1713, foi determinado, uma vez mais, o legal contraditório, tendo para o efeito sido notificados quer o arguido, quer o seu então mandatário (cfr. fls. 1714/1716);
w) Nessa sequência, pelo requerimento de 10/05/2012, constante de fls. 1717/1718, veio o então mandatário do arguido expor, além do mais, que “há intenção e disponibilidade em cooperar para a elaboração do plano de reinserção social”, mais afirmando a sua anterior colaboração, entendendo estarem reunidas condições para a ressocialização do arguido com recurso à suspensão da pena, reiterando as supra citadas declarações prestadas pelo arguido em 28/03/2012;
x) Na mesma data, pelo seu próprio punho, veio o arguido afirmar que colaborou na elaboração do plano elaborado pelo IRS (cfr. fls. 1720/1721);
y) Com nova vista datada de 20/06/2012, a fls. 1727, o Ministério Público manteve integralmente a promoção anterior, mais declarando “que apenas se fará justiça se o arguido, que mais não faz do que “brincar” com a Justiça, possa, passar a ter a oportunidade de lavrar os seus doutíssimos requerimentos, no recato e sob a guarda do poder do ESTADO, em cumprimento de prisão efectiva. A sociedade agradece”;
z) Nessa sequência, em 26/06/2012 foi proferido o despacho que consta de fls. 1728/11730, que se transcreve:

Mostra-se pendente a apreciação e decisão da promoção do M.P. de fls. 1686 no sentido da imediata revogação da suspensão da pena de prisão em que o arguido foi condenado por não cumprimento da condição de regime de prova.
Já foram cumpridos os legais contraditórios, tendo o arguido sido ouvido pessoalmente como consta do auto de declarações de fls. 1709, sendo que quer o arguido pessoalmente, quer o seu defensor de igual modo já se pronunciaram por escrito quanto à eventual revogação.
Embora o arguido tenha obstado de forma voluntária à impossibilidade de contactos do tribunal e principalmente da DGRS para se proceder à elaboração do plano de reinserção social, no âmbito da pena de prisão suspensa na sua execução, com regime de prova, como objectivamente ilustram os autos a fls. 1667 a 1673 (sendo este ofício da DGRS que afirma de forma clara ser impossível elaborar o plano de reinserção social) certo é que supervenientemente se logrou obter o contacto do arguido e até elaborar o referido plano que se mostra a fls. 1699 a 1702.
Ora, a lei estabelece consequências para a falta de cumprimento das condições da suspensão no artº 55º do C. Penal, sendo que o artº 56º expressamente refere as condições em que se deve revogar a suspensão.
Ora, pese embora a promoção do M.P. de fls. 1686 seja omissa quanto ao fundamento legal para se avançar de imediato para a revogação da suspensão, a mesma só pode ter como fundamento o disposto no artº 56º, nº 1, al. a), do C. Penal que refere que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social.
Ora, no caso o que ocorreu objectivamente foi a falta de colaboração do arguido para a elaboração do plano de reinserção social, sendo que na prática se assim continuasse a impossibilidade tal se traduziria em "infracção do plano" porque impedindo o arguido a elaboração de tal plano na prática não quer tão pouco ser submetido a tal plano e nessa medida demonstra de forma clara que não quer cumprir integralmente a pena.
Querendo ficar apenas "sujeito" à suspensão da execução da pena de prisão, sem qualquer monitorização, para assim sentir na pele aquilo que na prática é uma "não pena" - sim porque infelizmente é isso que os arguidos na maioria dos casos entendem - não são privados da liberdade, não ficam privados de qualquer quantia monetária, como no caso da multa, não prestam qualquer trabalho a favor da comunidade...
No caso, a pena de 4 meses e 6 meses de prisão - objectivamente grave - está suspensa por igual período COM A SUJEIÇÃO DO ARGUIDO A ACOMPANHAMENTO PELO IRS, NOS TERMOS DO ARTº 53º - OU SEJA SUSPENSÃO COM REGIME DE PROVA.
E esta sentença foi integralmente confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto e o arguido bem sabe - pelo passado criminal que resulta do seu CRC - que aquilo que os tribunais decidem é para ser cumprido e como tal bem sabe que o Estado não confia que apenas a suspensão da execução da pena garanta a eficácia da pena, mas será necessário o seu acompanhamento pelo IRS para o monitorizar em termos comunitários e verificar que o mesmo actua em conformidade com o direito e não prossegue com a sua actividade criminosa.
Se assim é, não menos verdade é que face à existência do plano de reinserção social nos autos, actualmente a eficácia integral da pena está garantida, e o Estado logrou repor a legalidade, sendo que revogação neste momento (que não quando é proferida pela 1ª vez a promoção de revogação da suspensão da pena de prisão) revela-se desadequada devendo ser reservada para um momento posterior à primeira violação que o arguido apresentar ao plano de reinserção social.
Outras soluções legais se perfilam para evitar a revogação imediata da suspensão e levar a que o arguido cumpra os 4 anos e 6 meses de prisão.
No caso, entendemos que a alínea c) do artº 55º do C. Penal nos dá uma resposta mais adequada, proporcional e actual.

Assim sendo, e com base em tudo o exposto decide-se:

a) Indeferir à promoção do M.P. de revogação da suspensão da pena de prisão em que o arguido foi condenado (promoção de fls. 1686, renovada a fls. 1712 e 1727).
b) Determina-se que se oficie de imediato à DGRS que elabore novo plano de reinserção social que introduza exigências acrescidas ao arguido (como legalmente admissível pelo art.º 55º, al. c) segunda parte, do C. Penal), com reforço dos "objectivos", "acções" e "calendarização" que já se constam do plano que se mostra a fls. 1699, datado de 09/02/2012, mais se determinando que sejam remetidos relatórios de avaliação com periodicidade trimestral (e não semestral como no final do relatório se indica), pois só assim poderá o tribunal melhor monitorizar de forma efectiva se o acompanhamento do IRS na prática se está a verificar, se a reinserção social do arguido está efectivamente a ocorrer, ou não passa de meras intenções do arguido permanente dita por palavras, mas não praticada de forma efectiva, e se o arguido cumpre pontualmente com o referido plano.”;
aa) Pelo ofício de 14/09/2012, constante de fls. 1739, foi solicitado à DGRSP a elaboração de novo plano de reinserção social do arguido, nos termos do aludido despacho, e indicando-se como morada do arguido a Avenida ..., ..., ..., Póvoa de Varzim, correspondente à morada que havia indicado no TIR prestado a fls. 1711, aludido em t);
ab) Porém, pelo ofício de 25/10/2012, constante de fls. 1740, a DGRSP informa os autos do seguinte:
Na sequência do solicitado somos a informar que o arguido não obstante as diligências para o contactar, quer por carta/convocatória, quer pelo telefone e através do seu defensor, não compareceu às entrevistas.
A. M. é acompanhado por estes serviços da DGRSP, no âmbito do processo nº 970/08.GAVCD, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Póvoa do Varzim, tendo comparecido à entrevista agendada no dia 22/ Agosto, a qual foi abreviada pelo facto de o mesmo à altura referenciar estar a vivenciar problemas de saúde graves. Foi no entanto agendada nova entrevista para o dia 26 de Setembro, à qual não compareceu.
Tendo em conta a sua ausência e o pedido do tribunal para a elaboração de novo Plano de reinserção social, nesse mesmo dia foi remetida carta-convocatória para a morada constante dos autos, solicitando a sua presença no p. p. dia 12/Outubro.
No dia 01 de Outubro compareceu nesta equipa o seu defensor, identificado como Dr. M. P., para nos justificar que A. M. não tinha comparecido à entrevista agendada porque se encontraria ausente da Póvoa de Varzim. Foi no entanto informado que estava convocado para o dia 12/Outubro.
No dia 12/Outubro fomos contactados telefonicamente pelo seu defensor que justificou a ausência do arguido por motivos de saúde. Acordamos, no entanto nova data para entrevista, dia 19/Outubro, à qual o arguido não compareceu nem justificou a sua ausência.
No dia 22 de Outubro, efectuamos visita domiciliária mas não encontramos ninguém em casa.
Face ao exposto, perante a falta de colaboração do arguido não nos é possível elaborar o plano solicitado, pelo que queira V.ª Ex.ª determinar o que tiver por conveniente (…)”;
ac) Aberta vista em 29/10/2012, promoveu o Ministério Público no sentido de ser de revogar de imediato a suspensão da pena de prisão suspensa na sua execução, nos termos do artº 56º, nº 1, al. c), do C. Penal, porquanto o comportamento do arguido não poderá deixar de ser tido como violação grosseira premeditada e intencional das condições da suspensão da pena (cfr. fls. 1742);
ad) Após revogação do mandato ao anterior mandatário, veio o arguido, através de novo mandatário constituído, e após despacho nesse sentido, exarado a fls. 1747, pugnar pelo indeferimento da promoção do Ministério Público que preconizava a revogação da suspensão da execução da pena, nos termos constantes de fls. 1751/1758;
ae) Pelo despacho de 20/12/2012, exarado a fls. 1763/1775, o tribunal a quo, por considerar estarem verificados os respectivos pressupostos, declarou revogada a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido e, consequentemente, determinou o cumprimento da pena de 4 anos e 6 meses de prisão;
af) Porém, não se conformando com tal despacho, dele recorreu o arguido para o Tribunal da Relação do Porto (4) o qual, por acórdão de 08/05/2013, constante de fls. 1827/1857, concedendo provimento ao recurso, decretou a anulação da decisão recorrida, impondo que o tribunal a quo ordenasse a elaboração de novo plano e, em caso de não cooperação do arguido, tomasse as medidas adequadas à sua comparência (se solicitadas), de modo a iniciar o cumprimento daquele depois de devidamente homologado;
ag) Em cumprimento desse acórdão do TRP, pelo ofício de 05/09/2013, constante de fls. 1867, foi solicitado à DGRSP a elaboração de novo relatório social do arguido, indicando-se uma vez mais a morada que o arguido havia fornecido anteriormente, nos termos do TIR que consta de fls. 1711, ou seja, a Avenida ..., ..., ..., Póvoa de Varzim;
ah) Porém, pelo ofício de 03/10/2013, constante de fls. 1868, a DGRSP informa os autos do seguinte:
Na sequência do solicitado por V.Exª, somos a informar que o arguido não compareceu nesta equipa da DGRSP, não obstante as diligências para o contactar, quer por carta/convocatória, quer por telefone, através do seu defensor.
No dia 10 de Setembro/2013, enviamos carta-convocatória, via CTT registada, na qual solicitávamos a presença de A. M. nesta equipa da DGRSP no dia 23/Setembro, tendo sido a mesma devolvida com a indicação de Objecto não reclamado.
No dia 26 de Setembro, efectuamos visita domiciliária e não encontrámos ninguém em casa. Constatamos através do administrador do condomínio do prédio, que o arguido efectivamente residiu nesta morada, tendo, contudo, abandonado a mesma no final do ano de 2012, deixando, assim, a partir dessa altura de ter qualquer contacto com o arguido (sublinhado nosso).
Efectuamos contacto com o seu defensor, cujo contacto consta no dossier do arguido pelo facto de já contactado esta equipa em anterior processo, que nos informou desconhecer qual a actual morada.
Tentamos estabelecer contacto telefónico com o arguido, através dos números por si fornecidos pelo arguido, (9… e 9...), mas que se encontravam desligados.

Face ao exposto, perante a falta de colaboração do arguido não nos é possível elaborar o plano solicitado, pelo que queira V. Exa determinar o que tiver por conveniente (…)”;

ai) Pelo despacho de 15/10/2013, exarado a fls. 1871, e sob prévia promoção do Ministério Público (a fls. 1870), foi ordenada a notificação do arguido, e do seu então mandatário, para em 10 dias se pronunciarem sobre a informação da DGRSP, que antecede, aludida em ah;
aj) Porém, as notificações em causa não surtiram qualquer efeito, dado que a correspondência registada remetida quer ao arguido, quer ao seu então mandatário, vieram devolvidas (cfr. fls. 1874 e fls. 1876);
ak) Nessa sequência, pelo ofício de 07/01/2014, constante de fls. 1877, foi solicitado à PSP da Póvoa de Varzim a notificação pessoal do arguido, para o aludido efeito, tendo-se indicado como morada do mesmo a Avenida ..., ..., ..., Póvoa de Varzim;
al) Em resposta a essa solicitação do tribunal, pelo ofício de 03/02/2014, constante de fls. 1878/1879, aquele OPC vem informar não ter levado a cabo a diligência solicitada, adiantando que o arguido já não é visto na morada indicada há vários meses, encontrando-se a habitação sem contador da luz e da água. Acrescentando que, pelas diligências feitas, apurou-se que o arguido poderia ser localizado nas seguintes moradas:
Alto …, Vila Real, área sob jurisdição da GNR;
Rua …, Vila Real, área sob jurisdição da GNR;
…, Vila Real, área sob jurisdição da GNR;
Bairro …, Vila Real, área sob jurisdição da GNR;
am) A fls. 1880, em 12/02/2014 o Ministério Público promoveu se agendasse data para inquirição do arguido;
an) No entanto, pelo despacho de 18/02/2014, exarado a fls. 1881, o Mmº Juiz determinou que, com remessa de cópia dos resultados negativos das notificação pessoais ao arguido, se notificasse o seu defensor para, em 10 dias, e ao abrigo do princípio da colaboração, informar/esclarecer nos auto o actual paradeiro do arguido;
ao) Porém, tal notificação frustrou-se completamente, quer porque a correspondência registada remetida para o escritório do então mandatário veio devolvida, com a indicação de “mudou-se” (cfr. fls. 1883, quer porque a própria GNR, a quem foi solicitada a respectiva notificação pessoal, certificou a fls. 1888 que o dito causídico não foi encontrado na morada em causa, e que na mesma estava a laborar uma empresa há cerca de 5 meses;
ap) E, solicitada à Ordem dos Avogados informação acerca da morada do advogado em causa (Dr. M. P.) - cfr. fls. 1889/1891 -, pelo email de 16/05/2014, constante de fls. 1892, aquela entidade veio esclarecer que o mesmo tem a inscrição em vigor, com domicílio profissional na R. de …, Ermesinde;
aq) Ordenada a notificação do mandatário do arguido, nos termos e para efeitos do aludido em ao), desta feita para a morada indicada pela Ordem dos Advogados (cfr. fls. 1895/1896), mais uma vez não foi possível a concretização da mesma, dado que a correspondência remetida para aquele veio uma vez mais devolvida, desta feita com a indicação de que o mesmo terá nova morada (cfr. fls. 1897);
ar) Ordenada, uma vez mais, a notificação do mandatário do arguido através de entidade policial (cfr. fls. 1898/1900), também esta diligência veio a revelar-se inócua, dado que, conforme certidão da PSP de 01/09/2014, constante de fls. 1903, o dito causídico deixou de residir na Rua de …, Ermesinde há cerca de 4 anos, desconhecendo-se o seu actual paradeiro;
as) Na sequência da promoção do Ministério Público, de 25/09/2014, constante de fls. 1904, foram efectuadas diligências junto da …, da …, da …, da … e da …, e consultas à base de dados do registo automóvel, da identificação civil e da Segurança Social, tendentes à localização do paradeiro do arguido, e bem assim pedido de informação à DGRSP (no sentido de informar se o arguido se encontrava preso/detido), as quais foram levadas a cabo (cfr. fls. 1906/1968), mas que nada de novo e de positivo trouxeram aos autos;
at) Nessa sequência, em 09/12/2014, a fls. 1969, o Ministério Público promoveu a emissão de mandados de detenção em nome do arguido, a serem remetidos à PJ, à PSP e à GNR, a nível nacional, para apresentarem o arguido em Tribunal a fim de ser elaborado o plano de acompanhamento com a DGRS;
au) Pelo despacho de 11/12/2014, foi ordenada e emissão dos mencionados mandados de detenção, a serem remetidos à PJ, à PSP e à GNR a nível nacional para apresentação do arguido em Tribunal a fim de se elaborar o plano de acompanhamento com a DGRS - cfr. fls. 1970/1971;
av) Outrossim, na sequência do despacho de 18/05/2015, exarado a fls. 1997, foram encetadas novas diligências tendentes à localização do paradeiro do arguido, desta feita junto do Gabinete Sirene, junto das operadoras de telecomunicações/serviços televisivos a operar em Portugal, junto da …, junto do Instituto de Seguros de Portugal, junto da ANSR e junto da Administração Central do Sistema de Saúde;
aw) Em 18/05/2015, a fls. 1998, a Secção exarou nos autos informação a dar conta de que havia sido recepcionado um telefonema do mandatário do arguido, Dr. M. P., a dar conta que tinha cessado funções na AO e que não poderia futuramente representar o arguido, tanto mais que já não tinha contactos com o mesmo há vários meses;
ax) Nessa sequência, foi solicitado à Ordem dos Advogados a confirmação de tal informação, tendo essa entidade informado, em 29/05/2015, a fls. 2030, que o advogado e causa mantinha a inscrição em vigor;
ay) Porém, persistindo as dificuldades na notificação do dito mandatário do arguido, pese embora constar inscrito na Ordem dos Advogados e constar no site desta os elementos relativos à morada constante dos autos, diligenciou-se junto daquela entidade pela imediata substituição/nomeação de defensor, o que veio a suceder com a nomeação do Dr. F. M., a fls. 2125, através do ofício de 04/01/2016;
az) Constatando-se que, entretanto, já havia decorrido o período de suspensão da execução da pena única de prisão fixada ao arguido A. M. (período de 13/04/2011 a 13/10/2015) pelo despacho de 29/10/2015, exarado a fls. 2045, foram ainda ordenadas as seguintes diligências:
- Junção do certificado de registo criminal do arguido;
- Consulta aos processos pendentes e/ou instaurados no período de suspensão da execução da pena, junto de cada um dos juízos do Tribunal de Vila Real, e dos serviços do Ministério Público, que correspondem, territorialmente, à área de residência do arguido, por forma a aferir se o arguido praticou (nesse período) factos criminalmente relevantes e que possam determinar a revogação da suspensão;
- Consulta da base de dados da DGSP juntando-se aos autos o respectivo print;
- Notificação do arguido para a morada do TIR e via postal simples com prova de depósito para esclarecer e comprovar as razões da falta de colaboração com a DGRSP e o Tribunal ao longo de todo o período de suspensão da execução da pena de prisão, o que inviabilizou mesmo a mera elaboração do plano de reinserção social
- Indagação junto da PSP, GNR e PJ sobre se durante o referido período (e por factos corridos nesse período) houve inquéritos instaurados contra o arguido e qual a sua concreta identificação;
ba) Como entretanto foi recebida nos autos informação emanada do Proc. Comum Singular nº 48/08.7IDVRL, do Juízo Local Criminal de Vila Real, de que no âmbito desse processo tinha sido agendado o dia 10/05/2017, pelas 14H30, para audição do arguido com vista à eventual revogação da suspensão da execução da pena de prisão que ali lhe havia sido aplicada (cfr. fls. 2280/2281), pelo despacho de 30/03/2017, exarado a fls. 2296, e por razões de economia processual, foi designado o mencionado dia 10/05/2015, pelas 10H00, para a audição do arguido, no âmbito dos presentes autos, tendo em vista a eventual revogação da suspensão da execução da pena que lhe fora aplicada;
bb) Porém, na data e hora aprazados, o arguido não compareceu à diligência em causa, encontrando-se apenas presente o defensor oficioso entretanto nomeado, tendo a PSP da Póvoa de Varzim, a quem havia sido solicitada a notificação pessoal do arguido para essa diligência, informado (a fls. 2315/2317) que o arguido já não reside há vários anos nos domicílios indicados (Edifício …, fracção …, Póvoa de Varzim, e/ou Avenida ..., Letra …, ..., Póvoa de Varzim), encontrando-se as habitações ocupadas por outros inquilinos, e que, das diligência efectuadas, o procurado poderia ser localizado na Rua …, Vila Real, ou no Bairro Social …, …, e ainda que o mesmo foi presidente do Club de Futebol “Sport Club de …”, onde também poderia ser procurado).
Não obstante isso, e porque havia conhecimento de que estava agendada para aquele mesmo dia, pelas 14H30, diligência similar no âmbito do processo referido em ba), com a anuência da acusação e da defesa foi a diligência em causa suspensa até àquela hora, a fim de se aferir se o arguido ali compareceria, o que se veio a constatar não ter ocorrido – cfr. auto de fls. 2311/2312;
bc) Aberta vista à Digna Magistrada do Ministério Público, em 17/05/2017, a fls. 2313, a mesma promoveu o seguinte:
Na derradeira tentativa de localizar o condenado e proceder à sua audição (e para que nada se venha invocar depois), promovo se peça ao OPC competente que averigúe se o condenado reside ou não nas moradas de fls. 2310 (incluindo no clube de futebol ali referido).
Mais promovo se colha a habitual informação quanto ao paradeiro nas bases de dados e que obtendo-se moradas diversas se peça ao OPC competente que averigúe se o condenado ali reside.
Em ambos os casos se deve pedir ao OPC que colha novo TIR ao condenado.
Nada se obtendo, oportunamente, requer-se vista.”;
bd) Tendo essa promoção sido deferida pelo despacho de 25/05/2017, exarado a fls. 2314, as diligências a esse propósito levadas a cabo resultaram totalmente infrutíferas, reiterando a PSP da Póvoa de Varzim, através da informação de 08/06/2017, constante de fls. 2332/2333, que o arguido já não é visto nas moradas indicadas (entre elas a morada constante do TIR, ou seja, a Avenida ..., ..., ..., Póvoa de Varzim) há vários anos, não lhe sendo conhecida habitação naquela cidade;
be) Face a essa situação, aberta vista ao Ministério Público, a Digna Magistrada promoveu a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos presentes autos ao arguido A. M., de acordo com o Artº 56º, nº 1, al. c), do Código Penal, nos termos melhor explanados a fls. 2348/2353;
bf) Tal promoção foi notificada ao defensor do arguido, com vista ao exercício do pertinente contraditório (cfr. fls. 2354/2355), tendo o mesmo defensor apresentado em 03/10/2017 o requerimento que consta de fls. 2356/2357, com o seguinte teor:
F. M., defensor Oficioso nomeado ao arguido A. M., notificado que foi de d. promoção com a ref.ª 31368352, vem uma vez mais dizer que não conhece o arguido, porquanto nunca foi contactado por este, e o aqui defensor nunca logrou conseguir contactá-lo, acrescentando que só teve contacto com os autos após a prolação do d. Acórdão.
Quanto a d. promoção de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, aguarda pelas devidas consequências legais pelo não preenchimento dos requisitos para a manutenção da execução, para posterior análise jurídica.”;
bg) Nessa sequência, em 09/10/2017 foi proferido o despacho que consta de fls. 2359/2373, alvo do presente recurso por banda do arguido.

Isto posto.

Como se viu, sustenta o recorrente, em síntese, que o despacho recorrido enferma da nulidade a que alude o Artº 119°, al. c), em virtude de o tribunal a quo não o ter ouvido pessoal e presencialmente, nos termos do disposto no Artº 495º, nº 2, com vista à revogação da suspensão da execução da pena, não bastando, para cumprir o contraditório, ser o arguido notificado na pessoa do defensor oficioso da promoção do Mº Público que preconiza a revogação da suspensão da execução da pena.

Vejamos.

Sob a epígrafe “Falta de cumprimento das condições de suspensão”, dispõe o Artº 495º:

“1 – Quaisquer autoridades e serviços aos quais seja pedido apoio ao condenado no cumprimento dos deveres, regras de conduta ou outras obrigações impostos comunicam ao tribunal a falta de cumprimento, por aquele, desses deveres, regras de conduta ou obrigações, para efeitos do disposto no nº 3 do artigo 51º, no nº 3 do artigo 52º e nos artigos 55º e 56º do Código Penal.
2 - O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, bem como, sempre que necessário, ouvida a vítima, mesmo que não se tenha constituído assistente.
(…)”.

A obrigatoriedade de audição prévia do condenado antes da decisão sobre a revogação da suspensão da execução da pena de prisão – para além de constituir uma emanação do princípio do contraditório consagrado no Artº 32º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa – traduz a extensão expressa à fase de execução da pena do direito geral de todo o arguido “ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte”, reconhecido pelo Artº 61º, nº 1, alínea b).
Cominando, na verdade, o Artº 119º, al. c), com nulidade insanável “a ausência do arguido e do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência”.
Como claramente se extrai da conjugação dos aludidos preceitos legais, o despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão sujeita a regime de prova é em regra precedido obrigatoriamente de audição pessoal e presencial do arguido, tanto mais que o nº 2 do Artº 495º, supra transcrito, consigna expressamente que o condenado seja ouvido “na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão”.
Na verdade, na esteira do acórdão da Relação de Évora de 21/05/2019, proferido no âmbito do Proc. nº 126/09.5PTSTB-A.E1, disponível in www.dgsi.pt, também “Entendemos que a exigência do cumprimento da garantia constitucional e processual penal do contraditório, com consagração no artigo 32°, nº 5 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 61°, n° 1, alínea b) do Código de Processo Penal, na sua plenitude e atendo o disposto no artigo 495º, n.º 2, do CPP, impõe, como regra, a obrigatoriedade de, previamente à prolação do despacho de revogação de suspensão da execução da pena de prisão e independentemente do fundamento da revogação que esteja em causa, o arguido/condenado, ser ouvido, pessoal e presencialmente, para que, no exercício do direito de defesa que lhe assiste e tratando-se de uma decisão que pessoalmente o afecta, no seu direito à liberdade, poder pronunciando-se sobre as razões que eventualmente tenham estado na base do incumprimento dos deveres impostos a que ficou condicionada a suspensão da execução da pena de prisão, do regime de prova ou esclarecendo o circunstancialismo que envolveu o cometimento de crime(s) por que haja sido condenado e praticado(s) durante o período da suspensão da execução da pena, com vista a melhor poder habilitar o tribunal a ajuizar se “as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.
Neste sentido pronuncia-se, também, Paulo Pinto de Albuquerque (5), quando afirma que o arguido deve ser sempre ouvido pessoal e presencialmente, independentemente do motivo da revogação da suspensão, sob pena da nulidade do artigo 119º, alínea c), “uma vez que a lei não relaciona a audição do arguido com nenhum motivo em especial”.
Bem como a jurisprudência dos tribunais superiores que maioritariamente alinha pela aplicação estrita e de máximo garantismo para o arguido deste comando legal, como se pode constar, v.g. no acórdão da Relação de Évora, de 12/07/2012, proferido no âmbito do Proc. nº 691/09.7GFSTB.E1, no acórdão da Relação de Coimbra, de 09/09/2015, proferido no âmbito do Proc. nº 83/10.5PAVNO.E1.C1, no acórdão deste TRG, de 18/04/2016, proferido no âmbito do Proc. nº 1629/03.0PBBRG.G1, e no acórdão da Relação do Porto, de 06/03/2013, proferido no âmbito processo nº 691/05.6PIPRT.P1 (todos disponíveis in www.dgsi.pt).
Contudo, como certeiramente se referiu no acórdão deste TRG, de 11/02/2019, proferido no âmbito do Proc. nº 663/09.1JAPRT.G1, disponível in www.dgsi.pt, “tal direito de audição e de se pronunciar sobre a pretensão não pode equivaler à “paralisia” do sistema de justiça, essencialmente quando a sua concretização só não se atinge por razões imputáveis ao próprio arguido.”.
Com efeito, não obstante a regra da obrigatoriedade de audição pessoal e presencial do arguido, neste domínio, nos termos anteriormente explanados, afigura-se-nos que, em situações em que não seja possível proceder àquela audição, por razões que sejam imputáveis ao próprio arguido (v.g. porque faltou injustificadamente à diligência marcada, ou porque se ausentou da morada constante do TIR, não sendo conhecida a sua nova morada), tendo o tribunal diligenciado para que essa audição tivesse lugar, sem êxito, e sendo o defensor do arguido notificado, para poder pronunciar-se sobre a eventual revogação da suspensão da execução da pena de prisão, há que considerar assegurado o princípio do contraditório, não enfermando a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, proferida, nesse circunstancialismo, da nulidade prevista no Artº 119º, al. c).

Ora, no caso vertente, face à realidade processual supra descrita, torna-se manifesto e evidente que o Tribunal a quo providenciou pela audição do arguido, tendo em vista aferir das razões pelas quais não estava a cumprir com as obrigações e deveres que lhe haviam sido impostos na sentença condenatória, maxime obstaculizando a elaboração do próprio plano de reinserção social subjacente à suspensão da execução da pena de prisão que lhe havia sido aplicada.
Na verdade, e como à saciedade resulta do antecedente relatório, foram encetadas variadíssimas e prolongadas diligências tendentes a apurar o paradeiro do arguido, tendo em vista a elaboração do dito plano de reinserção social por banda da DGRSP, as quais se revelaram todas infrutíferas.
Por outro lado, o recorrente olvida que o tribunal a quo chegou mesmo a aprazar data e hora para a sua a audição presencial, com vista à eventual revogação da suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada, nos termos aludidos em ba), e que o mesmo não compareceu a tal diligência, nem deu qualquer justificação para essa sua ausência (o que até poderia ter feito através do seu defensor…), sendo certo que a tentativa de notificação pessoal do mesmo, quer para a morada que indicara no TIR prestado a fls. 1711 (Avenida ..., Letra …, ..., Póvoa de Varzim), quer para uma outra morada conhecida nos autos, não surtiu efeito, tendo a PSP daquela cidade informado que o arguido já não reside há anos nos domicílios indicados.
Assim sendo, torna-se manifesto e evidente que o arguido apenas não foi ouvido presencialmente antes da prolação do despacho recorrido unicamente por total e reiterado desleixo e desinteresse seu, atitude essa que - repete-se -, ficou bem demonstrado nos autos ao longo de todo o processo, e designadamente a partir da condenação propriamente dita.
Acresce que se revelava desnecessário determinar a audição de qualquer técnico da DGRSP afecto à fiscalização do cumprimento das condições da suspensão dado que o arguido inviabilizou esse acompanhamento com as sucessivas, reiteradas e injustificadas faltas, não permitindo, sequer, a elaboração do plano de reinserção social.
E pelas mesmas razões, também não tem qualquer sustentação o argumento esgrimido pelo recorrente segundo o qual não foi pessoalmente notificado da promoção do Ministério Público constante de fls. 2348 e sgts., na qual se pugnou pela revogação da suspensão da execução da pena, notificação essa que - diz - sempre deveria ter sido levada a cabo via CTT para a morada do TIR.
Pois, pergunta-se, face à situação espelhada nos autos, que viabilidade teria essa tentativa de notificação, e designadamente o cumprimento daquela formalidade, quando o arguido bem sabe que há vários anos se ausentou dessa mesma morada, não indicando nos autos qualquer outra que permitisse a sua efectiva notificação, como era seu dever?
Em suma, não tendo sido possível, por circunstâncias apenas imputáveis ao próprio arguido, assegurar a sua audição presencial, não se vislumbra que tenha sido cometida a invocada nulidade, sendo certo que na diligência aludida em ba) e bb) esteve presente o seu defensor, e que antes da prolação do despacho ora recorrido o Tribunal a quo deu oportunidade ao mesmo defensor para se pronunciar sobre a promovida revogação da suspensão da execução da pena de prisão, dessa forma ficando garantido o contraditório, ainda que na sua expressão mínima, nos termos do disposto no Artº 63º, nº 1.
Não existindo, pois, violação do princípio do contraditório, consagrado no Artº 32º, da Constituição da República Portuguesa, nem de qualquer uma das normas legais trazidas à colação pelo recorrente, improcede o recurso, neste segmento.
Afigura-se-nos, aliás, que a invocação, por esta via recursória, da violação do disposto no Artº 119º, nº 1, al. c), face às concretas circunstâncias processuais evidenciadas nos autos, não deixa de consubstanciar um verdadeiro venire contra factum proprium por banda do arguido, extravasando a sua atitude clara e flagrantemente os limites da boa-fé.
Pois, como à saciedade demostram os autos, o arguido sabia e sabe perfeitamente que há muito tempo tem pendente o presente processo, em cujo âmbito foi condenado em pena de prisão cuja execução ficou suspensa, sujeita a regime de prova, devendo necessariamente submeter-se a um plano de reinserção social a homologar pelo tribunal, a ser executado com vigilância e apoio dos serviços da DGRSP.
Porém, estando ao longo do tempo devidamente representado por diversos mandatários e/ou defensores, o arguido/recorrente foi-se furtando durante largos anos ao contacto quer com o tribunal, quer com a DGRSP, quer com os diversos órgãos de polícia criminal, ignorando reiterada e sucessivamente convocatórias, notificações e telefonemas, e mudando constantemente de residência e de localidade, ausentando-se para paradeiro(s) desconhecido(s), não cuidando de indicar nos autos nova morada onde pudesse ser contactado, como era seu dever, “obrigando” as competente autoridades a fazer inúmeras tentativas de o encontrar e contactar, diligências que certamente terão custado muitos milhares de euros ao erário público.
Não sendo, assim, minimamente aceitável que, designadamente, tendo inviabilizado totalmente a elaboração do pertinente plano de reinserção social, venha agora invocar o seu direito ao exercício pessoal do contraditório e audição presencial, sendo até “chocante” que, decorridos quase nove após o trânsito em julgado do acórdão condenatório, não tenha sido possível dar execução a essa decisão do tribunal colectivo, bem se podendo dizer que, na situação sub-judice, estão totalmente frustradas as expectativas da comunidade na boa administração da justiça.
E será que se preenchidos os pressupostos legais da revogação da suspensão da execução da pena, cuja verificação o recorrente implicitamente questiona nas suas conclusões recursórias?
A resposta – adiantamo-la já – é claramente afirmativa.
Como se sabe, a suspensão da execução da pena é uma pena de substituição que assenta na formulação de um juízo de prognose favorável por banda do tribunal quanto ao futuro comportamento do arguido, ou seja, na formulação de um juízo de que ele não praticará novos crimes.
Tal instituto tem um regime próprio, com pressupostos formais e materiais e duração legalmente definidos, revestindo modalidades diversas – a simples suspensão na execução, a suspensão sujeita a condições e a suspensão com regime de prova – podendo ser alterada (na duração ou nas condições) e/ou revogada – Cfr. Artºs 50º a 57º, do Código Penal.
No que tange às consequências jurídicas do incumprimento das condições da suspensão há que atentar no que prescrevem os Artºs. 55º e 56º do Código Penal.
Na verdade, sob a epígrafe “Falta de cumprimento das condições da suspensão”, prescreve o Artº 55º do Código Penal:

“Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:

a) Fazer uma solene advertência;
b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;
d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no nº 5 do artigo 50º”.

Estatuindo, por seu turno, o Artº 56º, sob a epígrafe “Revogação da suspensão”:

“1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.”.

Da conjugação dos transcritos preceitos legais extrai-se claramente que qualquer alteração à suspensão da execução da pena, por violação dos deveres e das regras de conduta ou do plano de reinserção impostos na sentença, pressupõe a culpa por banda do condenado no não cumprimento da obrigação, sendo também claro que a hipótese de revogação apenas pode colocar-se nas situações em que a culpa se revele grosseira.
A violação grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos, a que se alude no citado Artº 56º “há-de constituir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada; só a inconciliabilidade do incumprimento com a teleologia da suspensão da pena é que deve conduzir à respectiva revogação.
Importando “no entanto salientar que a infracção grosseira dos deveres que são impostos ao arguido não exige nem pressupõe necessariamente um comportamento doloso, bastando a infracção que seja o resultado de um comportamento censurável de descuido ou leviandade” - cfr., neste sentido, o Acórdão da Relação de Coimbra, de 17/10/2012, proferido no âmbito do Proc. nº 91/07.3IDCBR.C1, in www.dgsi.pt.
Ora, no caso vertente, afigura-se-nos que se verifica claramente a previsão do citado preceito legal.
Para tanto bastando relembrar as extensas incidências processuais a que já fizemos alusão anteriormente, por si só demonstrativas de que o arguido não revelou o mínimo esforço por corresponder positivamente à oportunidade que o tribunal colectivo lhe facultou quando, no acórdão condenatório proferido nos autos, decidiu pela suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi cominada, não tendo tomado qualquer atitude com vista a permitir sequer elaborar o necessário plano de reinserção social tendente ao cumprimento do regime de prova estabelecido.
Com efeito, o quadro circunstancial supra descrito é bem revelador de que as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena de prisão não foram minimamente alcançadas pelo arguido.
Sendo manifesto o total desprezo do arguido pelas decisões do tribunal e pelo seu estatuto de condenado.
Pois, não obstante estar ciente das consequências que daí lhe poderiam advir, e das sucessivas notificações para cumprir as suas obrigações, o arguido assumiu uma postura de reiterado e prolongado desinteresse.
Concordando-se inteiramente com o Mmº Juiz a quo quando afirmou no despacho recorrido que “Não revogar a pena suspensa ao arguido que assim actua – que não permite sequer a elaboração do PRS - seria o benefício ao infractor, isto é premiar o infractor mais gravoso, em violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado no art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa. Além de que seria um “convite” a todos os condenados sujeitos a regime de prova a não colaborarem na realização do Plano de Reinserção Social, pois que assim nunca iriam incumpri-lo e nessa medida sujeitar a eventuais consequências legais do art.º 55.º e 56.º, n.º1, al., do C. Penal (…)”.
Sendo de concluir - como bem sublinha a Exma. Procuradora da República na sua douta resposta, que “a atitude assumida pelo condenado, apreciada globalmente, denota a violação grosseira e repetida dos deveres que lhe estavam impostos e da impossibilidade de alcançar, por via da suspensão da execução da pena de prisão, as finalidades subjacentes à pena aplicada pelo que nenhuma outra decisão se impunha que não a que o condenado visse revogada a decretada suspensão da execução da pena de prisão, pois que nenhum obstáculo, que não o seu próprio comportamento, se afigura ter existido para que o condenado pudesse ter cumprido um plano de reinserção social que lhe fosse imposto para a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado”, e que “o tribunal a quo não produziu tal decisão numa qualquer leitura amorfa dos preceitos legais, mas sim balizado naquilo que constituiu o comportamento do arguido posteriormente ao trânsito em julgado da decisão condenatória.”.
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Assim, sem necessidade de outras considerações, por despiciendas, não tendo sido violada qualquer uma das normas legais invocadas pelo arguido, nem qualquer outra, nenhuma censura nos merece o despacho recorrido, que se confirma, improcedendo totalmente o presente recurso.

III. DISPOSITIVO

Por tudo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A. M., confirmando-se, consequentemente, o douto despacho recorrido.

Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça (Artºs. 513º e 514º do C.P.Penal, 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, do Reg. Custas Processuais, e Tabela III anexa ao mesmo).

(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos, contendo as assinaturas electrónicas certificadas dos signatários - Artº 94º, nº 2, do C.P.Penal)
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Guimarães, 27 de Janeiro de 2020

António Teixeira (Relator)
Paulo Correia Serafim (Adjunto)



1. Todas as transcrições a seguir efectuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correcção de erros ou lapsos de escrita manifestos, da formatação do texto e da ortografia utilizada, da responsabilidade do relator.
2. Diploma ao qual pertencem todas as disposições legais a seguir citadas, sem menção da respectiva origem.
3. Cfr., neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo) ”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e sgts., e o Acórdão de fixação de jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém actualidade.
4. E não para este Tribunal da Relação de Guimarães, como por diversas vezes, certamente por lapso, é referido quer no despacho recorrido, quer na resposta do Ministério Público ao presente recurso.
5. In “Comentário do Código de Processo Penal”, 4ª edição, 2011, Universidade Católica Editora, pág. 1252.